Lady Jane Grey foi declarada Rainha da Inglaterra por breves nove dias, em Julho de 1553, após a morte do seu primo, Eduardo VI da Inglaterra (r. 1547-1553). Aos 16 anos e nunca oficialmente coroada, Lady Jane participou, a princípio sem conhecimento e, em seguida, como uma peã relutante, de um golpe político orquestrado por John Dudley, Conde de Northumberland (v. 1504-1553), o regente efetivo no reino de Eduardo VI. Nem Dudley nem Eduardo desejavam ver a meia-irmã do rei, Maria, tornar-se rainha, já que era uma católica fanática que reverteria os avanços da Reforma Inglesa e, provavelmente, executaria o conde. No final das contas, tanto a nobreza quanto os súditos preferiram a filha de Henrique VIII da Inglaterra (r. 1509-1547) como sua monarca; a preocupação por legitimidade triunfou sobre as questões religiosas. Maria I da Inglaterra (r. 1553-1558) aprisionou Lady Jane Grey na Torre de Londres, onde ela foi executada em Fevereiro de 1554.
Relações Familiares
Lady Jane Grey nasceu em Outubro de 1537, filha de Henry Grey, o Duque de Suffolk (1517-1554). Ela tinha uma conexão real distante devido à condição de bisneta de Henrique VII da Inglaterra (r. 1485-1509) através de sua mãe, Frances, que por sua vez era filha de Maria Tudor, Rainha da França (1496-1533), irmã de Henrique VIII. Além disso, na relação mais significativa de todas, Lady Jane também era nora de John Dudley, o mais poderoso homem do reino, após o casamento com o filho do conde, Lorde Guildford. Para ampliar ainda mais sua esfera de poder, Dudley arranjou o casamento das duas irmãs menores de Jane, Catherine e Mary, com dois de seus apoiadores.
Jane era bela, sensível e, sob a tutela do famoso estudioso e teórico educacional Roger Ascham (v. 1515-1568), tivera uma educação esmerada. Ela caiu sob a proteção de Thomas Seymour (m. 1549), marido de Catarina Parr (c. 1512-1548), ex-esposa de Henrique VIII. Thomas era irmão de Edward Seymour (c. 1500-1552), Lorde Protetor e regente de Eduardo VI. Além disso, Jane cresceu como uma protestante devota e, portanto, a combinação de suas conexões familiares e convicções religiosas selou seu estranho destino de se tornar, ainda que fugazmente, a Rainha da Inglaterra.
O historiador Nigel Jones faz a seguinte descrição física de Jane:
Ela era uma pequena criatura que disfarçava sua baixa estatura usando "muletas" (saltos altos de cortiça) por baixo do vestido... Uma bela menina, com cabelos castanhos, olhos cor de avelã, sobrancelhas escuras, sardas, lábios vermelhos e dentes cintilantes, Jane era tudo menos tola... Uma verdadeira Tudor. (229)
Dudley, Conde de Northumberland
John Dudley, o Conde de Warwick, havia assumido o cargo do tio por parte de mãe do rei Eduardo VI, Edward Seymour, o Lorde Protetor, em Outubro de 1549. O novo regente beneficiou-se da falta de ação decisiva por parte de Seymour diante das várias rebeliões, especialmente a Rebelião Kett, em Norfolk, que estourou em 1549. Em contraste, Dudley liderou um exército que massacrou os rebeldes de Norfolk em Dussindale, no dia 26 de Agosto, e, assim, promoveu a si mesmo como sucessor de Seymour. Dudley tornou-se o mais poderoso homem da Inglaterra e regente de Eduardo VI em tudo, menos no nome. A partir de 1551, Dudley nomeou-se Conde de Northumberland, removeu os rivais dos cargos públicos e até o desacreditado Edward Seymour foi executado em 22 de Janeiro de 1552.
A todo vapor, o conde deu prosseguimento à Reforma iniciada pelo pai de Eduardo, Henrique VIII, talvez mais motivado pela ganância pelas riquezas da Igreja do que por verdadeiras convicções religiosas. O radical Livro de Orações Comuns foi instituído em 1552 e houve novas restrições a práticas "papistas" através da recomendação do uso de vestimentas mais simples pelos clérigos e a abolição da missa pelas almas dos mortos. O rei e Dudley trabalhavam estreitamente unidos e, à noite, o conde orientava Eduardo secretamente sobre como tornar mais sagazes os discursos que faria perante o Conselho do Rei no dia seguinte. Mas então o desastre aconteceu. Eduardo contraiu tanto sarampo quanto varíola no verão de 1552. No ano seguinte, após um inverno particularmente rigoroso, apresentou sintomas de tuberculose e seus dias estavam contados.
