Eleanor da Aquitânia (*c.1122 +1204) foi uma das mais marcantes e poderosas do "intermezzo" da Idade Média (1000 - 1300) – tanto masculina, como feminina – cuja influência moldou a política, a arte e a literatura medievais e a percepção da mulher em sua época.
Seus títulos incluem Duquesa da Aquitânia, uma província da França, de 1137 – 1204, Rainha da França (1137 – 1152) e Rainha da Inglaterra (1154 – 1189). Após 1189 ela continuou a exercer considerável poder político e social ao arranjar casamentos para seus netos.
Foi esposa de Louis VII da França (rein. 1137 - 1180), com quem teve duas filhas, Marie de Champagne (*1145 +1198) e Alix de France (*1150 +1197). Este casamento foi anulado com a justificativa de consanguinidade em 1152 (Eleanor e Louis eram primos em terceiro grau) e ela rapidamente casou-se com Henrique II da Inglaterra (rein. 1154 - 1189), com quem teve oito filhos. Dentre estes encontram-se Richard I da Inglaterra (rein.1189 - 1199) e Rei John (rein. 1199 - 1216) da famosa Carta Magna, bem como de Eleanor da Inglaterra (*c.1161 +1214), mãe de Blanche de Castela (* 1188 +1252).
Uma grande protetora das artes (como a maioria de seus filhos e netos seria), ela inspirou os trabalhos de Bernard de Ventadour (séc. XII), Marie de France (*c.1160 +1215) e outros influentes poetas provençais. Sua filha Marie viria a ser patrona de Andreas Capellanus e Chrétien de Troyes, um dos mais influentes poetas do Amor Cortês e da Lenda Arturiana.
A influência de Eleanor definiu seu tempo, não somente nas regiões em que exerceu o governo, mas naquelas em que entrou em contato. Ela representou um modelo para um bom número de mulheres da alta-classe e seu legado teve continuidade com seus filhos e netos, notavelmente nas pessoas de Eleanor da Inglaterra e Blanche de Castela. Seu interesse e patrocínio nas artes literárias produziram o gênero mais interessante e popular da época – a poesia romântica Provençal – um conjunto de trabalhos que influenciaram a percepção das mulheres pela aristocracia e continuou a inspirar a expressão artística nos tempos atuais.
Vida Pregressa e Ascensão ao Poder
Eleanor nasceu em 1122, filha de William X, Duque da Aquitânia (*1099 +1137) e Aenor de Chaterrault (* 1103 +1130). Seu nome (Alienor) significa “a outra Aenor” e ela pode ser a primeira mulher a ter este nome e, portanto, a primeira “Eleanor”. Seu avô foi o famoso trovador e guerreiro William IX (*1071 +1127), cujos trabalhos influenciaram a difusão posterior da poesia romântica provençal. William X, embora sem possuir a aptidão poética de seu pai, herdou seu amor pela literatura e estimulou Eleanor e sua irmã mais nova, Petronilla, na educação e cultura refinadas. Eleanor, ainda jovem moça, era fluente em latim e adepta de todos os esportes de reis, como caçada e falcoaria. Sua mãe supervisionou sua educação nos assuntos domésticos como fiar, tecer e administrar as despesas de casa.
Em 1130, sua mãe e sua irmã mais nova, Aigret, faleceram e seu pai morreu sete anos depois de disenteria, quando em peregrinação em abril de 1137. William IX compreendeu inteiramente o tipo de perigo que estava deixando para sua filha mais velha. A Aquitânia era um enorme feudo espalhando-se “do rio Loire aos sopés dos Pirineus, das colinas centrais do Auvergne ao oceano ocidental... mais amplo e belo que aquele do próprio Rei da França” (Kelly,4). Em uma época na qual as mulheres nobres – especialmente herdeiras de um patrimônio como a Aquitânia – eram comumente raptadas para se conseguir suas terras, William X sabia que tinha de agir rapidamente para proteger Eleanor e sua herança.
Ao morrer, instruiu seus cortesãos para se dirigirem rapidamente ao Rei Louis VI da França (*1108 +1137, também conhecido como Louis, o Gordo) e solicitarem a ele a fornecer proteção a Eleanor até que um casamento adequado pudesse ser arranjado para ela. Foi também solicitado a Louis que providenciasse o casamento encontrando para ela um bom marido. Quando Louis recebeu a notícia, ele não perdeu tempo em providenciar um casamento entre seu filho e Eleanor: eles se casaram três meses mais tarde.
