Ma'at

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Joshua J. Mark
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 15 setembro 2016
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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Ma'at Figurine, Louvre (by Jacques Pasqueille, CC BY-NC-ND)
Estatueta de Ma'at, Museu do Louvre
Jacques Pasqueille (CC BY-NC-ND)

Ma'at (ou Maat) é a antiga deusa egípcia da verdade, justiça, harmonia e equilíbrio (um conceito também conhecido por ma'at na língua egípcia) que aparece inicialmente durante o período conhecido como Velho Império (c. 2613 - 2181 a.C.) mas que, sem dúvida, já existia anteriormente. Ela é retratada de forma antropomórfica como uma mulher alada, muitas vezes de perfil, com uma pena de avestruz na cabeça ou simplesmente como uma pluma branca de avestruz. A pena de Ma'at era parte integrante da cerimônia de Pesagem do Coração da Alma na vida além-túmulo, na qual se comparava o seu peso com o coração da alma da pessoa falecida na balança da justiça. A historiadora Margaret Bunson informa que

Ela tinha um papel vital nos rituais mortuários do Egito, nos quais se pesava os corações dos falecidos. Esse papel mortuário evoluiu ao longo das décadas para o princípio de ma'at, a atitude correta desejável, que permaneceu como fundamento ético e moral do povo egípcio. (152)

Nome e Significado

Ma'at é considerado mais um conceito do que propriamente uma deusa. Adorava-se a deusa Ma'at vivendo de acordo com os mais altos princípios de justiça, ordem e harmonia.

Conta-se que Ma'at nasceu do deus-sol Rá (Atum) no início da criação, através do poder de Heka, que personificava a mágica. Seu nome significa "o que é reto", implicando ordem, justiça e harmonia. Acredita-se que esteve presente desde o início dos tempos quando, das águas primordiais de Nun, o ben-ben (primeiro monte de terra firme) surgiu com Atum (ou Rá, o deus-sol) sobre ele, na presença da invisível Heka. No momento em que Rá pronunciou a criação do mundo, Ma'at nasceu. Seu espírito de harmonia e equilíbrio derramou-se pela criação e levou o mundo a operar racionalmente, conforme um propósito. O princípio de ma'at era a função operacional da vida e o de heka (mágica) a fonte de poder que a impulsionava. Por esta razão, ela costuma ser considerada mais como um conceito do que uma deusa com uma história e personalidade específicas, como Ísis ou Hator. O espírito de Ma'at é o da criação e, quando se está sintonizado com ele, vive-se bem e se espera paz eterna na vida além-túmulo; em caso de rejeição a tais princípios, haverá consequências negativas. Margaret Bunson comenta a respeito:

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Ma'at era o modelo do comportamento humano, em conformidade com a vontade dos deuses, a ordem universal evidente nos céus, o equilíbrio cósmico sobre a terra, o espelho da beleza celestial. A consciência da ordem cósmica estava evidente desde os primórdios do Egito; os sacerdotes-astrônomos mapeavam os céus e observavam que a terra respondia às órbitas das estrelas e dos planetas. Os sacerdotes ensinavam que a humanidade precisavam refletir a harmonia divina, assumindo um espírito de quietude, comportamento razoável, cooperação e reconhecimento das qualidades eternas da existência, como demonstrado pela terra e pelo céu. Todos os egípcios assumiam que fariam parte do cosmos quando morressem; portanto, a responsabilidade de agir de acordo com suas leis fazia sentido. A adesão estrita a ma'at permitia que os egípcios se sentissem seguros com o mundo e com o plano divino da criação como um todo. (152)

Sua importância é atestada por um dos meios pelos quais os egípcios escreviam seu nome. Embora fosse frequentemente identificada pelo símbolo da pena, também costumava ser designada por um pedestal. Via-se comumente o pedestal abaixo dos tronos das divindades, mas ele não era usado para transmitir seus nomes. Esta forma de representação sugere, de acordo com a egiptóloga Geraldine Pinch, que se considerava Ma'at o alicerce sobre o qual a sociedade egípcia repousava (160). Seu significado também aparece na iconografia, que a mostra constantemente ao lado de Rá na barcaça celestial, navegando com ele pelo céu durante o dia e ajudando-o a defender a embarcação contra a serpente Apófis à noite.

