Thomas Wolsey, Cardeal Arcebispo de York (c. 1473-1530) atuou como Lorde Chanceler de Henrique VIII da Inglaterra (r. 1509-1547.) de 1513 a 1529. Ele se tornou o homem mais poderoso da Inglaterra além do rei, criou o Tribunal do Lorde Chanceler, teve algum sucesso na área diplomática e, de forma mais célebre, construiu o Palácio de Hampton Court, próximo a Londres. Incapaz de conseguir a anulação do primeiro casamento de Henrique com Catarina de Aragão (1485-1536) através do Papa, Wolsey perdeu prestígio com seu amigo e monarca. Acusado de traição, o cardeal, que estava gravemente doente, morreu enquanto viajava rumo à prisão e julgamento em Novembro de 1530.
Vida Pregressa e Ascensão na Igreja
Thomas Wolsey nasceu c. 1473 em Ipswich, filho de um açougueiro. Estudou na universidade e tornou-se capelão de Henrique VII da Inglaterra (r. 1485-1509), ganhando uma inestimável experiência sobre a política dos Tudor de seu patrono, o conselheiro Bispo Richard Fox (1448-1528). Porém, sua carreira deslanchou no reinado de Henrique VIII. De fato, após ser nomeado esmoler real (distribuidor de esmolas) em 1509 e se beneficiar do fato de que o novo rei se cercou de seus próprios conselheiros, ao invés daqueles de seu pai e antecessor, Wolsey desfrutou de uma ascensão meteórica ao poder a partir de 1514. Tornou-se bispo de Lincoln em Março de 1514 e, apenas alguns meses depois, em Setembro, foi nomeado Arcebispo de York, o segundo cargo mais poderoso da igreja na Inglaterra.
Ávido pelo poder, mas percebendo que o atual Arcebispo de Canterbury (Cantuária) estava seguro em seu posto, ele aproximou-se diretamente do Papa. Em 1515 veio a nomeação como cardeal, o que o elevava acima do arcebispo e o tornava verdadeiramente um "príncipe da Igreja". Três anos depois, subiu mais um degrau ao receber o posto de legado papal (legatus a latere), isto é, um representante do próprio Papa, com direito a tomar decisões em seu nome. Normalmente, legados possuíam autoridade somente por um certo período de tempo e apenas para propósitos específicos, tais como uma conferência internacional. Em 1524, o Cardeal Wolsey recebeu os poderes de legado por toda a vida. Thomas não podia acreditar que um dia poderia até mesmo estar em posição de ocupar o cargo de Papa.
Antes destes importantes cargos na Igreja, e ainda mais relevante em termos históricos, foi nomeado Lorde Chanceler por volta de 1523 (ou talvez em 1515 - os historiadores discordam quanto à data exata). Neste cargo ele era, para todos os efeitos, o ministro principal de Henrique VIII, alcançando o cume da pirâmide política da Inglaterra. Graças às suas habilidades administrativas e ao bom relacionamento com o rei, Wolsey tornou-se uma gigantesca aranha política, com uma rede de subordinados que se estendia a todos os cantos do reino.
Como o historiador S. Brigden resume, Wolsey desenvolveu um relacionamento de trabalho muito especial com seu voluntarioso monarca:
O Conselho [do Rei] ainda era consultado, mas somente depois que eles determinassem o rumo a ser seguido. O cardeal, em primeiro lugar, induziria Henrique em direção a algum objetivo; o rei 'sonharia com isso mais e mais'; e somente então o conselho seria informado. A influência de Wolsey parecia suprema e suas mansões magníficas rivalizavam com a corte real. Tão completamente ele se via como um alter rex que, segundo se conta, ele dizia que 'The King and I would ye should do thus: the King and I do give you our hearty thanks.' (O Rei e eu devemos fazer desta forma; O Rei e eu lhe damos nossos sinceros agradecimentos". Seu orgulho e esplendor eram lendários: cruzes, pilares e poleaxes (alabardas), os odiados símbolos de sua autoridade, eram carregados diante dele; condes e lordes o serviam. (106)
Lorde Chanceler e a "Grande Questão"
Com um grande poder vem uma grande responsabilidade, e Wolsey foi encarregado com uma tarefa delicada e tortuosa: garantir um divórcio para o rei. Henrique VIII tinha se casado com Catarina de Aragão em Junho de 1509, mas, como não havia perspectiva de filhos homens, ele começou a buscar uma alternativa. Encontrou-a na jovem e atraente dama de companhia Ana Bolena (c. 1501-1536). Ana não dormiria com o rei até que estivessem casados e, de qualquer forma, o rei precisava de um herdeiro legítimo (já tinha um filho ilegítimo). Para um procedimento adequado, Henrique precisava se divorciar primeiro de Catarina. A Igreja Católica não permitia o divórcio, mas um matrimônio podia ser anulado sob certas condições - que Henrique acreditava existirem. Catarina tinha se casado anteriormente com seu finado irmão Arthur (n. 1486) em 1501 e, então, o rei escreveu uma carta ao Papa Clemente VII (r. 1523-1534) em 1527, sugerindo que a falta de um herdeiro masculino seria uma punição divina por Henrique ter se casado com a esposa de seu finado irmão, um argumento apoiado pelo Livro de Levítico, do Velho Testamento. Consequentemente, o rei queria que o Papa anulasse seu matrimônio porque ele nunca deveria ter sido permitido em primeiro lugar.