Henrique VIII tinha estipulado que, no caso do filho falecer sem herdeiros diretos, a meia-irmã mais velha, Maria (n. Fev. 1516) deveria assumir o trono. Porém, Maria era uma católica fanática e sua ascensão ao poder poderia significar a reversão da Reforma e, ainda mais seriamente para Dudley, ela provavelmente adotaria represálias contra seus defensores mais proeminentes.
A Rainha dos Nove Dias
Para salvar a si mesmo, em primeiro lugar, e a Reforma também, o conde persuadiu Eduardo, ele próprio um ardente reformista, a nomear sua prima Lady Jane Grey em vez de Maria. Este documento, frequentemente chamado de “legação da sucessão”, especificamente deserdava tanto Maria quanto sua meia-irmã mais nova, Elizabeth (n. Set. 1533) e, indo mais além, declarava que ambas eram bastardas. A “legação” contradizia a lei e não foi aprovada pelo Parlamento, ainda que alguns bispos protestantes estivessem mais do que felizes em adotá-la. Northumberland tinha o apoio de nobres tais como os condes de Oxford, Warwick e Huntingdon; o Marquês de Northampton; os lordes Clinton e Grey; e outros que acabaram convencidos, aparentemente, como demonstrariam os acontecimentos, contra suas próprias consciências. Finalmente, Lady Jane ficou mais surpresa do que os demais ao ser informada que iria ser a rainha - isso ocorreu somente após a morte do rei -, e protestou desde o início que ela não seria a escolha correta.
Eduardo morreu de tuberculose pulmonar em 6 de Julho de 1553, no Palácio Greenwich, com apenas 15 anos. Dudley manteve a morte em segredo por alguns dias, enquanto se movimentava para instalar Lady Jane Grey, aos 16 anos, como rainha. O conselho do rei e o Parlamento aceitaram a nomeação de Eduardo e Jane foi declarada rainha em 10 de Julho. Dudley tentou persuadir Jane a nomear seu marido como rei, mas ela recusou, concordando apenas em conceder-lhe o título de Duque.
Infelizmente para os planos cuidadosamente elaborados do conde, Maria Tudor não estava disposta a deixar a oportunidade escapar e podia convocar muitos apoiadores de imediato. Dudley (ou Eduardo) haviam cometido o erro fatal de não aprisionar Maria, que fugiu para a segurança de suas propriedades em Norfolk. Vários nobres e seus exércitos rapidamente se reuniram para apoiá-la em sua fortaleza no Castelo Framlingham. Em 19 de Julho, Maria declarou-se rainha. Em seguida, uma força considerável, de 30.000 homens, marchou em seu nome para Londres - tanto a nobreza quanto os plebeus na capital, assim como em muitos lugares, queriam honrar os desejos de Henrique VIII. A escolha entre uma dama com relações reais distantes e uma filha de Henrique VIII era fácil de se fazer, independente das convicções religiosas do público. Além disso, aceitar a "legação" de Eduardo significaria colocar o monarca acima do Parlamento e da lei, uma ação perigosa que poderia gerar sérios problemas no futuro. Dudley foi devidamente abandonado pelo conselho e preso em Cambridge no dia 21 de Julho, quando se dirigia para o norte na tentativa de capturar Maria. O exército do conde, com 2.000 homens, desapareceu como fumaça ao vento; uma tardia declaração de apoio a Maria não foi suficiente para salvar seu pescoço.
A rainha foi saudada por multidões entusiásticas em Londres no dia 3 de Agosto de 1553. Lady Jane Grey, que havia relutado em participar de todo o plano e que disse a Maria estar perfeitamente feliz em retornar à sua vida normal, foi confinada na Torre de Londres junto com seu marido. A coroação da nova rainha, que se tornou Maria I da Inglaterra, ocorreu na Abadia de Westminster em 1° de Outubro de 1553.
