Civilização do Vale do Indo

Definição

Joshua J. Mark
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 07 outubro 2020
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, grego, Hindi, Persa, Polaco, espanhol
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Mohenjo-daro (by Andrzej Nowojewski, CC BY-SA)
Mohenjo-daro
Andrzej Nowojewski (CC BY-SA)

A Civilização do Vale do Indo foi uma entidade cultural e política que floresceu na região norte do subcontinente indiano entre c. 7000 - c. 600 a.C. Seu nome moderno deriva da localização, no vale do Rio Indo, mas também costuma ser chamada de Civilização Indo-Sarasvati ou Civilização Harapeana (ou Harapana/Harappiana).

Estas últimas designações provêm do Rio Sarasvati, citado nas fontes védicas, que fluía adjacente ao Rio Indo, e da antiga cidade de Harappa, a primeira cidade da região a ser descoberta na era moderna. Nenhum destes nomes origina-se de textos antigos porque, ainda que os estudiosos acreditem, de forma geral, que esta civilização desenvolveu um sistema de escrita (conhecido como Sistema de Escrita do Indo ou Harapeano), ele ainda não foi decifrado.

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Tratam-se de concepções modernas e nada pode ser considerado definitivo a respeito da origem, desenvolvimento, declínio e queda desta civilização. Mesmo assim, a arqueologia moderna estabeleceu uma provável cronologia e periodização:

  • Pré-Harapeano - c. 7000 - c. 5500 a.C.
  • Harapeano Inicial - c. 5500 - 2800 a.C.
  • Harapeano Maduro - c. 2800 - c. 1900 a.C.
  • Harapeano Tardio - c. 1900 - c. 1500 a.C.
  • Pós-Harapeano - c. 1500 - c. 600 a.C.

Atualmente, a Civilização do Vale do Indo vem sendo comparada com as culturas mais famosas do Egito Antigo e da Mesopotâmia, mas trata-se de um desenvolvimento recente. A descoberta de Harappa, em 1829, foi a primeira indicação de que tal civilização teria existido na Índia Antiga e, naquela época, os hieróglifos egípcios tinham sido decifrados, sítios egípcios e mesopotâmicos escavados e o cuneiforme seria traduzido em breve pelo estudioso George Smith (v. 1840-1876). As escavações arqueológicas desta civilização, portanto, tiveram um início significativamente posterior, em comparação, e acredita-se atualmente que muitas das conquistas e "primeiros" atribuídos ao Egito e à Mesopotâmia podem, na verdade, pertencer ao antigo povo do Vale do Indo.

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Estima-se que a população da civilização tenha chegado a mais de 5 milhões de pessoas e seu território estendia-se por mais de 1.500 km ao longo e além do Rio Indo.

As duas cidades escavadas mais conhecidas dessa cultura são Harappa (ou Harapa) e Mohenjo-daro (situadas no atual Paquistão), que se acredita já terem tido populações entre 40.000 e 50.000 pessoas, algo impressionante quando se percebe que a maioria das cidades antigas tinha em média 10.000 habitantes. Estima-se que a população desta civilização tenha chegado a mais de 5 milhões de pessoas e seu território estendia-se por mais de 1.500 km, ao longo das margens do Rio Indo e além, em todas as direções. Sítios da Civilização do Vale do Indo foram encontrados perto da fronteira do Nepal, no Afeganistão, nas costas da Índia e em em torno da cidade indiana de Deli, para citar apenas alguns locais.

Entre c. 1900 - c. 1500 a.C., a civilização começou a declinar por razões desconhecidas. No início do século XX, pensava-se o motivo teria sido uma invasão de povos de pele clara do norte, conhecidos como arianos, que conquistaram o povo de pele escura denominado por estudiosos ocidentais como dravidianos. Essa alegação, conhecida como Teoria da Invasão Ariana, foi desacreditada. Acredita-se atualmente que os arianos – cuja etnia está associada aos persas iranianos – migraram para a região pacificamente e misturaram sua cultura com a dos povos indígenas, enquanto o termo dravidiano é entendido agora como se referindo a qualquer pessoa, de qualquer etnia, que fale um dos idiomas dravidianos.

