Dissolução dos Monastérios

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Mark Cartwright
por , traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto
publicado em 13 maio 2020
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Gisborough Priory (by Mark Cartwright, CC BY-NC-SA)
Priorado Gisborough
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

A Dissolução dos Monastérios ou Mosteiros, foi uma política introduzida em 1536 por Henrique VIII da Inglaterra (rein. 1509 – 1547) cujo objetivo era fechar e confiscar as riquezas e terras de todos os monastérios na Inglaterra e Gales. O plano foi elaborado como um elemento lucrativo de sua Reforma da Igreja.

O fechamento destas instituições católicas, mesmo não sendo a primeira vez, não ficou sem oposição ou consequências, notavelmente vistas na rebelião Peregrinação de Graça de 1536, mas por volta de 1540 todos os monastérios já estavam fechados, muitos abades importantes foram enforcados e suas terras confiscadas para a Coroa. Consequentemente, somente ruinas de pedras iriam permanecer como testemunhas para a riqueza perdida e a grande reputação dos monastérios na sociedade medieval.

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Henrique VIII e a Reforma

Henrique deu início à sua Reforma da Igreja na Inglaterra e separou-se da Católica Romana principalmente porque ele queria se divorciar de sua primeira esposa, Catarina de Aragão, e casar-se com Ana Bolena (c.1505 – 1536). O rei desejava um herdeiro masculino e Catarina foi considerada inadequada para o que ele queria. O Papa não queria anular o primeiro casamento de Henrique e uma série de eventos orquestrados por seu chanceler, Thomas Cromwell (* c.1485 + 1540), levou ao rei declarar-se ele mesmo o chefe de sua igreja e, portanto, podia ele mesmo conceder seu próprio divórcio. Thomas Cranmer, o Arcebispo de Canterbury, formalmente anulou o primeiro casamento de Henrique em maio de 1533 e a filha com Catarina, Mary (* fevereiro de 1516), foi declarada ilegítima e, portanto, deserdada. Henrique foi excomungado pelo Papa por suas ações, porém isto foi só o começo. O rei passou a se considerar ele mesmo escolhido por Deus para prosseguir nas reformas religiosas na Inglaterra e dar seguimento à Reforma que varria a Europa na época.

Em 1530, ainda havia algo como 800 monastérios espalhados pela inglaterra e Gales, porém alguns já em decadência.

O Ato de Supremacia de 28 de novembro de 1534 formalmente fez do rei inglês o chefe da Igreja da Inglaterra. Henrique VIII tinha somente o próprio Deus como autoridade superior. Em 1536, o Rei realizou seu primeiro movimento prático no longo jogo da política e religião no que veio a ser conhecido como Reforma Inglesa: ele apresentou ao parlamento um projeto de lei para abolir todos os monastérios no seu reino, conhecido como Dissolução dos Monastérios. O projeto foi aprovado, o primeiro passo do que viria a ser a difícil e distante da tranquila estrada para fazer da Inglaterra um estado protestante. Talvez, mais que considerações religiosas, no entanto, Henrique encontrava-se realmente motivado a adquirir dinheiro após os cofres do Estado encontrarem-se em alarmante situação desde a guerra com a França de 1522-1523.

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A Monk Tasting Wine
Um Monge Provando Vinho
Unknown Artist (Public Domain)

O Papel dos Monastérios

Os monastérios fizeram parte integral das comunidades locais durante séculos. Eram tidos por muitos com admirável respeito como a casa de pessoas que dedicaram suas vidas a Cristo e que rezavam pelas almas tanto dos vivos, como dos mortos. Os monastérios distribuíam esmolas e realizavam outros trabalhos de caridade em benefício dos pobres, desempregados e viúvas; educavam crianças e jovens tanto de pobres, como de ricos; davam assistência médica; ofertavam trabalho, em suas propriedades, aos operários; eram valiosos compradores dos artesãos dos povoados em volta do monastério; ofereciam hospedagem aos peregrinos e viajantes e a trabalhadores sazonais e assistência espiritual. Os monastérios eram tanto depositários, como produtores, de trabalhos de arte e livros, protetores de santuários, relíquias sagradas e guardiões dos objetos milagrosos.

