Governo Maia

Definição

Maria C. Gomez
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 20 abril 2018
Disponível noutras línguas: Inglês, bósnio, francês, espanhol, Turco
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Presentation of Captives to a Maya Ruler (by FA2010, CC BY-SA)
Apresentação de Cativos a um Governante Maia
FA2010 (CC BY-SA)

O governo dos antigos maias baseava-se na crença de que os governantes fossem divinos, o que, para alguns, pode sugerir um estado unificado. Porém, há consenso entre os antropólogos de que cada grande cidade maia permanecia como uma unidade política independente e soberana, com suas próprias disputas internas pelo poder político. A crença maia em líderes divinos também tornava importante manter a linha de sucessão na família real, o que ocasionalmente resultava em governantes do sexo feminino.

As várias unidades políticas ou estados maias estão localizadas na região que abrange o México, Guatemala, El Salvador e Honduras. A civilização maia estendeu-se de cerca de 1500 a.C. até aproximadamente 1500 d.C. Este intervalo costuma ser dividido em três períodos: Pré-Clássico, Clássico e Pós-Clássico. O Pré-Clássico abrange o período de aproximadamente 1500 a.C. a 250 d.C., o Clássico vai de 250 d.C. a 900 e o Pós-clássico estende-se desde 900 até 1530.

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Os governantes de várias cidades-estados maias eram considerados uma espécie de híbrido humano-deus.

Estes períodos são geralmente distinguidos por algumas características. O Clássico pode ser reconhecido pela abundância de unidades políticas maias e pelo próspero comércio entre estes centros e outros estados não maias. Em contraste com as elites de períodos anteriores, acredita-se que as do período clássico fossem alfabetizadas e instruídas. O período Pré-Clássico destaca-se pela menor quantidade de unidades políticas. Nessa época se desenvolveram os fundamentos do comércio do período clássico posterior. O período Pós-Clássico é marcado pelo declínio de muitas das grandes e outrora poderosas cidades-estados. Muitas delas acabaram sendo abandonadas e tiveram queda significativa em suas populações.

A Política dos Maias

A política dos maias não começou com os reis no início do período Pré-Clássico. Grande parte dos seus sistemas políticos tiveram seus primórdios no final do Pré-Clássico, por volta de 300 a.C. Os governantes de várias cidades-estados maias eram considerados uma espécie de híbrido humano-deus. Não só os homens estavam autorizados a governar. Ocasionalmente, as mulheres lideravam quando o rei ainda não alcançara a idade apropriada, quando se ausentava por motivo de guerra ou não estivesse disponível por alguma outra razão. De acordo com Martin, os governantes poderiam afirmar seu status de rei ou senhor no dia de Ajaw ou Ahau (senhor). Os reis teriam então suas efígies esculpidas no Calendário Sagrado. O Calendário Sagrado tinha 260 dias, com 13 meses de 20 dias. Cada dia do mês era representado por um deus específico; o de Ahau destinava-se especificamente aos rituais reais. Uma vez que um rei alcançava a honra de constar do Calendário Sagrado, a representação se tornava a personificação do rei e do seu período de governo. Ao longo de toda a era maia, as unidades políticas permaneceram como estados separados e jamais se uniram num império. O mesmo pode ser dito para o célebre período Clássico.

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K'inich Yax K'uk Mo
K'inich Yak K'uk Mo
Charles Tilford (CC BY-NC-SA)

Segundo Cioffi-Revilla e Landman, no período Clássico havia cerca de 72 grandes unidades políticas. Estes estados não existiram simultaneamente. Os pesquisadores postulam que cerca de 50 estados coexistiram num determinado momento. No entanto, o total de 72 unidades políticas não inclui as menores e menos estratificadas politicamente. Como esses estados negociavam entre si, bem como com unidades políticas não-maias, e eram independentes umas das outras, considera-se a civilização maia como tendo praticado o comércio internacional.

O aumento do comércio dos estados clássicos contribuiu para as políticas dos maias. Os pesquisadores acreditam que os maias passavam por dois tipos de ciclos políticos. Estes ciclos caracterizavam-se por um período inicial de ascensão e queda, vindo a seguir o chamado tempo de "reconstrução", mais curto do que o primeiro período, mas ainda acompanhado pelos padrões normais do ciclo e que continuou até o período Pós-Clássico tardio. O primeiro ciclo envolvia um período mais longo de tempo para o desenvolvimento econômico, político e populacional. Cioffi-Revilla e Landman afirmam que, embora o número de unidades políticas tenha caído no final do primeiro ciclo de colapso, por volta de 900, elas não desapareceram completamente.

