Lao-Tzu (c. 500 a.C., também conhecido como Laozi ou Lao-Tze) foi um filósofo chinês a quem se credita a fundação do sistema filosófico do Taoísmo. Ele é melhor conhecido como o autor do Laozi (mais tarde chamado de Tao Te Ching, que pode ser traduzido como “O Caminho da Virtude” ou “O Clássico do Caminho e da Virtude”), a obra que exemplifica seu pensamento.
O nome pelo qual é conhecido não é uma denominação pessoal, mas sim um título honorífico, significando “Velho Homem” ou “Velho Mestre” e o debate continua se um indivíduo com este nome realmente existiu ou se Lao-Tzu é um amálgama de muitos filósofos diferentes. O historiador Will Durant comenta:
Lao-Tze, o maior de todos os filósofos pré-confucianos, era mais sábio do que Teng Shih; ele sabia a sabedoria do silêncio e viveu, podemos estar certos, até uma idade avançada – embora não se saiba, com certeza, se realmente existiu. (652)
Durant expressa o consenso acadêmico na historicidade de Lao-Tzu, segundo o qual ele pode ser um personagem fictício criado para personificar o conceito do sábio. Ao mesmo tempo, de acordo com a tradição chinesa, ele foi uma figura histórica e, no taoísmo religioso, encarado como uma divindade.
Se de fato existiu, acredita-se que viveu no século VI a.C. Conforme a lenda, Lao-Tzu fez o seu melhor para instruir o povo no caminho do Tao, a força criativa e coesiva que move o universo, mas ninguém lhe deu atenção. Sua explanação de que as pessoas podiam ter vidas mais felizes e satisfatórias alinhando-se com o fluxo natural do Tao, em vez de resistir a ele, não trouxe resultados e, finalmente, o sábio decidiu deixar a humanidade para trás e se tornar um recluso, após escrever o Tao Te Ching.
As lendas referentes a Lao-Tzu também alegam que foi contemporâneo e professor de Confúcio (v. 551-479 a.C.), fundador do Confucionismo que, em sua forma original, aproximava-se do taoísmo. Os eruditos modernos não consideram Lao-Tzu como autor do Tao Te Ching, sustentando que a obra é resultado do trabalho de múltiplos autores, sob o nome de Laozi.
Qualquer que seja a forma pela qual veio à luz, e por quem, seu valor foi reconhecido durante a Dinastia Han (202 a.C. - 220 d.C.) e a reputação da obra cresceu posteriormente para influenciar a cultura da grande Dinastia Tang (618-907 d.C.). Atualmente é reconhecido como um clássico da literatura filosófico-religiosa chinesa que influenciou milhões de pessoas ao redor do mundo.
Lao-Tzu e o Taoísmo
Tudo o que é conhecido sobre Lao-Tzu provém da obra clássica Registros do Grande Historiador, de Sima Qian (v. 145/135-86 a.C.), escritor da Dinastia Han. Com base em documentos históricos e literários mais antigos, Sima afirma que Lao-Tzu atuava como um dos curadores da Biblioteca Real, no estado de Chu, além de reconhecido como filósofo. O sábio defendia uma empatia profunda, conectiva, entre as pessoas para se conseguir a paz e harmonia e afirmava que tal empatia seria possível através do reconhecimento da força cósmica, o Tao, que tinha criado, reunido, movido e finalmente deixado todas as coisas de volta ao seu estado original. Alinhar-se com o Tao, conforme Lao-Tzu, traria harmonia com o universo e uma vida mais rica; a resistência ao Tao levaria à frustração, infelicidade e raiva, resultando em comportamentos negativos.
Ele estava especialmente interessado em converter a classe dominante à sua crença porque o país estava, nesta época, em meio à era conhecida como Período dos Estados Guerreiros (c. 481-221 a.C.), durante o qual sete estados lutaram entre si de forma constante pela supremacia e controle do governo chinês. A Dinastia Zhou (1046-256 a.C.) estava em declínio e não podia fazer nada para manter a ordem porque os estados separados eram mais fortes do que o governo, mas equiparavam-se uns aos outros.
As guerras continuaram e várias escolas de filosofia chinesa surgiram para sugerir o melhor meio de dar fim à violência e estabelecer um governo moral, que cuidasse do bem-estar dos seus cidadãos. Lao-Tzu, conforme Sima Qian, persistiu em seus esforços para convencer o povo a aceitar o Tao e viver em harmonia uns com os outros e com o universo e, quando finalmente compreendeu que eles nunca lhe dariam atenção, abandonou a sociedade humana para viver em autoexílio.
