Os neandertais são um grupo extinto de humanos fósseis que apareceram na Eurásia Ocidental em meados do Pleistoceno Médio e partilharam o cenário com os primeiros humanos modernos que chegaram à Europa há aproximadamente 45 mil anos, antes de desaparecerem do registro fóssil por volta de 40 mil anos atrás. Os neandertais foram um grupo muito bem-sucedido, que se adaptou satisfatoriamente ao clima imprevisível de uma região na qual eram comuns o avanço e o recuo de placas de gelo. Sua estrutura baixa e atarracada tornava-os robustos e poderosos, ao passo que seu cérebro grande impulsionava sua capacidade de caçar até mesmo as maiores criaturas da Idade do Gelo, tais como mamutes ou rinocerontes lanudos.
Nós, humanos modernos, estamos ligados aos neandertais de muitas formas: compartilhamos um ancestral comum na África, entre 550 mil e 750 mil anos atrás, e coexistimos na Europa por algum tempo. Ali ambos devem ter competido por recursos, mas é sabido que cruzaram entre si, o que fez com que os neandertais ocasionassem um impacto genético ainda hoje visível em nosso DNA. Uma outra espécie humana, os denisovanos, está ligada aos neandertais até mais estreitamente do que nós, humanos modernos: os dois são grupos irmãos que divergiram de um ancestral comum há mais de 390 mil anos, talvez entre 430 mil e 473 mil anos atrás - uma divisão posterior àquela com os humanos modernos. Até agora se conhecem apenas os denisovanos da caverna Denisova, nas Montanhas Altai, na Sibéria, um sítio arqueológico onde também foram encontrados restos de neandertais. A descoberta mais surpreendente ocorrida ali e um exemplo direto de que os neandertais também cruzaram com os denisovanos ocorreu em 2012, quando se encontrou um fragmento de um osso longo, datado aproximadamente de entre 80 mil e 120 mil anos de idade, pertencente a uma mulher de mãe neandertal e pai denisovano.
Descoberta
Quando os primeiros fósseis neandertais foram escavados no início do século 19 (a criança de Engis, em 1830, e o adulto de Forbes Quarry, em 1848), eles não foram imediatamente reconhecidos como um tipo de humano arcaico. Em vez disso, a anatomia peculiar dos esqueletos, que diferia claramente da dos humanos modernos, foi explicada como resultante de doenças como raquitismo. Entretanto, após o descobrimento de um esqueleto no Vale de Neander, na Alemanha, em 1856, a pesquisa subsequente foi influenciada pela publicação de A Origem das Espécies, de Darwin, em 1859, e os avanços começaram. Por volta de 1864, os esqueletos misteriosos foram atribuídos à espécie Homo neanderthalensis.
Quando & onde eles viveram?
Devido às dificuldades que o processo evolutivo acrescenta à classificação das espécies, não há uma data inequívoca para a aparição inicial dos neandertais. Ao contrário, reconhece-se que as primeiras características neandertais surgem entre 600 mil e 400 mil anos atrás, com uma expressão progressivamente mais acentuada de sua morfologia desenvolvendo-se ao longo do tempo. Entre 200 mil e 100 mil anos atrás, suas características são claras e reconhecíveis, embora o que consideramos como um neandertal “clássico”, com o conjunto completo de características que lhe são associadas, não apareceu até cerca de 70 mil anos atrás.
Os neandertais compartilham um ancestral comum com os humanos modernos na África, entre 550 mil e 750 mil anos atrás. Eles são comumente identificados como Homo heidelbergensis, embora um estudo de 2016 sugira uma data de divergência para os neandertais tão longínqua no tempo que os descarta e, em seu lugar, propõe o Homo antecessor como o melhor candidato. Quem quer que tenha sido, um grupo dessa espécie ancestral comum migrou para a Europa, onde evoluiu não apenas para os neandertais, mas também para seu grupo irmão, os denisovanos. Esses dois ramos divergiram há mais de 390 mil anos, talvez entre 430 mil e 473 mil anos atrás. O grupo ancestral comum que permaneceu na África evoluiu para o Homo sapiens.
