Sir Thomas More (1478-1535) foi um advogado, erudito, estadista e Lorde Chanceler de Henrique VIII da Inglaterra (r. 1509-1547) que acabou executado em Julho de 1535 pela recusa em endossar a separação da Igreja da Inglaterra da Igreja Católica de Roma. Os elevados princípios de More também o colocaram em desacordo quanto ao divórcio entre o rei e sua primeira esposa, Catarina de Aragão (1485-1536) e, especialmente, a autopromoção de Henrique como líder máximo da Igreja da Inglaterra, ao invés do Papa. Mesmo antes de sua carreira política era conhecido como escritor e erudito. Sua obra mais famosa atualmente é Utopia, que traz uma descrição filosófica de uma sociedade ideal situada numa ilha. Thomas More foi santificado em 1935 pela Igreja Católica.
Carreira Inicial e Escritos
Thomas More nasceu em Londres (1478), filho do advogado Sir John More. O jovem Thomas foi educado na escola Santo Antônio e durante a adolescência trabalhou como pajem na casa do Arcebispo John Morton. Formou-se na Universidade de Oxford em 1496 e veio estudar Direito na Lincoln's Inn. More passou quatro anos num monastério Cartuxo, mas decidiu não se juntar ao clero.
Em 1504, iniciou sua carreira política, à qual deveria dedicar 30 anos, ao entrar no Parlamento. No ano seguinte encontrou-se com o famoso erudito Desiderius Erasmus (Erasmo), cuja filosofia humanista iria influenciar suas obras dali por diante. More tornou-se xerife adjunto de Londres em 1510. No ano seguinte passou por uma tragédia: a morte da esposa no parto. Sua carreira continuou a passos largos, no entanto, com a nomeação para o cargo de Mestre das Petições em 1514 e a participação numa delegação real de comércio que viajou a Flanders em 1515.
Utopia
Foram as obras de More que lhe deram fama neste ponto de sua carreira. De fato, ele alcançou proeminência como um erudito cuja reputação era conhecida por toda a Europa. Suas obras incluem Dialogue Concerning Heresies (Diálogo Referente às Heresias), Responsio ad Lutherum, Supplication for Souls (Resposta a Lutero, Súplica para as Almas), e uma inacabada mas influente (ainda que parcial) History of King Richard III (A História do Rei Ricardo III). O livro mais famoso, tanto na época como atualmente, é Utopia, publicado em 1516 d.C., que descreve um estado ideal, localizado numa ilha imaginária além do Equador e sem contato com a Europa por 1.200 anos. Porém, não se trata de um exame puramente filosófico sobre a organização de um estado político, uma vez que o protagonista, Raphael Hythloday, copia os truques dos monarcas europeus, fraudando as finanças e taxando o povo para custear guerras que nunca se materializam, uma crítica dirigida tanto a Henrique VII da Inglaterra (r. 1485-1509) quanto a Henrique VIII. Antes de ser um debate sobre o que compõe uma sociedade perfeita, então, a obra foi realmente concebida como uma devastadora crítica sobre como a Inglaterra dos Tudor estava distante de tal ideal. No epílogo do livro, Hythloday e seu interlocutor, Morus (o próprio More) concordam que Utopia (palavra que significa "nenhum lugar") dificilmente poderia existir em outro local que não fosse a própria ilha.
É irônico constatar que a parte de Utopia que apresenta um ideal impossível, ou seja, uma sociedade perfeitamente feliz e justa, seja seu legado mais duradouro. As ideias radicais da obra, como a abolição da propriedade privada e do dinheiro, assim como da vida privada - fazendo com que o povo se concentrasse no bem comum -, além da reunião de todos os recursos da comunidade para uso comum (seguindo o exemplo dos primeiros cristãos), inspirou muitos filósofos e sistemas políticos posteriores. Isso a despeito do fato de que More criou a ilha de Utopia para funcionar apenas como um espelho satírico, no qual a sociedade contemporânea da época pudesse ser julgada mais claramente e, assim, seus líderes pudessem considerar algumas reformas.
Lorde Chanceler
Henrique VIII, que demonstrava interesse em literatura e estudos eclesiásticos, fez amizade com More e o convidou para a corte. Ele o fez um diplomata e um conselheiro pessoal, convidando-o também para fazer parte do Conselho do Rei em 1518. More recebeu o título de Sir em 1521 e o rei o nomeou Tesoureiro do Erário. Dois anos depois, foi eleito Presidente da Câmara dos Comuns, e em seu mandato se estabeleceu pela primeira vez o privilégio dos membros de discursar livremente no Parlamento, sem receio de represálias, fossem legais ou de outra natureza. Henrique e Thomas até mesmo trabalharam juntos na rejeição a Lutero e ao Protestantismo na obra Defence of the Seven Sacraments (Defesa dos Sete Sacramentos). Em 1525, More tornou-se Chanceler do Ducado de Lancaster.
