O reino do Benin, localizado nas florestas do sul da África Ocidental (moderna Nigéria) e formado pelo povo edo, prosperou entre os séculos XIII e XIX EC. A capital, também chamada de Benin, era um centro de comércio controlado exclusivamente pelo rei, ou obá, que mantinha relações com mercadores portugueses que buscavam ouro e escravos. Benin entrou em declínio durante o século XVIII EC, atormentado por guerras civis, e foi finalmente conquistado pelos britânicos em 1897 EC. Hoje em dia o reino talvez seja melhor conhecido por suas impressionantes esculturas e placas de metal que frequentemente figuram governadores e suas famílias; sendo consideradas entre as melhores obras de arte já produzidas na África
Origens: As Tradições de Nok & Ifé
A região sul da África Ocidental foi apresentada ao (ou desenvolveu ela própria) conhecimento do trabalho com ferro desde pelo menos o século IX EC. Com ferramentas melhores para usar na agricultura, suas produções aumentaram. Os povos do cinturão de florestas secas e tropicais dessa região abriram espaço para vilarejos e cultivaram com sucesso inhames, bananas, e grãos de dendê.
O reino de Ifé, localizado onde hoje é a Nigéria assim como o reino de Benin, se desenvolveu entre os séculos XI e XV EC. O reino produziu muitos bronzes finos, especialmente expressivas esculturas de cabeças humanas. Ifé talvez tenha sido influenciado pela cultura Nok anterior (do século V AEC ao século II EC) e Igbo-Ukwu (com seu apogeu no século IX EC). Nas tradições orais do Benin, foi o rei de Ifé quem enviou um mestre artesão ao sul no final do século XIII a fim de propagar suas habilidades em esculpir, e isto pode refletir o movimento histórico do trabalho com ferro dos povos iorubás nos territórios dos edo em Benin. A tradição edo também afirma que foram eles quem convidaram o Príncipe Oranmiyan de Ifé para governá-los e que foi seu filho, Eweka, quem se tornou o primeiro rei do Benin.
Como o afirma o historiador da arte P. Galarke, “Os mitos e tradições da cidade de Benin apontam para Ifé como a origem do reinado e da fundição de metais.” (139). Pontos de similaridade entre as obras das duas culturas incluem o uso do leopardo com relação à morte e cobras, como aquelas que se entrelaçam nos frontões do palácio de Benin, e os relevos de Ifé. Entretanto, a arqueologia ainda precisa estabelecer conexões mais firmes entre estes estados que sucessivamente dominaram a parte sul da África Ocidental, acima da Baía do Benin.
Visão Histórica Geral
O Reino do Benin era situado na parte sul do litoral oeste africano em uma região que hoje é o sul da Nigéria (o estado moderno do Benin fica mais adiante no litoral oeste e tem seu nome derivado da Baía do Benin). O território é uma mistura de florestas tropicais, florestas secas e manguezais. Formado no século XIII EC como um estado propriamente dito, o Reino do Benin foi povoado pelo povo edo de idioma Kwa, e em seu apogeu chegou a cobrir 400 Km de comprimento e 200 Km de largura. O coração era um círculo ao redor da capital, também chamada Benin, que se estendia por 60 quilômetros em todas as direções sendo governado diretamente pelo rei. Depois vinham as terras do círculo de fora que eram governadas por príncipes reais e finalmente o terceiro anel de tribos que ofereciam tributo, mas que não eram diretamente governadas pelo rei do Benin.
O reino se desenvolveu graças ao comércio regional, com Benin aparentemente atuando como um intermediário entre outros reinos, canalizando produtos que não produzia como algodão e pedras semipreciosas. Outros itens de comércio entre os povos oeste africanos incluíam peixe, sal, inhames e gado, para dizer alguns. Tal era a natureza bem resolvida dessas relações comerciais, que há evidências de moedas nativas sendo usadas, na forma de manilhas (pesados braceletes em forma de ferraduras), fios e varas feitas de metais como cobre, latão e bronze. Também há evidências de que búzios - que vinham da Pérsia e das Maldivas - foram usados como moeda em Benin antes do contato direto com os europeus, um fato que sinaliza para o comércio com os reinos da savana do norte africano, que teriam adquirido esses itens por rotas terrestres.
