O Periodo Dinástico Inicial na Mesopotâmia é um termo cunhado pela arqueologia moderna que designa uma fase na história Mesopotâmica -2900-2334 a.C.- na qual avanços culturais sigificativos ocorreram, incluindo a ascenção das cidades, o desenvolvimento da escrita, e o estabelecimento de sistemas de governos.
Essa era foi precedida pelo período de Uruk (4100-2900 a.C) quando as primeiras cidades foram estabelecidas na região da Suméria (Sul da Mesopotâmia) e sucedida pelo período Acadiano (2334-2279 a.C) quando a Mesopotâmia foi conquistada por Sargão de Acádia (2234-2279 a.C) e governada por ele e seus sucessores no Império Acadiano.
O termo Período Dinástico Inicial foi cunhado pelo orientalista Henri Frankfort (1897-1954 d.C) pra refletir o Período Dinástico Inicial no Egito, uma fase semelhante de desenolvimento. Deve ser levado em consideração, entretanto, que os avanços do período inicial mesopotâmicos diferem do período egípcio de forma siginificava, especialmente no sentido de que a Mesopotâmia -mesmo sob o reino de Sargão ou impérios posteriores - nunca foi uma unidade política ou étnica coerente como o Egito, e o progresso ocorrido nessa era não aconteceu de maneira uniforme como no Vale do Nilo.
As cidades-estado sumérias foram, pela maior parte de sua história, governadas independentemente- e não unidas sob o reinado de um único rei como no caso do Egito - e, portanto, cidades com Ur ou Uruk teriam desenvolvido progressos culturais que não foram compartilhados - ao menos não imediatamente - com outras.
Essa era é dividida por arqueólogos em três períodos:
- Dinástico I- 2900-2800 a.C
- Dinástico II- 2800-2600 a.C
- Dinástico III – 2600-2334 a.C
Essas divisões são consideradas arbitrárias por alguns acadêmicos e historiadores a medida em que não existe uma clara linha demarcatória separando um período do outro. Mesmo assim, existe uma diferença sutil que justificaria a divisão.
Período de Uruk
A era mais antiga da história da Mesopotâmia é o período Ubaid (c. 5000-4100 a.C) sobre o qual pouco é sabido devido a escassez de fontes. As origens do povo Ubaid (que recebeu esse nome por conta do sítio arqueológico moderno Tell al' Ubaid, local onde os achados mais relevantes da cultura foram encontrados) são obscuras, e, como não foram deixados registros escritos, as poucas informações que arqueólogos reuniram vem de peças de cerâmica e de peças de arte. Esse povo já havia abandonado um modelo de sociedade de caçadores-coletores em direção a uma sociedade agrícola e estabelecido pequenas comunidades rurais antes da ascenção da Suméria.
Essas vilas se desenvolveram durante o período de Uruk (nomeado a partir do sítio arqueológico que define essa era, a cidade de Uruk) e, com o passar do tempo, se tornaram as primeiras cidades. Avanços importantes desse período, além da urbanização foram a arquitetura monumental, (c. 3500-300 a.C particularmente o zigurate) o desenvolvimento de selos cilíndricos (c. 3600 a.C , apesar de o modelo básico dos cilindros já ser conhecido), a escrita (c. 3600-3500 a.C ) linguagem escrita (c. 3200 a.C ) que é explicada em listas léxicas (essencialmente dicionários com símbolos cuneiformes e seus significados em sumério, acádio e hitita), e burocracia de governo. Todos esses avanços se complexificaram durante o período dinástico.
Dinastia Inicial I
Entre o período de Uruk e o período dinástico inicial, os rios ao redor da cidade de Shuruppak transbordaram, causando inundações severas nas planícias do sul e em direção ao norte. Esse evento, que impactou drasticamente aquela sociedade, é considerado a origem da famosa história do Grande Dilúvio, sendo ressignificada como a ira de Deus na Gênesis de Eridu e no Atrahasis, as obras mesopotâmicas agora reconhecidas como a inspiração para a famosa historia de Noé e sua arca. A data exata da inundação é contestada mas a maioria dos acadêmicos acredita ter sido em 2900 a.C.
