Fernão de Magalhães (c. 1480-1521) foi um marinheiro português que realizou a primeira circum-navegação do globo em 1519-22, a serviço da Espanha. Ele foi morto durante a viagem na região onde se situa atualmente o arquipélado das Filipinas e somente 22 dos 270 tripulantes originais conseguiram retornar à Europa.
Ao descobrir o que se tornou conhecido como os Estreitos de Magalhães, na Patagônia meridional, uma passagem do Atlântico para o Oceano Pacífico, a expedição alcançou seu objetivo de demonstrar que uma rota da Europa para a Ásia poderia ser encontrada navegando-se na direção oeste. A viagem foi repleta de realizações, primeiras vezes notáveis e novos panoramas e experiências que valeram uma vida inteira. Houve também períodos de tremendas dificuldades e um grande motim. O único navio da frota original de cinco a completar a jornada ao redor do mundo foi o Victoria, comandado por Juan Sebastian Elcano e carregado com preciosas especiarias. A viagem completa durou três anos e cobriu 60.000 milhas. Não é para menos que a primeira circum-navegação do globo terrestre tenha sido descrita como a maior viagem de exploração já realizada.
Início da Carreira
Fernão de Magalhães nasceu numa família pertencente à nobreza menor portuguesa, em Vila Real, na região de Trás-os-Montes, por volta de 1480. O pai de Fernando era o xerife do porto de Aveiro e sua mãe chamava-se Alda de Mesquita. Aos 12 anos, o menino foi enviado a Lisboa para se tornar pajem da residência real, servindo inicialmente à rainha e depois a Manuel I de Portugal (r. 1495-1521). Na corte, Fernando recebeu uma excelente educação, que incluía matemática, astronomia e navegação.
Ao atingir a maioridade, Magalhães serviu no exército português na Índia ocidental a partir de 1505, participando de expedições a Sofala e Kilwa, na África oriental. Em 1509, tomou parte na guerra entre os portugueses e a aliança gujarati-egípcia em Diu, no oeste da Índia. No ano seguinte, esteve na conquista da Goa Portuguesa e, em 1511, de Malaca, na Malásia. Em 1513, voltou a Portugal e então serviu à Coroa na força expedicionária que atacou Azamor, no Marrocos. Nesta batalha ele foi ferido seriamente no joelho, o que o deixou mancando para o resto da vida.
Em meados dos seus trinta anos, Magalhães dispunha de considerável experiência militar e marítima. Porém, em 1517, ele transferiu sua lealdade para a Espanha. Esta decisão pode ter resultado de rumores de que ele tinha participado de uma pilhagem clandestina em Azamor (ainda que, oficialmente, as acusações tivessem sido retiradas). Magalhães entrou com petições junto à corte portuguesa para avançar na carreira, mas todas foram rejeitadas, talvez devido a estes rumores. Seja qual for a razão, foi a serviço de Carlos I da Espanha (r. 1516-1556) que ele iria adquirir sua fama posterior. Magalhães deixou de ser súdito de Manoel I e mudou-se para Sevilha em 1517. Adotou então uma nova versão de seu nome: Hernando de Magallanes. Ao final de 1517, casou-se com Beatriz, a filha de outro português, o rico e influente mercador Diogo Barbosa, que também residia em Sevilha. O filho de Magalhães, Rodrigo, nasceu em 1518.
Os Impérios Português e Espanhol
Exploradores europeus como Cristóvão Colombo (1451-1506) e Vasco da Gama (c. 1469-1524) tinham sido encarregados de encontrar uma rota marítima da Europa para a Ásia, com o objetivo de ganhar acesso direto para o imensamente lucrativo comércio das especiarias orientais, descobrir novas terras agricultáveis e possivelmente achar aliados cristãos contra os califados islâmicos do Oriente Médio. A rota de Colombo foi bloqueada pelo continente americano, mas Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança e cruzou o Oceano Índico para alcançar a Índia em 1498. Portugal fundou colônias, tais como Cochin (1503) e Goa (1510). A fonte de tantas especiarias raras localizava-se na Indonésia e uma rota foi aberta pelo navegador português Francisco Serrão, que navegou para as Ilhas das Especiarias (Ilhas Maluku ou Molucas) em 1512.