Rainha da França e a Segunda Cruzada
Louis VII nunca teve a pretensão em ser rei. Ele foi preparado para o clero desde tenra idade, porém a morte de seu irmão mais velho, Philip, o herdeiro óbvio, em 1131, alterou seu plano. Louis era o herdeiro do trono, porém não possuía o treinamento e a experiência que deveriam ser dados ao futuro monarca. Além do mais, ele havia levado uma vida protegida, despendendo a maioria de seu tempo nos monastérios e possuía pouca experiência em viajar. Eleanor, por outro lado, viajou frequentemente com seu pai pela Aquitânia e muito provavelmente ouviu os relatos das aventuras de seu avô na Cruzada de 1101. Eleanor era extravagante, mundana e de forma alguma acanhada em expressar seus desejos, já Louis era quieto, submisso e aparentemente intimidado por sua esposa.
Quando Louis aceitou o encargo de liderar a Segunda Cruzada para a Terra Santa, Eleanor deixou claro que poderia ir também. O objetivo de Louis em financiar e liderar a expedição era em pagamento de penitência pelo massacre de cidadãos da cidade de Vitry em sua guerra com o Conde de Champagne, porém a única intenção de Eleanor parece ter sido tomar parte em uma grande aventura. Louis tinha pouca experiência em liderança e nenhuma em viagens ou logística e, previsivelmente, a Cruzada não foi bem. Eleanor foi rotineiramente criticada pelos historiadores medievais por comportar-se como se estivesse indo para uma festa ou baile palaciano. Ela levou consigo 300 damas-de-companhia e um trem de bagagens supostamente com milhas de extensão para transportar todos seus vestidos e outros itens necessários. Mesmo assim, estes mesmos historiadores deixaram claro que ela era uma líder mais capaz que seu marido e mais respeitada pelas tropas.
Na Laodicea (Ásia Menor), o grupo dirigiu-se para o Monte Cadmus no caminho para Antioquia (onde o tio de Eleanor, Raymond de Poitiers, os esperava), Eleanor encorajou a vanguarda onde se encontrava cavalgando para avançar, enquanto Louis, trazendo a retaguarda, deu ordens para a coluna parar e descansar a noite. A coluna da retaguarda, portanto separada da vanguarda, foi emboscada pelos turcos, que vinham observando tudo, foi por eles massacrada. Louis somente escapou porque estava vestido como um clérigo e se escondeu em uma árvore. Já em Antioquia, Eleanor assumiu o palco principal e Louis apareceu como um dos seus servos, e não como rei. Raymond e Eleanor mantiveram longas conversações, das quais Louis não fez parte e Raymond, diligentemente, pressionou Louis a abandonar seu objetivo de alcançar Jerusalém, pagar penitência, ficar e combater com ele para conquistar Aleppo.
Qualquer que fosse a admiração que Louis tivesse por Eleanor, passo a passo foi continuamente substituída por ressentimento e, mais ainda, quando ela sugeriu uma anulação com base na consanguinidade. Inicialmente ele recusou a separação, mas finalmente consentiu. Após desventuras na Palestina, o casal retornou para a França, onde o casamento foi anulado em 1152.
Rainha da Inglaterra e Patrona das Artes
Eleanor casou-se com Henry, na época Duque da Normandia, poucas semanas após a anulação. Henry tornou-se Rei da Inglaterra em 1154 e Eleanor sua Rainha, porém ela não foi capaz de dominar Henry tão facilmente como com Louis. Seu casamento foi uma série de entreveros à medida que Eleanor tentava controlar seu marido, e ele resistia, por um sem-número de situações. A famosa têmpera e natureza impulsiva de Henry nada fizeram para auxiliar na sua relação com Eleanor e a sua nada oculta relação com a nobre Rosamund Clifford pareceu projetada para humilhar sua rainha.