Em 1530, ainda existiam aproximadamente 800 monastérios espalhados pela Inglaterra e Gales, porém muitos já se encontravam em declínio. De fato, o então chanceler de Henrique, Cardeal Wolsey (* c.1473 +1530) já havia fechado 29 casas monásticas durante os primeiros anos da década de 1530. Ainda havia muitos monges, frades e freiras no país, bem mais do que havia na Idade Média e muitos monastérios, conventos e priorados se esforçavam para encontrar pessoal para cuidar deles adequadamente. As propriedades monásticas permaneciam impressionantes e possuíam aproximadamente 20% da terra cultivada no reino de Henrique. Seriamente, isto era alguma coisa muito tentadora.

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A Riqueza dos Monastérios

Os monastérios devolviam às suas comunidades somente uma pequeníssima fração de sua riqueza, tipicamente somente 5% de sua renda.

A primeira etapa do que era, obviamente, uma estratégia cuidadosamente preparada e premeditada, era avaliar exatamente qual riqueza estava disponível e onde. Portanto, Cromwell organizou uma equipe de assessores laicos para viajar pelo reino e anotar a situação financeira a respeito de cada um dos monastérios na Inglaterra e Gales. Os achados seriam listados no compreensivo catálogo de riquezas conhecido como Valor Ecclesiasticus de 1535. Em complemento a estes relatórios puramente fiscais, outro grupo de homens de Cromwell – a maioria clérigos pró-reformas – também compilou uma lista de transgressões e abusos envolvendo membros das instituições monásticas. Esta lista de delitos, que ia desde alguma coisa como uma insignificante corrupção até desprezo ao Juramento de Supremacia, tornou-se o Comperta Monastica (ou Compendium Compertorum), e seria um instrumento útil na repressão aos monastérios que poderiam surgir. A conclusão dos esforços de Cromwell foi que a Igreja conseguia uma renda anual de até 360.000 libras (mais de 150 milhões de libras atuais).

Henry, Cromwell e todos que estavam a favor do fechamento dos monastérios, eram céticos a respeito da contribuição positiva destes para com a comunidade, a relevância dos que viviam a vida monástica e, certamente, do valor religioso das relíquias e objetos que se acredita capazes de milagres e que atraía muitos peregrinos para vê-los. Nestas circunstâncias, a avaliação financeira e moral realizada por Cromwell foi feita para demonstrar que, apesar de uma vasta renda, a Igreja e os monastérios, especialmente estes últimos, devolviam às suas comunidades somente uma pequeníssima fração de sua riqueza (tipicamente somente 5% da renda de um monastério ia para os pobres). E o que era pior foram as confissões que Cromwell extraiu dos monges e freiras de que não estavam respeitando seus votos de castidade. Henrique VIII, pode assim apresentar-se ele mesmo como o líder da Igreja que estava colocando a casa em ordem, para o bem espiritual e financeiro de todos.

Model of Fountains Abbey
Modelo da Abadia Fountains
Barbara Ann Spengler (CC BY-NC)

Fechando Pequenos Monastérios

Os assessores de Cromwell viajando pelo reino não passaram desapercebido e os rumores começaram a se espalhar a respeito do que eles exatamente seriam capazes. Algumas multidões até foram reunidas para impedir o trabalho dos inspetores. A confirmação veio na forma do Ato para Dissolução dos Pequenos Monastérios de 1536. A justificativa para o fechamento dos priorados, pequenos monastérios e conventos foi o preâmbulo do ato: a moral de muitos monges e freiras e o uso dos recursos do monastério para a corrupção. O corpo do ato descrevia a pobre situação financeira destas instituições e seu declínio óbvio. O limite prático era de que qualquer instituição que tivesse menos de 200 libras de renda anual devia ser fechada. O resultado foi que 399 instituições fecharam, enquanto outras 67 que deviam fechar, pagaram uma pesada multa para manterem suas existências. Para suavizar toda a operação, monges sêniores, priores e abades receberam generosas pensões. Com a saída de seus líderes, todos aqueles que ainda residiam nas instituições fechadas deveriam se mudar para outra maior ou desistirem de suas vocações.

