As Cruzadas do Norte

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Mark Cartwright
por , traduzido por Rogério Cardoso
publicado em 04 outubro 2018
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, Polaco, sérvio, espanhol
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Northern Crusades, 1260-1410 CE (by S.Bollmann, CC BY-SA)
Cruzadas do Norte, de 1260 a 1410
S.Bollmann (CC BY-SA)

As Cruzadas do Norte ou Cruzadas Bálticas foram campanhas militares organizadas por papas e governantes ocidentais para converter pagãos ao Cristianismo entre os séculos XII e XV. Diferentemente da Terra Santa, onde as campanhas militares visavam à liberação de antigas terras cristãs do jugo muçulmano, as cruzadas na Prússia, na Livônia (atual Estônia) e na Lituânia visavam à conversão da população pagã local.

A ordem dos Cavaleiros Teutônicos dominou as campanhas das Cruzadas do Norte a partir de meados do século XIII e conseguiu formar o seu próprio estado militarizado na Prússia. Embora a ordem tenha no fim convertido a região ao Cristianismo, a motivação religiosa era essencialmente um pretexto para adquirir terras e riquezas. O século XV assistiu a novos confrontos na região envolvendo poloneses, russos e turcos otomanos, de modo que as Cruzadas Bálticas, ao atingirem o seu objetivo, fossem substituídas por guerras seculares.

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Expandindo o Ideal das Cruzadas

Outra arena para as cruzadas, além das tradicionais campanhas para capturar Jerusalém e outras cidades médio-orientais sob controle muçulmano a partir do fim do século XI em diante, foi o Mar Báltico e aquelas áreas adjacentes aos territórios germânicos que continuavam a ser pagãs. Assim como nas cruzadas no Levante, os governantes buscavam a oportunidade de combinar os benefícios religiosos da guerra - afinal, os cruzados tinham os seus pecados remitidos - com a sede por expansão territorial e por riquezas materiais na forma de terra, peles, âmbar e escravos. Além disso, as Cruzadas do Norte, de início conduzidas pelos saxões e dirigidas contra os vendos pagãos (eslavos ocidentais), proveram uma nova faceta ao movimento cruzado: uma ativa conversão de não cristãos, contraposta à liberação de territórios dominados por infiéis.

O papa Eugênio III oficialmente declarou que a Primeira Cruzada Báltica, assim como aquela no Oriente Médio, renderia aos seus combatentes a remissão dos pecados.

O Império Alemão tinha uma longa tradição de enviar missionários cristãos aos estados ao nordeste de sua fronteira, foco de muitas guerras contra os estados pagãos da Europa Oriental. Adicionando combustível à causa, atrocidades contra cristãos e o assassinato de missionários nesses territórios haviam sido relatados por figuras tais como o arcebispo de Magdeburgo, em 1108. Quando a Segunda Cruzada (1147-1150) foi convocada pelo papa Eugênio III (r. 1145-1153) em dezembro de 1145 com o intuito de recapturar Edessa na Alta Mesopotâmia, muitos nobres alemães preferiam primeiro lidar com os infiéis no seu próprio quintal, em vez de marchar para lutar contra aqueles do Levante. Uma assembleia em Frankfurt em março de 1147 decidiu que o Báltico seria a prioridade, e à decisão foi dado o selo de aprovação pelo influente abade Bernardo de Claraval (em francês: Bernard de Clairvaux). Em abril, o papa Eugênio III oficialmente declarou que tal cruzada, assim como aquela no Oriente Médio, renderia aos seus combatentes a remissão dos pecados. O papa depois deu um passo a mais com o seguinte e infame discurso de intolerância:

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Nós expressamente proibimos que qualquer trégua, por qualquer razão, seja feita com essas tribos, quer por dinheiro, quer por tributos, até que, com a ajuda de Deus, eles sejam ou convertidos ou varridos. (citado em Philips, 89).

