O torneio medieval era uma reunião para os cavaleiros europeus na qual podiam praticar e exibir suas habilidades militares em atividades como combate a cavalo ou escaramuças, e com muita pompa, demonstrar suas qualidades de cortesia e conquistar tanto riqueza como glória. Do século X ao XVI, os torneios constituíam a principal expressão dos ideais aristocráticos como cavalaria e linhagem nobre, onde encontravam-se em jogo os brasões familiares e a honra, as damas cortejadas e até o orgulho nacional.
Origens
Desde a antiguidade os guerreiros já treinavam práticas de combate, mas o torneio medieval, ao que parece, originou-se a partir das cavalgadas dos francos no século IX, ocasião em que praticavam com habilidade um enfrentamento mútuo, realizando manobras de grande destreza. Os encontros organizados de cavaleiros, para a prática de habilidades militares específicas e envolvimento em batalhas de cavalaria simuladas, assumiam duas formas principais:
- O Torneio – uma batalha entre dois grupos de cavaleiros em montaria e chamado de melée, hastilude, tourney ou tournoi.
- A Justa – duelo um contra um, com cavaleiros em montaria, utilizando lanças de madeira.
Com o passar do tempo as duas expressões se tornaram sinônimas para qualquer reunião de cavaleiros com exibição de pompa e se refere a uma parte, ou ao todo, de tal reunião.
A origem da palavra torneio (tournament ou tournoi), como o próprio evento, é obscura. A finalidade original das reuniões de cavaleiros, provavelmente, destinava-se à prática do manejo das montarias com cavaleiros em batalhas, quando se esperava que ele mudasse a direção ou girasse seu animal resolutamente, ou par tour em francês (mudar a direção), que bem poderia ser a origem do termo torneio. Outra possível origem da palavra era um antigo costume dos grupos de guerreiros reunirem-se em círculo, ou turn around (em volta), antes da ação.
Quando exatamente os torneios começaram não se sabe, mas a primeira menção nos registros históricos apareceu em uma crônica da Abadia de Saint Martin em Tours, França. Nas anotações para o ano de 1066 há uma referência à morte de uma pessoa de nome Godfrey de Preuilly, morto em um torneio o qual, um tanto ironicamente, teve as regras feitas por ele mesmo. Muitas das mais antigas regras dos torneios sugerem que tenham se iniciado na França. O cronista do século XIII, Mateus (Mattthieu) Paris, por exemplo, descreve os eventos como Conflictus Gallicus (Gálico – isto é, francês – modo de lutar) e batailles françaises (batalhas francesas). Os cavaleiros franceses eram também famosos por suas excelentes habilidades em batalha, durante este período, o que sugere sua prática comum tempos antes. No entanto, existem registros de torneios na Alemanha e Flandres no primeiro quarto do século XII. Na Inglaterra talvez introduzido na metade do século XII e espalhando-se para a Itália na mesma época. Os torneios na Europa foram muito populares e um dos mais espetaculares eventos a partir da segunda metade do século XII.
Organização e Desenvolvimento
É evidente que os torneios tiveram início como uma preparação para a guerra real, o que se pode ver pelo uso dos mesmos armamentos e armaduras utilizados no campo de batalha real. Um indicador dos perigos da prática é a presença, em algumas partes do lugar da “batalha”, de locais cercados para os cavaleiros se refugiarem e se recuperarem. Os locais dos torneios formavam as arenas, as quais, subsequentemente, foram usadas como referência a todo o recinto dos torneios mais festivos dos séculos seguintes.
Em alguns eventos, grupos de cavaleiros, muitas vezes 200 de cada lado, se enfrentavam equipados com armadura completa, lanças, espadas, escudos e organizados com base na origem geográfica. Era comum cavaleiros normandos e ingleses enfrentarem um corpo de cavaleiros franceses. Nestas ocasiões festivas, estavam presentes chefes de polícia para assegurar nenhuma falta ou violência, porém como a arena do conflito comumente era extensa, talvez o espaço inteiro entre duas aldeias, não é de se surpreender que a ocorrência de sérios ferimentos, e mesmo fatalidades, não fossem incomuns. Não existiam muitas regras impostas e, de fato, não era considerado incorreto ou desleal para um grupo de cavaleiros atacar um oponente isolado ou que tenha perdido seu cavalo.