Em seu trajeto para sair da China, através do Passo Ocidental, o guardião Yin Hsi o reconheceu e pediu-lhe que escrevesse sua filosofia antes de deixar a humanidade para trás. O filósofo apanhou os materiais de escrita de Yin Hsi, escreveu até que não tivesse mais nada a dizer, entregou-lhe o manuscrito e atravessou o passo para nunca mais ser visto. Yin Hsi, presumivelmente, fez com que o manuscrito fosse publicado.
É improvável que quaisquer destes fatos tenha acontecido, porém, porque o taoísmo – mais ou menos do mesmo modo como é expresso no Tao Te Ching – desenvolveu-se durante a Dinastia Shang (c. 1600-1046 a.C.) das mesmas crenças folclóricas e entendimento que produziram o I-Ching, um livro de oráculos, elaborado a partir do conceito dos princípios de yin e yang. O estudioso John M. Koller comenta:
A concepção de Yin-Yang começou como uma tentativa de resolver a questão da origem do universo. De acordo com esta linha de pensamento, o universo surgiu como resultado de interações entre as duas forças primordiais de yin e yang. Como todas as coisas são experimentadas como mutáveis, como processos que surgem na existência e deixam de existir, elas devem ser tanto yang, ou existentes e yin, não-existentes. O mundo mutável que constitui a natureza pode existir apenas quando há tanto yang quanto yin. Sem yang, nada pode vir a existir. Sem yin, nada pode deixar de existir. (207)
Esta concepção foi posteriormente adaptada pelo polímata Zou Yan (v. 305-240 a.C.), que fundou a Escola Yin-Yang, uma das muitas – incluindo a de Taoísmo – reconhecidas nesse período, conhecido como as Cem Escolas de Pensamento do Período Primavera e Outono (c. 772-476 a.C.) e do Período dos Estados Guerreiros. Pode-se argumentar que Zou Yan extraiu os princípios de yin-yang de Lao-Tzu, mas trata-se de algo improvável, pois parece claro que eles existiam séculos antes de sua suposta existência.
Mais além, a mesma concepção básica de forças duais, em constante movimento, formou o conceito de Tian (Céu), tal como reconhecido pelas filosofias do confucionismo e moísmo, entre outras. Ainda assim, a tradição ainda sustenta que Lao-Tzu é o autor do Tao Te Ching e que a obra representa suas últimas palavras para a humanidade.
O Tao Te Ching
O Tao Te Ching, um tratado antiautoritário, postula que o caminho da virtude reside na não-ação (Wu Wei) através do reconhecimento da força universal e natural conhecida como o Tao. O Tao flui sem esforço e, como a água, vai onde deseja sem se empenhar e efetua a mudança e o crescimento. Para ser virtuoso, deve-se emular o Tao, adotando a não-ação (não forçar um efeito ou resultado). As leis feitas pelos humanos, afirma, não podem tornar alguém virtuoso ou contribuir para o bom comportamento, paz interior ou empatia em relação aos demais, porque não estão em sintonia com a natureza. É somente pelo reconhecimento do Tao e da conexão entre ele e todas as coisas que se pode alcançar estes resultados. Para reconhecer o Tao, deve-se conhecê-lo e, assim, ele é definido no primeiro capítulo:
O Tao que se pode pronunciar não é o Tao eterno;
O nome que se pode denominar não é o nome eterno.
O Inominável é a origem do Céu e da terra;
O Nominável é a mãe de todas as coisas.
Portanto, sejamos sempre não-ser, assim poderemos contemplar sua sutileza,
E sejamos sempre ser, assim poderemos ver seu resultado.
Ambos são o mesmo,
Mas, após serem gerados, têm nomes diferentes. (Capítulo I; Baird, 371)
Este trecho relaciona o conceito intangível de ser-e-não-ser, do yin-yang, com o movimento constante e dinâmico do universo, que mantém a criação em equilíbrio. A mente humana não compreende o que é na realidade e, assim, nomeia-se o que pode ser conhecido, ou seja, o Tao; não é o Tao verdadeiro, mas assinala o caminho em direção ao Tao.