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Apoio

A política de Henrique encontrou aprovação de muitos, e não só dos zelosos protestantes. Muitos nobres ficaram igualmente contentes para agarrar um pedaço das terras e riquezas da Igreja, e o rei fazendo uso das propriedades monásticas em favor de seus apoiadores e conseguir novos. Adicionalmente, muitas pessoas comuns ficaram bastante felizes ao se verem livres dos gananciosos e corruptos sacerdotes e monges que haviam arruinado seus povoados. Também é verdade que muitos súditos de Henrique ficaram inteiramente indiferentes à Reforma como um todo e não se importaram pela maneira como eles veneravam a Deus. A maioria pareceu ter ficado contente o suficiente para seguir as determinações das autoridades religiosas e políticas. No entanto, existia uma significativa proporção da população que estava horrorizada a respeito do fechamento de uma comunidade de instituições tão familiares como os monastérios, bastiões da igreja medieval.

Oposição e Rebelião

A mais dramática resposta ao fechamento dos monastérios por Henrique, foi a série de rebeliões conhecidas como Peregrinação de Graça. Em outubro de 1536, nobres, pequena nobreza, monges, clero e plebe, todos combinaram em demonstrar seu protesto com relação ao fechamento. Começando em Lincolnshire e, novamente eclodindo em York e alhures no norte da Inglaterra, uns 40.000 manifestantes colocaram-se em marcha, tomando o controle de York e do Castelo Pontefract. A rebelião foi a maior ameaça doméstica ao Período Tudor (1485-1603). Os manifestantes tinham muitas queixas, embora a maioria fosse relacionada aos assuntos religiosos. Havia um sentimento geral de que os interesses do norte da Inglaterra não estavam bem representados no governo de Henrique, visto como sendo corrompido por ministros de segunda classe não capacitados para o cargo, que os nobres do sul estavam simplesmente se apoderando das riquezas dos monastérios para benefício pessoal e um número muito grande de novos impostos se encontrava a caminho. Havia ocorrido duas fracas colheitas em seguida, os preços se encontravam em elevação e o isolamento de áreas de terra tirava as oportunidades de caça e pesca do homem comum.

Ruins of Whitby Abbey
Ruínas da Abadia Whitby
Afshin Darian (CC BY)

Não coincidentemente, havia muitos monastérios em Lincolnshire e em Yorkshire, e as primeiras ações dos manifestantes foram para reabrir alguns dos pequenos monastérios. Finalmente, havia a percepção de que, uma vez fechados os monastérios, qual seria o próximo alvo de Henrique?

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A peregrinação de Graça, liderada por figuras como Robert Aske (* c. 1500 + 1537) jurista de York e o nobre Lord Darcy (*1467 +1537), era um movimento organizado e popular envolvendo todos os níveis sociais. Os manifestantes pediam para o retorno das relações amistosas com o Papado, a restauração da Princesa Mary como uma legítima herdeira e dispensar os arquitetos da Reforma, como o Arcebispo Cranmer. Tudo isto era uma perigosa serpente para um monarca ter em suas costas e Henrique estava determinado a cortar sua cabeça antes que crescesse em proporções mais monstruosas. O rei enviou um exército de 8.000 homens comandados pelo Duque de Norfolk para persuadir os manifestantes a se desmobilizarem. Ao que parece, isto foi facílimo de conseguir, após prometer reformas e perdão completo aos integrantes do protesto. Em 10 de dezembro os peregrinos haviam se “evaporado”. Henrique poderia ter deixado tudo como estava, mas uma terceira rebelião eclodiu, não relacionada às duas primeiras, mas também em Yorkshire, em janeiro de 1537. O rei teve então a oportunidade para reunir os líderes da Peregrinação de Graça e executar aproximadamente 200 deles, incluindo Aske e Darcy. Entre as vítimas encontravam-se os abades de Whalley, Kirkstead e Jervaux e o ex-abade da Abadia Fountain's.