Como um homem de princípios rígidos, More viu sua carreira política estacionar quando se tornou necessário envolver-se nos negócios duvidosos da política da corte. Ainda assim, o rei deve ter apreciado sua honestidade, uma vez que o nomeou Lorde Chanceler em 1529. Neste cargo, o mais poderoso do reino, ele sucedeu ao Cardeal Thomas Wolsey, Arcebispo de York (c. 1473-1530). Wolsey havia caído em desgraça devido à falta de progresso na "grande questão" do rei - sua tentativa de se divorciar da primeira esposa, Catarina de Aragão, para que pudesse desposar Ana Bolena (c. 1501-1536). O cardeal seria julgado por traição, mas morreu de causas naturais em 1530, antes que seu caso fosse levado ao tribunal. Assim, Thomas More tornou-se chanceler, cargo que ocuparia até 1532, o momento culminante de sua carreira política. Das estonteantes alturas do serviço público, porém, sofreria uma queda dramática.
Henrique VIII e a Igreja
Henrique queria um herdeiro masculino, o que Catarina foi incapaz de lhe dar, apesar de seis tentativas. Ele tinha se cansado dela e estava encantado com uma mulher mais jovem e mais atraente, uma dama de companhia da corte chamada Ana Bolena. A Igreja Católica não permitia o divórcio, mas Henrique acreditava ser capaz de obter a anulação do casamento, com a justificativa de que o matrimônio não deveria ter ocorrido em primeiro lugar. O principal argumento era o de que Catarina havia sido esposa de seu falecido irmão, o Príncipe Arthur (n. 1486), que morrera um ano após ter se casado, em 1502. Com isso, o rei Henrique VII da Inglaterra (r. 1485-1509) arranjou o casamento de Catarina com seu filho mais novo, Henrique, o que ocorreu em 1509.
A partir de 1526, as atenções de Henrique VIII voltaram-se para Ana, mas ela se recusou a dormir com ele até que estivessem casados. Em consequência, Henrique escreveu uma carta ao Papa Clemente VII (r. 1523-1534) em 1527, sugerindo que a falta de um herdeiro masculino seria uma punição divina por ter se casado com a esposa de seu falecido irmão, um argumento apoiado pelo Velho Testamento, no Livro de Levítico 20:21 (também conhecida como a "Proibição do Levítico"). Infelizmente para o rei, Clemente não concordou e, uma vez que não precisava do apoio político ou financeiro da Inglaterra, persuadi-lo revelou-se algo impossível. De forma significativa, o Papa também estava ansioso em manter-se nas boas graças do mais poderoso governante da Europa na época, o Imperador do Sacro Império Romano, Carlos V da Espanha 1519-1556), sobrinho de Catarina de Aragão. Além disso, era improvável que Catarina e Arthur, sendo tão jovens à época de seu casamento, tivessem sequer dormido juntos, inviabilizando a aplicação da "Proibição do Levítico". Por fim, outra passagem da Bíblia, agora no Deuteronômio (25:5), parecia contradizer o Levítico. Para resumir, a argumentação de Henrique era falha e ineficaz. A única solução parecia separar a Igreja de Roma, uma solução que Thomas More rejeitava.
De forma crucial, já que More era favorável à manutenção do status quo no que se referia à tradicional Igreja medieval, a "grande questão" do rei não fez progressos durante seu período como chanceler. Sua estratégia principal parecia ser a de manter o assunto adormecido pelo maior tempo possível, não se pronunciando contra ou a favor da anulação ou as consequências para a Igreja na Inglaterra. More concentrou seus esforços em reduzir as despesas extravagantes do rei e perseguir reformistas protestantes (que defendiam a defesa da Bíblia como principal autoridade, sobrepujando a autoridade da Igreja) enquanto, nos bastidores, trabalhava para frustrar as tentativas do rei de resolver sua vida privada.