Não se pode apreender o verdadeiro Tao através de elucubrações intelectuais mas, antes disso, pela submissão e expressão de sua essência na própria vida, por intermédio da autorreflexão e da interação harmoniosa com os demais. Os governantes, em especial, são estimulados a abraçar o Tao, pois os súditos tenderão a seguir seu exemplo. De acordo com o Tao Te Ching, o melhor líder é aquele que governa tão sem esforço que parece não fazer nada e, ainda assim, tudo acaba sendo feito (Capítulo 17). O melhor indivíduo é aquele que reconhece a corrente da existência e se move com ela, tão sem esforço quanto a água correndo, sem distúrbio ou resistência, como na famosa passagem:
Curvar-se permite a plenitude
Submeter-se permite a retidão
Esvaziar-se permite o preenchimento. (Capítulo 22)
Este trecho tornou-se um dos mais icônicos da obra, já que expressa a mensagem do taoísmo referente à paz interior, concordância com os demais e sucesso pessoal, em três linhas:
- Curvar-se permite a plenitude: não se pode ouvir completamente os pontos de vista de outras pessoas se estamos repletos dos nossos; curvar-se ao outro estimula o crescimento pessoal.
- Submeter-se permite a retidão: não se pode chegar a um acordo com alguém se não há realmente o desejo de um compromisso e não se pode corrigir o mau comportamento quando não se aceita a crítica.
- Esvaziar-se permite o preenchimento: há pouca chance de sucesso em qualquer empreendimento ou relacionamento se nos aferramos ao que pensamos saber, em vez de aceitarmos novas ideias e pontos de vista.
O Capítulo 22 expressa o coração da mensagem taoista que, quando se está em alinhamento com o fluxo natural de energias do universo, é possível viver mais facilmente consigo mesmo e os demais, através da não-resistência e não-ação. Aquele que não resiste aos pontos de vista ou novos conceitos alheios, mas flui com eles (novamente como a água), escolhe e leva o útil e descarta o inútil ou muito pesado para ser carregado.
O taoísmo de Lao Tzu – ou, pelo menos, o taoísmo do século VI a.C. - enfatiza a importância da não-ação, não-resistência, “seguir o fluxo” para viver uma vida transformadora e elevada. Desta forma, refuta a filosofia confuciana e sua insistência em educação, conhecimento-como-poder e a adesão estrita aos costumes e rituais sociais para aperfeiçoamento do caráter e da qualidade de vida. A afirmação de Lao Tzu (parafraseando) de que “quando mais regras se fazem, mais criminosos são criados” é a antítese da asserção de Confúcio de que a adesão ao ritual melhora o caráter moral e produz melhores cidadãos.
Taoísmo e Confucionismo
Ainda assim, os dois sistemas têm muito em comum. Conforme já observado, a lenda afirma que Lao Tzu foi mentor e professor de Confúcio, o que sugere uma associação inicial entre as duas filosofias. Ainda que os relatos sobre Lao Tzu/Confúcio tenham sido contestados (e em grande parte descartados), os dois sistemas compartilham várias similaridades, com frequência ignoradas em favor do destaque para suas diferenças. As Cem Escolas de Pensamento produziram muitas filosofias diferentes que disputavam partidários e, entre elas, três se tornaram mais proeminentes - Confucionismo, Taoísmo e Legalismo -, todas influenciadas por outras escolas de pensamento e cada uma das quais com influência significativa na cultura chinesa.
De todas elas, o legalismo registrou menos mudanças e permaneceu sempre como uma filosofia social, baseada na compreensão dos seres humanos como egoístas e autocentrados por natureza, exigindo leis e normas estritas para restringir seus impulsos negativos. O confucionismo e o taoísmo, no entanto, começaram a se desenvolver com o reconhecimento de um poder superior. São consideradas tanto como filosofias quanto religiões, pois incluem especulações metafísicas e baseiam-se numa força superior e invisível para validar suas crenças. No confucionismo, este poder é Tian e, no taoísmo, o Tao, mas tais conceitos são formulados a partir do princípio yin-yang do constante fluxo universal.
O taoísmo, que defendia a união ao Tao universal muito antes do Tao Te Ching, era praticado através da veneração aos ancestrais e ao reconhecimento da lei natural do Tao em todas as coisas, o que permitia o equilíbrio pessoal e comunitário. O confucionismo, que também destacava a importância da veneração dos ancestrais como parte da piedade filial, reconheceu Tian como a força estabilizadora do universo, que trazia os mesmos resultados. A diferença entre os dois consistia na ênfase nos rituais e costumes sociais. O taoísmo, oficialmente pelo menos, repudiava estas práticas; o confucionismo as adotou.