As cidades que existiam antes do dilúvio eram:
- Eridu
- Bad-tibira
- Larsa
- Sippar
- Shuruppak
As cidades estabelecidas depois do dilúvio foram:
- Adab
- Akshak
- Awan
- Hamazi
- Kish
- Lagash
- Mari
- Nippur
- Umma
- Ur
- Uruk
A lista de reis sumérios- um documento composto c. 2100 a.C em lagash - afirma que a prmeira cidade, estabelecida pelos deuses, foi Eridu e o primeiro rei foi Alulim que reinou por 28,800 anos. Todos os reis que sucedem Alulim tem durações de reinado igualmente improváveis. O primeiro rei da lista considerado histórico é Etana de Kish, conhecido pelo Mito de Etana, na obra pertencente ao gênero de literatura mesopotâmica Naru no qual Etana voa para o firmamento nas costas de uma águia para conquistar o que ele mais deseja dos deuses.
A lista de reis sumérios diz que a realeza passou de Eridu para outras cidades e a lista foi feita para criar uma linha irrompível entre a realeza presente e o ilustre passado de Eridu. As datações da maioria dos reis é duvidosa e a duração de seus reinados é impossível, mas é claro que as cidades da Mesopotâmia se desenvolveram constantemente desde a fundação de Eridu c. 5400 a.C ao longo do Período Dinástico I.
Essas cidades, cresceram a partir de pequenas vilas mas a base dessas vilas - como evidenciado por registros administrativos - era a organização social conhecida como a 'residência'. O estudioso Marc Van Mieroop explica:
[Residências eram] unidades sociais maiores que familias nucleares cujos membros residem juntos. Um importante aspecto da residência é o fato de que funcionava como uma única unidade de produção e consumo: grande parte dos bens necessários para a sobrevivência eram produzidos na própria residência. Residências talvez tenham sido originadas em grupos sanguíneos economicamente autônomos e eventualmente se uniram em instituições centradas em um Deus ou no rei. (55)
Residências eram associadas com a deídade da cidade (representada pelo templo no topo do zigurate), o rei, a rainha, ou alguém com poder e riqueza. Cada residência possuía sua própria terra e bens (como barcos e ferramentas) em comum. No período de Uruk, os sacerdotes essencialmente governavam porém a realeza já havia sido estabelecida c. 3600 a.C e no período Dinástico I, essa posição estava firmemente estabelecida. O rei cuidava do povo e o alto sacerdote cuidava do Deus e da cidade. Os sacerdotes de Lesser tratavam do complexo do templo e atendiam as necessidades do povo.
Cada residência seguia a mesma ordem hierárquica, com o rei, seguido pela rainha (que algumas vezes possuía sua própria residência), os sacerdotes da deídade da cidade, a administração/ burocracia militar, mercadores e artistas (trabalhadores especializados), e os trabalhadores não especializados (operários) abaixo. Os operários eram pagos através de rações distribuídas pelo administrador do rei, rainha, ou templo e geralmente consistia em cevada, lã e óleo. As pessoas também pescavam e cultivavam jardins pessoais para complementar sua renda. Marc Van de Mieroop comenta acerca das rações dadas:
É claro que essas rações constituiam o apoio oferecido aos dependentes das residências. sendo produtivas ou não. As quantidades eram providas de acordo com o sexo e status do trabalhador: um homem geralmente recebia o dobro da quantidade de grãos que uma mulher, supervisores recebiam mais que seus subordinados, artistas especializados mais que trabalhadores não especializados, e assim por diante. (57)
Apesar de muheres sumérias desfrutarem de direitos quase iguais, esse paradigma não se extendia as classes mais baixas que tinham poucos direitos de forma geral. A política e práticas da residência permaneceriam constantes a medida em que as cidades do período Dinástico I cresceram e se tornaram as poderosas cidades-estado do Período Dinástico II.
Dinastia Inicial II
O Período dinástico II foi palco para o desenvolvimento desses avanços ao passo que as cidades se expandiam. A tecnologia se comlpexificou e o modelo de residência manteve uma estrutura coesa para a progressão da cultura. O acadêmico Wolfram Von Soden afirma:
[ A cultura era baseada] na formação de uma sociedade fundamentada na divisão de trabalho que libertou grande grupos da população - tais como artesões, mercadores, e trabalhadores administrativos - da produção de comida, bem como de uma tecnlogia avançada para produção de vasos de argila utilizando o rodapé de cerâmica, metalurgia, e a produção em massa de produtos muito utilizados. (15)
A estabilidade oferecida pelo modelo da Residência permitiu uma expansão cultural que, por sua vez, necessitava de invenções e inovação. Cerâmica e metalurgia foram produzidas em massa enquanto jóias com pedras preciosas se tornaram uma necessidade para a elite, além de roupas tecidas por trabalhadores operários.
