A Grande Zimbábue é uma cidade em ruínas próximo a Masvingo, na parte central do Zimbábue, habitada entre c. 1100 a c. 1550 (floresceu entre 1300 e 1450, aproximadamente), na Era do Ferro Tardia daquela região. Capital do Reino de Zimbábue do povo Xona, falante da linguagem Banto, está localizada numa cidadela natural e inclui muitos monumentos impressionantes, construídos com o uso de blocos de granito sem argamassa.
Os conjuntos de edifícios de pedra eram chamados zimbabwe em banto, vindo daí a origem da denominação do sítio e do reino. Uma estrutura de pedra, o Grande Recinto – um muro alto cercando uma torre – é o maior monumento antigo africano ao sul do Saara. A cidade prosperou graças à agricultura, depósitos de ouro e rotas comerciais que alcançavam a costa oriental da África. Começou a declinar no século XV, provavelmente devido à exaustão de seus recursos auríferos e/ou pela superpopulação, e os xona transferiram-se para o norte, rumo a um novo sítio, em Mutapa. Várias figurinhas em pedra-sabão descobertas na Grande Zimbábue representam um pássaro que atualmente aparece na bandeira do país. A Grande Zimbábue foi escolhida como Patrimônio Mundial da UNESCO em 1986.
O Platô de Zimbábue
O Reino de Zimbábue, do qual a Grande Zimbábue era a capital, foi formado pelos xona, um povo falante de banto que havia inicialmente migrado para a África meridional a partir do século II d.C.. As fronteiras exatas do reino não são conhecidas, exceto que seu centro se situava em Maxonalândia (Zimbábue setentrional). A região do platô de Zimbábue, entre os rios Limpopo, ao sul, e Zambeze, ao norte, é composta por áreas de pasto temperadas, livres da mosca tsé-tsé, ainda que com um regime de chuvas imprevisível, ameaçado por secas pelo menos uma vez a cada década.
A história geral da região no milênio anterior ao auge da Grande Zimbábue é a que se segue. A partir do século III a.C., há evidências de domesticação de ovelhas, cabras e gado, embora a prática não tenha se disseminado até o século I d.C.. Certamente, pequenos bandos de caçadores-coletores nômades habitavam a área bem antes dos pastores xona chegarem com seus rebanhos e a tecnologia de fundição de ferro e, de fato, os dois grupos continuariam a competir por território até a era moderna.
Por volta dos séculos VII-IX, as comunidades iriam se estabelecer num padrão que sobreviveria até a chegada dos colonos europeus, no século XVI. O povo vivia em cabanas de barro e palha de junco ou casas de pedra. Produziam cerâmicas simples, roupas de couro, joias de cobre e ouro, armas e equipamentos agrícolas de ferro. Tais itens também eram comercializados na região, pois o reino de Zimbábue necessitava muito de sal, altamente valorizado. Houve achados de colares de contas de vidro e conchas marinhas, evidenciando o comércio com a costa mesmo nestas épocas iniciais.
As evidências arqueológicas acumuladas apontam, então, para uma sociedade que, a partir do século X, prosperou com a agricultura (especialmente cultivo de sorgo, milhete, abóboras e melancias), criação de animais, caça e comércio localizado (com base no minério de ferro, cobre e depósitos de ouro locais). À medida que estas comunidades prosperavam e suas rotas comerciais se expandiam para os grandes centros de comércio da costa Suaíle, eles conseguiram construir mais monumentos de pedra impressionantes, a partir do início do segundo milênio. A Grande Zimbábue, localizada a cerca de 30 quilômetros a sudeste da moderna Masvingo, é somente o maior dos mais de 300 sítios da Era do Ferro na região que compreende os atuais Zimbábue e Moçambique.
Destaques Arquitetônicos
Complexo da Colina
A localização da Grande Zimbábue numa elevação natural de 80 metros permitiu que se destacasse tanto como um local para rituais como pela facilidade de defesa. Evidências da habitação esparsa da cidadela ou Complexo da Colina, como também é conhecido, vem desde o século V d.C. (conforme a datação por radiocarbono), mas foi interrompida e retomada com maior intensidade nos séculos XI-XII, quando povos da Era do Ferro chegaram com uma cultura material diferente dos ocupantes anteriores. O complexo pode ser funcionado numa data posterior como um sítio religioso, talvez um local de sepultamento de chefes. Ou, então, pode ter funcionado desde o início com fins religiosos, como a veneração de ancestrais, rituais de sacrifícios e oferendas votivas. Porém, há remanescentes de residências de barro com fundações de pedra na acrópole e é possível que tenha sido usada como residência real. Em meados do século XIII, o Complexo da Colina foi cercado por um muro de granito sem argamassa. O granito ocorre naturalmente ali e pode ser cortado fácil e naturalmente (usando fogo e depois água para esfriar) em placas relativamente uniformes, com a grossura de 50-100 centímetros. Este muro incorpora rochas de granito já existentes no local.