Conforme o taoísmo, todos os seres humanos nascem naturalmente bons, mas são corrompidos pelas leis injustas e pela crença incorreta de como deveriam se comportar na sociedade. Ao tentar regulamentar o comportamento pessoal através da lei, o governante somente o piora, porque cria um ambiente artificial, contra o qual os seres humanos se rebelam num esforço para manter seu estado de harmonia natural. Se os governantes reconhecessem o Tao e se alinhassem com o fluxo de energia do universo, aprovariam leis em conformidade com os ritmos naturais e seus súditos responderiam com respeito e comportamento apropriado.
O Confucionismo diz a mesma coisa, mas com um paradigma interior diferente. Tian é a força reguladora do universo, à qual as pessoas, essencialmente boas, respondem mas, como não têm educação e orientação adequadas, fracassam em se tornar a melhor versão de si mesmas. Através da educação e observância dos costumes rituais e sociais, será possível alinhar-se à ordem universal e reconhecer o valor do respeito a si próprio, aos demais e à autoridade. Desta forma, afirma Confúcio, as pessoas naturalmente se comportarão bem, respeitando a si mesmos e aos outros.
Lao Tzu sustentava, como o sofista Teng Shih (v. c. 500 a.C.), que as pessoas se comportam mal porque são forçadas a isso por governos ineficientes e leis injustas. O confucionismo diz a mesma coisa e, de fato, tanto Confúcio quanto o erudito confuciano Mencius (v. 372-289 a.C.) viajaram para os diferentes estados guerreiros para tentar convencê-los a adotar políticas de moralidade, virtude e paz.
Os dois sistemas, cujas diferenças são com frequência excessivamente contrastadas, compartilham muitos conceitos mas divergem (de novo, em termos oficiais, pelo menos) no que se refere à educação e conhecimento formais. O conhecimento está entre os valores centrais do confucionismo, expressado, para citar somente um exemplo, nos Analectos VIII.2: "Ganhar conhecimento serenamente, aprender sem perder o interesse, instruir os demais sem descanso", enquanto o taoísmo rejeita a educação formal e o “conhecimento dos livros” em favor da inteligência natural: “Abandone o estudo e não haverá inquietação” (Capítulo 20.1). Com isso, o taoísmo não deixava de lado o conhecimento em si, somente a educação formal e o valor atribuído à posição social associada a ele.
Conclusão
Confucionismo e taoísmo, bem como os demais sistemas elaborados pelas Cem Escolas de Pensamento, foram banidos quando o Período dos Estados Guerreiros terminou com a vitória do estado de Qin e a implantação da Dinastia Qin (2221-206 a.C.). Entre 213-210 a.C., todos os livros, exceto aqueles da história Qin, legalismo e medidas práticas foram queimados e os eruditos executados. Porém, alguns textos sobreviveram, graças a pessoas que os esconderam porque compreendiam seu valor.
Após a queda da Dinastia Qin, a Dinastia Han reviveu estas obras, que passaram a ser disseminadas novamente. O confucionismo tornou-se a filosofia estatal sob o reinado do imperador han Wu, o Grande (141-87 a.C.) mas, nesta época, tanto este sistema quanto o taoísmo tinham absorvido conceitos de outras escolas de pensamento e, assim, sua formulação no período Han foi certamente diferente das visões iniciais. O confucionismo foi reformulado por Mencius e Xunzi (v. c. 310 - c. 235 a.C.), de maneira mais sofisticada do que a original de Confúcio.
Na época em que o taoísmo foi adotado como filosofia estatal pela Dinastia Tang (618-907 d.C.), também tinha se modificado para um sistema muito mais rígido do que o expressado pelo Tao Te Ching, realizando rituais que a obra em si descartaria como supérfluos. Neste período, o taoísmo também era considerado como uma religião, com Lao-Tzu entre suas muitas divindades.
Nos dias atuais, o taoísmo é reconhecido como uma filosofia, uma religião e, em certos aspectos, como um fenômeno da cultura pop. Seu conceito de uma corrente cósmica fluindo através e unindo todas as coisas serviu como inspiração para a Força na franquia cinematográfica Guerra nas Estrelas e a imagem do sábio taoísta Lao-Tzu, e aqueles que o seguiam, formou o paradigma dos Cavaleiros Jedi.
Se houve realmente um Lao-Tzu que escreveu o Tao Te Ching antes de cortar seus laços com a humanidade já não interessa muito. A filosofia que ele pode ou não ter fundado há muito ganhou vida própria e continua a se desenvolver, atraindo seguidores intrigados pela concepção apresentada de uma vida vivida de acordo com o mundo natural, em oposição àquela que luta contra ele.