Desde a Antiguidade, a pimenta sempre foi a especiaria mais importante do mundo. Ela desempenhou papel central na medicina das antigas Índia e China, se tornou um componente crucial da culinária romana e permaneceu central na cozinha da Europa medieval. A busca pela sua aquisição levou Vasco da Gama (c. 1469-1524) a circundar o Cabo da África para o Oceano Indico, e levou Cristóvão Colombo (145-15060 a atravessar o Oceano Atlântico em direção do Novo Mundo.
Pimenta da Índia e China antigas
O cultivo de pimenta teve início há centenas de anos na Índia, local de onde ela é nativa, e foi, rapidamente, introduzida nas maiores ilhas da Indonésia por mercadores. Duas espécies de pimenta foram domesticadas: a pimenta-longa (Piper longum) no noroeste da Índia e a pimenta preta (Piper nigrum) no sudeste. A pimenta-longa era mais popular em Roma devido à sua forte pungência, enquanto que a pimenta preta dominou a Europa medieval por ser mais acessível aos mercadores. A pimenta-longa é, hoje, quase completamente esquecida.
Há vários registros do uso médico da pimenta na Índia que remontam ao menos há 3.000 anos. Pimenta era um componente-chave na antiga medicina ayurvédica. Este uso também encontrou seu caminho até a China na antiguidade. Há evidencias escritas que a pimenta estava sendo comercializada por via terrestre, da Índia até a província de Xichuan, no século 2° a.C. A iguaria também é mencionada em histórias da Dinastia Han (202 a.C. – 220 d.C.) publicadas no século 5° d.C. e nos registros contábeis da Dinastia Tang publicados quatro séculos depois. A pimenta foi, provavelmente, levada da Índia à China inicialmente para propósitos medicinais, mas não demorou muito até se tornar uma importante especiaria culinária.
Pimenta era tão importante no Egito à época do Novo Império (c. 1570-c. 1069 a.C.) que ela foi encontrada no nariz da múmia de Ramsés II, que morreu em 1213 a.C. Pouco é conhecido sobre como os egípcios usavam a pimenta ou detalhes completos de como ela chegou à região, mas é sabido que era um comércio ativo entre a Índia e a Arábia à época, e os egípcios estavam enviando navios Nilo abaixo ao local que chamavam de Terra de Punt para obter bens exóticos, como incenso, mirra e canela.
Pimenta no Império Romano
Pimenta – tanto a longa quanto a preta – era conhecida na Grécia no século 4° a.C., provavelmente um item de luxo que apenas os ricos podiam adquirir. Era igualmente usada na medicina e para saborizar vinho. A popularidade da pimenta na Europa aumentou exponencialmente em 30 a.C., depois da conquista romana do Egito, e seu uso se espalhou rapidamente pela Gália (grande parte da França e da Alemanha de hoje) e pela Britânia. Pimenta se tornou um ingrediente essencial na comida do mundo romano. As pessoas mais ricas a utilizam em praticamente todos os pratos. No livro de receitas atribuído ao famoso gourmet romano Apicius, a pimenta está incluída em mais de 70% das receitas (em 349 de 469).
A cozinha romana foi infundida com sabores exóticos, incluindo gengibre da China e pimenta da Índia... A pimenta indiana era particularmente popular e extremamente cara. Era usada em molhos para peixes e carnes, na medicina e em tônicos revigorantes aos quais se apregoava a cura da impotência. Romanos também misturavam pimenta e outros aromáticos no vinho: ingredientes como incenso, mirra, canela, gengibre a cardamomo eram adicionados, depois o vinho era aquecido em fogo baixo. (Singer, p. 16).
Os romanos começaram a fazer viagens regulares pelo Mar da Arábia à costa Malabar no sul da Índia por volta do primeiro milênio d.C. Muitos detalhes específicos destas viagens foram mantidos no Périplo do Mar Eritreu, escrito entre os anos 45 e 55 por um marinheiro falante de grego. A carga de pimenta era recolhida na cidade de Muziris ao longo da costa ocidental da Índia, em enormes navios com capacidade para mais de 400 toneladas.
O geógrafo grego Estrabo (16.4) relatou que o Império Romano enviava 120 navios anualmente, em uma viagem de um ano de ida e volta da Índia, navegando com ajuda das monções. Em seu retorno, estes navios atravessavam pelo Mar Vermelho até Berenice, onde a pimenta era descarregada e transportada pelo deserto até o Nilo, daí levada de balsa até Alexandria do Egito Romano e embarcada para a Europa, onde era descarregada e armazenada em grandes horrea piperateria (armazéns de pimenta) em um bairro de Roma dedicado às especiarias. Este movimento massivo de pimenta para Roma continuou até a queda do Império Romano do Ocidente, no século 5°. Conta-se que Alarico, o visigodo, demandou de Roma como resgate mais de uma tonelada de pimenta quando ele sitiou a cidade em 410.
O custo do mercado de pimenta para Roma era impressionante. O enciclopedista romano Plínio alertava que, no século 1°, “não havia ano no qual a Índia não aliviava o Império Romano de 50 milhões de sestércios (mais de 100 milhões de dólares atualmente)”. Ele descreve o fascínio e o valor da pimenta se perguntando: “Por que gostamos tanto disto? Algumas comidas atraem pelo adocicado, outras pela aparência, mas nem o pó ou o grão da pimenta possuem qualquer uma destas características. Nós a desejamos apenas pela sua picância – e vamos até a Índia para buscá-la. Quem foi o primeiro que a experimentou como alimento? Quem foi tão angustiado para desenvolver um apetite que a fome não pode suportar? Pimenta e gengibre crescem como mato em seus países nativos, e mesmo assim nós os avaliamos em termos de ouro e de prata” (Plínio, o velho, História Natural, 12,14).