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Economia Maia

A economia da maioria das unidades políticas maias estava entrelaçada com sua estrutura social. Esta estrutura, conforme a teoria mais amplamente aceita, consiste no clássico sistema de três camadas, formado pelas elites, a “classe média” e a “classe baixa”. As elites normalmente residiam próximo aos templos, no centro urbano, em casas de pedra. A “classe média” ficava mais distante, morando em casas feitas com paredes de taipa. Os tetos de taipa representavam o equivalente do Novo Mundo às casas com telhado de palha. A "classe baixa" normalmente ficava ainda mais longe dos centros das cidades e também vivia em moradias de taipa. No entanto, essa visão da estrutura social dos maias está se modificando.

Temple of the Sun, Palenque
Templo do Sol, Palenque
Alejandro Linares Garcia (CC BY-SA)

Robert Hamblin, professor da Universidade do Sudeste do Missouri, e Brian L. Pitcher, sociólogo e chanceler da Universidade Estadual de Washington, encontraram evidências de uma grande variedade de uniformes de elite, o que sugere a especialização dentro da economia da elite. Como a classe média era a principal produtora de bens, isso implica que as elites e a classe média trabalhavam juntas na fabricação de produtos especializados. A combinação dos diferentes uniformes da elite apoia a teoria de que as elites e as classes médias atuavam em conjunto. Ainda que não seja o caso das elites serem realmente as fabricantes destes produtos, talvez agissem como capatazes em certas manufaturas.

O estudo de Kosakowsky sobre a cidade de Motul de San José, do período Clássico, demonstra as variações das formas de reinado entre a elite.

Ainda que existam muitos estudos sobre as maiores cidades maias, os mais recentes, que abordam centros urbanos de tamanho médio, são importantes para estabelecer as características da vida na região maia. As cidades seguintes, temas de três diferentes estudos, ilustram os temas predominantes do governo maia.

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O estudo de Kosakowsky sobre a cidade de Motul de San José, do período Clássico, demonstra as variações das formas de reinado entre a elite. As mudanças nas fronteiras geográficas do reino para as elites podem também indicar que, em algum ponto, existiram cidades independentes. Em outras palavras, não havia um sistema de governo estabelecido em algumas das antigas cidades maias. Esta teoria é apoiada pela variação do estilo Ik de cerâmica. Trata-se de uma cerâmica produzida princialmente na cidade de Motul que apresenta temáticas referentes a deuses, líderes no poder, banquetes, cenas de guerreiros e sangria cerimonial. A pesquisa também revela outro aspecto sobre a estrutura social e econômica maia. Em vez do sistema tradicional de três níveis, Kosakowsky defende uma estratificação mais complexa da economia maia. As elites de Motul de San José tinham acesso a uma variedade de itens hortícolas valiosos. Mas não era o único segmento da população com acesso a materiais de alto valor. Os estudos de Kosakowsky descobriram que as classes mais baixas também dispunham de bens tais como cervos de cauda branca.

Nunnery Quadrangle, Uxmal
Quadrângulo do Convento, Uxmal
Wikipedia User: HJPD (CC BY)

Num estudo realizado em Copán, houve mais evidências para sustentar a diversidade de condições de vida entre as classes sociais. Muitos dos restos esqueléticos de crianças em todas as classes mostravam os mesmos estresses nutricionais e doenças. Em contraste, os adultos da elite eram mais encorpados, exibiam menos sinais de artrite e com maior altura do que os adultos de outras classes.

No terceiro caso, Cobos examinou a vida em Xunantunich e áreas adjacentes. Esta cidade do final do Pré-Clássico/início do Clássico traz evidências de experimentação política. Ele argumenta que essa experimentação ocorreu num curto período de tempo, mas com mudanças drásticas nas políticas adotadas. Xunantunich trouxe evidências da "classe baixa", pessoas que vivem nos arredores da cidade. No entanto, em contraste com as noções originais de separação de classes, também havia evidências de elites vivendo no interior de Xunantunich. Acredita-se que as elites que residiam nas áreas rurais também ficavam responsáveis pela produção de bens. Os itens comercializados no interior consistiam principalmente em ferramentas de pedra, além de sílex, um tipo de pederneira caprichosamente trabalhada. Quanto às famílias reinantes ou pertencentes à realeza, Xunantunich mostra que mantinham palácios e outras grandes áreas de vida longe do interior e do centro urbano.

