Rebelião Wyatt

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Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 08 maio 2020
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Sir Thomas Wyatt the Younger (by Hans Holbein the Younger, Public Domain)
Sir Thomas Wyatt o Jovem
Hans Holbein the Younger (Public Domain)

A Rebelião Wyatt de Janeiro-Fevereiro de 1554 foi uma insurreição liderada por Sir Thomas Wyatt, o Jovem, que reuniu vários milhares de rebeldes da região de Kent numa marcha para Londres, com o objetivo primário de evitar que a rainha Maria I da Inglaterra (r. 1553-1558) se casasse com o Príncipe espanhol Felipe ( 1527-1598). Havia um objetivo secundário - jamais declarado abertamente - de substituir Maria por sua meia-irmã mais jovem, Elizabeth Tudor (n. Set. 1533). Outros motivos dos rebeldes podem ser citados, tais como a queda no nível de vida no país, causada pela inflação; escassez de alimentos; o declínio no comércio (especialmente de tecidos) e várias ondas de epidemias mortais. A rebelião falhou graças à resposta armada de Maria e uma falta generalizada de apoio dos habitantes de Londres. Os líderes, incluindo Wyatt, acabaram executados, assim como a prima de Maria, Lady Jane Grey (n. Out. 1537), para evitar que se transformasse num símbolo para futuras rebeliões. Pela mesma razão, Elizabeth foi detida na Torre de Londres. A rainha continuou a perseguir sem trégua seus inimigos, que identificava como heréticos protestantes, desta forma ganhando seu duradouro apelido de "Bloody Mary" (Maria Sangrenta).

A Sucessão de Maria I

Maria I da Inglaterra sucedeu seu irmão Eduardo VI da Inglaterra (r. 1547-1553), embora quase tenha sido vítima de um coup d'etat (golpe de estado) em Julho de 1553, quando John Dudley, Conde de Northumberland (1504-1553) tentou empossar a prima de Maria, Lady Jane Grey (1537-1554) como rainha. Lady Jane era protestante e Maria católica. Cada uma representava os interesses dos dois lados que haviam dividido a Inglaterra desde que o pai de Maria, Henrique VIII da Inglaterra (r. 1509-1547) tinha separado a Igreja da Inglaterra de Roma e do Papa. No final das contas, a imensa maioria dos nobres e plebeus preferiram honrar os desejos de Henrique VIII, segundo o qual Maria deveria suceder Eduardo caso ele não tivesse filhos. Legitimidade e laços diretos de sangue triunfaram sobre quaisquer considerações religiosas. Entretanto, Maria convenceu-se de que sua popularidade inicial provinha de seu objetivo de restaurar o catolicismo no reino, revertendo a Reforma Inglesa patrocinada por seus dois predecessores. Ela começou com o Ato de Revogação de 1553, na crença de que havia sido escolhida tanto pelo povo quanto por Deus. Porém, o ar de otimismo que havia cercado a sucessão de Maria logo se transformou no odor traiçoeiro da rebelião.

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Causas da Rebelião

As causas da Rebelião Wyatt podem ser resumidas como os desejos de:

  • evitar que a Rainha Maria se casasse com o Príncipe Felipe da Espanha.
  • remediar queixas causadas pelo estado precário da economia.
  • melhorar a riqueza pessoal e o status de certos nobres.
  • substituir a católica Maria pela sua meia-irmã protestante Elizabeth.

O crescente senso de nacionalismo inglês era uma das causas subjacentes da Rebelião Wyatt, que recebeu o nome de seu principal líder, Sir Thomas Wyatt (n. 1521). Quando, em 29 de Outubro de 1553, a rainha anunciou seu noivado com o Príncipe Felipe, filho de Carlos V da Espanha (r. 1516-1556), alguns consideraram aquilo uma capitulação da independência inglesa, uma mancha na ainda jovem identidade nacional. A Espanha era um país católico e o inimigo número um da Inglaterra. Estava cada vez mais poderosa, graças às riquezas pilhadas do Novo Mundo. O povo recordava também o fato desconfortável de que a mãe de Maria, Catarina de Aragão (1485-1536) era filha do Rei Fernando II de Aragão (r. 1479-1516) e da Rainha Isabel de Castela ( 1451-1594). Havia rumores de que um príncipe espanhol poderia se tornar um dia rei da Inglaterra e, então, ele iria drenar o país de todas a sua riqueza para satisfazer suas próprias ambições imperiais. Poderia haver até mesmo uma invasão à ilha. Para resumir, o iminente "Casamento Espanhol" era impopular.

