Wahunsenacah, também conhecido como Chefe Powhatan (v. c. 1547 – c. 1618) era o líder da Confederação Powhatan dos Nativos Americanos que habitavam a região do atual estado norte-americano da Virgínia, que denominavam como Tsenacommacah (terra densamente povoada).
Ele é também conhecido pelo seu título Mamanatowick (Grande Chefe), bem como pelas diferentes versões do seu nome traduzido de sua linguagem nativa, Algonquiano, para o inglês: Wahunsenasawk, Wahunsenacoq, Wahunsenakah, além de outras variações semelhantes. Também ganhou renome como o pai de Pocahontas (v. c. 1596-1617) e, em menor escala, como o meio-irmão de Opchanacanough (v. 1554-1646), que conduziu as duas últimas Guerras Anglo-Powhatan contra os invasores ingleses.
Nada se sabe sobre seu pai, mas ele herdou de sua mãe a liderança de seis tribos (pois os powhatans eram uma sociedade matrilinear) em algum momento antes de 1570. Wahunsenacah expandiu seu reino através do assassinato de outros chefes, guerras ou diplomacia até que, por volta de 1607, liderava mais de 30 tribos que lhe pagavam tributo para proteção contra outros povos indígenas não aliados aos powhatans, especialmente a Confederação Iroquesa.
Quase nada se sabe sobre sua vida anterior a 1607, quando a Colônia de Jamestown da Virgínia foi fundada pelos ingleses. Ele deu as boas-vindas ao capitão John Smith (v. 1580-1631) e tentou se aliar com os ingleses contra os espanhóis e outras tribos nativas, mas as relações se deterioraram à medida que os colonos de Jamestown continuavam a exigir mais de seus vizinhos enquanto, simultaneamente, tinham um comportamento abusivo.
Wahunsenacah lançou a Primeira Guerra Powhatan em 1610, em resposta ao roubo de terras pelos colonos, conflito que só terminou em 1614, com o casamento de Pocahontas com o plantador de tabaco John Rolfe (v. 1585-1622). O casamento iniciou a chamada Paz de Pocahontas (1614-1622), que foi quebrada por Opchanacanough em 1622, deflagrando a Segunda Guerra Powhatan (1622-1626). Naquela época, Wahunsenacah já tinha morrido. Ele é lembrado atualmente na Virgínia em nomes de logradouros, estátuas, monumentos e sítios históricos associados com sua vida. Sua capital, Werowocomoco, por muito tempo situada na cidade de Wicomico, no Condado de Gloucester, foi definitivamente identificada em 2003 numa região a oeste, na Purtan Bay, e escavações vêm sendo realizadas desde então.
A Confederação Powhatan
Muito antes da Confederação Powhatan ter sido formada sob Wahunsenacah, as tribos indígenas que a formavam tinham vivido como entidades separadas em termos políticos, culturais e marciais. A ocupação da área pelos nativos americanos remonta a mais de 12.000 anos e mostra o desenvolvimento gradual de uma cultura nômade para uma seminômade. O acadêmico Rick Sapp comenta:
Eles clareavam os campos derrubando, removendo a casca ou queimando as bases das árvores e então colocando fogo nos galhos e troncos. Um local tornava-se inutilizável quando a produtividade do solo declinava e a pesca e caça de animais como o búfalo (que havia migrado para esta área antes de 1400) se esgotavam. Os bandos então se mudavam. Em cada nova área, as pessoas usavam fogo para abrir clareiras na floresta virgem. Também usavam fogo para manter extensas áreas abertas como habitats para animais de caça, chamadas “maninhos”. (290)
Os homens se responsabilizavam pela caça e guerra, enquanto as mulheres plantavam, cuidavam e faziam a colheita das culturas cultivadas. Quando os homens saíam nas expedições de caça, as mulheres os precediam para construir acampamentos temporários. Com o tempo, certos sítios transformaram-se em comunidades permanentes e dentre eles destacou-se Werowocomoco, um nome derivado da palavra algonquiana para “líder” - weroance - e para “assentamento” - komakah -, resultado em “vila do líder”. É possível que Werowocomoco tenha sido o centro do governo powhatan anteriormente ao reinado de Wahunsenacah.