Audaciosamente, em 1494, as monarquias espanhola e portuguesa dividiram o mundo inteiro em duas esferas de influência e de futuras colônias através do Tratado de Tordesilhas. A Espanha ficou com as Américas e Portugal com a costa da África (e também a Índia e o Leste da Ásia). Pouco importava para estas casas reais que houvesse pessoas vivendo nestes locais ou que já existissem redes comerciais altamente bem-sucedidas ali. Os dois reis não estavam inteiramente de acordo sobre onde cada império começava e terminava, principalmente porque nenhum dos dois começara a construir um império em termos físicos. Por volta de 1518, no entanto, as coisas se adiantaram e Portugal começou a criar uma série de entrepostos comerciais desde a África até a Ásia.
Carlos I não queria ficar para trás, certamente não agora que estava para se tornar Carlos V, Sacro Imperador Romano (r. 1519-1556). Ele esperava provar que as lucrativas ilhas das especiarias estavam na sua metade do mundo – o conhecimento geográfico geral da exata localização deste arquipélago era um tanto instável nesta época histórica. Havia até rumores de que alguns cartógrafos portugueses estavam deliberadamente deslocando as ilhas para a metade portuguesa. Além disso, Carlos poderia reforçar sua reivindicação se ganhasse acesso ao arquipélago pelo leste (via América do Sul e através do Pacífico), ou seja, através da metade espanhola do mundo. Fernão de Magalhães, após se corresponder com vários companheiros de profissão, como Serrão, e com o apoio de cartógrafos experientes e astrônomos, como Ruy Faleiro, forneceu ao rei um plano convincente para fazer exatamente isso. Ele também trouxe consigo um conhecimento interno extensivo do império português e das rotas marítimas, efetivamente segredos de estado. Carlos aceitou formalmente a proposta em março de 1518. Para melhorar a situação, Magalhães foi condecorado como comandante da Ordem de Santiago.
Além de remover a presença portuguesa, uma rota marítima da Europa para a Malásia através do oeste poderia talvez economizar muito tempo e trazer menos problemas para os navios do que o trajeto pela África. Os mares e terras a leste da Malásia não eram conhecidas pelos europeus, mas ao menos se sabia que os ventos marítimos dos oceanos Atlântico e Índico poderiam ser usados com grande vantagem, desde que no local e época corretos. Por esta razão, acreditava-se que a melhor rota marítima provavelmente seria navegar da Europa através do Atlântico para a América do Sul, através do Pacífico e para o Leste da Ásia. Dali os navios poderiam ser carregados com especiarias e cruzar o Oceano Índico, contornar o Cabo da Boa Esperança e navegar pelo Atlântico oriental de volta à Europa. Esta foi a rota que Magalhães propôs ao Sacro Imperador Romano. Ninguém jamais havia feito isso e a circum-navegação do globo não havia sido tentada ainda. O Oceano Pacífico tinha sido avistado por um europeu apenas em 1513, quando Vasco Núñez de Balboa (1475-1519) cruzou o Istmo do Panamá. Nenhum europeu conhecia suas correntes, seu potencial para tempestades ou quanto tempo levaria para atravessá-lo. Os riscos para Magalhães e suas tripulações eram altos e as dificuldades incontestáveis. Porém, os ganhos potenciais eram enormes e o próprio Magalhães tinha a promessa de porcentagem das terras e riquezas reclamadas para a Coroa Espanhola.
