A Revolta dos Camponeses, também conhecida como a Grande Revolta, foi uma insurreição popular malsucedida, na Inglaterra em junho de 1381. A liderança da rebelião incluía Wat Tyler e queriam igrandes mudanças sociais, incluindo a remoção do imposto comunitário, o fim do valor máximo do salário pelo trabalho, redistribuição da riqueza da Igreja e a abolição total da servidão.
A revolta teve início no Sudeste da Inglaterra e se espalhou para Londres e outros lugares. Embora desejando mudanças sociais, os rebeldes não queriam remover o Rei Richard II da Inglaterra (rein. 1377-1399). Ela durou somente quatro semanas e foi desbaratada por Richard, primeiro por negociação e, em seguida, por meio de brutal perseguição aos líderes. As consequências da revolta foram, portanto, limitadas, mas o imposto comunitário foi abandonado, as restrições nas remunerações salariais não foram impostas e os camponeses continuaram a seguir na direção de comprarem suas liberdades da servidão e se tornarem fazendeiros independentes.
Causas da Revolta
A Revolta foi a mais infame insurreição popular da Idade Média e teve como causa a eclosão do descontentamento na Inglaterra que vinha desde a metade do reinado Edward III da Inglaterra (rein. 1327-1337) e que se agravou com a chegada da Peste Negra em 1348. No entanto, foi ao sucessor de Edward, Richard II da Inglaterra, que teve de lidar com o caos quando a disseminação do descontentamento transbordou em uma rebelião total.
As principais causas da Revolta, foram:
- Um novo imposto comunitário cobrado de todos os camponeses independentemente da sua riqueza (o terceiro de tais impostos desde 1377).
- O limite por lei dos salários após os custos do trabalho subirem dramaticamente devido às mortes pela Peste Negra.
- Inescrupulosos proprietários de terra tentando fazer com que os trabalhadores livres retornassem ao estado de servos, para economizar dinheiro em salários.
- Um sentimento geral de exploração pelas autoridades locais durante o tempo de declínio econômico.
O imposto comunitário de três moedas de prata (correspondendo a um par de dias de trabalho), foi aplicado a todas as pessoas acima de 15 anos de idade (só os mendigos eram isentos) e, ao contrário de outros impostos, não levava em consideração a capacidade da pessoa em pagá-lo. Para adicionar mais problemas, este terceiro imposto comunitário foi três vezes mais elevado do que os dois anteriores. O campesinato era muito usado para impostos, 27 deles ordenados durante o reinado de Edward III, maioria para pagar suas extremamente custosas campanhas militares contra os franceses durante a Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Do mesmo modo, Richard necessitou de caixa para levar avante a guerra com a França, cujos navios piratas encontravam-se descontrolados no Canal inglês, porém agora, finalmente, o povo havia finalmente dado um basta. No entanto, havia outros problemas.
O custo do trabalho havia subido dramaticamente após a perda de trabalhadores após choque causado pela Peste Negra em 1348, o que significou que muitos servos podiam, a partir de agora, cobrar pelo trabalho deles. Edward III impôs leis restringindo o quanto o trabalhador poderia ganhar por dia e havia punições rigorosas para aqueles que não obedecessem. Muitos proprietários de terras tentaram contornar o problema fazendo com que seus trabalhadores retornassem à condição de servos, desse modo economizando o salário. A ideia de que alguém não necessariamente devesse nascer em uma vida de servidão foi algo difícil de anular, muito embora as pessoas bem soubessem que os grandes proprietários de terras, juristas e funcionários públicos estavam conspirando para um sistema que colocaria o pobre no seu lugar, enquanto eles mesmos se beneficiariam de tudo. Havia mesmo uma quadrinha que expressava o descontentamento do povo comum em não serem tratados igualmente como proprietários de terras:
Quando Adão cavava e Eva media
Quem era, então, o senhor?
(No original:
When Adam delved, and Eve span,
Who was then de gentleman?)
A crença cristã era então usada para apoiar a ideia de que todos os homens eram iguais, ou, pelo menos, deveriam ser tratados com respeito. Em contrapartida, a Igreja medieval, como uma instituição, também foi responsável por muitos males da sociedade. Muitos plebeus sentiram que muitas das instituições e muitos membros, especialmente as grandes abadias, que não haviam abrigado doentes quando a Peste Negra atacou e eram somente gananciosos, cobrando seus impostos e dízimos como qualquer outro tipo de proprietário de terra.