Porém, a questão não era tão simples. Em primeiro lugar, em termos práticos, Catarina dispunha de apoio tanto entre os súditos comuns quanto entre os nobres. Até mesmo o Arcebispo de Canterbury era firmemente contra o divórcio real. Em segundo lugar, havia argumentos legais e eclesiásticos contrários. Sendo tão jovens, era improvável que Catarina e Arthur tivessem dormido juntos e, portanto, a "Proibição do Levítico" não se aplicava ao caso. Além disso, outra passagem da Bíblia, desta vez no Deuteronômio, parecia contradizer o Levítico.
Wolsey foi enviado para uma audiência com o Papa em Roma, na qual devia pressionar por uma solução favorável para o caso de Henrique. O cardeal queria demonstrar que o casamento não deveria ter sido sancionado pelo predecessor de Clemente e que a questão poderia ser delegada a ele, em sua condição de legado papal. Ele revelou ao seu superior clerical que sua posição estava em risco se não obtivesse sucesso nesta questão delicada. Clemente permaneceu irredutível e, provavelmente mais para adiar uma decisão definitiva, concordou em enviar outro legado à Inglaterra, o Cardeal Lorenzo Campeggio, para investigar a "Grande Questão" mais profundamente. Campeggio tinha instruções de não se apressar em chegar ao seu destino e iniciar sua missão tentando reconciliar Henrique e Catarina. Isso não parecia muito promissor para o rei ou para Wolsey.
O tribunal que deveria ouvir o caso, incluindo os argumentos de Henrique e Catarina (que rejeitava divórcio) reuniu-se no verão de 1529, mas não houve veredito. Campeggio foi chamado de volta a Roma para debater mais o assunto com o Papa. Na realidade, havia pouco que Wolsey pudesse fazer para pressionar o Papa, que não precisava de apoio político ou financeiro da Inglaterra. Além disso, Clemente VII queria se manter nas boas graças do homem mais poderoso da Europa, o Imperador do Sacro Império Romano, Carlos V da Espanha (r. 1519-1556), que, significativamente, era sobrinho de Catarina. Henrique e Wolsey precisavam agir cuidadosamente, também, já que se um Papa excomungasse um monarca, em teoria, qualquer rival poderia desafiar seu direito ao trono, o que poderia levar a uma invasão da Inglaterra por um poder estrangeiro. No momento, os participantes deste complexo jogo de xadrez, no qual a rainha estava em disputa contínua, permaneciam num impasse. Como o cardeal não conseguia atender aos desejos do rei, ele terminaria pagando o preço final, pois o próximo movimento de Henrique seria sacrificar seu bispo para ganhar uma nova rainha.
Os Tribunais
A "Grande Questão" obscureceu as realizações de Thomas Wolsey como chanceler, mas é certo de se tratava de um administrador muito competente, que manifestava energia ilimitada em seu trabalho. Também era brilhante em adquirir títulos, propriedades e riqueza para si mesmo. Historiadores estimam que Wolsey amealhava cerca de 35.000 libras por ano em seu auge, seis vezes mais do que o mais rico dos nobres contemporâneos ingleses. Um de seus maiores sucessos foi a criação do Tribunal do Lorde Chanceler (Chancelaria), um tribunal independente das cortes judiciárias comuns e, portanto, livre das ineficientes e inflexíveis leis consuetudinárias que poucas pessoas compreendiam. O Tribunal era chefiada pelo chanceler, que encorajava o povo a encaminhar suas petições diretamente a ele caso se sentissem vítimas de um erro judicial. As decisões baseavam-se no senso comum e conceitos sobre a justiça natural e expedidas com maior rapidez do que nos tribunais comuns. É irônico, no entanto, que com o passar dos séculos a Chancelaria estabeleceu tantas convenções e regras próprias que ganhou a reputação de complexidade de morosidade - consumindo tanto acusadores quanto defensores, assim como suas riquezas, conforme é retratado de forma cômica em obras literárias tais como Bleak House (A Casa Soturna), de Charles Dickens (1852).