A Frota de Magalhães
Magalhães recebeu o comando de uma frota de cinco navios com o bem grandioso nome de Armada das Molucas. Foi uma das expedições mais bem equipadas da Era das Grandes Navegações. A nau capitânia de Magalhães era o Trinidad, com 100 toneladas. Havia o San Antonio (120 toneladas), Concepción (90 toneladas), Victoria (85 toneladas) e Santiago (75 toneladas). Todos os navios tinham três mastros e carregavam as mais recentes velas lateen (triangulares). Tanto Magalhães quanto Faleiro receberam os títulos de capitão, uma precaução comum caso algo ocorresse com o primeiro. Em outro posto de autoridade estava Juan de Cartagena, nomeado por Carlos I como inspetor-geral para supervisionar todas as questões financeiras e, talvez, também, para assegurar que os dois capitães portugueses permanecessem leais à Coroa Espanhola. No entanto, a instabilidade mental de Faleiro levou-o a ser dispensado da expedição. Felizmente para Magalhães, ele reteve todos os inestimáveis mapas e instrumentos de navegação do compatriota. Infelizmente para o futuro da expedição, isso também significou que Cartagena se viu como colíder. Ele tinha uma vaga autoridade conferida pelo rei, além de ser o membro mais bem pago da expedição e o capitão do San Antonio, mas não havia dúvidas para Magalhães sobre quem era o almirante da frota. Para tornar as coisas piores, os capitães espanhóis do Victoria (Luís de Mendoza) e Concepción (Gaspar de Quesada) consideravam-se superiores ao comandante português.
Magalhães deixou Sevilha no dia 10 de agosto de 1519, com uma tripulação multinacional de 260-70 homens, provenientes de todas as partes da Europa. A frota aportou e reabasteceu nas Ilhas Canárias, partindo em 3 de outubro. Foi lá que o almirante recebeu informações de que duas frotas portuguesas estavam em perseguição acelerada, determinadas a não permitir o acesso espanhol ao império secreto do leste. Ele navegou além das Ilhas do Cabo Verde e pela costa da África Ocidental. O diário de bordo da expedição não sobreviveu, mas há um relato detalhado de um de seus participantes, o estudioso e diplomata veneziano Antônio Pigafetta, que havia recebido a tarefa de registrar todos os aspectos da jornada para a posteridade.
Primeiro Motim
Foi um trecho tempestuoso e difícil da viagem e capitães e tripulantes questionavam o motivo de não se optar pela rota mais usual, que atravessava o Atlântico. O almirante tentava escapar de seus perseguidores portugueses. À medida que os navios seguiam penosamente rumo ao equador, viram-se então em meio à calmaria, o que levou à redução das rações de comida. Cartagena, em particular, já mostrava sinais de desrespeito a Magalhães, recusando-se a se dirigir a ele pelos títulos apropriados. Quando os ventos abandonaram a frota, ele se recusou a receber ordens de Magalhães e tentou esfaqueá-lo. O almirante respondeu colocando o inspetor-geral no porão do navio. Era um destino reservado somente a marinheiros comuns e tanto Mendoza quando de Quesada, os outros capitães espanhóis, apelaram com sucesso para a libertação de Cartagena. Em vez disso, o revoltoso foi confinado ao Victoria e Antônio de Coca recebeu o comando do San Antonio.
Em novembro, os ventos favoráveis, enfim, levaram os navios através do Atlântico, então chamado de Mar Oceano. Eles pretendiam aportar no Rio de Janeiro, mas a Corrente Equatorial do Sul levou-os ao Cabo Santo Agostinho. Com os navios reabastecidos, seguiram a costa para chegar ao Rio de Janeiro em meados de dezembro de 1519. Embora reivindicado como parte do império português, não havia povoações coloniais permanentes no Brasil e, mais importante para Magalhães, nem navios de Portugal no porto do Rio. Foi ali que Magalhães cumpriu a sentença de um tripulante julgado culpado de sodomia e que terminou morto por estrangulamento. Esta era uma ocorrência marítima corriqueira, que alguns capitães ignoravam e outros puniam ao pé da letra, mas, apesar disso, alimentou o ressentimento contra Magalhães por parte dos marinheiros. Para tornar as coisas piores, o jovem taifeiro que havia sido o parceiro do marinheiro mais velho se atirou ao mar. Em seguida, Magalhães adicionou mais um nome à sua crescente lista de inimigos: Antônio de Coca foi substituído por Álvaro de Mesquita como capitão do San Antonio. Mesquita não tinha qualificações para o cargo a não ser a condição de primo de Magalhães, uma observação feita com certa amargura por Coca e outros capitães espanhóis.