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As razões pelas quais a Civilização do Vale do Indo declinou e caiu no esquecimento são desconhecidas, mas os estudiosos acreditam que pode ter relação com mudanças climáticas; a redução da vazão do Rio Sarasvati; alterações no rumo das monções, que contribuíam para a irrigação das culturas; superpopulação das cidades; declínio no comércio com o Egito e a Mesopotâmia; ou uma combinação de qualquer um destes itens. Atualmente, as escavações prosseguem em muitos dos sítios descobertos até o momento e novos achados podem fornecer mais informações sobre a história e o declínio desta cultura.

Descoberta e Escavações Iniciais

Os símbolos e inscrições nos artefatos da civilização do Vale do Indo, interpretados por alguns estudiosos como um sistema de escrita, permanecem indecifráveis e, portanto, os arqueólogos geralmente evitam definir uma origem para a cultura, pois qualquer tentativa seria especulativa. Tudo o que se pode saber da civilização até o momento provém das evidências físicas escavadas em vários locais. A história desta civilização, portanto, é melhor contada através da descoberta de suas ruínas no século XIX.

James Lewis (mais conhecido como Charles Masson, v. 1800-1853) era um soldado britânico que serviu na artilharia do exército da Companhia das Índias Orientais quando, em 1827, decidiu desertar, junto com outro soldado. Para evitar ser detectado pelas autoridades, mudou seu nome para Charles Masson e embarcou numa série de viagens por toda a Índia. Masson, um ávido numismata (colecionador de moedas), estava especialmente interessado em moedas antigas e, ao seguir várias pistas, acabou escavando locais antigos por conta própria. Um desses locais foi Harappa, que ele encontrou em 1829. Parece ter deixado o local rapidamente, após fazer um registro em suas anotações, mas, não tendo conhecimento de quem poderia ter construído a cidade, atribuiu erroneamente sua fundação a Alexandre, o Grande, durante suas campanhas na Índia, por volta de 326 a.C.

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Map of the Indus Valley Civilization, c.3300 - 1300 BCE
Mapa da Civilização do Vale do Indo
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

Quando Masson retornou à Grã-Bretanha após suas aventuras (e tendo sido de alguma forma perdoado de sua deserção), publicou em 1842 seu livro Narrative of Various Journeys in Balochistan, Afghanistan and the Punjab [Narrativa de Várias Viagens no Baluquistão, Afeganistão e Punjab], que atraiu a atenção das autoridades britânicas na Índia e, especialmente, de Sir Alexander Cunningham. Cunningham (v. 1814-1893), um engenheiro britânico que atuou na região e tinha paixão pela história antiga, fundou a Archaeological Survey of India (ASI) [Pesquisa Arqueológica da Índia] em 1861, uma organização dedicada a manter um padrão profissional de escavação e preservação de locais históricos. Ele iniciou escavações do sítio e publicou sua interpretação em 1875 (na qual ele identificou e nomeou o sistema de escrita do Indo), mas tratava-se de uma obra incompleta e carente de definições precisas, já que Harappa permanecia como um local isolado, sem conexão com quaisquer civilizações conhecidas do passado que poderiam tê-la construído.

Em 1904, foi nomeado um novo diretor da ASI, John Marshall (1876-1958), que visitou Harappa algum tempo depois e concluiu que o local representava uma civilização antiga ainda desconhecida. Ele ordenou que o local fosse totalmente escavado e, mais ou menos ao mesmo tempo, ouviu falar de outro local, a alguns quilômetros de distância, denominado pela população local como Mohenjo-daro ("o monte dos mortos") por causa dos ossos, tanto animais quanto humanos, encontrados ali junto com vários artefatos. As escavações em Mohenjo-daro começaram na temporada de 1924-1925 e as semelhanças dos dois locais foram reconhecidas; a civilização do Vale do Indo havia sido descoberta.