O Grande Recinto
A partir do ano 1000 (ou até em períodos anteriores), também começam a aparecer habitações no vale abaixo da cidadela. Dominando a área, há um grande muro elíptico de pedra com 5,5 metros de largura em alguns locais e 9,7 metros de altura. O muro inclina-se ligeiramente para dentro para maior estabilidade e canais regulares correm através da base para drenar o espaço interior nivelado. Há também uma entrada principal que dá para o Complexo da Colina e várias outras, o que parece afastar a hipótese de função defensiva ou militar dos muros.
No interior há um segundo muro, que em alguns locais forma um corredor estreito à medida que segue os contornos do muro externo, o que leva a um monumento elevado de pedra ou torre. A torre tem formato cônico, com 5 metros de diâmetro na parte mais larga e uma altura de 10 metros. Construídos sem argamassa e com encaixe preciso da alvenaria de granito, o muro e a torre são referidos comumente como o Grande Recinto.
O propósito da estrutura, que tem uma circunferência total de 250 metros, não é conhecido ao certo, mas pode ter sido uma residência real, com a torre sendo usada como celeiro (os grãos representavam uma forma comum de tributo e também eram usados pelos governantes xona como presentes). Os mais luxuosos artefatos da Grande Zimbábue foram encontrados aqui e no Complexo da Colina. Porém, a complexa disposição dos muros, plataformas interiores e contrafortes de pedra são difíceis de explicar como uma mera residência. Qualquer que seja sua função exata, a maioria dos estudiosos concorda que o Grande Recinto servia como um símbolo poderoso do prestígio e autoridade dos governantes da Grande Zimbábue.
Ruínas do Vale
Há também muitos outros edifícios isolados nas vizinhanças, igualmente cercados por muros altos, bem como os remanescentes de muitas casas grandes e circulares de barro e traves de madeira (as quais antecedem as casas de pedra). Esta terceira área é conhecida como as Ruínas do Vale. As casas de barro em geral têm 10 metros de diâmetro e os telhados de palha alcançariam impressionantes seis metros de altura ou mais.
O número e distribuição geográfica destas ruínas sugerem uma elevação na população à medida que a cidade prosperou. Espalhada por uma área superior a 700 hectares, e com mais estruturas monumentais, certamente havia uma elite governante e talvez uma autoridade centralizada que liderava uma população total de aproximadamente 18.000 pessoas. O contato com culturas contemporâneas está implícito na similaridade de itens como os sinos de ferro, tradicionalmente associados com governantes, encontrados no sítio e em Shaba e Ingombe Ilede, na região média do Rio Zambeze.
Governo e Sociedade
A sociedade de Zimbábue, como em outras partes da África meridional, era dominada por chefes familiares masculinos, que competiam com seus compatriotas por poder e influência. Um dos principais métodos de adquirir poder consistia na propriedade de rebanhos de gado. O número de esposas de um homem também indicava seu sucesso, porque isso correspondia à força de trabalho à sua disposição. Esperava-se que as mulheres semeassem, cuidassem e colhessem as plantações, preparassem comida e buscassem água. Os homens solteiros caçavam, pastoreavam animais e faziam roupas. Aqueles que não dispunham de propriedade se tornariam dependentes de um proprietário, que permitia que os ajudasse nas atividades pastoris em troca de comida e abrigo. A presença de tais dependentes tornava-se outro indicador de sucesso masculino na sociedade de Zimbábue.
O chefe de uma tribo provavelmente seria o homem mais rico, embora o posto fosse geralmente hereditário entre os xona. Sem exércitos para apoiar sua autoridade, provavelmente a maioria tentava acomodar as opiniões dos integrantes sêniores da comunidade, além dos chefes subordinados sob seu controle nominal. As evidências arqueológicas de destruição pelo fogo em alguns sítios sugerem que houve conflitos ocasionais entre grupos adversários. Os monumentos de pedra, pelo menos, evidenciam alguma forma de autoridade política, mas no que ela consistia é incerto, a não ser que a comunidade era rica e controlava uma força de trabalho suficiente para construir estruturas tão sólidas.
