Chaccoben é um sítio maia datado de aproximadamente 700 d. C., localizado no atual estado de Quintana Roo, no México. Grande e importante centro urbano religioso, foi abandonado por volta de 900-950, no mesmo período que outras grandes cidades maias, e gradualmente engolido pela floresta circundante. Um fazendeiro descobriu as ruínas em 1942, construiu sua casa nas proximidades e protegeu o sítio durante trinta anos, até que um arqueólogo americano chamou a atenção do governo mexicano. O nome Chaccoben é uma designação moderna, que significa "Local do Milho Vemelho". Não se sabe qual a denominação original da cidade.
Apenas parcialmente escavado, o local apresenta quatro grandes templos, ruínas de áreas de mercado e de um quarteirão residencial. Outras estruturas permanecem ocultas pela vegetação, mas foram identificadas temporariamente como templos, numa indicação de que Chaccoben teria sido um importante centro religioso no seu auge. Para exemplificar o tamanho da povoação, basta dizer que uma das enormes estruturas escavadas é designada como Templo 24. Os arqueólogos observam que este é somente o número de templos cautelosamente identificados até agora, não o total possível, e isso sem incluir outras construções. Itens como queimadores de incenso encontrados num dos templos deixam claro que as pessoas continuaram a visitar e reverenciar o local muito depois de ter sido abandonado. Atualmente, Chaccoben faz parte de um parque arqueológico aberto ao público.
Povoação e Construções Iniciais
O sítio mostra evidências de habitação humana datando desde c. 200 a.C., mas a área circundante (conhecida como a Região dos Lagos) foi povoada muito antes, por volta de 1000 a.C.. Os lagos, lagoas e pântanos forneciam à população água fresca, peixe e caça e os construtores da cidade provavelmente viviam em pequenas cabanas de palha. Em algum período por volta de 700 d.C., a cidade estava completa, mas não se sabe por que um complexo tão grande foi construído e qual seu significado religioso. Como outros sítios maias, os motivos para o abandono também são igualmente pouco claros, mas podem ter relação com a superpopulação, uso excessivo da terra ou conquista militar.
Chaccoben foi construída no estilo arquitetônico Petén, o mesmo de outros locais mais famosos, como Uxmal e Palenque, mas com uma diferença notável: não há ornamentação nas estruturas. Os prédios e templos em povoados maias – tais como Tulum, a 177 quilômetros ao norte, Uxmal, Chichén Itzá e vários outros – ostentam uma elaborada ornamentação, enquanto os dali são austeros. É possível que os templos e outras estruturas ainda ocultas pela floresta sejam tão luxuosamente decorados quanto os de outras cidades, mas isso parece improvável, porque os já escavados claramente têm grande importância.
As estruturas e áreas escavadas em Chaccoben são:
- Templo 24 e Praça B
- A Gran Plaza (Grande Praça)
- O Gran Basamento (Grande Porão)
- Templo de las Vasijas (Templo das Vasilhas)
- Templo 1
- Templo de Las Vias (Templo dos Ways)
Atualmente, estes edifícios estão cercados pela floresta, mas em épocas passadas teriam sido somente uma pequena parte de um vasto complexo de templos, residências e centros administrativos.
Templo 24 e Praça B
O Templo 24 é uma enorme pirâmide em degraus que segue o estilo arquitetônico do período Clássico maia (250-950) e está localizada na Praça B. Os maias aperfeiçoaram o uso de cimento hidráulico em algum período anterior a 250 a.C.. Fornos convertiam seu abundante suprimento de calcário em cimento em pó que, quando misturado com água, pedras e argila, tornava-se concreto. O Templo 24 exibe a habilidade dos trabalhadores antigos no uso do concreto entre as camadas de pedra.
Quando um novo governante ascendia ao trono, ele construía seu palácio e templo sobre a estrutura do rei anterior. Trata-se de uma demonstração prática de poder – o novo rei dominando o antigo –, mas pode também ter um significado simbólico, com o governante reconhecendo as origens da autoridade que agora exercia. O Templo 24 acompanha este paradigma, pois a atual estrutura é erguida sobre uma mais antiga.
Em muitos sítios, tais como o de Kohunlich, os arqueólogos podem datar a cidade pelas inscrições deixadas nas estruturas pelas dinastias reais. Este é um outro aspecto incomum de Chaccoben: além da falta de ornamentação, também não existem inscrições. Sabe-se que o Templo 24 está assentado sobre um edifício anterior por causa das diferentes idades do concreto e as mudanças na disposição das pedras.
A Praça e os Templos do Gran Basamento
A Grande Praça era o local de mercado e centro da cidade, dividida por uma rua larga. As ruínas dos estandes do antigo mercado e das residências das classes mais altas são ainda visíveis do outro lado desta rua, embora muitas estejam ocultas pela vegetação. As cidades maias dedicavam-se ao comércio uma com as outras e provavelmente tais produtos devem ter sido oferecidos no mercado da cidade mas, assim como no mundo moderno, seriam caros e somente disponíveis para os mais ricos. Os produtos vendidos rotineiramente no mercado seriam principalmente os de primeira necessidade, bem como pequenos luxos que quase todos poderiam pagar.