Os neandertais encontravam-se bem espalhados: foram encontrados espécimes desde a Espanha e o Mediterrâneo até o norte da Europa, bem como por todo o Oriente Próximo e até o Extremo Oriente, no Uzbequistão e na Sibéria.
Morfologia Neandertal
Considerando o fato de que os neandertais evoluíram a partir de seu predecessor na Eurásia Ocidental da Era do Gelo e ali viveram por tanto tempo, eles precisavam estar bem adaptados ao frequente clima frio. Baixos e troncudos, com uma média de 1,69 cm para os homens e cerca de 1,60 cm para as mulheres, e exibindo caixas torácicas largas e profundas, esses humanos tinham uma estrutura diferente da dos humanos modernos, mais altos e esguios. Suas têmporas pronunciadas, faces largas com narizes apropriadamente largos e uma ausência de queixo os diferenciavam.
Por outro lado, os neandertais dividem com os humanos modernos uma série de características derivadas, entre as quais estão cérebros maiores (suas caixas cranianas eram até maiores do que as nossas), sendo que também apresentavam uma face menos protuberante do que muitos humanos arcaicos anteriores. Essas características tornam os crânios neandertais marcadamente diferentes dos nossos. Referente às cores do cabelo e da pele, os neandertais possivelmente tinham uma grande variedade certamente maior do que a dos humanos modernos que chegaram. O DNA de dois indivíduos da Itália e da Espanha sugere pele pálida e cabelo vermelho, ao passo que pele mais escura e cabelo castanho ou vermelho são indicados em três indivíduos de Vindija, na Croácia.
O registro fóssil também revela que os neandertais eram destemidos; eles levavam vidas adversas e perigosas. Quase todos os esqueletos de adultos bem preservados mostram algum tipo de traumatismo, usualmente em torno da região da cabeça ou do pescoço, talvez relacionado às estratégias de caça, em que tinham de se aproximar de grandes presas animais. O fato de a maioria dessas lesões ter se regenerado total ou parcialmente significa que os indivíduos em questão eram cuidados pelo grupo e se recuperavam de seus ferimentos para caçarem posteriormente. Entretanto, nem todos tinham essa sorte; em média, a expectativa de vida de um neandertal adulto era bem baixa, claramente devido à natureza perigosa e fisicamente estressante de suas vidas.
Estilo de Vida
Tanto a estrutura corporal poderosa e o número de traumatismos observados nos neandertais, bem como o que sabemos sobre a alta dependência de carne em suas dietas, devido à quantidade de energia que a caça demandava, indicam que eles eram caçadores ativos. Eles comiam, na maior parte, carne herbívora de mamíferos, tais como bisão, gado selvagem, rena, cervo, íbex e javali. Curiosamente, os maiores herbívoros da Idade do Gelo, os mamutes lanudos e rinocerontes lanudos, representavam realmente uma grande parte da dieta neandertal. Derrubar esses animais não deveria ser uma tarefa fácil, até mesmo para um grupo coordenado de caçadores habilidosos - tal como teriam sido os neandertais. Além da carne, havia também um forte componente vegetal em sua dieta, muito provavelmente consistindo em legumes e gramíneas, sementes e frutas. Além disso, está claro que os neandertais cozinhavam seu alimento e que talvez até conhecessem usos medicinais de plantas.
Quanto às ferramentas utilizadas pelos neandertais, elas são mais comumente (mas não exclusivamente) associadas à tecnologia lítica musteriense. Lascas de sílex eram transformadas em raspadores laterais, pontas retocadas e machadinhos de mão, geralmente com materiais disponíveis no local. Poucas ferramentas ósseas são conhecidas, mas provavelmente as ferramentas de madeira eram usadas também. Desde pelo menos 200 mil anos atrás, os neandertais possuíam a habilidade de controlar o fogo; sabemos que o utilizavam como ferramenta para produção de alcatrão de bétula, embora possivelmente já o utilizassem anteriormente, visto que o uso controlado do fogo apareceu por toda a Europa a partir de 400 mil anos atrás.