Esse modelo teve êxito para as classes mais abastadas, e os produtos manufaturados em massa, pão, e roupas tecidas eram itens comerciais lucrativos, mas essa riqueza nunca chegou aos trabalhadores das classes baixas que os produziam. Marc van Mieroop explica:
A maioria dos trabalhadores desempenhava trabalhos manuais. Mulheres eram especialmente empregadas como tecelãs e costureiras. A moagem áquela época era uma tarefa exaustiva que requeria que grãos fossem esfregados sobre uma placa de pedra com uma pedra portátil menor. As mulheres eram encarregadas da produção de quotas diariamente e [posteriormente] teciam quotas que podiam chegar a 2 metros quadrados por dia. Essas eram tarefas, que podiam levar a lesões, o que é evidenciado nos esqueletos de mulheres. (58)
Conforme a riqueza e o poder das cidades crescia, elas atraíam cada vez mais pessoas vindas de áreas rurais. As cidades podiam oferecer proteção contra ladrões, traficantes de escravos bem como oportunidades de trabalho, o que era mais atrativo do que a tentativa de viver como um fazendeiro independente. Aqueles que permanceram em áreas rurais foram deixados com o fardo de produzir a mesma quantidade de grãos ás cidades - e cada vez mais - do que eles tinham anteriormente. A historiadora Gwendolyn Leick nota:
Ao passo que as cidades cresciam em extensão e população, atraindo mais pessoas ansiosas para escapar da estafa da agricultura de subsistência, e talvez também dos horizontes estreitos das comunidades tradicionais, as demandas sobre a população rural restante aumentaram. Tensões e conflitos parecem ter sido respondidos com violenta repressão: imagens gráficas em selos e outros objetos mostram grupos de prisioneiros com suas mãos amarradas as costas. (55)
Essas cenas exibem claramente cidadãos sumérios, e não estrangeiros escravizados, mas nada foi feito para interromper essa prática por conta do próprio modelo de residência que sustentava a sociedade. Os líderes de classe alta das residências mantinham grandes pedaços de terra e os trabalhadores nessas terras deveriam produzir aquilo que era exigido por eles. Isso colocava um enorme peso sobre os operáros de tal modo que eles preferiam realizar trabalho mundano nas cidades.
Adicionalmente, Leick afirma, "O clima mudou de tal forma que havia menos água nos rios, o que talvez tenha levado mais pessoas a buscar refúgio nas cidades." (55). Cada cidade se assemelhava a próxima e crescimento de população, e conforme estas se tornaram mas ricas, elas passaram a desejar mais e mais. Por volta de 2700 a.C, Enmebaragesi de Kish liderou os sumérios em uma guerra contra Elam - a primeira registrada na história- e derrotou os elamitas levando os espólios de volta a suméria. Esse é um dos exemplos das cidades-estado trabalhando juntas em busca de um objetivo comum, como o historiador Samuel Noah Kramer aponta, elas precisaram encontrar um modo de fazer isso - individual e coletivamente- muito antes da guerra, e foi essa necessidade de cooperação, que possibilitou a ascenção das cidades antes de tudo:
Enquanto os sumérios davam muito valor ao indivíduo e suas conquistas, havia um fator predominante que promovia um forte senso de cooperação entre pessoas e comunidades: a alta dependência da irrigação como garantia de bem estar- e mera existência. Irrigação é um processo complexo que demanda esforços coletivos e organização. Canais deveriam ser cavados e mantidos sob constante manuteção. A água deveria ser dividida igualmente entre todas as partes. Para garantir isso, um poder maior que um dono de terras ou mesmo uma única comunidade era necessário: consequentemente, o crescimento de instituições governamentais e o advento do estado sumério. (sumérios, 5)
Quando necessário, as cidades-estado cooperavam e conseguiam alcançar seus objetivos. Além da colaboração necessária para a sobrevivência, e isso incluia acordos comerciais - as cidades frequentemente, buscavam interesses próprios, em detrimento umas das outras.
Dinastia Inicial III
O período dinástico III testemunhou a ascenção de Kish no norte e Uruk no sul enquanto poderes políticos predominantes. Essa é a época em que os reis são mais histórica e arqueologicamente atestados porém, ainda assim algumas dinastias de algumas cidades não estão presentes na lista de reis sumérios e as datações de reis nessa lista não correspondem com as datações de outros documentos ou registros arqueológicos.
Os grandes reis de Uruk, por exemplo, como Meshkianggasher, Enmerkar (que foi associado a criação de Uruk), Lugalbanda, Dumuzi e o grande herói Gilgamesh estão todos listados no inicio do período dinástico III c. 2600 a.C mas são associados a governantes anteriores como Enmebaragesi e o rei Eannatum (c. 2500-2400 a.C ). Parece não haver conciliação entre essas diferenças cronológicas.