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Governantes do Período Clássico Maia

Embora haja poucas evidências de monarquias nas primeiras cidades maias, o período Clássico viu a ascensão de um rei lendário e reverenciado. O governo de K'inich Janaab' Pakal, o Grande, ou Janaab 'Pakal I da cidade de Palenque (período Clássico tardio) teve grande aclamação. Pakal, o Grande, nasceu em 603 e morreu em 683, de acordo com Guenter. Ele governou por quase 70 anos, após ascender ao trono com apenas doze anos de idade. Especula-se que, enquanto K'inich Janaab' Pakal I provavelmente foi designado como governante em 615, seus pais mantiveram o controle político até que ele atingisse a idade apropriada. Skidmore afirma que K'inich Janaab' Pakal descendia de Muwaan Mat, também conhecida como senhora Sak K'uk, e seu antecessor Ajen Yohl Mat. Como uma observação interessante, ele menciona que a identidade de Muwaan Mat é bastante obscura. Muitos acreditam que Muwaan Mat e a senhora Sak K'uk são a mesma pessoa, mas outros argumentam que, devido aos glifos que descrevem o rei ou a rainha, Muwaan Mat pode ter sido um homem.

Jade Death Mask of Kinich Janaab Pakal
Máscara Mortuária de Jade de K'inich Janaab' Pakal
Gary Todd (Public Domain)

A alcunha "K'inich" não aparece nos primeiros governantes de Palenque. Esta designação significa um status de elite do governante, personificando o poder do deus solar K'inich. O primeiro uso registrado deste título surge com Kan Bahlam I, que reinou de 524 a 572.

Como mencionado acima, ocasionalmente mulheres governavam as cidades maias clássicas. Elas se tornaram um fenômeno mais proeminente em Palenque. Existem pelo menos duas governantes notáveis da cidade: as senhoras Yohl Ik'nal e Sak K'uk. A recente descoberta de uma aclamada "rainha guerreira" em Waká trouxe uma questão sobre governantes maias do sexo feminino: as rainhas maias participaram de batalhas?

A senhora K'abal de Waká recebeu a alcunha de kaloomte, ou "senhora suprema da guerra". Isso sugere que ela pode ter participado de batalhas. No entanto, alguns especialistas acreditam que a rainha não participou como guerreira. Isso se deve ao fato de que ainda não há glifo ou representação artística para apoiar a participação da senhora K'abal ou de qualquer outra rainha em batalhas. Naturalmente, os reis eram frequentemente obrigados a participar dos combates.

K'uk' Bahlam I, fundador da cidade de Palenque, nasceu em 397 d.C. Ele ascendeu ao trono em 431 d.C. e governou por apenas quatro anos. Os governantes de Palenque podem ter sido estabelecidos inicialmente pela influência de Teotihuacan. No entanto, a escassa evidência dos líderes clássicos iniciais pode explicar a falta de informações sobre o período entre os primeiros governantes e os do período tardio.

Em Copán, K'inich Yax K'uk Mo foi governante e fundador em 426 d.C. Yax Ehb Xook fundou a cidade de Tikal do período Clássico. Embora tenha sido sugerido que os governantes maias eram legitimados com base em laços familiares, esta regra parece ter sido quebrada várias vezes em Tikal. Uma destas ocasiões surge na dinastia de Garra de Jaguar. A cultura compartilhada dos maias pode ser intrigante, quando se leva em conta que jamais foram politicamente unidos. Porém, considera-se que eles formam uma cultura única principalmente porque compartilham crenças, práticas de astronomia avançada e estilos artísticos e arquitetônicos. No fim das contas, parece que a falta de unidade política é o que levou à sua derrocada, entre vários outros fatores.

Desintegração durante o Período Clássico

O período Clássico é caracterizado por um aparente crescimento exponencial, cuja causa costuma ser atribuída à ascensão do comércio e comunicação. O que se torna claro é o crescimento nas guerras entre as diferentes unidades políticas maias. Não há muito consenso sobre a causa do colapso maia, mas existem várias teorias. Alguns argumentam que o colapso deveu-se a um desastre natural de proporções catastróficas, guerra contínua entre as unidades políticas, fome, desordem civil e até alterações ambientais.

Maya Warrior
Guerreiro Maia
James Blake Wiener (CC BY-NC-SA)

A crença mais popular referente à queda da civilização maia é que o aumento dos conflitos entre as unidades políticas causou a desintegração. Atribui-se esta escalada ao aumento do comércio no período Clássico. Com os maiores índices de interação entre os estados, os acadêmicos acreditam que as tensões provocadas por diferenças políticas levaram a combates episódicos entre eles.