Como uma sociedade matrilinear, os títulos e nomes de famílias eram passados adiante através da linhagem feminina e as mulheres escolhiam os anciãos - membros do conselho tribal -, e o chefe. Desconhecemos o nome da mãe de Wahunsenacah, mas ela seria uma pessoa poderosa na tribo, provavelmente até a chefe, e teria conferido o título ao filho em algum momento antes de 1570. Ele também herdou a responsabilidade de presidir as tribos Appamattuck, Arrohateck, Chiskiack, Mattaponi e Pamunkey.
As tribos nativas americanas não eram uma sociedade coesa ou unificada. Cada tribo tinha sua própria nação e guerreava com as outras. Não eram guerras de conquista, mas conduzidas para honra, prestígio, poder ou para corrigir injustiças. O acadêmico Alan Taylor comenta:
Com a falta de propriedade para pilhar, os índios lutavam principalmente por escalpos ou cativos, ambos para elevar sua honra e para degradar a dos inimigos [...] Embora crônica, a guerra algonquiana matava relativamente poucas pessoas pelos padrões ingleses. Os nativos realizavam ataques rápidos para matar uns poucos guerreiros, apanhar alguns cativos, humilhar um rival e, em seguida, retiravam-se apressadamente de volta ao lar para celebrar. (127)
As tribos da região que eles conheciam como Tsenacommacah se engajavam regularmente neste tipo de combate. A Confederação Iroquesa (também conhecida como Haudenosaunee), ao norte, formou uma liga tribal para encerrar estes conflitos e ganhar mais poder em algum momento durante o século XII. Seu sucesso deve ter inspirado Wahunsenacah a criar sua própria liga, especialmente porque os iroqueses estavam entre as tribos hostis que atacavam as terras dos powhatans.
Com as seis tribos sob controle, Wahunsenacah iniciou uma política de expansão a partir de Werowocomoco. Seus métodos eram com frequência brutais – ataques nos quais matava o chefe e o substituía com um dos filhos ou um membro confiável de sua extensa família –, mas também empregava diplomaria e subornos para trazer as tribos para sua esfera de influência. Cada tribo tinha seu próprio weroance, que se submetia a Wahunsenacah e lhe pagava tributo. Este tributo, que incluía milho, feijões e abóbora (as chamadas Três Irmãs), além de camurça e peles, era então distribuído igualmente entre as tribos da confederação. Tal sistema garantia a todos suprimentos regulares de comida, bem como excedentes para épocas de colheitas ruins.
A Confederação Powhatan também mantinha a segurança e proteção das tribos unificadas contra os estrangeiros. Com o objetivo de manter a unidade, Wahunsenacah organizava a cada inverno caçadas em larga escala, multitribais, enviando expedições em direção ao interior, onde os guerreiros eram livres para atacar e pegar escalpos em povoados de outras nações tribais. Assim, os homens que precisavam se provar como guerreiros atendiam a esta necessidade sem causar conflitos na própria Confederação Powhatan. A política de Wahunsenacah foi tão bem-sucedida que, por volta de 1607, ele liderava mais de 30 tribos diferentes em Tsenacommacah.
Jamestown e os Powhatans
Os espanhóis colonizaram as Índias Ocidentais e as Américas do Sul e Central ao longo do século XVI e realizavam ataques periódicos na costa da América do Norte, sequestrando nativos para vendê-los como escravos. Quando os ingleses desembarcaram em Tsenacommacah, em Maio de 1607, Wahunsenacah os visualizou como aliados úteis, não somente contra os agressores espanhóis, mas também contra os iroqueses e outras nações hostis. Os ingleses escolheram fundar Jamestown num pântano que Wahunsenacah não utilizava por considerá-lo “terra ruim”, pobre para a agricultura e boa somente para gerar doenças e, assim, não teve objeções quanto ao assentamento dos recém-chegados. Ele permitiu a instalação do povoado, mas, na verdade, seria incorreto dizer que ele lhes deu as boas-vindas.
