Erasmo

Definição

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 28 outubro 2020
Disponível noutras línguas: Inglês, holandês, francês, espanhol
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Erasmus by Hans Holbein (by The Yorck Project, Public Domain)
Erasmo por Hans Holbein
The Yorck Project (Public Domain)

Desidério Erasmo (c. 1469-1536), também conhecido como Erasmo de Roterdã, foi um acadêmico humanista holandês, considerado um dos maiores pensadores da Renascença. Escritor prolífico que fez amplo uso da invenção da impressora de tipos móveis, ele publicou edições de autores clássicos, tratados educacionais, traduções, diálogos e cartas. Sempre defendeu a educação, na crença de que seria a melhor forma de reformar a igreja medieval.

Erasmo fez novas traduções do Novo Testamento em latim e grego, com o objetivo de fazer os leitores cristãos se educarem por conta própria, ao invés de depender da interpretação de outros. Neste sentido, junto com seus métodos de análise textual, ele contribuiu para a Reforma, ainda que pessoalmente fosse contrário a mudanças radicais na Igreja. Erasmo também acreditava na importância do estudo da literatura clássica e do que significava ser humano. Com isso, ele é considerado como um dos fundadores do movimento filosófico que se tornou conhecido como Humanismo Renascentista. Finalmente, por todas estas razões, o imensamente popular programa de intercâmbio estudantil que opera atualmente na Europa recebeu o seu nome.

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Início da Vida

Desidério Erasmo nasceu em Roterdã, em 27 de Outubro de 1469, filho ilegítimo de um padre, Roger Gerard, e da filha de um médico, Margaret. Estudou numa instituição em Daventer, nos Países Baixos, dirigida pelo humanista alemão Alexander Hegius (c. 1433-1498). Hegius promovia o estudo de textos clássicos em linguagem original e não apenas, como era comum na época, através da simples leitura de comentários a respeito das obras. Em seguida à morte de seus pais, por volta de 1484, Desidério foi enviado para outra escola, mais barata, em 's-Hertogenbosch, ainda nos Países Baixos, desta vez uma instituição religiosa administrada pela Fraternidade da Vida Comum. Esta escola católica preparava os jovens para a vida monástica e, assim, Erasmo perdeu a chance de continuar seus estudos em nível universitário. Por volta de 1487, ele ingressou num mosteiro da ordem Agostiniana, em Steyn, e lá permaneceu até 1492.

Os talentos de Erasmo garantiram-lhe cargos em universidades e a conquista de trabalhos lucrativos junto a governantes.

Ordenado padre em Abril de 1492, Erasmo mudou-se para o norte da França e trabalhou como secretário do bispo de Cambrai, Hendrik van Bergen. Em 1495, foi enviado para estudar teologia na Universidade de Paris e, com isso, satisfez sua paixão pela literatura clássica, o que mudou seus rumos na carreira. Embora os estudos e estilo de vida dos religiosos não o atraíssem, Erasmo, pelo menos, tinha a chance de dar aulas particulares e estudar os autores antigos em seu tempo livre.

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A Palavra Impressa

Os talentos de Erasmo garantiram-lhe cargos em universidades e a conquista de trabalhos lucrativos junto a governantes. Ele viajou para a Inglaterra em 1499, onde se encontrou com o estudioso Thomas More (1478-1535) e permaneceu na Itália de 1506 a 1509. Na cidade de Veneza, em 1508, Erasmo expandiu sua obra de 1500, Adagiorum Collectanea, uma coleção anotada de adágios [provérbios] gregos e romanos. Com este trabalho, o pensador começou a atrair a atenção da comunidade europeia de estudiosos. Ele revisou e reimprimiu a obra novamente em 1515.

Title Page of the Handbook of the Christian Soldier by Erasmus
Página de Título do Manual do Soldado Cristão, de Erasmo
Fredrik Andersson (Public Domain)

Erasmo retornou à Inglaterra, permanecendo no país por cinco anos a partir de 1509. Não se sabe muita coisa sobre este período, exceto que ele trabalhou em sua edição do Novo Testamento (veja abaixo) e fez palestras na Universidade de Cambridge. Porém, na maior parte de sua carreira, ele conseguiu trabalhar como um autor independente. Isso só foi possível graças à recente invenção da impressora de tipos móveis. Erasmo cultivava amizades com os grandes pensadores em todos os cantos da Europa, dava medalhas com seu perfil para amigos e escrevia uma copiosa quantidade de cartas, mas foi através da palavra impressa que sua reputação realmente se espalhou de forma mais ampla, como o historiador W. Blockmans observa:

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Ele podia com frequência ser encontrado em escritórios e oficinas dos impressores suíços e italianos que publicavam suas obras e, sem nunca ter exercido um cargo público de qualquer importância, Erasmo alcançou a condição de escritor best-seller e uma grande estrela cultural. No auge da fama, por volta de 1515, seu nome estava na boca de cada intelectual de renome da Europa. (297)

O Novo Testamento

Além de suas muitas traduções de autores antigos, Erasmo estudou a história da Igreja Cristã, seus fundadores e os textos do Novo Testamento. Em 1516, ele publicou sua tradução em grego e latim do Novo Testamento (Novum Instrumentum), numa versão integral com comentários. Ela seria revisada e reimpressa cinco vezes. Erasmo tinha buscado e estudado manuscritos bíblicos antigos e medievais em grego e latim, e chegou à conclusão de que algumas partes haviam sido inseridas nas edições padrão durante o século IV d.C.. Em particular, ele descobriu que o chamado versículo Comma Johanneum (João I, 5:7-8), que apoia a doutrina da Trindade, não existia nos textos anteriores ao século IV d.C. e deve ter sido adicionado após o Concílio de Niceia de 325 d.C. (uma hipótese depois comprovada por estudiosos modernos da Bíblia).

À parte destes aperfeiçoamentos textuais em termos de precisão, Erasmo acreditava que a Bíblia, e especialmente o Novo Testamento, fosse a melhor forma para o povo comum (ou pelo menos sua parcela alfabetizada) conhecer Deus e a salvação. Ele esperava que, lendo por conta própria, os cristãos se afastariam do que considerava os aspectos mais vulgares da igreja medieval, tais como relíquias, cruzadas e o clero analfabeto do interior. Além disso, Erasmo buscou alterar a abordagem da igreja através do seu cerne: os textos bíblicos. Suas tradições e edições alteravam certos conceitos para refletir sua visão humanista. Por exemplo, em sua edição, ele traduziu o termo grego metanoete como resipiscite, um significado de "arrependimento" mais próximo a "retorno ao bom senso" do que o sentido prévio, poenitentiam agite, que abrangia atos de penitência públicos e formais. Como seria de se esperar, os elementos conservadores da Igreja não aceitaram estas interpretações.

Os Países Baixos e Carlos V

Por volta de 1517, Erasmo mudou-se novamente para os Países Baixos. Em Brabante, ele se tornou conselheiro do Arquiduque Carlos, o futuro Carlos V, Sacro Imperador Romano (r. 1519-1556). As obras Institutio Principis Christiani (Educação de um Príncipe Cristão) e Querela Pacis (Queixa da Paz) tinham o objetivo de guiar Carlos e outros em suas políticas de estado, promovendo as vantagens da paz, em vez da guerra. O segundo texto declara:

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Sente-se antes de desembainhar a espada, pese cada artigo, sem omitir nenhum, e calcule o dispêndio de sangue, bem como do tesouro, que a guerra requer, e os males que necessariamente traz com ela; e então veja ao final da conta se, após o maior dos sucessos, haverá um resultado positivo a seu favor.

(Campbell, 81)

No ano seguinte, Erasmo ingressou na universidade em Leuven e trabalhou na faculdade de teologia. Convencido de que o conhecimento de línguas fosse a chave para a melhor compreensão acadêmica da teologia, em 1518 ele escreveu a obra Ratio Verae Theologiae defendendo este ponto de vista, mas novamente foi contestado pelos acadêmicos reacionários.

Martinho Lutero e Textos Religiosos

Erasmo acreditava que a melhor solução para os problemas da Igreja fosse um renascimento suave através dos benefícios purificadores da educação, do conhecimento e da prece. Estas ideias foram reveladas na obra de c. 1504, Enchiridion Militis Christiani (Manual do Soldado Cristão). Outros trabalhos de cunho religioso, como Paraphrases of the Four Gospels (1522-24), que continha guias de ajuda e sumários, garantiram a manutenção da popularidade do escritor.

Martin Luther
Martinho Lutero
Sergio Andres Segovia (Public Domain)

Inicialmente, Erasmo simpatizou com a crítica à Igreja do reformista radical Martinho Lutero (1483-1546) mas, em 1524, ele publicou De Libero Animo, o famoso ensaio sobre o livre arbítrio, contrário à posição de Lutero – segundo a qual as pessoas não escolhiam livremente sua salvação, mas estavam sujeitas à predestinação. Esta obra foi escrita enquanto Erasmo encontrava-se em Basileia, na Suíça mas, após viver lá desde 1521, a cidade transformou-se num celeiro de reformistas radicais e o culto ao catolicismo foi abolido. Ele se mudou para Friburgo em 1529, onde trabalhou numa universidade católica, mas retornou a Basileia em 1535. É curioso, para um homem que viajou tanto, que em suas obras impressas apareça sempre descrito como “Erasmo de Roterdã”.

