
A escrita hieroglífica egípcia foi um dos sistemas de escrita usados pelos antigos egípcios para representar sua linguagem. Devido à sua elegância pictográfica, Heródoto e outros gregos importantes acreditavam que os hieróglifos egípcios continham algo de sagrado e, por esse motivo, se referiam a eles como "escrita sagrada". Em consequência, a palavra hieróglifo vem do grego hiero “sagrado” e glypho “escrita”. Na linguagem egípcia antiga os hieróglifos eram chamados medu netjer, “as palavras dos deuses”, pois se acreditava que a escrita havia sido inventada por eles.
A escrita hieroglífica era composta por três tipos básicos de sinais: logogramas, representando palavras; fonogramas, representando sons; e determinativos, colocados no final da palavra para ajudar a esclarecer seu significado. Em consequência, a quantidade de sinais usados pelos egípcios, se comparada aos sistemas alfabéticos, era muito maior, com mais de milhares de diferentes hieróglifos usados inicialmente, e que posteriormente, durante o Reino Médio (2055-1650 a.C.), foram reduzidos para cerca de 750. Nos anos 1820 d.C. o francês Jean-François Champollion decifrou os hieróglifos de maneira excepcional, ao usar um texto do século II a.C. gravado na Pedra de Roseta em três escritas: hieroglífica, demótica e grega. Os hieróglifos egípcios são lidos em colunas, de cima para baixo, ou em linhas, a partir da direita ou da esquerda.
Origem dos Hieróglifos Egípcios
Assim como a maioria das escritas antigas, a origem dos hieróglifos egípcios é insuficientemente compreendida. No entanto, várias hipóteses tem sido apresentadas. Uma das mais convincentes afirma que os hieróglifos derivam de imagens rupestres produzidas pelas comunidades caçadoras pré-históricas que viviam no deserto ocidental do Nilo, e que, aparentemente, estavam familiarizadas com a ideia de comunicação por meio de imagens visuais. Alguns motivos retratados nessas imagens gravadas em rochas também são encontrados em vasos de cerâmica das culturas do início do período Pré-Dinástico no Egito. Isso é especialmente observado durante o período Nacada II (c. 3500-3200 a.C.). Os vasos estavam enterrados em túmulos desse período, e também em túmulos do período Nacada III/Dinastia 0 (c. 3200-3000 a.C.), onde foram encontrados os mais antigos exemplos de hieróglifos egípcios que podem ser datados com segurança.
No túmulo j do cemitério U, em Abido, um membro da elite local foi sepultado por volta de 3100 a.C. Era um homem rico, provavelmente um governante, e foi sepultado com vários objetos, incluindo centenas de jarros, um cetro de marfim e outros itens. Muitos desses objetos foram saqueados, e sabemos a seu respeito graças à sobrevivência de aproximadamente 150 rótulos, que contém a mais antiga escrita egípcia conhecida.
Forma Física e Uso dos Hieróglifos Egípcios
Os rótulos encontrados no túmulo U-j em Abido foram entalhados em pequenos retângulos de madeira ou marfim, com um orifício no canto para serem usados em diferentes objetos. Outras superfícies escritas, como a cerâmica, o metal e a pedra (tanto em lâminas quanto em estelas) também são conhecidas, devido à sua presença em túmulos reais mais antigos.
O papiro, principal material portátil de escrita no Egito, aparece durante a primeira dinastia (c. 3000-2890 a.C.): o mais antigo exemplo sobrevivente conhecido vem a ser um rolo em branco encontrado no túmulo de Hemaka, um oficial do rei Den. Os escribas egípcios usavam o papiro e outras superfícies alternativas para a escrita, incluindo tábuas feitas, geralmente, de madeira. Até o final da 18a dinastia (1550-1295 a.C.), essas tábuas eram cobertas por uma camada de gesso branco, e podiam ser lavadas e novamente engessadas, fornecendo uma conveniente superfície reutilizável. Exemplos de tábuas de argila, um meio popular na Mesopotâmia, datando do final do Reino Antigo (2686-2160 a.C.) foram encontradas no oásis Dakhla, uma área distante dos diversos locais onde o papiro era produzido. Osso, metal e couro eram outros tipos de materiais usados para escrever. Inscrições sobreviventes em couro, remontando ao Reino Novo (1550-1069 a.C.) também foram encontradas, mas a preservação do couro, comparada com a do papiro, é pior, por isso não há certeza do quão extensivamente o couro foi utilizado.
As inscrições encontradas em Abido apresentam diferentes tipos de informação: algumas são números, outras acredita-se que indicam a origem dos objetos, e a mais complexa contém informação administrativa, relacionada a atividades econômicas controladas pelo governante. Em túmulos da Dinastia 0, os sinais encontrados nos vasos de cerâmica e de pedra (e também nos rótulos atados a eles) eram usados para indicar a propriedade de seu conteúdo, provavelmente relacionado à taxação e a outros dados de contabilidade. Os sinais nos vasos de cerâmica se tornaram, progressivamente, padronizados, e uma vez que se acredita que essas marcas expressam informações relativas aos conteúdos dos vasos (incluindo sua proveniência), essa tendência pode refletir um aumento da complexidade quanto à conservação de registros e ao controle administrativo.