Ele sentiu pena dos ingleses ineptos e muito mal preparados, porém, e instruiu seu povo a fornecer-lhes comida. Uma das primeiras tribos a interagir com os colonos foram os Kecoughtans, que convidaram os ingleses para jantar. Ficaram escandalizados com a falta de modos dos convidados, pois eles agarravam os sacos de milho até que ficou claro que tinham sido convidados para um jantar no qual seriam servidos conforme as normas de hospitalidade indígena.
Os colonos tinham sido levados a acreditar na propaganda espanhola que o assim chamado Novo Mundo estava repleto de ouro e bastava somente apanhá-lo para enriquecer. Assim, a expedição inicial, com cerca de 100 homens e garotos, compunha-se em grande parte de indivíduos que esperavam ficar ricos sem muito esforço. O gesto inicial dos powhatans, portanto, foi visto como um convite para continuar recorrendo a eles para conseguir alimentos.
Wahunsenacah, provavelmente, havia ordenado que os kecoughtans suprissem os colonos com seus excedentes e, quando isso se esgotou, os ingleses começaram a roubar comida dos povoados vizinhos ou trocar ferramentas, armas, roupas e outros itens por milho e feijões. Para desencorajar esta prática e forçar os ingleses a se virar sozinhos, os nativos começaram a subir os preços, mas o único resultado foi elevar os furtos, que finalmente ocasionaram conflitos e captura de prisioneiros.
John Smith e Wahunsenacah
John Smith encontrou-se pela primeira vez com Pocahontas quando ela integrou uma delegação enviada por Wahunsenacah para negociar a libertação de alguns powhatans capturados pelos colonos e mantidos prisioneiros em Jamestown. Eles inicialmente se comunicavam através de gestos mas, de acordo com alguns relatos, aprenderam umas poucas palavras da linguagem do outro através de interações posteriores. Enquanto explorava o interior, Smith foi por sua vez aprisionado pelo meio-irmão de Wahunsenacah, Opchanacanough, e trazido para Werowocomoco, onde foi apresentado ao chefe. Smith forneceu o primeiro relato inicial por escrito da aparência do grande chefe:
Chegando em Werowocomoco, o imperador deles [Wahunsenacah] estava orgulhosamente estendido de lado num estrado com um um pé [33 centímetros] de altura, sobre dez ou doze esteiras, enfeitado com colares de grandes pérolas em torno do pescoço e coberto com muitas peles de racum. Na altura da sua cabeça sentava-se uma mulher, aos seus pés outra, e de cada lado, sentados sobre esteiras estendidas sobre o chão estavam agrupados os chefes subordinados, dez de cada lado do fogo, e atrás deles muitas mulheres jovens, cada qual com grandes colares de contas brancas sobre seus ombros, as cabeças pintadas de vermelho e ele com semblante tão grave e majestoso que me deixou admirado em ver tal comportamento num selvagem despido. Ele gentilmente me deu as boas-vindas com palavras gentis e grandes bandejas com vários mantimentos, assegurando-me da sua amizade e minha liberdade dentro de quatro dias. (17)
O relato inicial sobre este encontro não faz nenhuma menção a Pocahontas. A famosa história da captura de Smith pelo Chefe Powhatan e como ele teria sido salvo da execução por Pocahontas aparece em primeiro lugar numa carta destinada à rainha Ana da Dinamarca (esposa de Jaime I da Inglaterra) em 1616, quando a jovem indígena visitou a Inglaterra como esposa de John Rolfe, e foi repetida no livro do capitão, História Geral da Virgínia, publicado em 1624. Há um consenso acadêmico de que o relato sobre o salvamento trata-se de uma invenção ou Smith interpretou incorretamente um ritual de morte-e-renascimento que tinha o propósito de “matá-lo”, separando-o de sua vida antiga, para então recepcioná-lo na tribo como um weroance dos ingleses, que Wahunsenacah considerava como outra tribo que podia ser incluída em sua confederação.
Wahunsenacah deixou claro a Smith que o queria como aliado e, como prometido, libertou-o em seguida. O capitão então assumiu firmemente o controle da colônia, proibiu o furto aos nativos e forçou os colonos a trabalhar em troca de comida. As relações melhoraram por algum tempo, até que informações foram trazidas da Inglaterra pelo capitão Christopher Newport (v. 1561-1617), segundo as quais a Companhia da Virgínia de Londres – o grupo que financiara a expedição Jamestown – queria que Wahunsenacah se tornasse um súdito do rei Jaime I, através de um ritual no qual seria coroado como um príncipe inglês.