Fechando Grandes Monastérios

Henrique, agora mais cauteloso, ainda se encontrava determinado a avançar com suas reformas religiosas, deu continuação com sua Dissolução dos Monastérios. Ele correu atrás daqueles em que sentia uma oposição mais forte às suas políticas, como o abade e os monges de Sawley, os quais foram presos e enforcados. A seguir veio o Ato de Parlamento de 1539, o que levou ao fechamento de todos os monastérios remanescentes, independente do seu tamanho ou renda. Muitas instituições concordaram – não havia nada que pudessem fazer do ponto de vista legal e os abades tinham de obedecer ao chefe da Igreja e muitos já haviam se preparado distribuindo seus preciosos objetos para lugares seguros. Aqueles que resistiram foram executados. Os abades de Glastonbury, Colchester, Reading e Woburn todos resistiram e todos foram enforcados. O último monastério a ser fechado foi a Abadia de Waltham, em Essex, em março de 1540.

Cloister of Lacock Abbey, England
Claustro da Abadia Lacock, Inglaterra
Dillif (CC BY-SA)

Consequências da Dissolução

Henrique VIII de fato aumentou os cofres do estado com a colossal quantia de 1,3 milhões de libras (mais de 500 milhões atualmente), obtidos com a Dissolução dos Monastérios, embora muitas terras fossem vendidas a preços baixos aos nobres e o caixa amplamente gasto em guerras externas ou nos projetos de muitas construções reais de Henrique. Por volta de 7.000 monges, frades, freiras e outros residentes em monastérios foram obrigados a encontrar residência e trabalho alternativo, enquanto o golpe no moral dentro da Igreja foi incomensurável – tangível na grande redução na procura da carreira eclesiástica. Sem a presença dos abades, a House of Lords (Parlamento da Inglaterra) ficou dominada pelos laicos. Tesouros foram derretidos, chumbo arrancado dos telhados e bibliotecas saqueadas. O antigo mundo medieval perdeu muito de sua arte e artefatos sobreviventes, com grande pesar da posteridade.

Sem dúvida, comunidades perderam o trabalho caritativo, emprego e auxílio espiritual do seu monastério local. Alguns historiadores sugeriram que a perda de esmolas parra o pobre levou a um salto na vadiagem, consequentemente conduzindo a uma elevação na criminalidade e instabilidade social. Enquanto os grandes edifícios poderiam ter caído em ruínas, como Glastonbury, Abadia Fountains e Abadia Whitby, alguns ricos proprietários de terras foram, pelo menos, beneficiados para construírem de mansões de um tipo ou de outro. Diversas das grandes igrejas dos monastérios foram convertidas em catedrais, como Bristol, Chester, Gloucester e Westminster. Igrejas pequenas, como em Bath e Tewkesbury, foram ocasionalmente adquiridas por suas comunidades coletivamente para assumirem o papel de Igreja Paroquial. Deste modo, o legado dos monastérios sobreviveu, pois muitos foram, literalmente, absorvidos pelo crescimento constante dos vilarejos e cidades.

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Sobre o tradutor

Jose Monteiro Queiroz-Neto
Monteiro é um pediatra aposentado interessado na história do Império Romano e da Idade Média. Tem como objetivo ampliar o conhecimento dos artigos da WH para o público de língua portuguesa. Atualmente reside em Santos, Brasil.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2020, maio 13). Dissolução dos Monastérios [Dissolution of the Monasteries]. (J. M. Queiroz-Neto, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18875/dissolucao-dos-monasterios/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Dissolução dos Monastérios." Traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto. World History Encyclopedia. Última modificação maio 13, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18875/dissolucao-dos-monasterios/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Dissolução dos Monastérios." Traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 13 mai 2020. Web. 22 nov 2024.