Trepanação

Definição

Jenni Irving
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 01 maio 2013
Disponível : Inglês, francês, espanhol
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Skull with Trephination (by Jmh649, CC BY-SA)
Crânio com Trepanação
Jmh649 (CC BY-SA)

A trepanação (também conhecida como trefinação ou perfuração craniana) é uma intervenção cirúrgica na qual uma abertura é perfurada, cortada ou raspada no crânio com a utilização de instrumentos cirúrgicos. Ao perfurar o crânio e remover um pedaço do osso, expõe-se a dura-máter [membrana que cobre o cérebro] sem danos aos vasos sanguíneos subjacentes, meninges e o cérebro em si.

A trepanação tem sido usada para tratar problemas de saúde associados a doenças intracranianas, convulsões epilépticas, enxaquecas e distúrbios mentais, aliviando a pressão. Há também evidências da sua utilização como cirurgia de emergência primitiva para remover pedaços de osso de crânios fraturados após golpes na cabeça e para limpar eventuais poças de sangue formadas sob o crânio.

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Os Primeiros Casos de Trepanação

Existem evidências de trepanação desde os tempos pré-históricos, a partir do Período Neolítico. As principais peças de evidência arqueológica estão nas formas de pinturas rupestres e restos humanos: os próprios crânios. Trata-se do procedimento cirúrgico mais antigo para o qual realmente temos evidências arqueológicas. Num sítio na França, os túmulos incluem quarenta exemplos de trepanação por volta de 6500 a.C.; ou seja, um terço dos crânios descobertos no local. O percentual de ocorrências ali, no entanto, é bem maior do que o habitual e os percentuais diferem muito entre diferentes sítios e continentes. A partir dos restos humanos encontrados em tais sítios, sabemos que a cirurgia tinha uma razoável taxa de sobrevivência. Muitos crânios mostram sinais de recuperação e indicam que os pacientes viveram anos após o incidente, mesmo que, em alguns casos, tenham passado por uma nova trepanação mais tarde e, novamente, sobrevivido à experiência.

Trepanação na Mesoamérica

Na Mesoamérica pré-colombiana, existem evidências em restos de crânios descobertos em túmulos, além de obras de arte e relatos do período pós-colonial. As ocorrências estão disseminadas por toda a América do Sul, desde as civilizações andinas e cultura pré-incaicas, como, por exemplo, a cultura Paracas na localidade de Ica, ao sul do Peru, onde os túmulos mostram sinais de trepanação, mutilação e modificação cranianas. No México, Guatemala e na Península de Yucatán, as evidências arqueológicas abrangem o período entre 950 e 1400. O mais antigo levantamento arqueológico do continente americano, publicado ao final do século XIX, é de autoria do etnógrafo norueguês Carl Lumholtz e traz pesquisas feitas nas montanhas Tarahumara. As publicações de Lumholtz precederam casos documentados em Oaxaca, México Central e da civilização Tlatilco.

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Da Europa, nos períodos Clássico e Renascentista, temos evidências de trepanação a partir de fontes arqueológicas e literárias.

Trepanação na Europa

Na Europa, nos períodos Clássico e Renascentista, temos evidências de trepanação a partir de fontes arqueológicas e literárias, incluindo as obras famosas e essenciais de Hipócrates e Galeno, nas quais é denominada, em grego, ἀνάτρησιζ. O que chama a atenção, quando se depara com as evidências provenientes da América e Europa, é a difusão disseminada desta técnica e como aparecia como uma técnica cirúrgica importante em ambos os continentes, independente de influências e associação.

A obra Corpus Hippocraticum [Tratados de Hipócrates] faz menção à trepanação no capítulo sobre ferimentos na cabeça, afirmando: 'Pois uma pessoa ferida da mesma [...] forma [...] sofrerá uma lesão muito maior, desde que tenha recebido um golpe nas suturas, do que se fosse em outro local. E muitos desses requerem a trepanação."

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Galeno também a menciona ao explicar a técnica e os riscos que o paciente corre:

Pois quando retiramos os fragmentos do osso, somos compelidos, por segurança, a colocar embaixo os chamados protetores da meninge e, se esses são pressionados demais no cérebro, o efeito é deixar a pessoa sem sentidos, bem como incapaz de qualquer movimento voluntário.