A Peste Negra havia ceifado a vida de 30 a 50% da população nas regiões em que acometeu, o que significa que alguns camponeses foram capazes de comprar um pequeno pedaço de terra para cultivar, pois os preços da terra despencaram e não havia gente suficiente para nela trabalhar. Esses camponeses com terra foram chamados de yeomen (donos de terra livres). Além disso, a drástica redução populacional havia atingido os pequenos negócios e os artesãos pois os fregueses evaporaram. Esses acontecimentos podem explicar por que foi nas áreas mais ricas do reino que explodiu a revolta – East Anglia e Kent – e porque foi um fenômeno não limitado ao campo.
Explode a Violência
Em maio-junho de 1381, começou a insurreição no sudeste da Inglaterra, onde os inspetores dos impostos reais se encontravam investigando por que a arrecadação se encontrava surpreendentemente baixa. Estes inspetores repentinamente se depararam com oposição à exigência para o pagamento do imposto comunitário, aprovado pelo Parlamento em novembro de 1380. Funcionários e xerifes foram sequestrados e assassinados. Bandos de rebeldes andavam pelos campos a cavalo, incendiando propriedades senhoriais e destruindo seus registros – uma clara indicação do desejo dos camponeses em derrubar o senhorialismo. Os registros públicos em Maidstone, Rochester e Canterbury ficaram todos em chamas. Os líderes pareciam ser os pequenos fazendeiros mais ricos e incluíam sacerdotes paroquiais e oficiais de polícia de vilarejos. Esta não foi uma revolta dos mais pobres, mas dos plebeus que tinham algo a perder. A coroa enviou homens armados para tratar das regiões problemáticas, porém eles eram em pequeno número e muitos foram assassinados.
Dois líderes, em particular, assumiram a frente. Wat Tyler de Maidstone, talvez um antigo soldado, porém faltam alguns detalhes a seu respeito e o demagogo sacerdote John Ball, que radicalmente procurava por mais igualdade na sociedade. Ball já havia ficado preso algumas vezes por suas extremistas pregações. O cronista medieval Jean Froissart (*c.1337-c.1405), registra que Ball observou com frustração que:
[Os senhores] vestiam veludo e tecido a prova de água, revestido com pele de esquilo e arminho, enquanto nós vestimos tecidos grosseiros. Eles têm vinho, temperos e bom pão: nós temos a cevada, a casca e a palha e bebemos água. Eles possuem abrigo e conforto em suas finas mansões e nós temos as adversidades, a labuta, o vento e a chuva nos campos. E de nós e de nosso trabalho e vêm as coisas que os mantém na luxúria. (Citado em Gies,198)
Consequentemente, com liderança, queixas legítimas e um arcabouço ideológico para justificar suas ações, os distúrbios evoluíram para uma rebelião em grande escala com uma missão: confrontar o Rei e fazer mudanças na situação. É importante observar, no entanto, que os rebeldes não desejavam derrubar o Rei e seus membros até juraram lealdade ao “Rei Richard e à legítima Câmara dos Comuns”. Os rebeldes marcharam para Londres em 11 de junho – causando muito caos no caminho – onde se uniram, pelos igualmente descontentes, moradores da cidade, ilustrando que a revolta não era simplesmente de trabalhadores feudais. Em Londres, há tempos havia rivalidades entre ricos, pobres, facções da Igreja, corporações medievais, comerciantes nativos e estrangeiros, aprendizes e seus mestres e todas estas divisões se ampliaram pela revolta. Alguns cronistas observaram que os rebeldes somavam 60.000 pessoas, no momento em que o exército do Rei se encontrava na Escócia.
Exigências dos Camponeses
Quando a multidão tomou Londres em 13 de junho, seus participantes continuaram com os roubos, as pilhagens e assassinatos. Magistrados, estrangeiros e pequenos funcionários da Coroa eram exatamente os grupos marcados com antigo rancor, resultando em desenfreados atos de vingança. Os prisioneiros foram libertados, enquanto culpados de crimes foram enforcados pelas cortes populares. Os amotinados incendiaram o Palácio Savoy e assassinavam qualquer um.
Embora somente com 14 anos de idade, o Rei Richard saiu da segurança da Torre de Londres e, corajosamente, prometeu se encontrar com os líderes do protesto em Mile End, um campo na periferia de Londres. Ali, Richard ouviu as exigências e despreocupadamente prometeu atender a todas elas, promulgar cartas régias a respeito e mesmo permitiu Tyler a fazer justiça a qualquer pessoa que ele achasse devesse ser punida. Tyler, imediatamente determinou assalto à Torre de Londres e que o odiado Chanceler, Arcebispo Simon de Sudbury, fosse decapitado em Tower Hill. Seguiu-se mais um dia de saques, assassinatos e desordens na capital. Enquanto isso, notícias chegaram até ao Rei a respeito de motins que haviam se espalhado até ao norte, em York, e ocorreram ou iriam ocorrer problemas nos condados de Caambridgeshirre, Herefordshire, Suffolk e Norfolk.