Eleanor não ajudou em nada a situação, cercando-se de poetas e artistas e frequentemente ignorando as pirraças de Henry. Ela pode também ter-se envolvido em um caso amoroso com Bernard de Ventadour (que viveu na corte de 1152 a 1155). De modo geral, Eleanor suportou seu casamento de uma maneira típica ao canalizar suas energias para outros lados e na criação de seus filhos, com os quais sentiu que podia exercer maior poder e influência que Henry, por intermédio de vantajosas parcerias com a nobreza estrangeira.
Por volta de 1170, Eleanor distanciou-se de Henry e seguiu para suas terras ancestrais em Poitiers. Aqui, como havia feito na França quando casada com Louis e, novamente, na Inglaterra, encheu sua corte com poetas e artistas. O filho favorito de Eleanor, Richard, e Marie, (filha de seu primeiro casamento) foram com ela (embora os estudiosos continuem a discutir a presença de Marie em Poitiers). Eleanor ouvia queixas, encaminhava assuntos administrativos e entretinha convidados na mesma cidadela onde seu avô, o grande trovador, havia feito o mesmo. A autora Amy Kelly escreve, “a rainha e a condessa (Marie), com a tradição poética de ambas, eram patrocinadoras naturais dos trovadores” (161). Este período em Poitiers é o mais examinado pelos historiadores literários devido à influência de Eleanor no desenvolvimento do conceito de amor cortês e poesia de cavalaria.
O tipo de verso conhecido agora como poesia do amor cortês ou poesia de cavalaria não era novidade no século XII, mas os poetas na corte de Eleanor em Poitiers, ou na corte de Marie em Troyes, estavam refinando o gênero e produzindo caracterizações mais complexas o que, como alguns estudiosos pretendem, eram avanços encorajados por Eleanor e Marie. De acordo com o poeta Andreas Capellanus (que escrevia para Marie), Eleanor, Marie e outras senhoras de alta classe, podiam patrocinar tribunais de amor nos quais podiam discutir questões como se o verdadeiro amor podia existir no casamento (não podia), o que constituía o amor (devoção do amante para a amada) e outros assuntos semelhantes. Autores têm consistentemente questionado se estes tribunais realmente existiram ou foram simplesmente uma invenção literária. Seja um ou outro, a poesia produzida após o tempo de Eleanor em Poitiers desenvolveu-se mais profundamente que anteriormente e trabalhava com os mesmos temas e questões indicadas por Capellanus.
Alguns estudiosos também produziram a teoria de que os poemas de amor cortês eram alegorias para as crenças hereges dos cátaros, um movimento religioso regularmente perseguido pela Igreja da época. Os cátaros (“seres puros”) acreditavam que somente eles, e não a Igreja, conheciam a verdade divina e veneravam a deusa Sophia (“sabedoria”). Conforme alguns autores, o bem conhecido motivo da donzela angustiada, que devia ser socorrida ou resgatada pelo bravo cavaleiro é uma representação simbólica da deusa Sophia, perseguida pela Igreja e que devia se protegida pelos cátaros.
Eleanor e Marie tiveram divergências com a Igreja e foram tidas como simpatizantes dos cátaros. Caso isto seja verdade, elas estariam envolvidas em codificar a crença cátara em verso, mas essa teoria está longe de ser universalmente aceita. Não seria surpreendente se assim fosse, pois o sistema de crença cátaro, que não discriminava os sexos e consistentemente criticava a hipocrisia e violência da Igreja, havia interessado a ambas as mulheres.
Revolta e Prisão
Em 1173, Eleanor e o filho mais velho de Henry, o Jovem Rei Henry (1155 -1183) rebelaram-se contra seu pai. A revolta, estimulada por nobres que agitaram os ressentimentos do jovem Henry para com seu pai, durou 18 meses e custou muitas vidas antes que fosse finalmente esmagada. Um jovem Sir William Marshall (1146 - 1219), o mais importante cavaleiro de seu tempo, envolveu-se pelo lado de Henry o Jovem Rei, bem como Ricardo Coração de Leão e Geoffrey Plantageneta. Marshall fora tutor de armas do jovem Henry e devoto da rainha e de seus filhos e este envolvimento apoia a afirmação de alguns historiadores e estudiosos de que foi Eleanor que instigou a revolta.