A frota partiu do Rio em 27 de dezembro, navegando rumo sul pela longa e pouco familiar costa da América do Sul. Os homens se resignaram em suportar outro difícil período no mar, uma situação cujo desconforto foi resumido pelo historiador L. Bergreen:
No mar, o sono tornava-se o principal luxo, um conforto quase impossível de encontrar. [...] As redes ainda não tinham sido introduzidas a bordo dos navios [...] Os homens nunca se conseguiam se habituar aos odores desagradáveis que fermentavam a bordo dos seus navios. [...] As pragas eram ubíquas, um fato da vida no mar a que não se podia escapar. [...] Ratazanas e ratos infestavam todos os navios [...] os homens da Armada das Molucas sofriam com todo o tipo de pragas, piolhos, percevejos e baratas. Quando as condições atmosféricas traziam calor e umidade, os insectos infestavam as roupas, o armazenamento de comida e até o cordame. (106)
Em janeiro, a frota explorou o Rio da Prata, apenas para verificar se esta confluência de dois rios poderia proporcionar uma rota para o Pacífico. Em fevereiro, após descobrir que as águas interiores eram rasas demais, a frota navegou para o sul. Magalhães ancorava os navios à noite para evitar que qualquer possível estreito passasse despercebido na escuridão. As tempestades rugiam. Os navios iam e voltavam de vez em quando para confirmar a geografia. Estranhos animais foram avistados, como leões e elefantes-marinhos, descritos como “lobos do mar” por Pigafetta. Muitos deles acabaram mortos para fornecer carne fresca. As águas pareciam cada vez mais frias e de um azul mais metálico, mas os exploradores estavam longe de descobrir o final do continente.
Segundo Motim
Em 31 de março de 1520, com oito meses de viagem e com o verão terminando, Magalhães aportou na Baía de São Julião, na Argentina meridional. Os navios reabasteceram com carne fresca e peixe, mas outros suprimentos tiveram de ser racionados para o inverno, uma medida impopular entre os homens. Muitos na tripulação não mais acreditavam na palavra de seu líder de que existia um estreito para o Pacífico. Os capitães espanhóis novamente conspiravam para tomar o controle da expedição e, desta vez, foram tão longe a ponto de tomar o San Antonio, o Concepción e o Victoria. O Santiago permaneceu neutro enquanto Magalhães, já preparado, aguardou os acontecimentos no Trinidad. Nos primeiros dias de abril, a ação começou. Os amotinados enviaram um bote com uma mensagem para Magalhães, segundo a qual estavam no controle de três navios e pretendiam retornar à Espanha. Apoderando-se do bote, Magalhães fingiu enviar ao Victoria uma comissão para discutir a situação. O grupo esfaqueou o capitão do Victoria e tomou o navio. O Santiago, agora leal a Magalhães, posicionou-se junto ao Victoria e o Trinidad, bloqueando as duas embarcações amotinadas. O almirante enviou então um homem sob a cobertura da escuridão para cortar a âncora do Concepción. Assim que o navio foi trazido pela correnteza para mais perto, o Trinidad disparou seus canhões e o Victoria atacou pelo lado oposto. O navio foi abordado e os amotinados presos. O San Antonio rendeu-se e Magalhães voltou a ter o controle de sua frota.
Luís de Mendoza, o líder do motim, fora morto em ação, mas o almirante ordenou que o corpo fosse esquartejado em quatro partes mesmo assim. A investigação e os julgamentos, que duraram duas semanas, resultaram na condenação de 40 marinheiros por traição, com a subsequente sentença de morte. Dois homens sofreram torturas e Gaspar de Quesada foi decapitado. O resto teve a sentença comutada para trabalhos forçados – afinal de contas, Magalhães precisava destes homens na frota. A questão central deste julgamento consistia em restabelecer a autoridade de Magalhães e relembrar aos homens que, como em qualquer outra expedição marítima, eles tinham boas razões para temer mais o seu capitão do que qualquer coisa que a natureza pudesse trazer a eles. A estratégia funcionou, com a exceção de Cartagena que, incrivelmente, continuou a conspirar para organizar um novo motim, desta vez com o padre Pedro Sánchez. Ambos foram abandonados na Baía de São Julião quando a frota partiu. Neste meio tempo, Magalhães ordenou reparos gerais nas embarcações, deixando-as prontas para a próxima etapa da viagem. A maior parte do trabalho pesado ficou por conta dos homens condenados.