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Erasmo buscava mais uma purificação dos aspectos moralmente questionáveis da Igreja do que uma reforma radical.

Erasmo via o florescente movimento de Reforma (como mais tarde veio a ser conhecido) como mirando no alvo errado. Ele não acreditava em divisões a respeito de doutrina (ou na perseguição aos que divergiam), mas sim na restauração da fé popular na Igreja como instituição e nos sacerdotes como guias espirituais. Em sua obra satírica de 1511, Moriae Encomium (Elogio da Loucura), o autor havia zombado nos elementos mais absurdos do catolicismo, especialmente quanto à tendência para o espetáculo teatral. Este livro também critica a corrupção e o poder desproporcional dentro das comunidades monásticas. Erasmo buscava mais uma purificação dos aspectos moralmente questionáveis da Igreja do que a reforma radical proposta por pensadores como Martinho Lutero. Ironicamente, no entanto, o exame crítico e preciso de Erasmo dos textos fundamentais em linguagem original e sua análise textual das versões correntes dariam combustível para a Reforma, a partir do momento em que seus métodos filológicos foram adotados por pensadores posteriores.

Legado Humanista

Erasmo morreu em 12 de Julho de 1536, em Basileia. Ele pode ter falhado em construir um consenso entre os católicos tradicionais e reformistas, mas o maior legado de sua erudição e longa carreira como escritor foi a contribuição para o movimento filosófico conhecido como Humanismo. Este termo foi cunhado no século XIX para designar os pensadores da Renascença que defendiam uma educação que enfatizava o acesso direto e uma melhor compreensão da literatura clássica. O termo humanismo, porém, desde então reuniu tantos significados que se tornou em grande parte redundante. Muitos acadêmicos modernos preferem declarar que pensadores como Erasmo estavam interessados no studia humanitatis, ou seja, estudos concentrados no que significa ser humano ou, mais precisamente, na definição de indivíduo virtuoso. Além disso, os humanistas, mesmo na época de Erasmo, compunham um grupo diverso de pensadores que de maneira alguma chegaram a um consenso de opinião sobre todos os temas. Ele mesmo certamente não concordava sempre com alguns pensadores humanistas renascentistas; sua obra Ciceronianus, publicada em 1528, criticava os estudiosos que se preocupavam demasiadamente em imitar o orador romano Cícero (106-43 a.C.) - ainda o próprio Erasmo tenha publicado várias edições de cartas, uma forma de erudição pela qual Cícero tornou-se particularmente famoso.

Desiderius Erasmus by Matsys
Desidério Erasmo, por Matsys
Quentin Matsys (Public Domain)

Todavia, houve realmente uma mudança educacional que enfatizou os textos clássicos. Neles se poderia encontrar material pertinente à gramática latina, poesia, retórica, história e filosofia moral. Também se tornou importante estudar as noções antigas de virtude na vida privada e pública. Certamente, isso não significava que Erasmo e outros humanistas negligenciavam os textos religiosos, mas foi o início de uma mudança lenta e irreversível no conceito de educação, que levaria eventualmente os acadêmicos a estudar temas inteiramente seculares ao longo de suas carreiras.

Os escritos de Erasmo tiveram outros efeitos, mais imediatos e tangíveis. Ele produziu guias para aqueles que desejavam instalar escolas, exemplos de planos de estudos recomendados (Sobre o Método de Estudo, 1511) e numerosos compêndios, tais como a obra On Copia (1512), com várias edições, que ensinava os estudantes a argumentar, revisar e redigir textos. Na obra Sobre a Redação de Cartas, de 1521, ensinava a escrever cartas, dirigi-las a públicos específicos e empregar expressões variadas. Mesmo os acadêmicos mais avançados continuaram a utilizar o trabalho de Erasmo. Seu Novo Testamento em grego foi usado como base para novas traduções por Martinho Lutero (Alemão, 1522), William Tyndale (Inglês, 1526) e pelos estudiosos que elaboraram a versão do Rei Jaime da Bíblia, em 1611.

Outro legado é o Programa Erasmo, um intercâmbio de estudantes que opera atualmente nos países europeus. Iniciado em 1987, o programa permite que os participantes estudem em outro país, estimulando as ideias de compartilhamento, tolerância e compreensão entre diferentes culturas. Como um acadêmico que trabalhou em vários países e que acreditava tão fortemente no poder da educação, não há dúvidas de que Erasmo ficaria imensamente satisfeito em ter seu nome associado a uma iniciativa dessa natureza.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2020, outubro 28). Erasmo [Desiderius Erasmus]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-19249/erasmo/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Erasmo." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação outubro 28, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-19249/erasmo/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Erasmo." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 28 out 2020. Web. 20 nov 2024.