As classes mais altas de qualquer cidade maia viviam em casas de pedra no centro, enquanto os mais pobres encontravam seus lares em cabanas de palha na periferia do povoado. Este mesmo paradigma é evidente em Chaccoben, onde as casas de pedra dos cidadãos mais abastados se alinham ao longo da via principal. Embora a praça pareça estreita atualmente, devido à invasão da floresta, seria bastante ampla quando ainda habitada e incluía o campo de jogo de bola (uma característica padrão nas cidades maias), no qual o jogo mesoamericano de Poc-a-Toc era disputado.
Uma ampla escadaria, escavada diretamente na rocha de uma colina próxima, conduz até o chamado Grande Porão, um platô que traz o Templo das Vasilhas, o Templo 1 e algumas ruínas das fundações de edifícios menores. A astronomia e astrologia eram de igual importância para os maias e suas cidades costumavam ser construídas conforme o alinhamento celestial. No topo destes degraus há dois pilares de pedra conhecidos como Los Gemelos (os gêmeos). Um dos pilares tem um orifício que o atravessa e foca o sol poente, no solstício de inverno, numa pequena área na Grande Praça. Arqueólogos acreditam que já houve uma estátua ou estela neste ponto, que seria iluminada pela luz do Sol nesse momento. Da mesma forma, no solstício do verão, o sol nascente é focado através do topo do Templo 1, iluminando um ponto agora vazio no solo por cinco minutos.
O platô do Grande Porão era um importante sítio para os rituais religiosos conduzidos no Templo 1; as várias taças, jarros, tigelas e pratos usados nestes rituais ficavam guardados no vizinho Tempo das Vasilhas. Os prédios menores, nada mais do que algumas poucas pedras, delineadas na terra, ou muros de fundação atualmente, eram provavelmente as residências dos sacerdotes e trabalhadores dos templos.
A religião maia estava integrada na vida cotidiana das pessoas. Os deuses, ainda que sempre presentes, viviam à parte dos seres humanos, nos cumes elevados das montanhas ou em cavernas profundas. Os maias construíam suas enormes pirâmides no centro de suas cidades como montanhas artificiais, os lares dos deuses, e instalavam os templos no topo. Acreditava-se que as divindades reconheceriam estes monumentos como seus lares e viveriam entre o povo.
Eles também criavam cavernas artificiais no interior destes monumentos pelas mesmas razões. Estas “cavernas” eram algumas vezes túmulos mas, com mais frequência, abrigavam pequenos templos com altares para oferendas sacrificiais. Como em muitas culturas antigas, os maias acreditavam que os deuses estavam sempre concedendo benefícios e cuidando dos seres humanos mas, ao contrário da maioria das demais culturas, estes deuses não garantiam a ninguém uma vida feliz no além-túmulo.
Para os maias, a vida era uma jornada que não terminava quando o corpo morria. A alma continuava viva e viajava para o sombrio mundo subterrâneo de Xibalba. Nesta região de noite eterna, a alma tentaria encontrar seu caminho através de labirintos, escapar dos truques e armadilhas das divindades do submundo e localizar a árvore da vida, cujas raízes cresciam profundamente dentro da escuridão da terra. Uma vez que a alma alcançasse a árvore, poderia subir pelos nove níveis de escuridão para emergir de volta à superfície da Terra e então continuar sua ascensão rumo ao paraíso.
Entre as únicas almas dispensadas desta jornada estavam as das mulheres que morriam no parto; as vítimas sacrificiais voluntárias; os guerreiros que morriam em batalha ou os atletas que sofriam o mesmo destino no jogo de Poc-a-Toc; e os suicidas. Os maias consideravam o ato do suicídio racional e honrado e tinham inclusive uma deusa (Ixtab) dedicada ao cuidado com estas almas.
Era suficiente para os maias que os deuses dessem vida e sustento às pessoas enquanto viviam; não se esperava que continuassem esta tarefa após a morte. O trabalho recaía a outros, tais como as almas dos parentes mortos, entidades sobrenaturais ou cães-espíritos. Os cachorros, além de representar uma fonte de alimento, eram altamente respeitados entre os maias por causa de seu relacionamento com o divino. O cão não era inteiramente selvagem ou domesticado e, portanto, isso o fazia uma espécie de elo entre o mundo da humanidade e aquele dos deuses.
Acredita-se que no Templo 1 aconteciam sacrifícios, inclusive humanos. Como o sangue era o alimento dos deuses, ele seria recolhido em tigelas ou jarros trazidos do Templo das Vasilhas e então "alimentaria" uma estátua ou imagem de um deus.