Pouco propenso a construir suas próprias estruturas (embora exceções sejam conhecidas), seu fogo teria iluminado predominantemente cavernas ou outros abrigos naturais, cujas áreas habitáveis encontradas são relativamente pequenas e um pouco caóticas, não mostrando foco evidente de atividades. Todavia, as áreas de fogueiras são bem definidas, provavelmente desempenhando um papel central não apenas no tocante ao cozimento ou aquecimento, mas também à produção de ferramentas.
Historicamente, os neandertais foram descritos como cognitivamente inferiores aos humanos modernos que chegavam, com uma cultura menos sofisticada e uma ausência de pensamento simbólico que teriam privilegiado nossos ancestrais. Entretanto, essa imagem reverteu-se agora; os neandertais eram claramente um grupo complexo. Além da caça coordenada (para a qual é necessária a comunicação eficaz), da assistência aos seus feridos, do uso avançado do fogo e da fabricação de ferramentas, os neandertais são conhecidos por enterrarem intencionalmente seus mortos. Ademais, os anéis de estalagmites construídos pelos neandertais na caverna de Bruniquel, na França, datados de 176.500 anos atrás, demonstram planejamento, controle do ambiente subterrâneo e talvez uso simbólico. Eles também perfuravam e coloriam conchas marinhas e, surpreendentemente, parecem ter usado ocre vermelho em um sítio arqueológico em Maastricht-Belvedère há espantosos 200 mil - 250 mil anos, igualando-se ao intervalo de tempo documentado pelo registro africano do uso do ocre. Eles não eram meros brutos e seu desaparecimento não pode ser explicado por uma suposta grande diferença de inteligência entre nossas espécies.
Desaparecimento
Por volta de 55 mil anos atrás, a principal onda de humanos modernos que havia deixado a África encontrou os neandertais no Oriente Próximo e Oriente Médio, onde se cruzaram. Essa não foi a primeira vez que as duas espécies se encontraram - há também alguma evidência de troca genética entre as duas espécies ocorrendo aproximadamente há 100 mil anos, possivelmente no Oriente Próximo. Todavia, o evento de 55 mil anos atrás deixou a maior marca genética em nossa espécie e, a partir do Oriente Próximo, os humanos modernos se espalharam pela Eurásia, alcançando a Europa por volta de 45 mil anos atrás. Eles vieram em números muito maiores, tanto no tamanho do grupo como em densidade populacional global, do que os neandertais ali existentes, que repentinamente se depararam com uma competição por recursos. Pouco depois (em uma escala de tempo pré-histórica), por volta de 40 mil anos atrás, os neandertais desapareceram do registro fóssil.
Além da competição, um outro fator que pode ter influenciado o desaparecimento dos neandertais é o clima, que era muito mais instável naquele período do que jamais fora antes. Isso pode ter estressado sua população, que já era muito menor do que a dos invasores humanos modernos, tornando-a vulnerável a esse impacto.
Além disso, o cruzamento com neandertais ajudou os humanos modernos a se adaptarem ao clima mais frio da Europa, visto que seus genes afetaram a cor de nossa pele e de nosso cabelo. Devido à miscigenação de nossos ancestrais com os neandertais após sua partida da África, no total, os humanos não africanos possuem em média ~2% de DNA neandertal. Entretanto, os dois grupos estavam no limite da compatibilidade biológica, já que pesquisas mostraram que o cruzamento levou a um decréscimo de fertilidade, bem como a abortos espontâneos quando os bebês do sexo masculino possuíam um cromossomo Y neandertal. Isso teria diminuído a contribuição genética neandertal total. Ao combinar esse fato com a vasta diferença nos tamanhos de população entre os dois grupos, sugere-se que a miscigenação tenha desempenhado um papel significativo no desaparecimento dos neandertais - talvez eles tenham sido parcialmente "absorvidos" em nossa população. No final, esse desaparecimento deve se resumir a uma combinação de muitos fatores diferentes, incluindo a vasta competição, o ambiente hostil e certo grau de cruzamento. Estamos apenas começando a descobrir os detalhes exatos da influência genética que exerceram sobre nós, consequentemente, essa história ainda não acabou.