Outra inovação que Wolsey supervisionou foi o aumento expressivo do número de Juízes de Paz (funcionários locais nomeados pela Coroa para fazer valer as novas leis e administrar justiça). O cardeal insistia em que estes juízes de paz fossem convocados regularmente a Londres, onde suas ações eram examinadas por um comitê chefiado por ele próprio, sediado na Câmara Estrelada do Palácio de Westminster. Outro tribunal que comandava era o Tribunal das Petições, criado para dar aos membros mais pobres da sociedade o acesso à justiça real. Como se pode verificar, Wolsey lutava sem descanso contra a corrupção e a injustiça, ainda que não de forma muito eficiente, uma vez que seu sistema administrativo revolvia em torno de um único indivíduo - o que também não cativava seus colegas na corte. Como o historiador J. Morrill coloca:
…seu estilo centralizador e belicoso era acompanhado pela ostensiva defesa da justiça imparcial para os pobres, com a implicação de que estes teriam recebido escassa atenção dos ricos anteriormente. (42)
A despeito desta sede de justiça, Wolsey também usava estes tribunais em benefício próprio, conforme já demonstrado. Perseguindo quem o acusava, investigando os que os haviam enganado ou desafiado seu monopólio de poder, o Cardeal usou a lei para amealhar uma enorme fortuna, e este objetivo parece ter suplantado qualquer desejo por reformas judiciais reais e duradouras. As finanças mostraram-se uma área de difícil desenvolvimento, com vários direitos adquiridos de nobres poderosos bloqueando a elaboração de um sistema mais eficiente e que tornasse as despesas reais mais administráveis.
Política Externa
A diplomacia seria outra área de sucesso para Wolsey. O cardeal coordenou a incrível logística de transporte de exércitos através do Canal da Mancha, começando com a força expedicionária de 1513, que capturou Tournai para Henrique. A seguir, negociou um acordo de paz com a França para pôr um fim à dispendiosa mas, no final das contas, improdutiva guerra com aquele país. Um tratado foi assinado entre as duas nações em 6 de Agosto de 1514. Como uma das cláusulas do acordo, a irmã de Henrique, Maria (n. 1496) casou-se com Luís XII da França (1498-1515) em 1514. Em 1518, Henrique concordou com a manutenção do status quo na Europa e um acordo de defesa mútua, o Tratado de Londres, foi assinado com a França, Espanha e o Sacro Império Romano. Os Países Baixos e a Borgonha também constaram como signatários e, assim, as nações europeias, pelo menos nesta ocasião - e evidentemente apenas por um curto período - trabalharam em conjunto pelo bem comum.
Outro sucesso de Wolsey na política externa foi o Campo do Pano de Ouro, um show espetacular de pompa e fausto realizado nos arredores de Calais em Junho de 1520. Tratava-se de uma espécie de conferência internacional que incluía torneios de justa, caça e banquetes. O espetáculo trazia várias tendas luxuosas (daí seu nome) e visava a uma magnífica, ainda que vazia, demonstração da amizade entre a Inglaterra e a França, através de Henrique e do novo rei francês, Francisco I. 1515-1547). Como muitos eventos políticos internacionais, o Campo do Pano de Ouro mostrou-se impressionante na aparência, mas desapontador em seus resultados.
Também pode ser citado o Tratado de More (1525), que renovou as relações amigáveis entre Inglaterra e França. Apesar disso, porém, é correto dizer que nenhum tratado durou muito, uma vez que a Inglaterra desempenhava um papel inferior na sempre mutável balança do poder entre o Papado e os poderes mais ricos da França e do Sacro Império Romano. Henrique VIII pode ter desejado tornar-se rei da França, mas isso jamais iria acontecer, graças aos limitados recursos do seu reino. A maior realização de Wolsey, portanto, residia na sua flexibilidade para conseguir evitar o isolamento em relação à Europa e a consequente união das demais nações contra a Inglaterra.