Pimenta na Idade Média
A popularidade da pimenta na culinária e na medicina alcançou seu ápice histórico durante a Idade Média na Europa. Pimenta, e outras especiarias, eram tidas como saudáveis e também usadas para enriquecer as qualidades naturais da comida. A comida nas casas medievais era muito processada e ricamente condimentada. Comida crua era raramente consumida, mesmo os vegetais e as frutas. As especiarias eram usadas para temperar todos os tipos de alimento, incluindo carne, peixe, sopas, pratos doces e vinho. Era bastante comum em banquetes medievais ter disponível um “prato de especiarias” o qual os convidados podiam escolher temperos extras, como a pimenta, para as já muito condimentadas refeições.
O notório expert em gastronomia medieval Paul Freedman nos conta que “as pimentas eram onipresentes na gastronomia medieval” e “algo em torno de 75% das receitas medievais levavam pimentas” (p. 50). Na edição atualizada de Pleyn Delit: Medieval Cookery for Modern Cooks¸ o autor fornece 131 receitas medievais, das quais 92 incluem pimentas e outras especiarias.
Registros históricos estão repletos com referências ao copioso uso de especiarias entre os abastados da Europa Medieval. Quando William I da Escócia (r. 1165-1214) visitou Ricardo I da Inglaterra (r. 1189-1199) em 1194, ele recebeu, entre outros presentes, um suprimento diário de 1,800 kg de canela e 900 g de pimenta (certamente, mais do que ele poderia consumir em um dia). Lampreia, um prato bastante popular nos castelos da Inglaterra Medieval, era recheada com um molho apimentado. Conta-se que o rei Henrique I da Inglaterra (r. 1100-1135) faleceu após consumir um prato exagerado de lampreia apimentada (apesar de que o envenenamento alimentar tenha sido o provável culpado). Um molho servido durante a celebração do dia de Santo Eduardo, o Confessor, em 1264, foi preparado usando cerca de 7 kg. de canela, 5,5 kg de cominho e 9 kg de pimenta. Há registro de um único banquete para quarenta pessoas na Inglaterra Medieval onde a refeição foi temperada com 450 g de aquilegia, 225 g de açúcar, 7 g. de açafrão, 110 g de cravo-da-índia, 55 g de noz moscada e 55 g de pimenta.
Pesquisadores têm um longo debate do motivo pelo qual as especiarias terem se tornado tão populares na cozinha medieval. É consenso que estes produtos eram usados para preservar a carne e para mascarar o sabor dos produtos em decomposição, mas seus efeitos iriam muito além do que a prática de salgar, defumar ou conservar. Alguns destes pesquisadores apontam que o uso copioso de especiarias no preparo dos alimentos foi incentivado pelas teorias médicas de Galeno (129-216 d.C.) que promoviam os seus efeitos na saúde. De todo modo, não há razão para acreditar que refeições medievais se preocupavam mais com dietas saudáveis do que as pessoas de hoje em dia. Provavelmente, a origem exótica das especiarias e seu custo fizeram de seu consumo um símbolo de status que promoveu seu uso generalizado.
Pimenta também possuía um papel vital na dieta chinesa da Idade Média. Quando Marco Polo (1254-1324) viajou por aquelas terras em 1271, ele encontrou a pimenta como sendo o mais importante ingrediente da culinária chinesa, e o comércio de pimenta se tornou uma força econômica de destaque. Oficiais de alfândega relataram a Marco Polo que apenas a cidade de Hangzhou consumia 43 carroças de pimenta por dia, cada carga pesando 101 quilos. Quantidades surpreendentes de pimenta foram transportadas por embarcações de Java e Sumatra, cerca de 5.000 a 6.000 cestos em cada uma. À época da Dinastia Sung (1271-1367), foi padronizado que diplomatas do sul da Ásia deveriam dar tributos em pimenta para os governantes chineses.
A Pimenta perde seu prestígio
A pimenta e o mercado de especiarias permaneceram forte na Europa até metade do século 17, quando ele declinou devido a muitas causas. Como descreve Freedman:
Um novo grupo de bebidas, estimulantes e sabores chegou, incluindo o chá, café, chocolate e tabaco, oferecendo novas sensações ao paladar, mas também produziram efeitos psicológicos que se mostraram suaves ou, no caso do tabaco, seriamente viciantes... Especiarias se tornaram baratas com o colonialismo e a abertura de novas rotas comerciais, assim o seu consumo não mais comunicava um adequado sentimento de privilégio e exclusividade (p. 221).
As origens das especiarias passaram a ser muito claramente conhecidas; não pareciam mais misteriosas ou exóticas. Talvez, de maneira mais importante, “foi um terremoto nos sabores. As pessoas abastadas da Europa não mais apreciavam alimentos ardentes e perfumados” (Freedman, p. 224).
A redução no uso de especiarias pela Europa levou a uma mudança dramática no que era exportado da Índia e Sudoeste Asiático para a Europa. As especiarias foram substituídas por algodão no fim do século 1600, e por café e chá no século 1700. Grande porção do comércio holandês e inglês também mudou em direção ao Oceano Atlântico transportando açúcar, tabaco e escravos.