Nesta ocasião, o almirante descobriu que os estoques embarcados nas Ilhas Canárias eram somente um terço do que o previsto. Era tudo ou nada e, no início de maio, o Santiago seguiu adiante para descobrir os estreitos para o Oceano Pacífico. Infelizmente, a embarcação solitária deparou-se com a pior tempestade da viagem e naufragou na costa rochosa. A tripulação sobrevivente fez uma árdua jornada de volta à frota, que aguardou então pelo tempo primaveril e mais calmo. Um contato pacífico (a princípio) foi feito com os índios tehuelche que viviam na área. Como este povo usava calçados elaborados, Magalhães chamou-os de “pés grandes” ou patacones e a região tornou-se conhecida como Patagônia. Em 24 de agosto, a frota navegou rumo ao sul.
Os Estreitos de Magalhães
Novas tempestades assolaram o Atlântico meridional, obrigando Magalhães a desembarcar por seis semanas e aguardar um tempo mais propício. Em meados de outubro, ele partiu novamente. O tempo adverso continuava mas, ao menos, o panorama mudou, fragmentado, e formava o que parecia ser um cabo. Ali, conduzindo a oeste, havia um estreito.
Magalhães navegou através dos estreitos da Patagônia meridional que iriam posteriormente receber seu nome entre 21 de outubro e 28 de novembro. Os estreitos, tão difíceis de serem encontrados, mostravam-se igualmente perigosos para a navegação. Altas ondas, fortes correntes e um misto de grandes profundidades e baixios letais atulhados de algas conspiravam para apresentar um formidável obstáculo. A região também parecia atrair constantes tempestades, graças aos ferozes e imprevisíveis ventos que sopravam dos oceanos convergentes. Naquele panorama de tirar o fôlego, que ostentava montanhas com picos cobertos de neve e imensas geleiras, os peculiares fogos noturnos despertaram a imaginação dos marinheiros. Provavelmente causados por relâmpagos, estes fogos levaram os marinheiros a suspeitar que fossem causados por nativos aguardando para atacar os navios. Em consequência, Magalhães denominou a região como Tierra del Fuego, ou Terra do Fogo. Parecia uma terra mágica, habitada por estranhas bestas, como os elefantes-marinhos e condores gigantes. Verdadeiramente, era o fim do mundo, mas as estrelas permaneciam familiares e elas, sem dúvida, tranquilizaram o almirante de que ele estava no rumo correto para finalmente chegar às Ilhas das Especiarias. O que o capitão não percebeu foi o quão distante estava sua meta além do Pacífico.
Cruzando o Oceano Pacífico
Durante a difícil travessia de 38 dias dos estreitos, houve outro motim, desta vez pacífico, e em novembro o San Antonio retornou ao lar via Oceano Atlântico (o navio chegou a Sevilha em 21 de maio de 1521). A tripulação dedicou-se a manchar a reputação do almirante junto às autoridades e acabou absolvida de qualquer culpa por retornar ao lar antecipadamente. Este foi um severo golpe para a expedição, pois o San Antonio abrigava uma proporção significativa dos estoques da frota.
Agora com três navios, a frota chegou ao Oceano Pacífico em 28 de novembro de 1520. Seguiu rumo ao norte, costeando o litoral do atual Chile. Em 18 de dezembro, mais ou menos na altura da moderna Santiago, os navios viraram para o oeste. Para surpresa geral, as embarcações faziam excelente progresso através de um mar incrivelmente calmo e com um vento forte e constante às suas costas. Os exploradores haviam topado com os ventos alísios. Nenhuma terra foi avistada, pois os navios passaram ao largo de ilhas como Taiti e Bikini. Isso pode ter sido providencial, pois os recifes de corais e as embarcações do século XVI certamente não fariam uma boa dupla. Porém, a falta de comida fresca e água tornava-se problemática. Os estoques dos navios apodreciam no calor tropical. O escorbuto começou a aparecer e implacavelmente reclamar suas vítimas. Magalhães e seus oficiais ficaram incólumes, mas 30 homens morreram da doença e um sem-número deles sofreu com seus horrores. A razão disso residia no fato de que os oficiais consumiam geleia de marmelo no jantar em seus alojamentos. O que todos desconheciam à época é que o marmelo é uma poderosa fonte de vitamina C, cuja deficiência causa o escorbuto.