Harappa e Mohenjo-daro

Os textos hindus conhecidos como Vedas, bem como outras grandes obras da tradição indiana, como o Mahabharata e Ramayana, já eram bem conhecidos pelos acadêmicos ocidentais, mas não se sabia qual cultura os havia criado. O racismo sistêmico da época evitou que as atribuíssem aos indianos e o mesmo comportamento, a princípio, levou os arqueólogos a concluírem que Harappa fosse uma colônia dos sumérios da Mesopotâmia ou talvez um posto avançado egípcio.

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Harappa
Harappa
Muhammad Bin Naveed (CC BY-SA)

Porém, Harappa não se adaptava às arquiteturas egípcia ou mesopotâmica, pois não havia evidência de templos, palácios ou estruturas monumentais, nem nomes de reis ou rainhas, estelas ou estátuas da realeza. A cidade espalhava-se por mais de 150 hectares de pequenas casas de tijolos, com telhados planos feitos de argila. Havia uma cidadela, muros e as ruas estavam dispostas num padrão de grade, numa clara demonstração de elevado grau de habilidade no planejamento urbano e, ao comparar as duas cidades, ficou aparente para os escavadores que estavam lidando com uma cultura altamente avançada.

As casas, nas duas cidades, dispunham de banheiros com descarga, sistema de esgotos e condutos ao lado das ruas que integravam um elaborado sistema de drenagem - mais avançado, inclusive, do que o dos primeiros romanos. Dispositivos conhecidos na Pérsia como "coletores de vento" estavam presos aos telhados de alguns edifícios, proporcionando ar condicionado para as residências ou escritórios administrativos e, em Mohenjo-daro, havia uma grande casa de banhos pública, cercada por um pátio com degraus que desciam em direção a ela.

À medida que outros sítios eram desenterrados, o mesmo grau de sofisticação e perícia veio à luz, bem como a compreensão de que todas essas cidades tinham sido planejadas. Ao contrário das outras culturas, que geralmente se desenvolveram a partir de comunidades rurais menores, as cidades da Civilização do Vale do Indo surgiram a partir de uma concepção inicial, da escolha de um local e de construções realizadas antes da ocupação. Além disso, todas exibiam conformidade com uma visão unificada, que sugeria, portanto, um governo central forte e uma burocracia eficiente que conseguia planejar, financiar e construir tais centros urbanos. O estudioso John Keay comenta:

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O que maravilhou todos estes pioneiros, e que permanece como uma característica distinta das várias centenas de sítios harapeanos conhecidos atualmente, é sua aparente similaridade: "Nossa esmagadora impressão é de uniformidade cultural, através dos vários séculos durante os quais a civilização harapeana floresceu e na vasta área que ocupou." Os tijolos ubíquos, por exemplo, são todos de dimensões padronizadas, assim como os cubos de pedra empregados pelos harapeanos para pesagem, também padronizados e baseados num sistema modular. A largura das estradas adota um modelo semelhante; assim, as ruas têm tipicamente o dobro da largura das vias laterais, enquanto as artérias principais têm o dobro ou uma vez e meia a largura das ruas. A maioria das ruas até agora escavadas são retas e correm de norte a sul ou de leste a oeste. Os planos da cidade, portanto, utilizam um padrão de grade regular e parecem ter mantido esse layout através de várias fases de construção. (9)

As escavações em ambos os locais continuaram entre 1944-1948, sob a direção do arqueólogo britânico Sir Mortimer Wheeler (v. 1890-1976), cuja ideologia racista dificultava a aceitação do fato de que pessoas de pele escura haviam construído tais centros urbanos. Mesmo assim, ele conseguiu estabelecer a estratigrafia [estudo das camadas de ocupação] de Harappa e as bases para a periodização posterior da Civilização do Vale do Indo.