O movimento cruzado era agora uma campanha missionária armada, a ponto de Eugênio inclusive condicionar o benefício de remissão dos pecados inteiramente à conversão bem-sucedida dos pagãos ao Cristianismo. O rigor do discurso do papa talvez reflita a tradicional dificuldade de converter a região, especialmente os vendos. Lá haviam ocorrido muitos casos de profissão de fé sendo depois rescindida (o que era considerado uma ofensa pior do que ser um infiel), de práticas pagãs sendo realizadas ou até misturadas com práticas cristãs e de campanhas sendo abandonadas em favor de ganhos monetários temporários. Essa nova cruzada foi planejada para ser a última no Báltico.

The Capture of the Wends, 1147 CE
A Captura dos Vendos, em 1147
Wojciech Gerson (Public Domain)

A Cruzada contra os Vendos

Antes mesmo de o exército cruzado partir, uma motivação adicional foi provida pelos próprios vendos que, ao perceberem que o problema estava se avizinhando, lançaram um ataque preventivo contra o porto cristão de Lübeck. Entre junho e setembro de 1147, um exército saxo-dinamarquês então atacou os povoados pagãos de Dobin e Malchow, ambos no nordeste da Alemanha moderna. Dobin foi poupada quando a sua população concordou em ser batizada, pondo fim ao conflito. Malchow se deparou com o pior, na medida em que o seu templo com ídolos pagãos foi queimado, e os territórios circundantes foram destruídos. Após um malogrado cerco em Demmin no rio Peene, o próximo alvo foi Stettin no rio Oder, na Pomerânia, mas o povo de lá conseguiu persuadir os cruzados a deterem o ataque ao mostrar-lhes os crucifixos das muralhas da cidade. A campanha em geral, não obstante a sua elevada meta e o apoio papal, saiu-se um pouco melhor do que as usuais e anuais expedições de ataque enviadas à área. Também prejudicou a cruzada a divisiva desconfiança entre os dinamarqueses e os saxões. O pífio resultado, na prática, foi a conversão de um chefe tribal e a aquisição de despojos, enquanto o líder dos vendos, o príncipe Niklot, permaneceu no poder, e, a despeito das suas promessas, os seus súditos continuaram sendo pagãos praticantes. Não era decerto o que Eugênio havia imaginado.

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Cavaleiros Teutônicos: a Prússia e o Báltico

O Báltico continuaria a ser uma arena para as cruzadas nos séculos seguintes, especialmente com a chegada da ordem militar dos Cavaleiros Teutônicos a partir do século XIII. Entre 1193 e 1230, os exércitos cruzados saxões foram enviados para defender as missões cristãs na Livônia, embora outra vez tenha sido muito mais um caso de captura de terras do que uma missão religiosa, e, a despeito dos sucessos militares, não se conseguiu uma conversão de longo prazo nem a subjugação dos povos nativos. Os Cavaleiros Teutônicos continuariam esse trabalho, absorveriam ordens militares locais como os Irmãos Livônios da Espada (em 1237) e lutariam, numa campanha essencialmente ininterrupta na Prússia, de 1245 ao século XV, atacando continuamente os lituanos vizinhos e os livônios mais ao norte.

Teutonic Knight
Cavaleiro Teutônico
Unknown Artist (Public Domain)

Os Cavaleiros Teutônicos eram uma formidável força de batalha composta por cavalaria e infantaria profissionais. A sua cavalaria pesada, apoiada por um disciplinado corpo de besteiros capazes de disparar devastadoras rajadas, varria tudo diante de si. Os cavaleiros eram também de longe mais experientes em guerra de cerco do que os povos que eles enfrentavam e eram mestres em diplomacia, capazes de formar práticas alianças para benefício mútuo contra inimigos tradicionais. Havia com frequência ataques de guerrilhas e regulares revoltas localizadas, incluindo uma grande revolta em 1260, mas a ordem era auxiliada por um influxo de cruzados oriundos de outros estados europeus ocidentais e centrais, incluindo nomes estrelados como Rodolfo de Habsburgo, Oto III de Brandemburgo e o rei Otocar II da Boêmia. Outra vez, o apoio do papa provou-se essencial, de sorte que o ideal cruzado de defender o Cristianismo fosse vantajosamente transformado num ideal de conversão e de tomada das terras daqueles que não aceitavam a fé. O sucesso da Ordem Teutônica na Prússia, a qual eles essencialmente transformaram no seu próprio estado (o Ordensstaat), era evidente na sua gradual transformação num território inteiramente alemão, que institucionalizou tanto a guerra quanto a religião; de fato, a região, ao menos para estrangeiros, veio a epitomar a cultura alemã mais do que qualquer outra nos séculos posteriores.