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Mary I of England by Antonis Mor
Maria I da Inglaterra por Antonis Mor
Antonis Mor (Public Domain)

Os conspiradores buscavam também substituir Maria por Elizabeth como rainha, ainda que este objetivo não fosse declarado abertamente, talvez por causa do sigilo necessário para desencadear com sucesso a rebelião, ou porque tal reivindicação poderia levar ao fracasso dos seus planos, ou mesmo porque nem todos os seus líderes (ou seguidores) estariam de acordo com uma meta tão radical. Existe também a possibilidade de que, uma vez capturados, os líderes rebeldes podem ter simplesmente mentido a respeito de seus objetivos originais. Antes de sua execução, por exemplo, Wyatt assegurou à rainha que ele não tinha almejado fazer-lhe nenhum mal pessoalmente, mas somente aos malévolos conselheiros da corte que influenciavam sua opinião. Era provavelmente verdade que os rebeldes não desejavam trazer questões religiosas à tona para não perder apoio de nenhum dos lados. Como o próprio Wyatt disse aos seus seus companheiros conspiradores, "Vocês não devem falar de religião, pois isso irá nos fazer perder o apoio de muitos".

Wyatt não queria ver a Inglaterra se tornar "um escaler rebocado por um galeão espanhol".

Porém, é talvez significativo que as áreas nas quais a rebelião surgiu, particularmente em Kent, eram centros reconhecidos do protestantismo. E o fato essencial era que a Inglaterra protestante agora tinha uma rainha católica e, se ela se casasse com o futuro rei da Espanha católica, haveria pouca esperança para os reformistas protestantes. Um retorno ao catolicismo talvez tivesse pouca importância para a maioria da população, uma vez que a religião, naturalmente, tinha sido praticada em solo inglês por séculos antes das dramáticas mudanças de direção de Henrique VIII. Talvez mais significativas, então, estavam as consequências econômicas do retorno ao catolicismo: a nobreza não queria devolver as terras confiscadas da Igreja e dos monastérios extintos durante os reinados de Henrique VIII e Eduardo VI.

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Se o objetivo principal de substituir Maria fosse alcançado, o próximo passo seria casar Elizabeth com o Conde de Devon, Edward Courtenay (c. 1527-1556), bisneto de Eduardo IV da Inglaterra (r. 1461-1470). Havia, por certo, uma crença subjacente de que uma mulher não deveria governar sozinha e que principalmente não deveria ser presa de um monarca estrangeiro, que poderia usar o país para seus próprios fins. Como Wyatt destacou, ele não gostaria de ver a Inglaterra se tornar "um escaler rebocado por um galeão espanhol" (Cavendish, 283). Em acréscimo a este argumento de orgulho nacional havia o estado precário da economia inglesa. Através das últimas décadas, os súditos de Maria haviam sofrido com inflação, desvalorização da moeda, redução do comércio com a Europa, escassez de alimentos, novas taxas em bens como tecidos, vinho e cerveja e ondas de praga e influenza - as mais fatais em três séculos. Também deve ser considerada a motivação de alguns nobres em usar a rebelião como um meio de melhorar suas propriedades e títulos.

Os Rebeldes Marcham

Os rebeldes iniciaram seus planos já em Novembro de 1553, pretendendo deflagrar quatro insurreições simultâneas, todas ocorrendo no Domingo de Ramos, em 18 de Março de 1554. Uma delas deveria acontecer em Devon, liderada por Courtenay e/ou Sir Peter Carew (c. 1514-1575), um parlamentar representante de Devon. Outra estava planejada para Leicestershire, comandada pelo Duque de Suffolk, pai de Lady Jane Grey. A terceira seria na fronteira galesa, liderada por Sir James Croft (c. 1518-1590), um nobre de Hertfordshire. A quarta seria em Kent, tendo à frente um competente militar e membro do Parlamento chamado Sir Thomas Wyatt, o Jovem. Proveniente de uma família muito bem relacionada, Wyatt era o filho homônimo de um famoso poeta que havia atuado na corte real como diplomata. As insurreições seriam apoiadas pela frota francesa e todas as quatro forças convergiriam para Londres. Infelizmente para os conspiradores, o esquema vazou e eles foram forçados a adiantar o cronograma da rebelião. Mais tarde, descobriu-se que Carew havia delatado os planos. Assim, os xerifes locais e conselhos foram prevenidos e três das quatro rebeliões nunca se materializaram, ainda que Suffolk tenha tentado tomar Coventry.