As crianças do sexo masculino dos homens que possuíam rebanhos eram educadas com suas colegas por vários meses, em isolamento da comunidade. Recebiam ensinamentos sobre a perícia na caça, precisavam suportar provas físicas e testes de resistência e aprendiam sobre as tradições e costumes da tribo. Ao final do período de treinamento, eram circuncidados e recebiam um novo nome, o que significava que se tornavam homens. As meninas também recebiam educação em grupo, na qual seriam preparadas para seu papel futuro como esposas e mães. Quando uma jovem se casava, deixava seu lar e vivia com a família do marido e seu pai oferecia um dote de gado.
Comércio
Que a Grande Zimbábue possuía conexões comerciais com outros estados é evidenciado pelas descobertas de produtos não-africanos, trazidos por mercadores da costa leste africana, acerca de 400 quilômetros de distância. Kilwa e seu posto avançado de Sofala – situados na moderna Moçambique – tornaram-se os mais prósperos de todos os centros comerciais suaíle, graças ao ouro proveniente do reino de Zimbábue. Este ouro era facilmente extraído em depósitos superficiais no platô e nos tributários do Rio Zambeze. Quando estas fontes se exauriram, minas abertas começaram a ser exploradas até uma profundidade de 30 metros. Ouro, marfim e cobre (geralmente fundido em lingotes em forma de X) eram trocados por artigos de luxo exóticos, como porcelana chinesa Ming e faiança esculpida da Pérsia. Não havia mercados públicos e os negócios se davam através de escambo para o benefício da elite governante. Existem, então, amplas evidências da riqueza que este comércio inter-regional trouxe para a cidade, não somente pela descoberta de artefatos de luxo estrangeiros, mas também pela arquitetura e arte do sítio.
Arte
Infelizmente para a posteridade, o sítio da Grande Zimbábue foi sistematicamente pilhado de qualquer coisa de valor durante as atividades coloniais europeias na área, ao longo da década de 1890. Os artefatos que vieram a público quase sempre não fornecem nenhuma informação do contexto em que foram descobertos.
Várias figuras de pedra-sabão finamente esculpidas foram encontradas, dentre as quais oito representações de pássaros assentados em monólitos com mais de um metro de altura. O pássaro é conhecido como o Pássaro de Zimbábue e não se assemelha a qualquer outro pássaro da natureza; atualmente ele aparece na bandeira do país. Artefatos como as figuras em pedra-sabão indicam a natureza ritual do sítio da Grande Zimbábue. Outras esculturas incluem figuras com gado e mulheres despidas e altamente estilizadas. Cerâmicas simples, não envidraçadas e de excelente qualidade eram produzidas – em geral cobertas com grafite e depois polidas. Suas formas incluem vasilhas em formato de abóbora com decorações triangulares hachuradas distintas, pequenos discos de propósito desconhecido e modelos de cabanas.
Declínio e História Posterior
As causas exatas do declínio da Grande Zimbábue não são conhecidas, mas a competição com estados rivais e a exaustão dos depósitos de ouro são as explicações mais prováveis. Podem ter havidos problemas relativos à superpopulação, também, como o esgotamento do solo e desmatamento, uma situação talvez agravada por uma série de períodos de seca. Certamente, por volta do século XV, todas as conexões com o comércio costeiro haviam cessado. Aproximadamente na segunda metade do século XV, os povos xona migraram por centenas de quilômetros para o norte e formaram um novo estado, o Reino de Mutapa.
A cidade de Grande Zimbábue, assim, ficou em sua maior parte abandonada até ser "redescoberta" pelos europeus que chegaram no final do século XIX. Cegos pelo racismo, eles não conseguiram acreditar que um lugar como aquele poderia ter sido construído pelos africanos. Este preconceito continuou até fins do século XX e levou a toda sorte de explicações forasteiras para as grandes estruturas de pedra, tais como fenícios errantes fundando uma cidade a milhares de quilômetros de sua terra natal e tão longe do mar quanto fisicamente possível. As evidências arqueológicas, porém, demonstraram que a Grande Zimbábue foi construída pelos nativos africanos.
O território do antigo Reino de Zimbábue ainda era habitado quando foi conquistado pelo povo ndebele no século XIX, quando se formou o Reino de Matabelândia. No início do século XX, a região estava sob controle da Companhia Britânica da África do Sul e dois novos estados surgiram em 1911: Rodésia do Norte e do Sul. Este último se tornou o Zimbábue em 1980.