Se ela estimulou ou não, ela apoiou abertamente seus filhos e, após a revolta ter sido dominada em 1174, Henry sequestrou Eleanor na França e a aprisionou na Inglaterra. Pelos próximos 16 anos, Eleanor seria levada de fortaleza em fortaleza de Henry até a morte deste em 1189. Nesta época, o Jovem Rei Henry havia morrido de disenteria e Richard I tornou-se rei. Eleanor sabia que podia montar suas próprias políticas por intermédio de Richard, sem a espécie de resistência constante que havia encontrado com Henry II. Ele teria uma mão muito mais livre do que ela havia previsto, pois, como Richard deixou a Inglaterra para participar da Terceira Cruzada no ano seguinte, ao que parece deixou com prazer Eleanor no comando do seu reino.
Regente da Inglaterra
Embora nominalmente a regente, Eleanor referia a si própria, e outras pessoas se referiam a ela, como “Eleanor, pela Graça de Deus, Rainha da Inglaterra” (Kelly, 288). Ela habilmente recuperou suas manobras políticas como se não tivesse ficado confinada pelos últimos 16 anos. Escreve Kelly:
Em sua longa reclusão, tendo somente filosofia para seus exercícios, ela havia, ao que parece, acumulado sabedoria e se manteve junto ao progredir da história. Ela havia conquistado a capacidade de Henry por manobras atrevidas, porém conhecia mais o povo que ele, mais sensível às flutuações populares e mais engenhosa em obter vantagem disto tudo. (288)
Ela entendia que as Cruzadas em uma terra longínqua para uma causa nebulosa era um desperdício de energias e encaminhou seus esforços para recuperar o equilíbrio do reino que havia sido perdido após a morte de Henry II e a partida de Richard I para a Terra Santa. O reino vinha enfrentando dificuldades por décadas, muito embora, devido em grande medida às cáusticas relações de seu último marido com Louis VII, seu primeiro marido. Louis morreu em 1180 e o filho dele, Philip II (conhecido como Philip Augustus, rein. 1180 - 1223) foi elevado a rei.
Philip também participou da Terceira Cruzada e combateu ao lado de Richard em Acre, porém os dois haviam se desentendido em um bom número de assuntos, incluindo direitos de terra e se separaram com relações estremecidas. Philip retornou da Cruzada, porém Richard foi capturado em 1192 e resgatado pelo pagamento do resgate por Henry VI do Sacro Império Romano.
Philip deu início a uma série de campanhas para recuperar território perdido para os Plantagenetas e ampliou seu poder ao entrar em negociações secretas com o filho mais novo de Eleanor, John, que estava ansioso em se livrar de seu irmão mais velho e tornar-se rei. Eleanor conservou os nobres da Inglaterra leais a Richard enquanto estava levantando fundos para o seu resgate, tendo partido para a Áustria trazendo de volta seu filho para casa em 1194. Richard reinou somente por mais 5 anos, antes de ser morto em batalha em 1199.
Conclusão
João, então, ascendeu ao trono e, em maio de 1200, concluiu um tratado de paz com Philip Augustus, selando o acordo com casamento entre a casa francesa dos Capetos e a casa inglesa dos Plantagenetas. Eleanor viajou para Castela, onde reinava sua filha Leonor e levou sua neta Blanche de Castela para se casar com o filho de Philip, Louis VIII (também conhecido como Louis, o Leão, 1187 -1226). Completado este último ato, Eleonor retirou-se para a Abadia de Fontevraud, onde veio a morrer de causas naturais em 1204. A paz que ela auxiliou a negociar entre a Inglaterra e a França pelo casamento de Blanche já havia sido quebrada à época de sua morte e os primeiros anos do reinado de John foram caracterizados por uma série de erros que Eleanor nunca teria feito, o que estimulou o conflito entre a França e a Inglaterra.
Estes conflitos finalmente levaram ao enfrentamento em escala plena na Guerra Anglo-francesa (1213-1214), na qual as forças de John foram derrotadas pelas de Philip II. A Inglaterra perdeu muitas de suas terras no continente e o Império Angevino, forjado por Henry II e Eleanor, entrou em colapso. A influência de Eleanor continuou a ser sentida, no entanto, através de fortes e independentes mulheres, como sua neta Blanche de Castela. Seja como um modelo, seja por meio da poesia que inspirou, o impacto de Eleanor continuou durante muito tempo após sua morte.