Somente uma delas procedeu como planejado. O exército rebelde comandado por Wyatt marchou para Londres, em 25 de Janeiro de 1554, para interromper o "Casamento Espanhol". Ele e os demais líderes acreditavam que, uma vez na capital, receberiam apoio de milhares de cidadãos descontentes, elevando suas forças. De fato, inicialmente uma diminuta guarnição enviada pelo governo para dispersar os rebeldes acabou por se juntar a eles. Wyatt adquirira experiência militar nas guerras na França e, como um fiel protestante, havia defendido os interesses de Eduardo VI quando tumultos ocorreram na região de Kent, em 1549. Ele havia apoiado Maria I no caso de Lady Jane Grey, mas as notícias do "Casamento Espanhol" tinham sido decisivas para que abandonasse a lealdade à rainha. Sua experiência militar talvez explique por que os rebeldes conseguiram repelir o exército real liderado pelo Duque de Norfolk, que foi obrigado a recuar. Algumas tropas reais (conhecidos como casacos brancos) até mesmo se juntaram à causa de Wyatt. Os rebeldes então tomaram Rochester e Dartford; nesse altura, nada parecia ser capaz de impedi-los de chegar a Londres.

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Por duas vezes, representantes da Coroa ofereceram perdões para os rebeldes caso se dispersassem, mas as ofertas foram recusadas. A situação era tão séria que Maria ordenou a destruição das pontes sobre o Tâmisa que davam acesso a Londres, mas ainda assim a rainha permaneceu na capital e fez um inflamado discurso para o público reunido na Guidhall de Londres (sede do município). Em sua fala, garantiu que ela era "filha de seu pai e esposa do reino" (Jones, 240) e que Londres iria resistir. A recusa em deixar a capital era um sinal de coragem, mas, em particular, a rainha deve ter se perguntado se não haveria traidores dentro de sua própria corte.

Os rebeldes foram repelidos na Ponte de Londres, mas conseguiram pilhar e incendiar o palácio de um bispo. Wyatt permaneceu em seu acampamento por três dias, um atraso crucial que permitiu a Maria preparar melhor suas defesas. Em 6 de Fevereiro, Wyatt nadou através do Tâmisa em Kingston e começou a reparar uma das pontes. Quando o caminho ficou livre, liderou seu exército - que variava, conforme os relatos, entre 3.000 e 7.000 homens - pela Fleet Street em direção ao coração de Londres, em 17 de Fevereiro. Seu avanço foi interrompido somente pelas portas cerradas do portão Ludgate. Seguiu-se uma luta nas ruas entre os rebeldes e o exército real de 10.000 homens e 1.500 cavaleiros, enviados para acabar de vez com a insurreição. Mais batalhas nas ruas aconteceram em torno de Charing Cross, onde os rebeldes conseguiram vantagem, inclusive atacando o Palácio de Whitehall, residência da rainha. Porém, naquele momento decisivo, os londrinos não se juntaram à rebelião. Wyatt e sua vanguarda de cerca de 400 homens acabaram sendo cercados. A cavalaria avançou e esmagou os rebeldes em Temple Bar e, por fim, Wyatt se rendeu com um punhado de sobreviventes, enquanto o restante debandou.

Consequências da Rebelião

As maiores consequências da Rebelião Wyatt foram:

  • A execução de 200 rebeldes, incluindo Wyatt.
  • A execução de Lady Jane Grey.
  • A prisão de Elizabeth Tudor.
  • A decisão do Parlamento de reduzir os poderes do Príncipe Felipe enquanto rei.
  • A decisão de Maria I de aumentar sua perseguição aos protestantes.

