Ifé (também conhecida como Ile-Ife) foi uma antiga cidade africana que prosperou entre os séculos XI e XV EC onde hoje é a Nigéria, na África Ocidental. Ifé foi a capital, e o principal centro religioso Iorubá do reino de Ifé, que se desenvolveu graças ao comércio com outros reinos oeste africanos. Ifé é particularmente famosa hoje em dia por suas magníficas esculturas de metal produzidas por seus artífices, que incluem figuras humanas de olhar sereno, esculpidas com tanto talento, que os europeus uma vez erroneamente consideraram que aquele seria o trabalho de outra civilização.
Localizada onde hoje é a Nigéria ao longo do litoral da Guiné na África Ocidental, Ifé controlou a floresta tropical a oeste do delta do Rio Níger. Foi fundada em c. 500 pelo povo Iorubá – um povo de língua Kwa do sudoeste da Nigéria e do Benin – mas que não se desenvolveu até o início do segundo milênio EC. A cultura Ifé pode ter sido influenciada ou talvez conectada de alguma maneira com o reino de Igbo-Ukwu, que teve seu ápice no século IX no outro lado do Rio Níger, embora detalhes desta época da parte sul da África Ocidental estejam faltando. O Reino de Ifé teria desaparecido próximo ao século XVI por razões desconhecidas.
Local da Criação
Os iorubás consideravam que o sítio de Ifé era o local exato da criação, onde os deuses desceram dos céus e criaram o mundo como conhecemos. O deus criador Oduduwa separou a terra da água. Os seres vivos foram criados por Obtala. Os primeiros seres humanos foram enviados para governar doze cidades, tornando-se assim os seus primeiros reis e rainhas. Destas figuras, todos os reis seguintes alegaram descendência. Especialmente em Ifé, o primeiro rei divino foi Oni, nome que significa “Rei”.
Escavações arqueológicas revelaram que a ocupação de Ifé foi interrompida diversas vezes, e isto pode explicar porque tão pouco é conhecido sobre suas práticas culturais mais antigas, uma vez que as tradições orais não foram continuamente passadas através das gerações. É provável que o rei também fosse o chefe da religião de Ifé – uma mistura do animismo com o fetichismo e o culto a antepassados. Sacrifícios e oferendas eram feitos tanto em honra aos deuses como aos ancestrais. Havia (e ainda há entre os iorubás hoje em dia) a crença de que a personalidade de alguém (iwa) reflete sua energia interior (Ase) e que esta energia está presente em todas as coisas naturais e divinas. Acredita-se que a energia reside primeiramente dentro da cabeça do sujeito, o que pode explicar o motivo pelo qual a arte da antiga Ifé tipicamente se concentra em representar esta parte do corpo. Além disso, pelo fato de que a energia de pessoas poderosas como chefes podem ser perigosas, é necessário que suas bocas ou até mesmo toda a face seja coberta por um véu – outro atributo comumente representado pela arte de Ifé. Ase é frequentemente representado como um cone, mais um símbolo frequentemente visto nos cocares de representações humanas das esculturas de Ifé.
Comércio
Muito pouco se sabe sobre o aparato estatal de Ifé e sobre como eram geridos seus territórios. Até mesmo as informações sobre a economia de Ifé são esparsas. É provável que Ifé, e toda a área de florestas tropicais do oeste africano tenham prosperado graças à tecnologia de fundição de ferro que permitia a produção de ferramentas como a enxada, que por sua vez trouxe abundantes colheitas de alimentos como quiabo, inhame, tâmara, óleo de palma e peixe. Bens que podiam ser negociados com reinos do norte incluíam nozes de cola, pimenta, ouro e marfim. Escravos também eram enviados ao norte e desta maneira Ifé também se conectava indiretamente com as rotas de caravanas que cruzavam o Saara e chegavam à cidades como Trípoli no litoral mediterrâneo. Bens trocados pelas mercadorias de Ifé teriam sido principalmente o sal do Saara e itens de luxo para a elite de Ifé que controlava o comércio. Os itens de luxo podiam incluir espadas, cobre, latão, joias, perfumes e cavalos.
A Arquitetura de Ifé
No início do século XI, Ifé havia crescido para se tornar uma grande cidade murada com vários grandes edifícios de pedra incluindo um palácio, oficinas e templos. Algumas ruas da cidade eram pavimentadas com azulejos de terracota, mais resistentes às chuvas. Similarmente, muitos pátios eram pavimentados com pequenas peças de cerâmica e pedras de quartzo para criar desenhos geométricos. Alguns pátios tinham altares que consistiam numa estrutura semicircular com o pescoço de um vaso de cerâmica colocado dentro dele. A maioria das residências, infelizmente, era feita de argila, e estas há muito tempo pereceram, porém as pistas para o seu aspecto decorativo são os vários achados de pequenos discos de cerâmica que eram fixados nos interiores para criar um efeito mosaico.
