A Cruzada Alemã (ou Cruzada Germânica) de 1197, também conhecida como “Cruzada do Imperador”, foi comandada pelo Sacro Imperador Romano Henry VI (rein. 1191-1197). Muito embora o Imperador tenha morrido na viagem para o leste, seu exército conseguiu capturar Beirute das forças da Dinastia Aiubida. Abandonando o sítio de Toron quando souberam da morte de Henry na Sicília, os cruzados retornaram para casa e, muito semelhante à Terceira Cruzada (Cruzada dos Reis, 1189-1192), seria o caso de se imaginar o que poderia ter acontecido se um Sacro Imperador Romano estivesse presente para conduzir a campanha em pessoa.
Henry VI
Henry VI Hohenstaufen possuía um excelente pedigree para um cruzado, pois seu pai era Frederick I Barbarossa (rein.1155-1190) que havia assumido a Cruz e reunido um enorme exército como parte da Terceira Cruzada. Infelizmente, Frederick morreu a caminho da Terra Santa, em alguma parte da Cilícia. A maioria dos alemães, então, abandonaram a Cruzada a qual, apesar de ainda ter as habilidades e armas de Richard I da Inglaterra (rein. 1189-1199) e de Philip II da França (rein. 1180-1223), não realizou nada para retomar Jerusalém das mãos de Saladin, o Sultão do Egito e Síria (sult. 1174-1193). Após a morte de Saladin em 1193, a Dinastia Aiubida, que ele havia fundado, continuou a governar a maior parte do Levante, porém existiam sérias desavenças a respeito da sucessão e qual de seus herdeiros deveria governar o quê. Dos três filhos, cada um governou o Egito, Damasco e Aleppo e competiam, ao final sem sucesso, com o irmão de Saladin, Saif al-Adin, pela supremacia. Foi uma rivalidade que serviu para desviar a atenção e que poderia ajudar as ambições dos cruzados na região.
Na Páscoa de 1195, Henry VI tomou a Cruz e prometeu uma Cruzada na Terra Santa para retomar o controle cristão da região. O Imperador se encontrava, na realidade, menos disposto a retomar Jerusalém e muito mais preocupado em enfrentar o Império Bizantino. A Cruzada de Henry VI foi, com efeito, uma manobra militar calculada para extorquir uma grabnde soma de dinheiro do Imperador Bizantino Alexios III (rein. 1195-1203) para que este mantivesse seu trono. Alexios certamente pressentiu a ameaça como real e impôs um imposto em 1197 sobre seu povo, conhecido amargamente como Alamanikon ou “imposto alemão”, destinado a levantar os fundos necessários para pagar ao Sacro Imperador Romano.
Outro acontecimento que auxiliou Henry com suas ambições voltadas para o Oriente Médio foi a aquisição de Chipre, entregue a ele como parte do pesado resgate para a libertação de Richard I, que ficou mantido em cativeiro por Henry de 1192 a 1194 devido a uma acusação forjada para envolvê-lo no assassinato de Conrad de Montferrat. Conrad, o Rei de Jerusalém, havia morrido misteriosamente poucos dias antes de sua coroação oficial, em abril de 1192, e muitos apontaram o dedo para Richard, inclusive o Sacro Imperador Romano. Chipre provaria ser um valioso ponto de apoio e parada para muitas Cruzadas futuras. Henry já se encontrava no controle da Sicília – sua esposa, Constance, era a herdeira – e assim, com algumas poucas aquisições no Levante e subjugação financeira dos Bizantinos, Henry bem poderia ter considerado a criação de um Império Hohenstaufen se alongando através do Mediterrâneo.
O Levante
Em dezembro de 1195, com o apoio do Papa Celestino III (pap. 1191-1198), o próprio Henry entregou cruzes aos novos cruzados na Catedral de Worms. Gradualmente, à medida que os pregadores viajavam pela Alemanha, Inglaterra e França convocando recrutas, o Imperador reuniu um exército para sua Cruzada, com a maioria dos guerreiros vinda das terras germânicas. Nobres importantes se uniram à aventura incluindo o Duque Henry de Brabant, Conde Henry do Reno-Palatinado, Duque Frederick da Áustria, Duque da Dalmácia e o Duque da Caríntia.
A partida foi marcada para o Natal de 1196, dos portos da costa do Mar do Norte, inclusive com uma parada dos cruzados em Portugal, o que não era incomum naquela época. A frota, transportando aproximadamente 4.000 cavaleiros e 12.000 infantes, reuniu-se novamente em Bari, no sul da Itália no verão de 1197. Em 22 de setembro, a força germânica chegou ao Acre na Terra Santa e em um momento em que os Estados Cruzados ou Oriente Latino, como eram coletivamente conhecidos, enfrentavam duas crises.