Great Bath, Mohenjo-daro
Grandes Banhos, Mohenjo-daro
Benny Lin (CC BY-NC)

Cronologia

O trabalho de Wheeler forneceu aos arqueólogos os meios para reconhecer as datas aproximadas desde os primórdios dessa civilização até seu declínio e queda. A cronologia baseia-se principalmente, como observado, em evidências físicas de sítios harapeanos, mas também no conhecimento de seus contatos comerciais com o Egito Antigo e a Mesopotâmia. O lápis-lazúli, para citar apenas um produto, era imensamente popular em ambas as culturas e, embora os estudiosos soubessem que vinha da Índia, desconhecia-se a região exata até que a Civilização do Vale do Indo foi descoberta. Mesmo que essa pedra semipreciosa continuasse a ser importada após a queda dessa civilização, fica claro que, inicialmente, parte da exportação provinha do Vale do Indo.

  • Pré-Harapeano - c. 7000 - c. 5500 a.C.: O período Neolítico, melhor exemplificado por sítios como Mehrgarh (ou Mergar), que mostra evidências de desenvolvimento agrícola, domesticação de plantas e animais e produção de ferramentas e cerâmicas.
  • Harapeano Inicial - c. 5500-2800 a.C.: Comércio firmemente estabelecido com o Egito, a Mesopotâmia e, possivelmente, com a China. Portos, docas e armazéns foram construídos perto de cursos de água por comunidades que viviam em pequenas aldeias.
  • Harapeano Maduro - c. 2800 - c. 1900 a.C.: Construção das grandes cidades e urbanização generalizada. Harappa e Mohenjo-daro estão florescentes por volta de 2600 a.C. Outras cidades, como Ganeriwala, Lothal e Dholavira, surgem de acordo com os mesmos modelos e esse desenvolvimento da região continua com a construção de centenas de outras cidades, até que existam mais de 1.000 delas, em todas as direções.
  • Harapeano Tardio - c. 1900 - c. 1500 a.C.: Declínio da civilização, que coincide com a onda de migração do povo ariano do norte, provavelmente do planalto iraniano. As evidências físicas sugerem mudanças climáticas, que causaram inundações, secas e fome. O rompimento das relações comerciais com o Egito e a Mesopotâmia também parece ter sido uma das causas.
  • Pós-Harapeano - c. 1500 - c. 600 a.C.: Abandono das cidades e mudança da população para o sul. A civilização já havia desaparecido na época em que Ciro, o Grande (Ciro II, r. c. 550-530 a.C.) invadiu a Índia, em 530 a.C.

Harappan Civilization (Artist's Impression)
Civilização Harapeana (Concepção Artística)
Amplitude Studios (Copyright)

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Aspectos Culturais

A população parece ter sido formada principalmente por artesãos, agricultores e mercadores. Não há evidências de exército permanente, nem de palácios ou templos. Acredita-se que os Grandes Banhos de Mohenjo-daro tenham sido usado para rituais de purificação relacionados à crença religiosa, mas trata-se de uma conjectura; pode facilmente ter abrigado uma piscina pública para recreação. Cada cidade parece ter tido seu próprio governador, mas, segundo se especula, alguma forma de governo centralizado seria necessária para se obter tal uniformidade urbana. John Keay comenta:

As ferramentas, utensílios e materiais harapeanos confirmam essa impressão de uniformidade. Sem familiaridade com o ferro – desconhecido no terceiro milênio a.C. – os harapeanos cortavam, raspavam, chanfravam e perfuravam com "competência sem esforço", empregando um kit padronizado de ferramentas feitas de cherte, uma espécie de quartzo, ou de cobre e bronze. Estes últimos, junto com ouro e prata, eram os únicos metais disponíveis. Eles também eram usados para fundir vasos e estatuetas e para moldar uma variedade de facas, anzóis, pontas de flechas, serras, cinzéis, foices, alfinetes e pulseiras. (10)

Entre os milhares de artefatos descobertos nos vários locais estão pequenos selos de pedra-sabão, com pouco mais de 3 cm de diâmetro, que os arqueólogos interpretam como tendo sido usados para identificação pessoal no comércio. Como os selos cilíndricos da Mesopotâmia, acredita-se que os do Vale do Indo eram utilizados para assinar contratos, autorizar vendas de terras e autenticar pontos de origem, remessas e recebimento de mercadorias no comércio de longa distância.