A partir de meados de 1450 EC, navios portugueses já navegavam pela costa africana do Atlântico, oferecendo uma alternativa às rotas de caravanas transaarianas e àquelas redes de comércio dos reinos do interior da África. A partir de 1471 EC, estes navios tiveram acesso à Costa do Ouro no sul da África Ocidental em busca das riquezas que tanto fizeram prosperar os Impérios de Mali (1240-1640 EC) e Songai (c. 1460 – c. 1591 EC). Repentinamente, os povos do sul da África Ocidental, que se encontravam no fim da cadeia de comércio que se iniciava na Europa e vinha pela África do Norte, depois pelo Saara e finalmente para a savana da África Ocidental, se encontravam agora no extremo oposto de um comércio marítimo em rápida expansão, quando navios passaram a aportar diretamente da Europa. Benin não era um estado litorâneo, porém mantinha contato com a costa através do porto de Ughoton que ficava no Rio Benin.
Durante os séculos XV E XVI EC, Benin comerciou com os portugueses, que estabeleceram uma presença de 30 anos em Ughoton a partir de 1487 EC. Os europeus estavam interessados em miçangas, roupas de algodão, marfim e escravos, que eles iriam negociar posteriormente com outros povos oeste-africanos em troca do que mais prezavam: ouro e pimenta (as duas únicas mercadorias em demanda na Europa). As tribos oeste-africanas também demandavam tecidos de algodão fino da Índia, vidraçarias e búzios que os portugueses traziam para a África. Benin também devia ter uma demanda insaciável de cobre e bronze com chumbo, necessários para produzir suas famosas esculturas. O rei do Benin impôs um rígido controle no comércio de seu reino, criando um monopólio real. De fato, o rei claramente possuía alto poder de barganha com os europeus, pois ele proibiu a venda de escravos homens a partir de 1516 EC, necessitando deles para seus exércitos.
Em 1514 EC, o rei do Benin deu início a relações diplomáticas com o governo português ao enviar uma comitiva para a Europa, aparentemente com intuito de negociar uma remessa de armas de fogo para Benin. Os portugueses não estavam inclinados em armar um potencial inimigo, e ao invés enviou um número de missionários cristãos para tentar, como já havia sido tentado em outros lugares na África, converter o governante, e então, o restante da população ao cristianismo. O rei se manteve leal às suas crenças tradicionais, e embora algumas igrejas tenham sido construídas e alguns poucos africanos tenham se convertido, o projeto de propagar o cristianismo foi largamente abandonado pelo que de fato era; um véu frágil de decência para esconder a política portuguesa de extirpar a terra de todas as suas riquezas o mais rápido e o mais barato possível. Não houve nenhuma tentativa para a instalação de qualquer aparato administrativo, uma ambição que foi, em todo caso, amplamente dificultada pela alta taxa de mortalidade dos europeus que se deparavam com doenças nativas. Seria somente a partir do século XIX EC que os missionários europeus passariam a atacar abertamente as crenças indígenas da África Ocidental.
O Rei ou Obá
Os reis do Benin portavam o título de Obá e eram considerados a ter direito divino de governar. O rei não só controlava todo o comércio estrangeiro como também detinha a maior parte dos bens de alto valor no reino como peles de leopardo, pimenta, corais e marfim. Muitos governantes são celebrados na arte de Benin. As máscaras de marfim, que se usava na cintura, mostram reis usando coroas e colares de cabeças humanas, talvez de europeus, podendo significar tanto o monopólio do Obá sobre o comércio quanto sua dominância sobre os estrangeiros. Reis frequentemente aparecem nas placas de latão que adornavam o palácio de Benin, onde eram figurados como líderes guerreiros. Eles podem ser identificados pelos símbolos de seu status como as manchas dos leopardos, cicatrizes e colares feitos de dentes de leopardos. O leopardo era um símbolo apropriado para o Obá, sendo que o animal era considerado “Rei do Mato” e somente o rei era permitido a matá-lo, tipicamente num sacrifício anual feito pelo rei em sua própria honra. Outros símbolos reais vistos em representações dos reis do Benin incluem um elmo com embelezamentos corais e enfeites de máscaras para ser usados na cintura, que eram brancas, uma cor simbólica da pureza do rei, e de sua contraparte na governança, Olokum, o deus do mar e fonte da riqueza e fertilidade Assim como os deuses e os espíritos antepassados, os reis recebiam oferendas e sacrifícios, incluindo humanos, após suas mortes.
