Heráclito de Éfeso (v. c. 500 a.C.) foi um filósofo pré-socrático que, como os demais, procurou identificar a Primeira Causa da criação do mundo. Ele rejeitou teorias anteriores, tais como o ar e a água, e afirmou que o fogo era a Primeira Causa, pois criava e destruía.
Tales de Mileto (v. c. 585 a.C.) afirmou que a Primeira Causa era a água, enquanto seu aluno Anaximandro (v. c. 610-546 a.C.) concluiu que seria uma força cósmica que chamou de apeiron (uma energia criativa infinita e sem limites) e Anaximenes (v. c. 546 a.C.) definiu-a como o ar. Heráclito rejeitou estas sugestões em favor do fogo, como um elemento tanto criativo quanto transformativo. Junto com outros filósofos pré-socráticos, este conceito influenciaria as obras de Platão (v. 428/427-348/347 a.C.) e Aristóteles (v. 384-322 a.C.) que lançaram as bases da filosofia ocidental.
Heráclito era conhecido por seus contemporâneos como o filósofo "obscuro", assim chamado porque seus escritos mostravam-se difíceis de entender. Parecendo desprezar o entendimento comum da natureza da vida e do propósito da vida humana (o mesmo sentimento que parecia estender à maioria dos seres humanos com quais entrava em contato), o filósofo comparou a compreensão da maioria das pessoas a dos adormecidos. Para Heráclito, apenas o filósofo, aquele que perseguia a Verdade, estava totalmente desperto e vivo, e ele parecia se considerar o único filósofo de seu tempo.
Sua afirmação central é resumida na frase Panta Rhei ("a vida é fluxo"), que reconhece a mudança como essência fundamental e subjacente da vida. Nada na vida é permanente, nem pode ser, porque a própria natureza da existência consiste na mudança. Para Heráclito, a mudança não apenas faz parte da vida, é a própria vida. Todas as coisas, ele alegou, são trazidas à existência e deixam de existir através do choque de opostos que continuamente criam e destroem. Conta-se que criticava severamente aqueles que lamentavam o conflito e a guerra porque ambos, segundo ele, são fundamentais para a transformação.
Afirma-se que Heráclito cometeu suicídio porque não suportava mais viver entre aqueles que considerava seus inferiores ou porque tentava se curar de uma doença. Baseando-se no que os outros escreveram mais tarde sobre ele, qualquer das versões pode ser correta, mas em geral aceita-se que o filósofo morreu tentando se curar de uma doença, pois não confiava nos médicos nem, ao que parece, em qualquer um além de si mesmo.
Provocação e Obscuridade
Seus escritos, que confundem a muitos, parecem ter sido redigidos propositalmente para forçar o leitor ao pensamento e percepção independentes (a exemplo dos koans zen da escola Zen do Budismo) em vez de proporcionar-lhes mais das mesmas "filosofias" de vida adormecedoras que tanto desprezava. Desdenhando a abordagem bastante direta de seus predecessores, como Anaximandro, Anaximenes e Xenófanes de Cólofon (v. c. 570 - c. 478 a.C.), ele sempre apresentava seu pensamento tão vagamente quanto possível, ocultando o significado final de cada declaração, como um enigma.
Embora isso seja geralmente entendido como uma tentativa de iluminar seus leitores, também pode ser facilmente interpretado como simplesmente um reflexo de caráter individual. Conforme já observado, autores antigos relatam que ele acarretou a própria morte por falar desta forma deliberadamente confusa com os médicos que tentavam tratá-lo. Outros relatos afirmam que se dirigia a todos da mesma maneira. As mesmas fontes sugerem que pode ter se originado de uma família aristocrática de ou próxima de Éfeso e que desenvolveu o desdém pelas "pessoas simples" desde muito cedo. Ainda que isso possa certamente ser correto, é também possível que, após várias interações com pessoas que não pareciam prestar atenção a nada mais importante do que o próprio interesse, ele dispensou a fachada da sociedade polida e se recusou a interagir com os outros como eles esperavam que o fizesse.