Embora honra e glória constituíssem fortes motivadores existia, também, a possibilidade de ganho financeiro, pois havia um prêmio em dinheiro para o grupo vencedor, ao final da batalha do dia. Cavaleiros visavam roubar armas, armaduras e qualquer outra coisa de valor que seus oponentes levavam consigo ou mesmo capturá-los e exigir pagamento de resgate, cujo valor poderia ser decidido antes do início do torneio. Havia também um prêmio em dinheiro vivo ara o time vencedor ao final da batalha do dia.
Com o passar do tempo, os torneios ficaram mais sofisticados e mais desafiadores, por exemplo, com o uso de fortalezas cenográficas que precisavam ser assaltadas. Outras inovações apareceram, como soldados de infantaria sendo usados para reforçar a chance de um lado em vencer e o uso de uma grande variedade de armas, entre as quais a besta. As regras ficaram mais cautelosas com os eventos pela possibilidade (e muitas vezes uma realidade) de se desviarem em rebelião aberta quando um grupo de cavaleiros ficasse irritado. Na Inglaterra, Richard I (rein. 1189-1199) somente permitia a organização de um torneio sob sua autorização e fazia com que os cavaleiros pagassem uma taxa de entrada, já na Alemanha os imperadores somente permitiam pessoas da realeza a participarem, o que demonstra o prestígio que se associou aos torneios. Em contraste, na França, Philip II (rein. 1180-1223) proibiu seu filho de participar em um torneio devido aos perigos envolvidos.
De fato, mortes desnecessárias se tornaram muito comuns e foram uma das razões pelas quais a Igreja, consistentemente, desaprovava os torneios em muitos países e alertava aos contendores que o inferno os estaria esperando caso fossem mortos na disputa. Os Papas baniram os torneios durante o século XII e declararam que o evento era ultrajante, pois envolviam os sete pecados capitais. Muitos cavaleiros ignoravam displicentemente a postura da Igreja, e houve mesmo um torneio em Londres no qual sete insolentes cavaleiros entraram na competição cada um com uma fantasia que lembrava um dos pecados.
Alguns torneios desandavam em uma batalha real quando competidores e espectadores se misturavam, principalmente quando disputas de “revanche” entre grupos nacionais de cavaleiros. Havia ainda um risco devido ao clima: 80 cavaleiros germânicos infamemente morreram devido à exaustão pelo calor em um torneio em 1241. Mais regras se fizeram necessárias, sendo introduzidas nos novos regulamentos ao final do século XIII e qualquer um que as transgredisse teria sua armadura e seu cavalo confiscados ou até mesmo enfrentaria uma prisão. Os espectadores também seriam obrigados a deixarem suas armas e armaduras em casa. Para reduzir as fatalidades, as armas foram adaptadas, como a adequação de uma cabeça de três pontas em uma lança para reduzir o impacto e as espadas tiveram as pontas rebatidas (sem corte). Tais armas ficaram conhecidas como “armas de cortesia” ou à plaisance.
Brasão, Honra e Pompa
No século XIV, o torneio tornou-se mais um espetáculo de pompa e linhagem nobre do que um combate real. Especialmente importante para exibição social eram as grandiosas procissões do primeiro dia e que atravessava a área do torneio, permitindo que os cavaleiros impressionassem os presentes com pompa e elegância. Ainda havia algum perigo, evidentemente, quando cavaleiros atacavam uns aos outros com longas lanças de madeira, mesmo com suas pontas rombas. O tamanho da arena foi reduzido e a maior segurança exigiu armaduras mais leves e mais exibicionistas e extravagantes, sendo permitido o uso de elmos com penachos e escudos. Destreza e honra transformaram-se na ordem do dia e os torneios passaram a ser, também, uma útil maneira para os governantes apoiarem seus exércitos. À medida que o evento se tornava mais generoso, os custos disparavam e somente os cavaleiros mais ricos podiam arcar com os custos para promovê-los e participar.