Prisão e Execução
Uma das mais famosas detidas na Torre de Londres, Lady Jane Grey viu o palácio real rapidamente transformar-se numa prisão. Mantida no Alojamento dos Tenentes, Jane reclamava dos Reformistas sem convicção que haviam se voltado em favor de Maria e sua legitimidade real. Mesmo seu próprio capelão havia virado a casaca. Jane observou em seu diário que, antes de seu confinamento, ele era um “entusiástico membro de Cristo” e, após sua queda, havia se tornando “o anão deformado do Demônio” (Bridgen, 206). Ela também escreveu uma longa carta à rainha, explicando sua versão dos recentes eventos e afirmando que aceitava a culpa por pretender tomar seu trono, mas que jamais quisera qualquer mal para Maria. Como ela resumiu, "Ninguém pode dizer que o tenha buscado por conta própria ou que estivesse satisfeita com isso" (Jones, 235). Até mesmo o cativo Dudley exonerou Jane como uma participante ativa em todo aquele desastre. A rainha Maria considerou a liberação de sua prima, como já havia feito com muitos outros prisioneiros da Torre, mas foi alertada de que Jane poderia se tornar o foco de rebeliões.
Dudley foi executado em 22 de Agosto de 1553. Maria, sem compreender que sua popularidade residia em sua dinastia e legitimidade, e não em suas convicções políticas e religiosas, estava determinada a fazer a Inglaterra retornar ao catolicismo. Em Outubro de 1553, quando a rainha anunciou seu noivado com Filipe (n. 1527), filho do rei Carlos V da Espanha (r. 1516-1556), o inimigo católico número um da Inglaterra, a rebelião pairou no ar. Havia rumores do planejamento de uma invasão espanhola à Inglaterra. A situação volátil selou o destino de Lady Jane, pois Maria não podia se dar ao luxo de vê-la se tornar a figura de proa de conspirações para destroná-la. Lady Jane foi julgada na London Guildhall [sede da Prefeitura] em 13 de Novembro de 1553. A sentença automática para mulheres condenadas por traição seria a morte na fogueira. A rainha assinou a autorização para a morte de Jane, um documento que ainda existe, mas comutou a pena para a decapitação. O acerto da decisão de Maria ficou demonstrado quando um exército rebelde, liderado por Sir Thomas Wyatt, marchou para Londres em Janeiro de 1554 e o pai de Jane, o Duque de Suffolk, tentou mas falhou em deflagrar uma insurreição em Leicestershire na mesma ocasião.
Lady Jane permaneceria seis meses na Torre e seu confinamento seria bem documentado por um de seus visitantes frequentes, Rowland Lee, um funcionário da Casa da Moeda, cuja sede situava-se na fortaleza. Ao contrário de sua reputação sinistra, a Torre de Londres era usada como prisão somente nos casos de detenção de personalidades políticas ou religiosas causadoras de problemas. Não havia celas e os detidos ficaram confinados em certos apartamentos. Jane tinha direito a quatro servidoras regulares, incluindo uma enfermeira. A ex-rainha até recebeu salário durante sua prisão: polpudos 90 shillings semanais para si própria e outros 20 shillings para o pagamento de seus servidores (um negociante habilidoso da época poderia ganhar um shilling por dia). Tinha acesso a livros e poderia passear pelos jardins da Torre. Embora separada do marido, Jane talvez tenha se comunicado secretamente com ele por carta. Sabemos que o fez com outros prisioneiros, escondendo as missivas num livro de orações.
Após a Rainha Maria ter enviado seu capelão para indagar se Jane renunciaria ao protestantismo e receber um "não" definitivo, a sinistra sentença finalmente passou a valer. A condenada recusou a oferta para ver seu marido uma última vez, afirmando que “eles se encontrariam brevemente em outro lugar” (Jones, 242). Em 12 de Fevereiro de 1554, Guildford Dudley e, logo em seguida, Lady Jane Grey foram executados por decapitação. A execução ocorreu dentro dos muros da Torre de Londres, ao invés da habitual Tower Hill, já que Jane tinha sangue real e não poderia haver efusões de simpatia pública por ela. Jane calmamente amarrou a tradicional venda em si mesma e então, após alguma dificuldade em encontrar o bloco onde deveria encostar sua cabeça, disse suas últimas palavras: "Senhor, em tuas mãos entrego meu espírito" (Jones, 244). A Rainha Maria governou até 1558, reinstalando a Igreja Católica na Inglaterra, mas seus planos foram por sua vez revertidos, desta vez de forma permanente, por sua própria sucessora, a meia-irmã Elizabeth I da Inglaterra (r. 1558-1603).