Sarcophagus of Ramesses III
Sarcófago de Ramsés III
genibee (CC BY-NC-SA)

Os antigos egípcios também invocavam seu nome nas histórias do passado há muito perdido, quando todas as coisas eram belas e não havia injustiça. Tais histórias geralmente referem-se ao período de domínio justo e benevolente de Osíris e Ísis, antes do assassinato do deus por Set. Em alguns casos, porém, Ma'at governa a terra sozinho, como observa Pinch:

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Os mitos egípcios sobre a era de ouro incluíam o período em que Ma'at governava a terra. Às vezes, dizia-se que ela se retirou para os céus porque estava entristecida pelo comportamento perverso da humanidade. Ma'at ainda podia ser representada como vivendo junto a um indivíduo, como uma espécie de anjo projetor, que acompanhava a pessoa para a vida além-túmulo. Com o tempo, "juntar-se a Ma'at" tornou-se um eufemismo para morrer. (160)

É neste papel mortuário que Ma'at tornou-se mais conhecida pela maioria das pessoas na era moderna. Uma das imagens mais icônicas do antigo Egito é a cerimônia conhecida como A Pesagem do Coração da Alma, na qual Ma'at e sua pena branca da verdade desempenhavam um papel fundamental.

A Pena Branca da Verdade de Ma'at

Os egípcios acreditavam fortemente que cada indivíduo era responsável por sua própria vida, que deveria ser vivida com seus semelhantes e a terra em mente. Da mesma forma que os deuses cuidavam da humanidade, os humanos também deveriam cuidar uns dos outros e da terra que lhes havia sido fornecida. Essa filosofia aparece em todos os aspectos da cultura egípcia, desde a maneira como construíam suas cidades até o equilíbrio e a simetria de seus templos e monumentos. Uma vida harmoniosa, segundo a vontade dos deuses, estaria em harmonia com o conceito de ma'at e com a deusa que incorporava esse conceito. Podia-se viver como se desejasse, naturalmente, ignorando completamente o princípio de ma'at, mas eventualmente viria o dia do juízo para todos: o julgamento no Salão da Verdade (também conhecido como O Salão das Duas Verdades) na vida além-túmulo. Wilkinson comenta a respeito:

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Ela tinha um papel multifacetado, que abrangia dois aspectos principais. Por um lado, Ma'at representava a ordem ou equilíbrio universal - incluindo conceitos como verdade e direito -, estabelecido no momento da criação. Esse aspecto baseia sua relação com Rá - pois ela é a ordem imposta ao cosmos criada pelo demiurgo solar e, como tal, o princípio orientador que acompanhava o deus sol em todos os momentos [...] Como corolário natural de sua identidade com o equilíbrio e a harmonia, Ma'at também representava ativamente o conceito de julgamento. Nos Textos da Pirâmide, a deusa aparece neste papel de maneira dupla, como "os dois Ma'ats" julgando o direito do rei falecido aos tronos de Geb [o governo da terra] e na literatura funerária posterior é no Salão das Duas Verdades (a forma dupla de Ma'at) que o julgamento do falecido ocorre. Os próprios deuses, atuando como juízes do tribunal divino, são chamados de "o conselho de Ma'at". (150)

Para os egípcios, a alma consistia em nove partes separadas: o Khat era o corpo físico; o Ka, o seu duplo; o Ba, um aspecto de pássaro com cabeça humana que podia transitar entre a terra e os céus; Shuyet era o eu da sombra; Akh, o eu imortal e transformado; Sahu e Sechem, dois aspectos do Akh; Ab era o coração, a fonte do bem e do mal; e Ren, o nome secreto. Todos esses nove aspectos faziam parte da existência terrena das pessoas. Quando se morria, o Akh (com o Sahu e Sechem) aparecia diante de Osíris no Salão da Verdade, na presença dos Quarenta e Dois Juízes, para ter o coração pesado numa balança, tendo a pena branca de Ma'at num dos pratos.

Seria necessário então recitar a Confissão Negativa (aquelas ações que se podia honestamente afirmar que nunca teriam sido cometidas durante a vida) para, então, ter o coração colocado no prato dourado vazio da balança. Se o coração fosse mais leve do que a pena de Ma'at, o falecido aguardava então enquanto Osíris confabulava com os Quarenta e Dois Juízes e o deus da sabedoria, Toth e, se considerado merecedor, teria permissão de passar pelo salão e continuar a existência no paraíso. Porém, caso o coração se revelasse mais pesado do que a pena, o coração seria atirado ao chão e devorado pela deusa monstruosa Ammit (a devoradora), cessando de existir. Ninguém podia escapar ao julgamento e o rei teria de se postar ante a balança de Ma'at e Osíris da mesma forma que o escravo mais inferior dos campos.