O primeiro rei da primeira dinastia de Lagash, Ur-Nanshe, estabeleceu Lagash como uma forte presença política e seu filho Eannatum expandiu essa política e conquistou toda a região da Suméria. Eannatum, invocando Enlil (deus patrono de Lagash) e Ninurta (deus da guerra) liderou seus exércitos contra as outras cidades-estado e coquistou toda a Suméria- incluindo Uruk e Kish - e então se deslocou para Elam e tomou grandes porções de seu territorio. Ao final de sua campanha, ele havia criado o primeiro império na Mesopotâmia, composto das cidades-estado de seus antigos- companheiros monarcas. Seu império foi desafiado logo após sua morte, entretanto, e seus sucessores não conseguiram mantê-los.
Uma dos monarcas mais interessantes e misteriosas que teria supostamente libertado suas cidades do império de Lagash é a única governante mulher na lista dos reis sumérios: Kubaba (também conhecida como Kug-Bau) que fundou a terceira dinastia de Kish. A lista de reis sumérios a descreve como brevemente como "A taverneira que firmou as fundações de Kish". Quem era ela, de onde veio e como chegou o poder não se sabe.
Seu filho, Puzur-Suen, e neto, Ur-Zababa, foram ambos reis bem sucedidos e Kubaba chegou a ser deificado após sua morte. Seu culto, informaria as deídades posteriores dos Hurrians (Hepat) e, notóriamente, a mãe deusa frígia Matar Kubileya (Mãe Cibele) que era adorada pelos gregos iônicos da Anatólia/Cicilia como Cibele.
O Período Acadiano
Quaisquer que tenham sido as conquistas de seu neto Ur-Zababa, elas foram eclipsadas pelas lendas que viriam a definir o reinado do homem que era inicialmente um de seus oficiais. A bibliografia de Sargão de Acádia - que é considerada por historiadores como sendo altamente envolta em mitos - afirma que ele vem do norte, filho ilegítimo que nasceu em segredo; ele foi colocado em uma cesta e abandonado em um rio, sendo encontrado pelo jardineiro real Akki, ele foi criado no palácio de Kish e alcançou altas posições no reinado de Ur-Zababa que o favoreceu até ter um sonho no qual Sargão o depunha.
Nessa época, o rei da cidade-estado de Umma, Lugalzagesi, embarcou em uma campanha de conquista para reunir a Suméria sob um único monarca - ele mesmo - assim como Eannatum havia feito antes. Ur-Zababa enviou Sargão como emissário para Lugalzagesi, que estava marchando em direção a Kish, com a exigência de que o rei de Umma matasse o mensageiro. Lugalzagesi ficou tão impressionado com Sargão que decidiu poupá-lo e pediu que ele o seguisse. Eles marcharam até Kish e conquistaram-na, Ur-Zababa deixou a cidade e nada mais se sabe dele.
Logo após, Sargão se voltou contra seu bemfeitor e o derrotou, arrastando-o acorrentado com uma corda em volta do pescoço, para a cidade de Nippur onde ele foi publicamente humilhado sendo arrastado pelo portão do deus Enlil - no qual Lugalzagesi havia jurado vitória - e foi executado. Sargão então se proclamou rei e conquistou a Mesopotâmia, fundando o império acadiano, a primeira entidade política e multi nacional na história.
Conclusão
O império acadiano representa o fim do período dinástico inicial, mas ao contrário do que se vangloria Sargão e das lendas que foram criadas a sua volta, ele não poderia ter estabelecido seu império sem a estrutura fundada por seus antecessores. A maior habilidade de Sargão, de fato, foi aprender com os erros passados de outros conquistadores e colocar pessoas de confiança em posições de poder em seu império - incluindo sua filha Enheduanna (l. 2285-2250 a.C), sacerdotisa do templo de Inanna na cidade de Ur e a primeira autora conhecida por nome da história - bem como enviar oficiais de confiança pelo reino para assegurar a manutenção da ordem.
O exemplo de Sargão seria seguido pelo império assírio e romano em termos de um governo coerente. O modelo daquele governo foi todavia, construído pelos reis sumérios do Período Dinástico Inicial. Esses monarcas estabeleceram uma sociedade na qual, apesar das fraquezas e rivalidades, permitiu o desenvolvimento de aspectos fundamentais que moldam a civilização moderna e que são tão frequentemente naturalizados.