Vida é Fluxo
Seguindo as tradições dos filósofos pré-socráticos iniciais, Heráclito expôs uma teoria física da matéria e do mundo físico dentro das mesmas linhas de Tales, Anaximandro e Anaximenes, mas levou as ideias adiante com sua famosa afirmação de que "a vida é fluxo" (Panta Rhei em grego, significando que tudo ou todas as coisas mudam). Se compreendemos que a mudança é a única constante na vida, então podemos reconhecer mais facilmente o que Heráclito estava dizendo em seus escritos "obscuros", quando ele declara coisas como "Para cima e para baixo são um e o mesmo. Vivo e morto, desperto e adormecido, jovem e velho, são o mesmo". Tais coisas são o "mesmo" porque estão todas sujeitas à mudança, surgindo de uma mudança para desaparecer em outra e todas as coisas, constantemente, estão em fluxo e são, neste aspecto, o mesmo.
Heráclito tornou-se famoso entre seus contemporâneos por seu indisfarçado desprezo por todos eles e, igualmente, por aqueles que os precederam. Entre os mais de 100 fragmentos que temos de sua obra está o que se segue:
O conhecimento de muitas coisas não ensina alguém a ser inteligente; de outro modo, ele poderia ter ensinado Hesíodo e Pitágoras ou, novamente, Xenófanes e Hecateu. (DK 22B40)
Ao comentar este fragmento, o professor J. M. Robinson explica que Heráclito está dizendo como os citados desperdiçaram seu tempo em especulações sobre muitas coisas - Hesíodo com teorias sobre os deuses, Pitágoras com a preocupação sobre a alma, Xenófanes ao afirmar que havia somente um deus - enquanto Heráclito afirmava que era preciso concentrar-se na Primeira Causa que explicaria tudo o mais:
Saber muitas coisas - conhecer as causas do trovão e relâmpago e terremotos - é bom; mas é melhor compreender aquilo que está subjacente a todas estas - o pensamento que conduz todas as coisas através de todas as coisas. Isso é sabedoria. (Robinson, 88)
A forma de vida subjacente, a "sabedoria" que Heráclito compreendeu, é que a condição humana é principalmente caracterizada por conflitos, pela aproximação e afastamento de forças opostas. Embora as pessoas lamentem estes conflitos, igualando-os ao sofrimento, Heráclito observou que este mesmo processo formava o mundo natural, escrevendo que "todas as coisas passam a existir através da oposição e todas estão em fluxo, como um rio" (DK 22A1). Não há razão, portanto, em temer ou tentar evitar o conflito porque ele é a força subjacente essencial da vida.
A Ordem Universal de Heráclito - Logos
Esta competição de forças, que Heráclito caracterizava como o fogo, é facilmente observável na natureza e, ainda assim, os seres humanos resistem ao movimento natural da vida e tentam se apegar ao que é conhecido e considerado seguro. Heráclito afirmava que este "apego" antinatural causa sofrimento às pessoas. Ele escreve: "Esta ordem do mundo, a mesma para todos, não foi feita por deus ou por qualquer homem, mas sempre era, é e será um fogo sempre vivo, acendendo segundo a medida e apagando segundo a medida" (DK22B30). A ordem do mundo é a mudança contínua e resistência a esta mudança é uma espécie de morte na qual o indivíduo se recusa a participar naquilo que define a vida. Ainda que pareça que ele nunca admitiria isso, Heráclito parece ter desenvolvido os conceitos de Xenófanes referentes ao único e eterno "Deus" que está por trás de todas as coisas e que pôs tudo em movimento; ele chamou esta força de Logos.
Em grego, Logos significa "a palavra", mas também significa "falar" e também pode se referir a "transmitir o pensamento" e o Logos de Heráclito adapta-se melhor a este último significado. O Logos constantemente "transmite pensamento" para os seres humanos, mas a mensagem é perdida, por causa da persistente recusa das pessoas em reconhecer a ordem natural de suas próprias vidas. Heráclito escreve:
Embora o logos seja como eu disse, os homens sempre falham em compreendê-lo, tanto antes como depois de já ter ouvido. Com efeito, tudo vem a ser conforme este logos e, não obstante, eles parecem sem experiência nas experiências com palavras e obras, iguais às que levo a cabo, discernindo e elucidando, segundo o vigor, o modo em que se conduz cada coisa. Aos outros homens, porém, lhes fica encoberto tanto o que fazem acordados, como se lhes volta a encobrir o que fazem durante o sono. (DK 22B1)
O Logos é o "pensamento" racional, natural e universal através do qual o universo vem a ser e pelo qual é mantido.