Unicorn Seal - Indus Script
Selo do Unicórnio - Sistema de Escrita do Vale do Indo
Mukul Banerjee (Copyright)

O povo local desenvolveu a roda, carroças puxadas por gado, barcos de fundo plano largos o suficiente para transportar mercadorias comerciais, e também podem ter desenvolvido a vela de navegação. Na agricultura, compreenderam e fizeram uso de técnicas e canais de irrigação, vários implementos agrícolas e estabeleceram diferentes áreas para pastagem de gado e cultivo. Os rituais de fertilidade podem ter sido observados para uma colheita favorável, bem como para favorecer a gravidez feminina, conforme evidenciado por uma série de figurinhas, amuletos e estatuetas com a forma feminina. Acredita-se que a população venerava uma Deusa Mãe e, possivelmente, um consorte masculino, retratado como uma figura com chifres, acompanhada por animais selvagens. Como se desconhecem as crenças religiosas desta cultura, porém, quaisquer sugestões a respeito são apenas especulações.

Seu nível de habilidade artística torna-se evidente pelos numerosos achados de estátuas, selos de pedra-sabão, cerâmica e joias. A obra de arte mais famosa é uma estatueta de bronze, com 10 cm de altura, conhecida como a "Garota Dançarina", descoberta em Mohenjo-daro em 1926. A peça mostra uma adolescente com a mão direita no quadril e a esquerda no joelho, com o queixo levantado como se estivesse avaliando as propostas de um pretendente. Outra peça igualmente impressionante é a figura em pedra-sabão, com 17 cm de altura, conhecida como o Rei-Sacerdote, que traz um homem barbudo que usa um ornamento de cabeça e uma braçadeira ornamental.

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Dancing Girl of Mohenjo-daro
Dançarina de Mohenjo-daro
Joe Ravi (CC BY-SA)

Um aspecto particularmente interessante da cultura local é a aparição de um animal semelhante a um unicórnio em mais de 60% dos selos pessoais. Existem muitas imagens diferentes nesses selos, mas, como observa Keay, o unicórnio aparece em "1156 selos e vedações de um total de 1755 encontrados em sítios do período Harapeano Maduro" (17). Ele também observa que os selos, não importa qual imagem apareça neles, também exibem marcações interpretadas como provenientes do Sistema de Escrita do Indo, sugerindo que o “texto” transmite um significado diferente da imagem. O “unicórnio” talvez represente a família, clã, cidade ou afiliação política de um indivíduo e a “texto” as suas informações pessoais.

O Declínio e a Teoria da Invasão Ariana

Assim como não há resposta definitiva para a questão do que eram os selos, o que o “unicórnio” representava ou como o povo venerava seus deuses, o mesmo acontece com os motivos do declínio e queda final desta cultura. Entre c. 1900 - c. 1500 a.C., a população abandonou progressivamente as cidades, mudando-se para o sul. Conforme já observado, existem várias teorias a respeito deste fenômeno, mas nenhuma completamente satisfatória. De acordo com uma delas, o Rio Gaggar-Hakra, identificado com o Rio Sarasvati citado nos textos védicos, e que corria próximo ao Rio Indo, secou por volta de 1900 a.C., exigindo uma grande realocação das pessoas que dependiam dele. O assoreamento significativo em sítios como o de Mohenjo-daro sugerem grandes inundações, o que se tornou outra causa possível.