Novas terras, mormente portos e ao longo dos rios, foram então povoadas com migrantes alemães; igrejas e monastérios foram construídos.

Embora as campanhas militares (Reisen) fossem largamente restritas à estação do inverno, quando os pântanos e os lagos estivessem congelados, a Ordem Teutônica foi altamente bem-sucedida em ganhar novos territórios, notavelmente Danzig e a Pomerânia Oriental, em 1308, e a Estônia Setentrional, em 1346, comprada do rei dinamarquês Valdemar IV (r. 1340-1375). Novas terras, mormente portos e ao longo dos rios, foram então povoadas com migrantes alemães; igrejas e monastérios foram construídos (especialmente por cistercienses), e as aquisições foram defendidas por meio da construção de castelos, como parte de uma colonização sistemática. A Lituânia foi atacada com sucesso, pondo fim à causa ali quando o grão-príncipe Jogailo (também conhecido como Jogaila) prometeu, em 1386, converter o seu povo pagão ao Cristianismo - um processo que se completou formalmente em 1389.

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Baltic States 1100-1400 CE
Estados Bálticos, de 1100 a 1400
Jeremy Black (Copyright, fair use)

Pelo fim do século XIV, carecendo de unidade política e atrás do Ocidente em termos tecnológicos, boa parte do Báltico havia sido convertida à força ao Cristianismo. A partir de então, ficou claro que os Cavaleiros Teutônicos estavam mormente interessados em política, terra e espólios, em vez de conversão, à medida que as guerras continuavam e avançavam até a Livônia. De fato, os Cavaleiros Teutônicos eram frequentemente acusados de assassinar cristãos, de dilapidar igrejas seculares, de impedir conversões e de negociar com pagãos. Dizia-se que muitos pagãos na Europa Central resistiam à cristianização apenas porque não queriam viver sob o brutal regime dos Cavaleiros Teutônicos. A Ordem Teutônica não estava sozinha em suas ambições na região, pois os reis dinamarqueses e os suecos usaram o mesmo pretexto ideológico para invadir o norte da Estônia e a Finlândia nos séculos XIII e XIV.

O Declínio da Ordem Teutônica

No século XV, quando os lituanos e os poloneses juntaram forças com os russos e os mongóis, ao lado de vários outros estados aliados menores, a Ordem Teutônica estava ameaçada de extinção. Na Primeira Batalha de Tannenberg, em 15 de julho de 1410, um exército de Cavaleiros Teutônicos foi varrido, e, em 1457, o quartel-general de uma ordem já muito reduzida e largamente secularizada teve de ser transferido para Königsberg. A Ordem Teutônica continuou no seu ramo livoniano até o século XVI, agora primariamente focada em batalhas contra os russos ortodoxos e os turcos otomanos, sem muito sucesso. Quando a ordem foi secularizada por completo em 1525 (ramo prussiano) e em 1562 (ramo livoniano), as cruzadas no Báltico se encerraram.

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Sobre o tradutor

Rogério Cardoso
Rogério Cardoso nasceu em Manaus, Brasil, onde inicialmente obteve um grau em Letras Portuguesas, e mais tarde se mudou para São Paulo, onde obteve um grau de mestre em Filologia Portuguesa. Ele é um entusiasta da História.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

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Estilo APA

Cartwright, M. (2018, outubro 04). As Cruzadas do Norte [Northern Crusades]. (R. Cardoso, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-17429/as-cruzadas-do-norte/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "As Cruzadas do Norte." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. Última modificação outubro 04, 2018. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-17429/as-cruzadas-do-norte/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "As Cruzadas do Norte." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 04 out 2018. Web. 22 dez 2024.