No final das contas, cerca de 200 líderes rebeldes foram executados, 46 dos quais enforcados num único dia. No dia 11 de abril, Wyatt recebeu a morte terrível dos traidores: enforcado, estripado e esquartejado. Entretanto, a maioria dos plebeus que se rebelaram foram perdoados ou escaparam com uma multa, pelo receio de incitação de uma nova revolta. Até mesmo Sir James Croft livrou-se da punição graças a um perdão emitido nove meses depois, e Edward Courtenay foi exilado em Veneza.

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Os rebeldes podem ter somente desejado evitar o controle espanhol sobre o país e alguns dos líderes talvez quisessem realmente destronar Maria, mas a rainha estava convencida de que a rebelião tinha o real objetivo de restaurar o Protestantismo. Ela afirmou que o sentimento contra os estrangeiros era "apenas uma capa espanhola para encobrir seu propósito real contra nossa religião" (Bridgen, 202). Era verdade que Wyatt havia prometido libertar quem estivesse preso por crenças religiosas. A rainha, portanto, voltou sua atenção para os não-católicos proeminentes.

A protestante Lady Jane Grey, que tinha sido confinada na Torre de Londres desde o golpe fracassado de Northumberland, foi executada em 12 de Fevereiro de 1554, já que Maria não queria arcar com o risco de abrigar um símbolo vivo da rebelião. O Duque de Suffolk também foi executado - sua vez chegou em 23 de Fevereiro.

Philip II of Spain & Mary I of England
Felipe II da Espanha e Maria I da Inglaterra
Hans Eworth (Public Domain)

A revolta não interrompeu o "Casamento Espanhol", que foi adiante em 25 de Julho de 1554 e, ainda que tenha sido um matrimônio infeliz para Maria, pois Felipe permanecia na maior parte do tempo distante da Inglaterra, pelo menos contribuiu para a economia. O príncipe trouxe consigo 20 carroças de prata da América, muito necessária para a cunhagem de moedas na Torre de Londres. A casa da moeda recebeu seu primeiro contrato no exterior: a cunhagem de moedas de prata para a Espanha. O Parlamento tinha sido cauteloso em aprovar o casamento, talvez devido à rebelião e, então, Maria foi obrigada a concordar que Felipe iria se tornar rei somente em nome e não iria governar a Inglaterra após sua morte, caso ela não tivesse filhos.

Após a insurreição, Maria tornou-se muito mais implacável com seus inimigos que, para ela, eram todos protestantes. A versão oficial era que a Rebelião Wyatt tinha pretendido o fim do Catolicismo na Inglaterra, uma justificativa mais palatável do que Maria ter de admitir que seu povo não aprovava seu marido. Nos anos remanescentes do seu reinado, 287 crentes - homens e mulheres - foram queimados na fogueira em cerca de quatro anos. Entre eles estavam o velho arcebispo de Canterbury (Cantuária), Thomas Cranmer (no cargo entre 1533-1555) e os proeminentes bispos Hugh Latimer e Nicholas Ridley. Porém, estas execuções públicas serviram apenas para atiçar as chamas do ressentimento contra a rainha, que se tornou conhecida como "Bloody Mary" (Maria Sangrenta).

Finalmente, Maria suspeitou do envolvimento da Princesa Elizabeth na rebelião - ainda que sua meia-irmã não tenha feito declarações públicas sobre a Reforma ou o "Casamento Espanhol" -, e, assim, ela foi detida na Torre de Londres em 17 de Março de 1554. Dois meses depois, Elizabeth foi transferida para Woodstock, em Oxfordshire, e mantida sob prisão domiciliar. No ano seguinte, as duas irmãs se reconciliaram e Elizabeth recebeu sua liberdade de volta. Quando Maria morreu de câncer de estômago em 17 de Novembro de 1558, sua irmã tornou-se Elizabeth I da Inglaterra (r. 1558-1603), coroada em 15 de Janeiro de 1559. Elizabeth iria restaurar o Protestantismo, mas seu maior desafio veio do exterior, já que Felipe, agora Rei Felipe II da Espanha (r. 1556-1598) viu uma oportunidade perfeita para atacar a Inglaterra e trazer o país de volta para a fé católica.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2020, maio 08). Rebelião Wyatt [Wyatt Rebellion]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18917/rebeliao-wyatt/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Rebelião Wyatt." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação maio 08, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18917/rebeliao-wyatt/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Rebelião Wyatt." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 08 mai 2020. Web. 22 dez 2024.