A primeira crise foi a morte inesperada, 12 dias antes da chegada dos alemães, de Henry II, Conde de Champagne, o rei do Reino de Jerusalém (rein.1192-1197). O Rei havia bizarramente caído de uma janela quando passava em revista tropas no Acre, arrastado por um palhaço anão que havia caído acidentalmente (ou vice-versa, dependendo da versão da história). O Rei veio a falecer mais tarde devido aos ferimentos – maioria devida pela queda do anão sobre ele – e deixando o Oriente Latino temporariamente sem um líder no geral. A viúva de Henry II, Rainha Isabella, tecnicamente ainda se encontrava no trono, porém seus filhos eram todas meninas e menores de idade. Consequentemente, os cruzados levados até lá por Conrado de Mainz, deputado de Henry VI, pressionaram por um casamento político e de conveniência estratégica. A escolha deles recaiu sobre Aimery (ou Amalric) de Chipre, neste caso o casamento poderia unificar os dois reinos, de Chipre e Jerusalém. Isto poderia significar também que tendo Henry VI colocado Aimery no trono de Chipre, o Imperador teria seu protegido como o mais importante governante no Oriente Latino. Se assim era para ser, assim foi, e o casamento entre Isabella e Aimery teve lugar em janeiro de 1198.
A segunda crise foi o final da trégua acordada com a Dinastia Aiubida. Al-Adin já havia conseguido o melhor de seu sobrinho em Damasco e ainda encontrou tempo mais cedo para repelir um grupo de cruzados que havia realizado incursões na Galileia. Al-Adin, então, movimentou-se para sitiar Jaffa, que veio a cair poucos dias depois. A guerra entre cristãos e muçulmanos estava novamente no ar.
Abandono
O exército principal dos cruzados não perdeu tempo e, após assumir a agora arruinada Sidon, prontamente deu início ao bem-sucedido sítio ao quartel-general muçulmano em Beirute, deixando Jaffa à própria sorte por enquanto. O próximo sítio planejado era para a cidade de Toron, marcado para 28 de novembro de 1197. Aqui encontraram um osso mais duro de roer do que em Beirute e os cruzados foram obrigados a se prepararem para um sítio real. Foi então que a Cruzada recebeu um golpe arrasador quando, finalmente, chegaram notícias da Sicília. Em 28 de setembro de 1197 Henry VI, jamais dispondo de saúde e robustez física, havia morrido de malária em Messina. Foi uma excepcional e trágica repetição da história, com ambos, pai e filho Imperadores, morrendo em uma Cruzada, ante que tivessem alcançado a Terra Santa.
Sem o líder deles e preocupados a respeito do que agora poderia acontecer na Europa e uma sucessão contestada – o herdeiro de Henry era seu filho Frederick de 3 anos de idade – os cruzados abandonaram o sítio de Toron em 2 de fevereiro de 11198. A maior parte do exército germânico retornou para casa. Um acordo foi feito entre Aimery e al-Adin para uma trégua de 5 anos e 8 meses, de julho de 1198 a 1204. Sob os termos do acordo, os cristãos manteriam Beirute e os muçulmanos Jaffa.
Alexios III deve ter ficado satisfeitíssimo ao saber da morte de Henry e se encontrar com uma grande reserva de dinheiro facilmente acessível, do qual não precisaria lançar mão no momento, mas mantê-lo para algum outro útil propósito. Os Estados Latinos, ao contrário, ficaram desapontados pela perda de outra oportunidade para reforçarem seus domínios nas áreas costeiras da Palestina e Síria, mas pelo menos havia a esperança de uma nova cruzada. Outro ponto positivo para os cristãos foi que a ordem militar dos Cavaleiros Teutônicos se encontrava agora oficialmente implantada e reconhecida pelo Papa. A ordem, semelhante aos Cavaleiros Templários e Cavaleiros Hospitalários, poderia apoiar com cavaleiros profissionais a defesa do Oriente Latino. De fato, o novo Papa, Inocêncio III (pont. 1198-1216) proclamou pela Quarta Cruzada (1202-1204). Esta Cruzada, deturpada pelas ambições comerciais dos venezianos, terminou atacando Constantinopla e somente uma força simbólica e ineficaz de cavaleiros ocidentais chegou ao Oriente Médio.