O Templo dos Ways
Descendo as escadas do Gran Basamento e caminhando pela rua principal, chega-se ao Templo dos Ways, dedicado aos espíritos guardiães que assistiam a cada indivíduo através da vida. Na crença maia, os Ways (também conhecidos como Wayobs, no plural) são espíritos protetores que guiam os vivos. Cada dia possui sua energia particular própria, adequada para um objetivo ou outro. Se a energia do dia conduz ao trabalho, ele será mais produtivo do que se fosse uma energia relacionada à recreação. Cada pessoa tem um Way que as ajuda por toda a vida, chamando a atenção para a energia do dia, e também as guiando no além-túmulo através de Xibalba.
Os ways aparecem em sonhos com mensagens do mundo espiritual e, no sonho, a pessoa é levada ao Wayib (o lugar dos sonhos), onde é possível conversar com os deuses e com as almas dos que partiram. O Templo dos Ways pode ter sido uma casa de incubação, como as que existiam no antigo Egito, onde se iria para buscar solução para um problema.
No antigo Egito, se uma mulher estivesse com dificuldade para engravidar, ela iria a uma casa de incubação da deus da fertilidade, Bes, para que ele a visitasse e cuidasse do problema. Da mesma forma, um maia visitaria o Templo dos Ways para fazer um contato mais claro com seu espírito particular e resolver alguma dificuldade ou receber uma mensagem sobre o futuro.
Chaccoben continuou como um importante centro de peregrinação mesmo após a cidade ter sido abandonada. Queimadores de incenso foram descobertos em escavações no Templo dos Ways, datando de c. 950 até 1518, quando os exploradores espanhóis e seus missionários chegaram. Embora não haja documentação sobre esta alegação, é possível que Chaccoben fosse um centro religioso tão vital quando Tantun Cuzamil, na ilha de Cozumel, conhecida atualmente como San Gervasio, onde a estátua da deusa Ix Chel certa vez teria falado ao povo.
Tantun Cuzamil foi o local de peregrinação mais popular na era dos antigos maias e isso está bem documentado. Ainda assim, os queimadores de incenso e outros itens encontrados em Chaccoben dão fortes indicações de que o sítio possuía um significado religioso para o povo da área circundante, que continuou a fazer peregrinações a um dos templos (pelo que se verificou até o momento) até bem depois da cidade ter sido entregue à floresta e aos animais selvagens. Este local, portanto, pode ter sido tão popular, ou até mais, do que Tantun Cuzamil.
Descoberta
Após a Conquista Espanhola do século XVI e a resultante conversão dos maias ao cristianismo, Chaccobén foi esquecida e desapareceu sob videiras, árvores e musgo. Em 1942, um homem chamado Servilliano Cohuo, um maia yucateca, estava procurando um lugar para se instalar como fazendeiro. Ele vagueou pela periferia da floresta e se encontrou em meio a uma cidade antiga, oculta sob séculos de vegetação. Cohuo limpou parte do sítio, construiu uma casa, arou a terra e instalou sua fazenda. Ele se casou e teve filhos, que cresceram brincando nas ruínas como se fossem seu quintal.
Anos depois, em 1972, um arqueólogo americano, Peter Harrison, voava sobre a região num helicóptero e notou algo estranho sobre a topografia abaixo dele: havia grandes colinhas numa área normalmente plana. Harrison foi explorar a área e encontrou Cohuo e sua família. O fazendeiro mostrou-se solícito em guiar o arqueólogo pelo local, mas não tinha informações a respeito das ruínas.
Foi Harrison quem datou pela primeira vez a habitação humana na região como tendo ocorrido por volta de 1000 a.C. e também o desenvolvimento inicial em cerca de 200 a.C.. Cohuo deu permissão ao arqueólogo de informar ao governo mexicano sobre a existência das ruínas. Ao fazê-lo, Harrison solicitou que o fazendeiro tivesse permissão de permanecer ali pelo resto da vida. O arqueólogo fez a primeira escavação profissional no sítio e o mapeou.
Em 1978, Cohuo foi nomeado guardião oficial de Chaccoben, à medida que as escavações prosseguiam, trazendo à luz mais e mais construções da cidade antiga, o que atraiu os curiosos. Ele morreu em 1991 e, com isso, sua família teve de deixar seu lar e ser realocada nas proximidades. O Instituto Nacional de Antropologia e História do México assumiu o controle das escavações e restaurou o sítio em 1994.
Foi aberto ao público em 2002 e, desde então, vem se tornando cada vez mais popular como atração turística. O significado da antiga cidade para seus construtores permanece desconhecido, pois as magníficas ruínas assomando em meio à floresta mexicana até agora estão silenciosas, mas isso é exatamente o que faz o local tão atrativo para os turistas: as pessoas adoram um mistério e há poucas ruínas maias tão misteriosas quanto as de Chaccoben.
Nota do autor: Partes deste texto apareceram no artigo The Mysterious Treasure of Chaccoben (O Misterioso Tesouro de Chaccoben), de Joshua J. Mark, publicado pela Timeless Travels Magazine, Verão de 2017.