Além da barreira financeira, os cavaleiros agora tinham de provar sua linhagem, pois todo o evento se transformou em um exercício de exibição aristocrática, com arautos proclamando e carregando a herança de seus antepassados em bandeiras e a cobertura de seus cavalos funcionava como importante identificador para a assistência. As armas ficavam à mostra no local onde os cavaleiros ficavam e em uma árvore especial no local do torneio na qual todas as armas de todos os competidores eram exibidas. Finalmente, alguns cavaleiros podiam ser excluídos de um torneio se tivessem uma reputação desonrosa. Por isto alguns cavaleiros preferiam competir anonimamente.
Os torneios eram, portanto, a melhor oportunidade para um participante exibir publicamente as qualidades necessárias que um bom cavaleiro deveria possuir:
- Bravura marcial (prouesse)
- Cavalheirismo (courtoisie)
- Boas Maneiras (franchise)
- Gentileza (debonnaireté)
- Generosidade (largesse)
Em adição, e dada a importância da cavalaria, aqueles que tivessem, entre outras más condutas, difamado uma mulher, culpado de um assassinato ou que tenha sido excomungado, era sumariamente banido.
Os torneios constituíam grandes eventos sociais, com duração de dias, frequentemente associados à celebração de ocasiões importantes como coroações e casamentos reais ou reuniões anuais de uma ordem de cavalaria específica. Os espectadores montavam tendas em volta da área designada para os combates, a arena, recoberta por areia ou palha. Havia arquibancadas para os espectadores, pavilhões e sacadas para os mais ricos, barracas de refrescos, negociantes de cavalos e de roupas finas, havia representações de dramas com músicos e acrobatas nos intervalos, desfiles e muitos banquetes durante todo o evento.
As damas compareciam e, muitas vezes, patrocinavam os torneios as quais, junto com o crescimento da literatura romântica do período, adicionavam algum romance à ocasião e elevavam o desejo de todos se tornarem os mais cavalheirescos possíveis. As damas podiam oferecer alguma coisa como recordação para cavaleiros específicos para os quais tinham alguma preferência, como um véu que era, então, atado em volta da lança do escolhido. O hábito, também, tornou-se um importante elemento com alguns cavaleiros vestindo-se como alguma figura lendária, como o Rei Artur, como inimigos tradicionais, os sarracenos, como monges e mesmo damas da corte. Isto se dava especialmente no evento conhecido como Távola Redonda, onde cada cavaleiro pretendia ser um personagem das lendas arturianas.
Justa
À medida que os torneios se tornavam mais seletos e a honra e o exibicionismo ficaram mais conhecidos, assim a justa subiu em importância. Talvez originada do latim juxtare (encontrar-se), este combate um-a-um entre cavaleiros portando uma lança dentro de um espaço confinado, oferecia mais possibilidades para impressionar a audiência – ou mesmo uma dama específica – ao contrário da selvagem mistura sobre diversos campos do formato original do torneio. O evento com multidão, ainda permaneceu como uma parte do torneio como um todo. Havia, também, competições não-oficiais organizadas por cavaleiros incapazes de arcarem com as novas e elevadas despesas de um torneio adequado. Estes eram muitas vezes conhecidos como um “desafio às armas” e envolvia um cavaleiro ou um pequeno grupo de cavaleiros emitindo um desafio aberto a todos (especialmente forasteiros), com a competição ocorrendo sempre que o desafio fosse aceito.