As Esculturas de Cabeça de Ifé
As esculturas naturalistas de metal, e em tamanho real, pelas quais Ifé hoje em dia é mais conhecido foram tão magistralmente executadas que quando os europeus as descobriram, eles não acreditaram que aquele era o trabalho de negros africanos antigos. As cabeças foram produzidas do século XI ao século XV de acordo com a análise química, e moldadas usando o processo de cera perdida. Doze cabeças ao todo foram encontradas em um complexo real de Ifé em 1938 EC, e várias outras foram descobertas, incluindo uma máscara de cobre puro.
As esculturas de cabeças eram fundidas em latão e às vezes eram feitas de cerâmica. Todas são únicas, porém seu propósito específico é desconhecido. Elas podem representar governantes, deuses, ancestrais reverenciados, ou podem ter sido usadas para algum propósito religioso. Muitas cabeças apresentam linhas verticais marcadas, que podem representar as cicatrizes rituais que marcam a passagem da infância para a vida adulta. O problema com essa teoria é que esta não era uma prática amplamente realizada entre os povos iorubás. Alternativamente, as cicatrizes podem ter diferenciado grupos locais dentro da população iorubá em geral, refletido a prática de usar marcas faciais temporárias para rituais, talvez ter representado as sombras projetadas pelos véus que os governantes normalmente usavam ou, de maneira mais simples, uma escolha puramente estética de decoração. As cabeças têm ainda outro atributo curioso que é uma série de pontos furados em volta dos lábios e da mandíbula, possivelmente para o encaixe de barbas ou véus feitos de vidro. Esses véus ainda são usados hoje na região em ocasiões especiais, e seu significado cerimonial está aqui resumido pelo especialista P. Garlake:
As cabeças em tamanho natural de Ifé são poderosas expressões da serenidade vinda da autoridade divina. Esta era a qualidade mais importante de qualquer governante... Os véus destinam-se a tornar a potência extraordinária das palavras de um governante menos propensa a causar medo ou mágoa. O mistério mascara a majestade. (117)
Uma peça excepcional das esculturas de Ifé que não é uma cabeça é a figura em bronze de um chefe de pé que veste uma roupa similar a um kilt, muitos colares - incluindo um com uma insígnia de arco duplo, tornozeleiras, e um chapéu com uma decoração frontal alta. A figura tem em uma das mãos um chifre de um búfalo da floresta, provavelmente utilizado como recipiente para medicamentos, e na outra mão ele traz um bastão curto. Datando do século XIV, a figura agora reside no museu arqueológico de Lagos, Nigéria.
Outras Artes
Muito mais velhas do que as estonteantes cabeças de metal de Ifé são as várias estelas de granito descobertas no sítio. Com pouca decoração, elas às vezes são incrustadas com pregos de ferro. Vasos de cerâmica feitos em Ifé eram frequentemente decorados com desenhos geométricos em relevo em volta do pescoço, e uma quantidade de grandes vasos foi descoberta próximo ao palácio real de Ifé, que tinham tampas com cabeças de animais esculpidas (e.g um carneiro, elefante, e antílope) neles, porém com as cabeças viradas para dentro dos vasos. Também há esculturas em cerâmica de figuras humanas e animais. Estas são em sua maioria ocas e feitas de peças compostas. Um grupo dessas esculturas de cerâmica escavadas de um santuário de Ifé mostra humanos com deformidades físicas, sinais de doença ou com expressões de sofrimento. Curiosamente, estas e outras figuras similares foram enterradas como se fossem restos mortais de pessoas antes vivas.
Outro objeto produzido em certa quantidade foram torques de latão esculpidos, talvez originalmente encaixados em volta das cabeças de metal como descrito acima. Essas peças intrincadamente esculpidas normalmente retratam cenas de sacrifícios humanos e rituais, talvez indicando o poder dos governantes que os usavam, se as cabeças de metal forem interpretadas como representações dos chefes iorubás. Trabalhos de vidro eram produzidos ou pelo menos importados e então retrabalhados em grande quantidade. Outra produção artística impressionante foi a fabricação de bancos cerimoniais feitos de blocos únicos de quartzo. O mineral é tão denso que não pode ser esculpido, mas apenas fundamentado em um processo longo e laborioso, indicando que os artesãos de Ifé tinham ambição quase ilimitada a respeito dos materiais que trabalhavam.
Legado & História Posterior
As esculturas de Ifé muito provavelmente influenciaram aquelas produzidas no Reino do Benin (século XII ao XV), também na moderna Nigéria e também largamente povoado pelos iorubás. Certamente, nas tradições orais do Benin, foi o rei de Ifé quem enviou um mestre artesão à Benin para propagar sua habilidade em esculpir. Também há vários pontos de semelhança entre a arte das duas culturas tal como a representação de serpentes. Embora o reino de Ifé tenha deixado de existir a partir do século XV – o motivo exato da queda não é conhecido – Ifé existe ainda hoje como uma pequena cidade, que continua a exercer uma posição de importância religiosa como um sítio de santuários e bosques sagrados, e é casa para várias sociedades de fiéis que ainda adoram os deuses tradicionais.
Com agradecimentos a Samuel Santos por sua assistência editorial ao preparar a tradução deste artigo para publicação.