Os antropólogos sugerem que a queda das várias unidades políticas aconteceu lentamente, ao longo de cerca de seis séculos.

Os antropólogos sugerem que a queda das várias unidades políticas aconteceu lentamente, ao longo de cerca de seis séculos. Cioffi-Revilla e Landman também sugerem que "a maior parte das unidades políticas que sobreviveu ao Pré-Clássico" começou nas etapas iniciais e continuou a existia no Pós-Clássico. Estas unidades políticas mais longevas duraram mais de 2.000 anos e, por fim, colapsaram durante o Pós-Clássico. Nenhum autor sustenta que os conflitos militares foram a única causa para o colapso maia. É possível que vários fatores possam ter afetado simultaneamente esta desintegração.

Uma teoria que vem ganhando popularidade é a de que os maias caíram por causa da falta de unidade política. Um estudo observou que os estados maias ruíram muito mais rapidamente do que o tempo necessário para se formarem. Por toda a era maia, os estados duraram em média 675 anos, com um desvio padrão de 65 anos. Porém, os estados pré-clássicos duraram em média 1154 anos, com um desvio padrão de 96 anos. Os estados clássicos persistiram por 348 anos, com um desvio padrão de somente 24 anos.

Os estado pré-clássicos estavam em menor número, se comparados com os do período Clássico. Conforme mencionado antes, havia pelo menos 50 estados maias em existência em algum ponto durante o período Clássico. Isso é quase contraditório em relação aos estados pré-clássicos. Da mesma forma, o tamanho das unidades políticas do Pré-Clássico contrasta fortemente com as do Clássico. As unidades políticas clássicas tinham populações até ou acima de 50.000 pessoas, enquanto as do Pré-Clássico variavam entre 5.000 e 10.000 pessoas.

Costuma-se argumentar que a falta de unidade política entre os estados clássicos seria a causa provável para o colapso. Ainda que houvesse falta de unidade política durante o Pré-Clássico, não existia a mesma competição que se verificou mais tarde. Os estados pré-clássicos não precisavam de integração política para sobreviver. Na era clássica, havia necessidade de harmonia política para enfrentar a competição crescente e a elevação populacional de muitas unidades políticas poderosas. Anteriormente, os estados eram mais ou menos iguais, enquanto as disputas de poder se tornaram frequentes no período Clássico. Há um consenso crescente, porém, de que o colapso dos maias deveu-se a vários fatores agrícolas, políticos e ecológicos atuando em conjunto.

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Bibliografia

  • Christie, Jessica Joyce. Maya Palaces and Elite Residences: An Interdisciplinary Approach. Austin: University of Texas Press, 2003
  • Civilization.ca - Mystery of the Maya - Maya calendar, accessed 1 Dec 2016.
  • Cobos P., Rafael. "Classic Maya Provincial Politics: Xunantunich and Its Hinterlands." Latin American Antiquity, 2012.
  • Early to Late Classic Period, accessed 1 Dec 2016.
  • Hamblin, Robert L. and Brian L. Pitcher. "The Classic Maya Collapse: Testing Class Conflict Hypotheses." American Antiquity, 45(2). 1980.
  • Houston, Steven D. and David Stuart. "Of Gods, Glyphs, and Kings: Divinity and Rulership Among the Classic Maya." Antiquity, 70, 1996.
  • Kosakowsky, Laura J. "The Economics of Power in a Classic Maya Polity." Current Anthropology, 2013.
  • Martin, Simon. "Time, Kingship, and the Maya Universe." Expedition, 54(1) 2012.
  • The Rulers of Palenque: A Beginner's Guide, accessed 18 Dec 2016.
  • Who’s Who in the Ancient Maya World, accessed 1 Dec 2016.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Maria C. Gomez
Sou uma escritora em Gainesville Coins e sou sortuda o suficiente ara se capaz de escrever sobre minhas paixões, ou seja, arqueologia e outros temas antropológicos.

Citar este trabalho

Estilo APA

Gomez, M. C. (2018, abril 20). Governo Maia [Maya Government]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-13691/governo-maia/

Estilo Chicago

Gomez, Maria C.. "Governo Maia." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação abril 20, 2018. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-13691/governo-maia/.

Estilo MLA

Gomez, Maria C.. "Governo Maia." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 20 abr 2018. Web. 16 set 2024.