Na justa um cavaleiro dispara seu cavalo em um galope e aponta sua lança na direção do escudo ou da garganta de seu oponente. A partir do século XV, os dois cavaleiros eram, algumas vezes, separados por uma barreira de madeira em toda extensão da arena, o que evitava uma colisão frontal. Um impacto direto no tórax ou garganta em geral derrubava o cavaleiro. Os escudeiros forneciam uma nova lança a seu mestre, casa estivesse quebrada. A norma era o uso de três armas. As lanças passaram a ser ocas, estilhaçando-se mais facilmente e com menos probabilidade de causar lesões sérias. De fato, criaram-se regras mais complexas, com pontuação pelo número de lanças destruídas ou impactos em partes específicas do corpo, como o visor. Foram desenvolvidos escudos mecânicos que se destruíam quando impactados, indicando com clareza, para a assistência, quem havia golpeado primeiro.
Espadas não eram usadas comumente enquanto sobre o cavalo, mas se um cavaleiro fosse desmontado, então seu adversário também abandonaria o cavalo e os dois prosseguiriam em um combate mano-a-mano, se desejassem. Podiam ser empregadas maças ou clavas em substituição às espadas. A armadura passou a ser especializada, com partes mais propensas a receber impactos (como o tórax e o lado direito do escudo) reforçadas com uma placa de metal extra, manopla com um aço mais pesado (manifer) para a mão da lança, uma grelha para o visor do capacete e uma sela com abas para uma melhor proteção das pernas. Se um cavaleiro desejasse admitir derrota, a qualquer tempo, ele removeria seu elmo.
O vencedor de uma justa recebia prêmios como uma coroa de ouro, uma joia ou um falcão, enquanto recompensas menos comerciais assumiam a forma de um beijo de certa dama ou uma liga. O prêmio maior, no entanto, e a razão pela qual muitos cavaleiros dedicavam uma carreira aos torneios, era o resgate do perdedor. Esperava-se que ele pagasse uma taxa e doasse seu cavalo, armas e armadura e somente poderia deixar a arena quando desse sua palavra (parole) de que pagaria a dívida o mais cedo possível. Um dos mais bem sucedidos cavaleiros em torneios foi Sir William Marshal (1146-1219), cujas façanhas levaram seu contemporâneo, o Arcebispo de Canterbury declarar ser ele o maior cavaleiro que jamais tenha existido. Sir William foi o personagem de um poema de 19.000 linhas, L’Histoire du Guillaume Maréchal, que relata a história de ele ter ficado rico da noite para o dia e o recorde de participação em justas sem derrotas.
Justa, bem como os torneios, originalmente foram sessões práticas de guerra, e assim cavaleiros começaram a praticar para os torneios. Um recurso comum para aprimorar as habilidades com a lança era o quintain – uma haste rotativa com um escudo em uma extremidade e um peso na outra. Um cavaleiro tinha de atingir o escudo e, montado, evitar ser atingido nas costas pelo peso que se encontrava girando. Outro recurso era um anel suspenso que o cavaleiro deveria acertar com a ponta de sua lança e removê-lo. Cavaleiros inexperientes também tinham suas próprias justas às vésperas de um torneio. Tais sessões práticas e eventos preparatórios permaneceram necessários para ser vencedor em uma justa e sobreviver em um perigoso esporte para alguém inábil, apesar das precauções de segurança.
Declínio
No século XVI o combate a pé, algumas vezes com os adversários separados por uma cerca baixa, tornou-se mais comum, do mesmo modo como outros esportes com desafios, como arco e flecha e a custosa pompa e inerente perigo da justa levou ao seu lento declínio. Então, quando Henry II (rein. 1519-1559), rei da França, foi morto em uma justa em 1559, após uma farpa de uma lança despedaçada penetrou seu visor, os torneios perderam muito de sua popularidade. De uma forma ou de outra, os torneios sobreviveram em algumas regiões até o século XVIII, ocorrendo um ressurgimento no século XIX, porém a era da cavalaria e cavaleiros era uma lembrança distante, à medida que as armas de fogo ficaram como o armamento padrão da guerra.