O chanceler não era favorável aos planos reais de anular o primeiro matrimônio e era particularmente contra a intenção de Henrique de se tornar chefe da Igreja, com autoridade acima do Papa. Por fim, More terminou por renunciar ao cargo. Ele estava indignado com os ataques do rei à Igreja e ao enfraquecimento da independência da instituição em relação à monarquia, governo e leigos em geral. Retirou-se então para a vida privada, onde poderia evitar "estudar ou se envolver com qualquer questões deste mundo" (Brigden, 119). O ex-chanceler esperava que seu silêncio quanto ao problema como um todo iria protegê-lo da ira do rei, mas sua atitude repercutia pela Europa. More foi sucedido por Thomas Cromwell (c. 1485-1540) que iria apoiar integralmente Henrique em seus objetivos. Ao deixar o cargo, More aconselhou o sucessor da seguinte forma, conforme registrado na obra The Life of Sir Thomas More (A Vida de Sir Thomas More), de autoria de seu genro William Roper:
Mestre Cromwell, você está a partir de agora a serviço do mais nobre, sábio e generoso príncipe. Se você seguir meu pobre conselho, irá aconselhá-lo a fazer o que deveria, mas não o que seria capaz. Desta forma, você vai se mostrar um servo leal e fiel e um conselheiro justo. Pois se um leão soubesse sua própria força, seria difícil para qualquer um controlá-lo. (Turvey, 114)
Julgamento e Prisão
A partir de 1531, Henrique e Ana passaram a viver juntos, enquanto Catarina foi levada para o interior e mantida sob confinamento domiciliar. Por volta de Dezembro de 1532, Ana, talvez percebendo que um bebê seria a melhor única maneira de se ver livre da rival, finalmente dormiu com o rei e engravidou. O novo Arcebispo de Canterbury (Cantuária), Thomas Cranmer, tão ansioso quanto o rei em separar a Igreja da Inglaterra de Roma, anulou formalmente o primeiro matrimônio de Henrique, em 23 de Maio de 1532. O Parlamento aprovou a seguir o Ato de Sucessão (30 de Abril de 1524), que declarava Maria, filha de Catarina, como ilegítima. A fim de substituir o Papa como chefe da Igreja Católica na Inglaterra, Henrique passou a ocupar o posto de chefe da Igreja da Inglaterra. A decisão foi oficializada pelo Ato de Supremacia de 28 de Novembro de 1534, e significava que o rei, e todos os seus sucessores subsequentes, tinham somente uma autoridade mais elevada: o próprio Deus.
Uma boa quantidade de súditos apoiava a reforma da Igreja e a continuidade do movimento de reforma protestante que se espalhava pela Europa. Muitos consideravam a Igreja rica demais e repleta de padres que abusavam de sua posição. Thomas More não era uma destas pessoas, porém. Infelizmente, o rei não estava disposto a deixar o assunto de lado, mesmo quando alcançou seu objetivo e se casou com Ana Bolena em 1533; afinal, More havia recusado o convite pessoal do rei para comparecer à coroação da nova rainha. Henrique sabia perfeitamente bem que seu ex-chanceler permanecia uma figura influente não apenas na Inglaterra, mas também na Europa. A falta de apoio, mesmo que não houvesse uma oposição tangível, iria prejudicar a reputação do rei dentro e fora do país. Portanto, ele insistiu que More jurasse apoiar tanto o Ato de Sucessão quanto o Juramento de Supremacia. Quando se recusou, More foi levado para a Torre de Londres para minar sua resistência. Após um ano de prisão, teve então uma audiência com Cromwell, a quem dirigiu uma robusta e eloquente defesa de sua posição, como podemos ver a seguir:
Sou um leal e fiel súdito do rei... E oro diariamente por Sua Alteza e todo o reino. Não faço mal a ninguém. Nenhum mal. Não penso em fazer o mal, mas desejo a todos o bem. E se isso não é suficiente para manter um homem vivo, de boa fé não devo viver por mais tempo. E já estou morrendo. Desde que cheguei aqui houve várias ocasiões em que pensei que morreria dentro de uma hora, agradeci ao nosso Senhor e nunca me senti triste, o que só aconteceu quando a sensação passou. Portanto, meu pobre corpo está à disposição do rei. Que minha morte possa lhe fazer algum bem. (Jones, 171)
More retornou então para sua agora familiar prisão na Torre e despojado de seus livros e materiais de escrita. Sem possibilidade de cooperação à vista, foi julgado por traição em Westminster Hall. Foi difícil, no entanto, chegar a um veredito de culpado, uma vez que o acusado insistia em permanecer em silêncio quanto à acusação de apoiar ou não o Ato de Supremacia. O crime de traição, na lei inglesa, precisava ser demonstrado por uma negativa, não pelo silêncio. Ainda assim, Thomas Cromwell conseguiu, graças ao perjúrio de um de seus agentes, Sir Richard Rich, o Procurador-Geral. Rich fez a altamente improvável afirmação de que, em conversa com More em sua cela na Torre, este havia quebrado o silêncio e manifestado sua desaprovação ao Ato e ao Juramento de Henrique. More foi então julgado culpado e sentenciado à morte.
Sua execução aconteceu no dia 6 de Julho de 1535. As últimas palavras para os presentes foram "Morro como um bom súdito do rei, mas de Deus em primeiro lugar" (Turvey, 113). As últimas palavras ao carrasco e para si mesmo aconteceram enquanto dispunha sua longa barba fora do alcance da lâmina no bloco de decapitação, dizendo que ela certamente não tinha cometido traição alguma e não merecia ser cortada. Sir Thomas More foi santificado em 1935 pela sua defesa da Igreja Católica.