Hampton Court
A esplêndida residência campestre do Cardeal Wolsey era o Palácio de Hampton Court, 19 quilômetros a sudoeste de Londres. O local possuía apenas um solar e pertencia aos Cavaleiros da Ordem de São João de Jerusalém quando Wolsey a tomou para si em 1514. Quando em Londres, o cardeal vivia no Palácio Whitehall. Ele entregou Hampton Court para o rei, numa malsucedida tentativa de recuperar seu prestígio após a "Grande Questão". Quando o rei visitou sua nova propriedade em 1529 ele ficou assombrado com sua opulência e talvez tenha percebido de uma vez por todas o tamanho da fortuna que Wolsey havia amealhado em seu período como Lorde Chanceler.
Henrique decidiu fazer o palácio ainda mais suntuoso, porém, principalmente pelo acréscimo de uma nova Great Hall, o Claustro Green Court, uma sala de boliche e quadras de tênis, além de reformar a capela e as cozinhas. O local o agradava tanto que ele decidiu viver ali com Ana Bolena quando do nascimento de Eduardo VI da Inglaterra (r. 1547-1553). Permaneceu como uma residência real importante até o reinado de Jorge II (r. 1760-1820).
A Subvenção Amigável
Ainda que a "Grande Questão" tenha sido o sinal para o fim da carreira de Wolsey, houve outro fracasso signo de nota durante seu período como Lorde Chanceler: a Subvenção Amigável de 1525. A subvenção foi uma taxa imposta aos súditos e à Igreja sem o consentimento do Parlamento (o órgão foi convocado apenas duas vezes durante o mandato do cardeal no cargo). O pagamento devido era baseada numa estimativa da riqueza dos súditos, elaborada por uma equipe de comissários de Wolsey que realizou uma extensa pesquisa, a 'proscrição geral' de 1522. A subvenção alterava os impostos fixos anteriores, com valores bem mais elevados, e, para piorar, muitos que nunca haviam pago impostos agora teriam de fazê-lo. Não foi surpresa a sua impopularidade, uma vez que estava longe de ser "amigável". Estes fatores, aliados à grande falta de moedas em circulação e o estado precário da economia - que havia motivado Wolsey a criar o imposto em primeiro lugar (assim como a necessidade de pagar por outra guerra na França), resultou numa enorme onda de descontentamento em relação ao rei e ao seu governo. Não demorou para que rebeliões fossem registradas, particularmente em Suffolk e mesmo em Londres. Mas, ao contrário de todas as outras rebeliões do período Tudor, esta foi bem-sucedida, pois os ministros aconselharam o rei a recuar, culpando publicamente Wolsey pelo fracasso. Este foi um dos primeiros passos do lento declínio do Lorde Chanceler. Quando a "Grande Questão" provou-se insolúvel após anos e anos de diplomacia sem resultados, Wolsey passou a caminhar rumo à perdição.
Queda e Morte
Em 1529, Wolsey foi dispensado do posto no Conselho Privado e do cargo de Lorde Chanceler. Sua estratégia permanente de monopolizar o poder e alienar facções da nobreza, bem como suas nunca esquecidas origens humildes, voltavam-se contra ele. Sem o favorecimento real para protegê-lo, havia uma longa lista de inimigos ansiosos para assistir a sua queda. As cartas suplicantes escritas por Wolsey não tiveram êxito em fazer com que Henrique mudasse de ideia. Mais tarde, o cardeal foi acusado de traição - Ana Bolena e outros cortesãos atuavam para que o rei se voltasse contra o antigo amigo, ainda que houvesse alguma justificativa para a acusação, uma vez que Wolsey havia feito contato com nações estrangeiras desde que havia caído em desgraça. No entanto, ele escapou de um julgamento público embaraçoso, com a previsível condenação à morte, quando morreu na Abadia de Leicester, no caminho para Londres, em 29 de Novembro de 1520. Quando as notícias sobre a morte do cardeal chegaram, Ana organizou um entretenimento palaciano chamado The Going to Hell of Cardinal Wolsey (A Ida ao Inferno do Cardeal Wolsey).
Seu sucessor no cargo de Lorde Chanceler, em 1529, foi Sir Thomas More (1478-1535), uma posição que iria manter até 1532, quando também caiu em desgraça junto ao rei, igualmente por causa da "Grande Questão". Henrique decidiu então utilizar os serviços do ex-secretário de Wolsey, Thomas Cromwell (c. 1485-1540) como Lorde Chanceler e, com o novo Arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer (no cargo entre 1533-1555), o trio iria tomar a decisão radical de separar a Igreja da Inglaterra de Roma, o que permitiu finalmente a Henrique anular seu próprio matrimônio, em 1533. As enormes consequências do fracasso de Wolsey e a falta de disposição para um acordo, tanto de Henrique quanto do Papa, conduziram finalmente à Reforma Inglesa.