Nenhuma tempestade sobreveio na travessia do Pacífico e frota avistou a primeira terra firme, uma ilha que chamaram San Pablo, em 24 de janeiro de 1521. Em 4 de fevereiro, alcançaram a Micronésia, mas não puderam aportar na ilha por causa dos recifes. Magalhães ficou exasperado. Onde estavam as Ilhas das Especiarias, ou qualquer outro tipo de massa de terra? Frustrado, o explorador português lançou seus mapas ao mar. Então, em 6 de março, eles chegaram à ilha de Guam, no arquipélago das Marianas. Os exploradores tinham levado 98 dias para cruzar o Pacífico e percorrido 7.000 milhas. Foi a mais longa viagem marítima sem escalas já registrada. Os habitantes de Guam deram as boas-vindas aos europeus e os reabasteceram com comida e água. Infelizmente para Magalhães, esta ilha paradisíaca ainda se encontrava a milhares de milhas de sua meta. Também desafortunadamente, embora não de forma atípica, as relações inicialmente amigáveis entre os povos indígenas e os europeus logo descambaram para a violência, após desentendimentos sobre a troca de produtos e o que era considerado como propriedade privada.
Prosseguindo, a frota alcançou o que é atualmente as Filipinas em 7 de abril. Novamente os europeus foram bem recebidos e alimentados pelos ilhéus. Percorrendo o arquipélago, Magalhães aportou na ilha de Cebu. Uma vez mais os europeus encontraram hospitalidade e repouso. Foi em Cebu, à beira do sucesso de sua missão, que Magalhães acabou sendo morto, em 27 de abril de 1521. O marinheiro português, atingido inicialmente por uma flecha envenenada, foi massacrado por uma turba quando, de forma imprudente, resolveu interferir numa batalha entre chefes rivais em Mactan.
A frota e suas tripulações devastadas continuaram a navegar, mas certamente não poderiam voltar pelo mesmo caminho pela qual tinham vindo. Juan del Cano (também chamado Juan Sebastian Elcano) foi nomeado o novo líder da expedição. Em maio, decidiu-se incendiar o Concepción, cujo casco estava repleto de teredos, já que simplesmente não havia homens suficientes para tripular três embarcações. A frota agora se resumia a dois navios e uma reestruturação de pessoal levou o piloto João Lopes Carvalho ser eleito como novo líder geral.
Em julho, chegaram a Brunei e viram-se diante de novidades como os juncos de navegação da Ásia Oriental, os elefantes e o vinho de arroz. Porém, devido à impaciência do grupo, os navios estavam fazendo água de tal maneira que não houve outra saída senão aportar em Cimbonbon por 42 dias para repará-los. Em 27 de setembro, eles partiram novamente. Em 8 de novembro de 1521, alertados inicialmente pelo cheiro de noz-moscada e canela no mar, eles finalmente alcançaram Tidore, no arquipélago vulcânico das Ilhas das Especiarias. Magalhães estava certo: havia uma rota do oeste para o oriente. Em poucos dias, os navios estavam repletos de especiarias, trocadas por rolos de tecido, copos de vidro, capas, sinos e ferramentas de metal, como machados, facas e tesouras trazidas através do mundo com aquela finalidade.