Próximo da transição entre o final do período Pré-Dinástico e o início do Dinástico (c. 3000 a.C.), encontramos exemplos de escrita no contexto da arte real, produzida para comemorar feitos reais. Nesse caso, a escrita é encontrada no topo de cetros cerimoniais, em estelas funerárias de pedra e em palhetas votivas: a função desses itens consistia em honrar a memória dos governantes, em termos tanto de suas realizações em vida, quanto de suas relações com os diversos deuses e deusas. Por volta de 2500 a.C. encontramos o mais antigo exemplo conhecido da literatura egípcia, os “Textos da Pirâmide”, entalhados sobre paredes de pirâmides. Posteriormente, por volta de 2000 a.C., surgiu um novo tipo de texto, conhecido como “Textos de Caixão”, um conjunto de feitiços mágicos e litúrgicos gravados sobre caixões funerários.
Desenvolvimento dos Antigos Hieróglifos
Na medida em que a escrita egípcia se transformava durante sua longa história, diferentes versões da escrita hieroglífica egípcia foram desenvolvidas. Em acréscimo aos hieróglifos tradicionais, também houve duas outras cursivas equivalentes: a hierática e a demótica.
Hieroglífica
É a mais antiga versão da escrita, caracterizada pela sua elegante aparência pictográfica. Esses sinais são encontrados, tipicamente, em inscrições de monumentos e em contextos funerários.
Hierática
Encorajada por sacerdotes e escribas dos templos, que queriam simplificar o processo da escrita, os hieróglifos gradualmente se tornaram estilizados, resultando na escrita hierática “sacerdotal”. Acredita-se que a escrita hierática foi inventada e se desenvolveu mais ou menos simultaneamente à escrita hieroglífica. Alguns dos hieróglifos encontrados em túmulos datados do período de c. 3200-3000 a.C. eram em forma de serekhs reais, um formato estilizado do nome do rei. Alguns serekhs escritos em vasos de cerâmica possuíam hieróglifos em formato cursivo, possivelmente num estágio prematuro da hierática. A hierática era escrita sempre da direita para a esquerda, na maioria das vezes sobre ostraca (fragmentos de cerâmica) e papiro, e era usada não apenas para fins religiosos, mas também em documentos públicos, comerciais e particulares.
Demótica
Uma escrita ainda mais abreviada, sem qualquer sinal pictórico e conhecida como demótica “popular”, passou a ser usada por volta do século VII a.C. Os egípcios chamavam-na sekh shat, “escrita para documentos”. Com exceção das inscrições religiosas e funerárias, a escrita demótica gradualmente substituiu a hierática. E enquanto a hierática ainda possui alguns traços da aparência pictográfica dos hieróglifos, a demótica não possui nenhum sinal pictográfico, sendo difícil relacionar os sinais demóticos a seus equivalentes hieroglíficos.
Lendas Sobre a Origem dos Hieróglifos Egípcios
Segundo a tradição egípcia, o deus Toth criou a escrita para tornar os egípcios mais sábios e fortalecer suas memórias. O deus Rá, entretanto, discordava: para ele, entregar os hieróglifos significava que a humanidade iria considerar a memória e a história através de documentos escritos, e não através de suas memórias verdadeiras, transmitidas de geração em geração. Na opinião de Rá, a escrita poderia enfraquecer a memória e a sabedoria do povo. A despeito do desejo de Rá, Toth forneceu as técnicas da escrita para um seleto número de egípcios, os escribas. No Egito antigo, os escribas eram altamente respeitados por seu conhecimento e suas habilidades no uso desse presente dos deuses, e sua posição era um veículo para a ascensão social.
Decifrando os Hieróglifos
Durante muitos anos os hieróglifos permaneceram incompreendidos. Em 1798 d.C., Napoleão Bonaparte chegou ao Egito com muitos pesquisadores, que copiaram vários textos e imagens egípcios. No ano seguinte foi encontrada a Pedra de Roseta, que contém um decreto de Ptolomeu V redigido nas escritas grega, demótica e hieroglífica.
Finalmente, o mistério foi desvendado por Jean-François Champollion. Ele conseguiu identificar o nome de Ptolomeu V escrito na Pedra de Roseta, comparando seus hieróglifos com a tradução grega. Depois, continuou a estudar os nomes utilizando um obelisco de Filas (atualmente em Dorset, na Inglaterra), onde estão gravados os nomes de Ptolomeu e de Cleópatra. Desse modo, foi possível concluir que a antiga escrita hieroglífica egípcia era uma mistura de sinais representando sons, ideias e palavras, e não um alfabeto comum. Ao decifrar a Pedra de Roseta, o feito de Champollion revelou o segredo do antigo sistema egípcio de escrita, e permitiu que o mundo finalmente pudesse ler a história egípcia.
Declínio dos Hieróglifos
Durante os períodos Ptolomaico (332-30 a.C.) e Romano (30 a.C.-395 d.C.), as culturas grega e romana tornaram-se progressivamente influentes no Egito. Perto do século II d.C., o cristianismo começou a substituir alguns cultos egípcios tradicionais. Os egípcios cristianizados desenvolveram o alfabeto copta (um desdobramento do alfabeto uncial grego), que constituiu a etapa final no desenvolvimento da língua egípcia, e passou a ser usado para representar sua linguagem.
Exemplos completos do alfabeto copta de 32 letras foram registrados já no século II d.C. Seu uso não apenas reflete a expansão do cristianismo no Egito, como também representa uma significativa mudança cultural: copta foi a primeira escrita alfabética utilizada na linguagem egípcia. Finalmente, os hieróglifos egípcios foram substituídos pela escrita copta, e apenas uns poucos sinais da escrita demótica sobreviveram no alfabeto copta. Desse modo, a linguagem escrita dos antigos deuses mergulhou no esquecimento durante quase dois milênios, até ser revelada pela grande descoberta de Champollion.