Priest-king from Mohenjo-daro
Rei-sacerdote de Mohenjo-daro
Mamoon Mengal (CC BY-SA)

Outra possibilidade é a falta de mercadorias necessárias para o comércio. Tanto a Mesopotâmia quanto o Egito estavam experimentando problemas durante esta época, o que pode ter resultado em interrupções significativas nos fluxos comerciais. O Período Harapeano Tardio corresponde aproximadamente à Idade do Bronze Média na Mesopotâmia (2119-1700 a.C.), durante a qual os sumérios - os maiores parceiros comerciais com o povo do Vale do Indo - estavam ocupados com a expulsão dos invasores gutianos e, mais ou menos entre 1792-1750 a.C., o rei babilônico Hamurabi estava conquistando suas cidades-estado e consolidando seu império. No Egito, o período corresponde à última parte do Médio Império (2040-1782 a.C.), quando a fraca 13ª Dinastia governava, logo antes da chegada dos hicsos e a perda do poder e autoridade do governo central.

O principal motivo adotado pelos estudiosos do século XX, porém, não tinha relação com nenhum dos já citados, e sim com a afirmação de que uma raça superior de arianos, com pele mais clara, havia conquistado e expulsado a população do Vale do Indo para o sul.

Teoria da Invasão Ariana

Os estudiosos ocidentais vinham traduzindo e interpretando a literatura védica da Índia por mais de 200 anos quando Wheeler estava escavando os locais e, nessa época, desenvolveram a teoria de que o subcontinente foi, em algum momento, dominado por uma raça de pele clara, conhecida como arianos, que implantaram uma cultura mais sofisticada em toda a região. Esta teoria desenvolveu-se lentamente e, a princípio, inocentemente, através da publicação de uma obra do filólogo anglo-galês sir William Jones (v. 1746-1794) em 1786. Jones, um leitor ávido de obras em sânscrito, observou que havia incríveis similaridades entre este idioma e as línguas europeias e afirmou que devia haver uma origem comum para todas elas, a qual denominou Proto-Indo-Europeu.

Os estudiosos ocidentais posteriores, tentando identificar a "origem comum", concluíram que uma raça de pele clara vinda do norte - de algum lugar próximo à Europa - tinha conquistado as regiões meridionais, notavelmente a Índia, implantando sua cultura e disseminando sua linguagem e costumes, ainda que nada apoiasse este parecer em termos objetivos. O escritor elitista francês Joseph Arthur de Gobineau (v. 1816-1882) popularizou essa visão na obra An Essay on the Inequality of the Human Races [Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas], em 1855, e afirmou que raças superiores, de pele clara, tinham "sangue ariano" e estavam naturalmente predispostas a governar raças “inferiores”.

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Os primeiros iranianos se autoidentificaram como arianos, significando "nobre", "livre" ou "civilizado", até que racistas europeus corromperam esta designação para servir à sua própria agenda.

O livro de Gobineau foi admirado pelo compositor alemão Richard Wagner (v. 1813-1883), cujo genro britânico, Houston Stewart Chamberlain (v. 1855-1927) popularizou ainda mais esses conceitos em sua obra, que influenciaria por sua vez Adolf Hitler e o arquiteto da ideologia nazista, Alfred Rosenberg (v. 1893-1946). Esses conceitos raciais receberam mais validade através de um filólogo e estudioso alemão que não concordava com elas, Max Muller (v. 1823-1900), o chamado “autor” da Teoria da Invasão Ariana, que sustentou, em toda a sua obra, que o ariano relacionava-se a diferenças linguísticas e não com com etnicidade.

No entanto, não importava o que Muller dissesse porque, quando Wheeler estava escavando os sítios arqueológicos, na década de 1940, as pessoas conviviam com tais teorias há mais de 50 anos. Levaria décadas até que a maioria dos estudiosos, escritores e acadêmicos começasse a reconhecer que 'ariano' originalmente se referia a uma classe de pessoas – sem nenhuma relação com raça – e, nas palavras do arqueólogo J. P. Mallory, “como uma designação étnica, a palavra [ariano] é mais propriamente limitada aos indo-iranianos” (Farrokh, 17). Os primeiros iranianos se autoidentificaram como arianos, significando "nobre", "livre" ou "civilizado", até que racistas europeus corromperam esta designação para servir à sua própria agenda.