Weighing the Heart, Book of the Dead
Pesando o Coração, Livro dos Mortos
Jon Bodsworth (Public Domain)

Caso se conseguisse passar pelo julgamento e evitar as ciladas e armadilhas colocadas em seu caminho pelos demônios e forças do caos, chegava-se aos Campos de Junco, um paraíso no qual se era recebido pelos seres amados falecidos e que espelhava a vida do morto na terra. Margaret Bunson descreve esta vida após a morte:

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A eternidade em si mesma não era um conceito vago. Os egípcios, pragmáticos e determinados a explicar tudo em termos concretos, acreditavam que poderiam permanecer no paraíso, em áreas embelezadas por lagos e jardins. Lá, eles comeriam os “bolos de Osíris” e flutuariam no Lago das Flores. Os reinos eternos variavam conforme a era e o culto específico, mas todos se situavam ao lado de água corrente e abençoados com a brisa, atributos considerados necessários para o conforto. O Jardim de Aaru assemelhava-se a um oásis de êxtase eterno. Também havia Ma'ati, uma terra eterna onde os falecidos enterravam uma tocha em chamas e um cetro de cristal - rituais cujos significados se perderam. A deusa Ma'at, a personificação da ordem cósmica, justiça, bondade e fé, protegia os falecidos neste reino encantado, chamado Hehtt em alguns épocas. Somente aqueles de coração puro, os uabt, podiam contemplar Ma'at. (86-87)

Em algumas imagens, a deusa é vista sobre os pratos da balança no momento do julgamento e, em outras, está próxima a Osíris mas, seja como for, encontra-se sempre presente neste ritual, mesmo que somente na forma da sua pena colocada num dos pratos. Na vida além-túmulo, acreditava-se que ela ajudaria aqueles defendiam e viviam de acordo com seus princípios.

Veneração da Deusa

Embora fosse considerada uma divindade muito importante, Ma'at não tinha templos ou clero oficial (da mesma forma que Heka). Costumava ser venerada por um pequeno santuário instalado nos templos de outros deuses. Até o único templo conhecido em sua homenagem, erguido pela rainha Hatshepsut (r. 1479-1458 a.C.), foi construído dentro das distrito sagrado do templo do deus Montu. As pessoas a veneravam vivendo conforme seus princípios e levando quaisquer oferendas que quisessem aos santuários situados nos templos de outros deuses. Segundo Wilkinson,

Mesmo o título "sacerdote de Ma'at" é geralmente conferido de forma honorífica, provavelmente àqueles que serviam como magistrados ou que proferiam decisões judiciais em seu nome e que, aparentemente, portavam pequenas imagens douradas da deusa como símbolo de sua autoridade judicial. (152)

A única veneração "oficial" de Ma'at ocorria quando o rei do Egito fazia um sacrifício a ela após ascender ao trono e "apresentava Ma'at" aos deuses, ofertando uma pequena imagem da deusa. Ao fazê-lo, o rei buscava seu favor para a manutenção do equilíbrio divino em seu reinado. Se o rei não alcançava o equilíbrio ou promovia a harmonia, tratava-se de um sinal claro de que não estava apto a governar. Ma'at - e o conceito vital que personificava - era crucial para o sucesso dos governantes.

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The Offering of Ma'at
A Oferenda de Ma'at
Terry Feuerborn (CC BY-NC-SA)

Ela era uma figura importante e difusa no panteão egípcio, ainda que houvesse poucas histórias a seu respeito e não contasse com templos ou seguidores de um culto. Dizia-se que os deuses viviam de Ma'at e, como observa o acadêmico Richard H. Wilkinson, a maioria das imagens do rei ofertando Ma'at aos outros deuses, durante a coroação, "são essencialmente idênticas àquelas em que o rei oferece comida, vinho ou outras formas de sacrifício aos deuses" (152). Na verdade, os deuses viviam de Ma'at, no que se refere ao fato de se aterem às suas leis na observação da harmonia e equilíbrio e no estímulo aos seres humanos para que respeitassem estes valores.

Os templos de Ma'at eram os de todos os demais deuses porque se tratava do princípio cósmico subjacente que tornava possíveis tanto as vidas dos humanos quanto as das divindades. Quem adorava a deusa Ma'at vivia conforme os mais altos princípios de justiça, ordem e harmonia e dando atenção aos vizinhos e à terra que havia recebido para cuidar. Embora deusas como Hathor e Ísis fossem mais populares e, com o tempo, assumissem muitos dos atributos de Ma'at, ela permaneceu uma importante divindade por toda a história do Egito e definiu os valores culturais do país por séculos.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Joshua J. Mark é cofundador e diretor de conteúdos da World History Encyclopedia. Anteriormente, foi professor no Marist College (NY), onde lecionou história, filosofia, literatura e redação. Ele viajou bastante e morou na Grécia e na Alemanha.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2016, setembro 15). Ma'at [Ma'at]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-15014/maat/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Ma'at." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação setembro 15, 2016. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-15014/maat/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Ma'at." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 15 set 2016. Web. 22 dez 2024.