Em 21 de dezembro, carregado com especiarias, o Victoria, comandado por Elcano, partiu rumo oeste enquanto se procediam a novos e indispensáveis reparos no Trinidad. O Victoria navegou rumo a Timor, na Indonésia, e dali para o Cabo da Boa Esperança, que precisou de várias tentativas para ser contornado. Eles então subiram a costa da África e aportaram nas ilhas do Cabo Verde em julho, onde descobriram, para sua grande surpresa, que estavam um dia atrás em relação aos seus registros meticulosos. Os circum-navegadores foram os primeiros a demonstrar que dar a volta ao mundo do leste para o oeste adicionava 24 horas à jornada. Após percorrer as 10.000 milhas das Ilhas das Especiarias e se esquivar dos navios que tinham ordens do rei português para apreender a embarcação, o Victoria finalmente chegou à Espanha, em 6 de setembro de 1522. Apenas 18 homens sobreviveram dos 60 que tinham deixado as Ilhas das Especiarias. Os 18 circum-navegadores haviam percorrido inacreditáveis 60.000 milhas. O rei espanhol e os financiadores de improvável expedição de Magalhães tiveram grandes lucros com a carga de especiarias do Victoria.
Enquanto isso, em 6 de abril, o Trinidad finalmente partiu das ilhas das Especiarias com uma fortuna – cerca de 50 toneladas – da preciosa carga. Infelizmente, o capitão era Gonzalo Gómez de Espinosa, que não dispunha de habilidade suficiente para conduzir o navio com segurança de volta. Desviando-se completamente do curso e com seus homens morrendo de escorbuto, Espinosa teve de retornar às Ilhas das Especiarias, após vários meses no mar. O Trinidad acabou sendo capturado por uma frota portuguesa enviada para perseguir Magalhães. Em outubro de 1522, uma tempestade fez o Trinidad em pedaços enquanto estava ancorado. A capitânia de Magalhães – e, mais importante para a posteridade, seu diário de bordo – foram perdidos. A tripulação capturada permaneceu definhando na fortaleza portuguesa de Ternate, uma das Ilhas das Especiarias. Apenas quatro destes homens retornaram à Europa e, assim, dos cerca de 270 membros originais da expedição que deixou a Espanha três anos antes, somente 22 conseguiram voltar para casa.
Legado
Magalhães comprovou que não apenas a América do Sul podia ser contornada e que navios podiam dar a volta no globo numa rota ocidental, mas também que os ventos alísios e as correntes do Pacífico podiam ser usadas, assim como faziam perto de casa, para tornar a viagem mais rápida. Também demonstrou que o Oceano Pacífico era imenso – aumentando o tamanho do mundo em 7.000 milhas em relação às estimativas anteriores dos cartógrafos. Como declara o historiador L. Bergreen, “em termos de prestígio e poder político, tratava-se de uma realização da Renascença equivalente a vencer a corrida espacial” (391).
Os Estreitos de Magalhães estavam longe de representar uma rota segura, ou mesmo rápida, e muitos marinheiros falharam subsequentemente em encontrar seu acesso correto no labirinto de ilhas da extremidade meridional das Américas. Alguns exploradores chegaram a alegar que os Estreitos não mais existiam e que um desmoronamento bloqueara a rota, tal era a dificuldade em navegar naquelas ilhas. Acima de tudo, as ferozes tempestades que rugiam em torno do Cabo Horn traziam um desafio formidável. Entre 1577 e 1580, o navegador inglês Francis Drake (c. 1540-1596) encontrou seu caminho através dos estreitos em sua própria circum-navegação do globo, atacando pela primeira vez as colônias espanholas na costa ocidental das Américas e pilhando as riquezas transportadas por navios da Espanha.
Carlos V usou a viagem de Magalhães para apoiar a reivindicação espanhola sobre as Ilhas das Especiarias e enviou em seguida uma frota armada. Portugal e Espanha novamente tentaram acertar uma divisão do mundo e os portugueses terminaram pagando à Espanha uma grande quantidade de ouro para manter o controle das Ilhas das Especiarias. Afinal de contas, Magalhães estava errado: as ilhas encontravam-se na metade portuguesa do mundo, pelo menos na opinião de Portugal.
Finalmente, o nome do grande navegador vive nas mesmas estrelas que foram tão importantes para sua travessia dos mares desconhecidos. As duas galáxias-anãs que avistou no Sul do Pacífico são agora chamadas Nuvens de Magalhães.