Assim, a interpretação de Wheeler sobre os sítios teve influência e depois acabou validando a Teoria da Invasão Ariana. Os arianos já eram reconhecidos como os autores dos Vedas e de outras obras, mas chegaram à região muito tempo depois para apoiar a alegação de que tivessem construído os impressionantes centros urbanos; talvez, no entanto, fossem os responsáveis por sua destruição. Wheeler estava, naturalmente, ciente da Teoria da Invasão Ariana, como qualquer outro arqueólogo da época e, através desta lente, interpretou seus achados como uma forma de apoio a ela; ao fazê-lo, ele validou a teoria, que conquistou então maior popularidade e aceitação.

Conclusão

A Teoria da Invasão Ariana, embora ainda citada e desenvolvida pelos defensores da agenda racial, perdeu credibilidade na década de 1960, graças principalmente ao trabalho do arqueólogo americano George F. Dales, que revisou as interpretações de Wheeler, visitou os locais e não encontrou evidências que a confirmassem. Os esqueletos que Wheeler interpretou como resultado de mortes violentas em batalha não mostraram tais sinais, nem as cidades exibiam qualquer dano associado à guerra.

Além disso, não havia evidência de qualquer tipo de mobilização de um grande exército do norte nem de qualquer conquista por volta de 1900 a.C. na Índia. Os persas – a única etnia que se identificava como ariana – eram uma minoria no planalto iraniano entre c. 1900 - c. 1500 a.C., sem condições de organizar invasões de qualquer tipo. Portanto, sugeriu-se que provavelmente a "Invasão Ariana" consistiu, na verdade, na migração de indo-iranianos, que se fundiram pacificamente aos povos nativos da Índia, misturaram-se à população e foram assimilados pela cultura local.

À medida que as escavações dos locais da Civilização do Vale do Indo prosseguem, mais informações sem dúvida contribuirão para uma melhor compreensão de sua história e desenvolvimento. O reconhecimento das vastas realizações da cultura e o alto nível de tecnologia e sofisticação vem crescendo e ganhando maior aceitação. O estudioso Jeffrey D. Long expressa o sentimento geral, afirmando que “há muito fascínio por essa civilização devido ao seu alto nível de avanço tecnológico” (198). A Civilização do Vale do Indo já é mencionada como uma das três maiores da antiguidade, ao lado do Egito e da Mesopotâmia, e escavações futuras quase certamente elevarão ainda mais sua posição.

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Perguntas e respostas

A Civilização do Vale do Indo é a mais antiga do mundo?

A Civilização do Vale do Indo é uma das mais antigas do mundo, junto com as da Mesopotâmia e do Egito.

Pelo que a Civilização do Vale do Indo é famosa?

A Civilização do Vale do Indo é famosa por suas grandes cidades, como Harappa, que abrigavam centros urbanos tecnologicamente avançados e com uma cultura sofisticada.

Quando floresceu a Civilização do Vale do Indo?

A Civilização do Vale do Indo floresceu entre aproximadamente 7000 a cerca de 600 a.C.

Por que a Civilização do Vale do Indo acabou?

A Civilização do Vale do Indo começou a declinar entre aproximadamente 1900 e 1500 a.C., provavelmente devido a mudanças climáticas, embora as razões para sua queda ainda sejam debatidas.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Joshua J. Mark é cofundador e diretor de conteúdos da World History Encyclopedia. Anteriormente, foi professor no Marist College (NY), onde lecionou história, filosofia, literatura e redação. Ele viajou bastante e morou na Grécia e na Alemanha.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2020, outubro 07). Civilização do Vale do Indo [Indus Valley Civilization]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-10070/civilizacao-do-vale-do-indo/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Civilização do Vale do Indo." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação outubro 07, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-10070/civilizacao-do-vale-do-indo/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Civilização do Vale do Indo." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 07 out 2020. Web. 21 fev 2025.