Talvez o maior rei do Benin tenha sido Ewuare, o Grande (r. 1440-1473 EC) que era considerado não só um grande guerreiro, como também um mago poderoso. A ele se atribui um período de prosperidade particular, e a maior expansão territorial que o reino chegou a ter, mas também é acusado pelo assassinato do irmão e o estabelecimento do Obá como um monarca absoluto. Ewuare formou o sistema de governo que perduraria até o fim do Reino do Benin. O rei era aconselhado por um grupo de chefes titulados e hereditários, e havia outro grupo de chefes nomeados pelo rei para governar cidades específicas. Além disso, Ewuare criou a convenção de que o filho mais velho do rei herdaria o trono de seu pai. O oficial naval inglês Thomas Windham visitou o Benin em 1553 EC, e seu relato da corte do rei do Benin é o seguinte:
… O rei sentava-se em um salão enorme [com nobres] encolhidos… sobre as nádegas com seus cotovelos sobre os joelhos e suas mãos cobrindo seus rostos, sem olhar para cima até que o rei os comandasse.
(citado em Fage, 517)
A Cidade de Benin
Benin, a capital do reino, fica a uns 30 quilômetros (18,6 milhas) do litoral e a oeste do Rio Níger. Escavações na cidade revelaram que ela era circundada por elevados trabalhos de terraplanagem, mas como há varias lacunas, não se acredita que tenham servido um propósito defensivo. As paredes podem ter servido para demarcar os espaços de diferentes grupos de famílias dentro da capital, todas leais ao rei, mas cada uma tendo suas próprias terras periféricas. A cidade teria sido posteriormente dividida em distritos para os artesãos que pertenciam a associações.
O rei, sua corte e o palácio eram ambos o coração espiritual e político do Reino do Benin. O palácio possuía vários pátios e numerosas galerias com pilares de madeira que sustentavam o teto. Nestes pilares ficavam as placas de latão que são consideradas um dos pontos altos da arte da África Ocidental de todos os tempos.
Os Bronzes do Benin e Outras Artes
As esculturas produzidas no Benin usando latão (embora também chamado de “bronzes”) tornaram-se mundialmente famosas por sua execução e arte. A produção expandiu muito a partir do século XV EC com a chegada dos portugueses que traziam grandes quantidades dos metais para o comércio. A técnica da cera perdida foi usada a partir desta época (ao contrário da forja anterior ao século XVI EC) para produzir esculturas de todos os tipos, porém uma especialidade em particular eram as placas. Retangulares e com aproximadamente 45 centímetros de altura, estes painéis apresentam figuras em alto relevo, muito frequentemente guerreiros e governantes. Originalmente fixados nos pilares de madeira do palácio real do Benin, muitas das placas comemoram conflitos históricos, mostram cenas da vida na corte e rituais religiosos do Benin.
Além das placas, os artistas produziram esculturas em tamanho real de cabeças, figuras humanas e animais completos em tamanho menor, e sinos cerimoniais. O marfim era outro meio que os artesãos do Benin favoreceram, esculpindo as máscaras de quadril mencionadas acima e também caixas, pentes e braceletes extremamente ornados e intrincados. Como mencionado anteriormente, as máscaras eram esculpidas em marfim para serem usadas na cintura pelos reis, e um par magnífico sobrevive, um está hoje no Museu Britânico de Londres e o outro no Museu Metropolitano de Nova Iorque. Ambas as máscaras parecem representar Idia, a mãe do rei Esigie que governou durante o século XVI EC.
Também é provável que muitos escultores do Benin tenham trabalhado com madeira, mas este material muito raramente sobrevive por muito tempo na África devido às severidades do clima e aos insetos. Os artistas do Benin também não se opunham a produzir obras especialmente para o mercado português, esculpindo itens como adegas de sal feitas em marfim com desenhos de cavaleiros europeus, ou fundindo soldados de bronze que brandiam mosquetes, tudo com um toque africano único.
Declínio & História Posterior
Outras nações europeias além de Portugal ficaram interessadas na África Ocidental ao final do século XVI EC, incluindo os britânicos, os franceses e os holandeses. Os britânicos, determinados a afrouxar o controle do comércio dos reis do Benin, conquistaram o reino em 1897 EC, que já havia sido severamente enfraquecido por uma longa série de disputas dinásticas e guerras civis. Entretanto, os reis não foram completamente suplantados e os descendentes da dinastia real do Benin ainda tem o título de Obá, exercendo uma função consultiva no governo da Nigéria. O nome Benin também vive, pois foi reinstaurado pela colônia francesa de Dahomey quando declarou independência em 1975 EC para tornar-se a República do Benin.
Com agradecimentos a Samuel Santos por sua assistência editorial ao preparar a tradução deste artigo para publicação.