Para pôr um fim no caos, Richard uma vez mais convocou os rebeldes para um encontro, desta vez em Smithfield, fora de Londres, para o dia 15 de junho para ouvir suas queixas novamente. Ele, também, se garantiu colocando as tropas em prontidão, para o caso de uma batalha.
Os participantes da Revolta dos Camponeses exigiram as seguintes mudanças:
- Abolição total da servidão
- Revogação das leis trabalhistas que limitavam aumentos nos salários editadas após a Peste Negra
- Direitos de caça e pesca para todos
- Maior participação dos camponeses no governo local
- Somente a Coroa seria a autoridade nos condados, não os senhores locais
- Redistribuição das riquezas da Igreja, especialmente das grandes abadias.
As exigências eram francamente ridículas e absurdas para a época, porém tinham alguma base na realidade. A servidão já fora erradicada quase por toda parte, mas ainda havia alguns bolsões no país onde a prática ainda continuava. Do mesmo modo, a redistribuição das riquezas da Igreja era já uma ideia advogada pelo teólogo John Wycliffe (*c.1325 +1384), um dos líderes do movimento e cujos seguidores ficaram conhecidos como lollards. O movimento de “lolardia”, talvez derivando seu nome da palavra latina para “reza” (ou da palavra depreciativa do holandês para resmungar), acentuava que qualquer um podia rezar privadamente, uma ideia que ameaçava o monopólio da Igreja e seus indicados como a ponte entre a humanidade e Deus. Wycliffe queria ainda que o povo fosse capaz de ler a Bíblia por si mesmo e, por isso, fez uma tradução do latim para o inglês, porém foi proibido de publicá-la na Inglaterra.
O sucessor de Richard, Henry IV da Inglaterra (rein.1399-1413) estava ansioso em preservar o status quo e perseguiu os lollards até que todo o movimento quase desapareceu. No entanto, permaneceu um forte sentimento anticlerical ente os participantes da Revolta dos Camponeses, com a Igreja sendo vista não somente como gananciosa, mas como fornecedora de fundos para o Papa, um estrangeiro que apoiava a França, a grande inimiga. Finalmente, havia alguma verdade na ideia de que senhores locais estavam tirando mais do que deviam de suas propriedades e havia um sentimento de que o Rei estava sendo enganado e mal servido por certos funcionários, como o Chanceler e duques, como John Gaunt, Duque de Lancaster (*1340 +1399).
Em Smithfield, após a apresentação das exigências, a situação ficou muito feia quando Willliam Walworth, o prefeito de Londres, deu um passo à frente e matou Wat Tyler, talvez pensando que Tyler estivesse pronto a ferir o Rei. Tyler fora, de qualquer modo, desrespeitoso com o Rei cuspindo água nos seus pés. Quando a turba irrompeu para frente agressivamente, Richard avançou entre eles e audaciosamente declarou:
Senhores. Quereis matar vosso Rei? Eu sou vosso legítimo comandante e serei vosso líder. Deixai que todos que me amam, me sigam.
(Citado em Jones, N.75)
Richard empregou, na ocasião, a muito usada tática de fazer um bom número de promessas extravagantes e não tinha intenção de dar o perdão real a qualquer um envolvido. Essas promessas foram suficientes para evitar mais distúrbios e a multidão se dispersou, acompanhada pela milícia da cidade.
Consequências da Revolta
Totalmente cruel, Richard assegurou que por volta de 150 rebeldes fossem enforcados, o que exigiu a construção de muitas forcas. A cabeça de Wat Tyler foi exibida na Ponte de Londres. Em seguida, ocorreram outras insurreições menores, que foram impiedosamente esmagadas e seus líderes executados como traidores, pois o Rei ousadamente disse “bandidos sois, e bandidos permanecereis”. Todo esse caso foi, talvez, o ponto alto do reinado de Richard, à medida que as coisas se deterioraram a partir de então, e o antes admirado jovem Rei, se apagou com grande desapontamento e terminou seus dias com uma curta prisão e uma morte misteriosa.
Ao final, no entanto, houve mudanças sociais na Inglaterra, como já haviam sido vistas anteriormente à revolta. O imposto comunitário foi abandonado, os limites de ganhos dos trabalhadores não eram rigorosamente exigidos e os servos continuaram a comprar a liberdade. Significativamente, a lei e os registros legais passaram a ser usados, pelos proprietários de terras, não para fazer cumprir uma obrigação de trabalho, mas para demonstrar que um trabalhador havia comprado legitimamente sua liberdade e podia deixar suas terras para seus descendentes.