Muitas das evidências arqueológicas europeias da trepanação vêm do sudoeste da Alemanha, remontando até a Idade da Pedra. Mas a evidência craniana do procedimento é disseminada através da Europa, com destaque para a Irlanda, Dinamarca, França e Itália. E há evidências consideráveis da Rússia e China. Os documentos antigos da Grécia Clássica e as observações antropológicas de povos pré-modernos, no Peru, mostraram que os responsáveis tinham conhecimento dos riscos relacionados ao procedimento. Publicações detalhando a técnica de Monte Albán, capital da Civilização Zapoteca, concluíram que havia processos de experimentação não-terapêutica com o uso de diferentes técnicas e tamanhos dos orifícios perfurados.

Trepanação na China

Os acadêmicos Han Kangxin e Chen Xingcan realizaram um estudo particularmente interessante a respeito das evidências arqueológicas da trepanação nos primórdios da China. Eles analisaram seis espécimes provenientes de cinco locais, com datação variando de 5000 a 2000 a.C., que mostraram a perfuração craniana na China pré-histórica. O exemplar mais antigo pesquisado, denominado Crânio M382, provém do sítio de Fuikia, na localidade de Guangrao, província de Shandong. Trata-se do crânio de um adulto da cultura Dawenkou, que traz um orifício de 31 milímetros na parte mais larga. As evidências de cicatrização revelam que o paciente se recuperou a viveu por um período considerável antes de falecer. A datação por radiocarbono indica que M382 viveu por volta de 5000 a.C. Os autores do estudo levantam uma hipótese particularmente interessante sobre o motivo pelo qual a trepanação foi realizada: a obtenção de discos ósseos de pessoas vivas ou mortas para proteção contra demônios. Isso sugeriria, caso a hipótese esteja correta, que na China pré-histórica havia a coabitação de ideias relacionadas à intervenção humana e sobrenatural nas doenças e enfermidades.

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Um Tratamento Contemporâneo

O que podemos concluir sobre a trepanação é que esta antiga técnica cirúrgica tinha uma disseminação surpreendente, além de ser praticada nos vivos e mortos, em associação com traumas na cabeça e outros motivos, incluindo espirituais e experimentais. Há evidência craniana numa ampla variedade de pacientes de diferentes idades e sexos, demonstrando que a operação ocorria em homens, mulheres e crianças. Também existem evidências de vários orifícios perfurados, indicando que havia uma taxa de sobrevivência e até operações repetidas no mesmo paciente. Porém, alguns crânios também revelam os riscos trazidos pela operação. Alguns exemplares desenterrados mostram que o procedimento foi abandonado antes da conclusão, pois a trepanação está incompleta.

Pode parecer estranho que esta técnica tenha sido empregada em vários lugares do mundo, em diferentes períodos, sem nenhuma relação entre si. No entanto, há uma lógica no desejo de aliviar a pressão intracraniana, o que naturalmente leva à trepanação como uma solução viável. Afinal, em teoria a trepanação funciona e, em alguns casos, isso ocorreu na prática. Por esta razão, a técnica continua sendo usada por vários motivos na medicina moderna. Por exemplo, a trepanação costuma ser empregada em cirurgias oculares modernas, como o transplante da córnea, mas aparece denominada de maneira diferente, como uma forma de intervenção cirúrgica chamada craniotomia. Também é usada no monitoramento moderno da pressão intracraniana e, na cirurgia, para os hematomas subungais (sangue sob a unha), porque também se pode referir à trepanação em referência às unhas e outros ossos.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Jenni Irving
Acadêmica e fã de história que se especializou na Grécia Antiga, filologia, história da medicina e procrastinação. Ela também contribui com escavações arqueológicas em vários lugares do mundo, principalmente na Grã-Bretanha, Austrália e Grécia.

Citar este trabalho

Estilo APA

Irving, J. (2013, maio 01). Trepanação [Trephination]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-11888/trepanacao/

Estilo Chicago

Irving, Jenni. "Trepanação." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação maio 01, 2013. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-11888/trepanacao/.

Estilo MLA

Irving, Jenni. "Trepanação." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 01 mai 2013. Web. 14 abr 2025.