A este respeito, as crenças de Heráclito correspondem às do filósofo mais jovem Parmênides (v. c. 485 a.C.), segundo o qual tudo o que existe é Um, da mesma exata substância, e não pode ser criado ou destruído. O Logos de Heráclito corresponderia ao Um de Parmênides, com a diferença de que o Logos forma todas as coisas mas não é tais coisas por si mesmas. Parmênides discordava da alegação de Heráclito de que tudo é conflito e do eterno embate de forças, insistindo que tais observações baseavam-se numa falsa interpretação sensorial. Para Parmênides, não havia pluralidade na existência, somente unidade; afirmações em contrário seriam causadas pelas ilusões que nossos sentidos interpretam como verdade.
Heráclito, porém, argumentaria que o argumento de Parmênides era falho, pois o funcionamento do Logos é simplesmente a ordem natural da vida e a compreensão disso não depende dos sentidos, mas da razão. Ele escreve: "Eles não compreendem como, ainda que [o Logos] esteja em desacordo consigo mesmo, ele concorda consigo mesmo. É uma harmonia de tensões opostas, como no arco e na lira" (DK22B51) e, mais adiante, "O contrário em tensão é convergente, da divergência dos contrários, a mais bela harmonia" (DK22B8) e "A harmonia invisível é mais forte do que a visível" (DK22B54).
Esta "harmonia invisível" é a "matéria" básica da existência que, quando corretamente apreendida, torna a vida sensível e significativa. Um filósofo posterior, Zenão de Cítio (v. c. 336 - c. 265 a.C.) desenvolveria esta ideia na escola de pensamento conhecida como Filosofia Estoica, que por sua vez seria aperfeiçoada pelo filósofo estoico Epicteto (v. c. 50 - c. 130 d.C), entre outros, para se tornar a tendência predominante do pensamento filosófico em Roma.
Morte
Diógenes Laércio (v. c. 180-240 d.C.), no oitavo livro de sua famosa obra, Vidas e Opiniões de Eminentes Filósofos, relata a morte de Heráclito e como correspondeu à sua vida:
Quando alguém pedia a Heráclito para estabelecer algumas regras, ele não demonstrava interesse porque o governo da cidade já era ruim. Em vez disso, foi ao templo de Ártemis e jogou dados com as crianças. Finalmente, ele se tornou misantropo, retirou-se do mundo e viveu nas montanhas, alimentando-se de ervas e plantas. Porém, tendo contraído por causa disso uma hidropisia, ele desceu até a cidade e pediu aos doutores, com um enigma, se eles podiam fazer a seca de um tempo chuvoso. Quando eles não entenderam, ele se enterrou num estábulo de vacas, esperando que a hidropisia se evaporasse pelo calor do esterco; mas mesmo assim não teve nenhum resultado e sua vida terminou aos sessenta anos de idade.
A hidropisia que Heráclito sofria seria conhecida nos dias atuais como "edema", um inchamento de tecidos corporais devido à acumulação de fluido abaixo da pele. Era típico do filósofo colocar seu problema aos médicos com um enigma, pois parecia que estava sempre testando os demais, na crença de que possuía inteligência acima da média. Quando falharam em compreender seu pedido para que "fizessem a seca de um tempo chuvoso", querendo dizer que sofria de um edema, decidiu (também de forma típica) que sabia a melhor forma de se curar.
Os estudiosos datam sua morte em cerca de 475 a.C. Além da escola estoica, o pensamento de Heráclito influenciou fortemente filósofos posteriores e seus enigmas são com frequência citados e mencionados nos Diálogos de Platão e, mais tarde, nas obras de Aristóteles. Ele continuou sendo citado como um dos mais brilhantes e difíceis filósofos pré-socráticos pelos autores antigos, que reconheceram sua importância ao sintetizar a relação humana com o mundo natural, opinião que subsistiu até os dias atuais.
Observação: As citações DK referem-se ao catálogo Diels-Krantz de Fragmentos dos Filósofos Pré-Socráticos, conforme usados na obra de Kathleen Freeman Ancila to the Pre-Socratic Philosophers. Tradução livre em português.