Smith rejeitou esta proposta sem rodeios, argumentando que Wahunsenacah era um soberano por direito próprio e a tentativa de fazê-lo um súdito do rei inglês só causaria problemas. Ainda assim, ele e Newport, assim como os demais, não tinham escolha a não ser obedecer às diretrizes da companhia. Wahunsenacah foi informado de que eles queriam coroá-lo numa cerimônia formal. Ao ser solicitado a comparecer em Jamestown, ele recusou o convite, dizendo-lhes que não seria digno de um rei fazer tal concessão aos plebeus e que os ingleses teriam de ir a Werowocomoco.
O ritual não correu como desejado, porque Wahunsenacah fingiu ou realmente não compreendeu qual o objetivo do ritual ou para que servia a coroa. Para aceitar sua posição como súdito do rei Jaime I, ele precisaria ajoelhar-se para receber a coroa. Como um rei, porém, Wahunsenacah não ficaria de joelhos diante de ninguém e, assim, os colonos que o cercavam tentaram fazer com que se abaixasse pressionando seus ombros. No entanto, ele era alto e os esforços só o fizeram se inclinar um pouco, de forma que a coroa foi colocada apressadamente em sua cabeça e então um dos homens disparou um tiro em celebração; um canhão do navio próximo, o Discovery, disparou em resposta e o ritual foi rapidamente concluído. Wahunsenacah parece ter considerado o evento como uma troca de presentes – e nada mais –, pois em seguida ele deu ao capitão Newport sua veste de camurça e um par de mocassins em troca da coroa e manto que recebeu.
De La Warr e a Primeira Guerra Powhatan
A partir de então, os ingleses parecem ter considerado Wahunsenacah e seu povo como súditos de seu rei, como eles próprios, uma condição que o próprio chefe não reconhecia de forma alguma. Por todo o ano de 1609, os colonos continuaram a aguardar o fornecimento de alimentos pelas tribos vizinhas e as relações azedaram. Os problemas foram exacerbados pelo fluxo de novos colonizadores, tanto que, em Agosto de 1609, havia mais de 500 colonos em Jamestown, todos precisando de alimento e abrigo e expandindo-se ainda mais pelas terras dos powhatans. Smith foi ferido numa explosão de pólvora em Outubro de 1609 e voltou à Inglaterra para tratamento. Seu relacionamento com o chefe powhatan tinha se deteriorado a tal ponto que ele sequer lhe comunicou que estava partindo. Por algum motivo, os colonos disseram mais tarde aos powhatans que Smith havia morrido.
Wahunsenacah ordenou aos colonos que permanecessem dentro dos muros de sua vila fortificada e deu licença aos guerreiros para matar quem ousassem sair. Esta política contribuiu para o que ficou conhecido como o Tempo da Fome, durante o qual 80% da população morreu e aqueles que sobreviveram o fizeram comendo ratos, cachorros, cavalos e, finalmente, cadáveres. Em maio de 1610, um navio de suprimentos chegou, trazendo o novo governador, Sir Thomas Gates (v. c. 1585-1622), que encontrou somente 60 colonizadores vivos. Ele ordenou o abandono da colônia e estava levando os sobreviventes de volta à Inglaterra quando outro navio chegou, trazendo o aristocrata Thomas West, lorde De La Warr (v. 1577-1618), que assumiu o controle e ordenou a reinstalação de Jamestown.
De La Warr adotou uma abordagem radicalmente diferente nas relações anglo-powhatans, fazendo exigências a Wahunsenacah e esperando atendimento. Sua política inflexível resultou na Primeira Guerra Powhatan (1610-1614). De La Warr adoeceu e voltou à Inglaterra em 1613, transferindo sua autoridade para Sir Samuel Argall (v. c. 1580-1626). Argall manteve as políticas de West e sequestrou Pocahontas em 1613, mantendo-a em troca de resgate, primeiramente em Jamestown e, depois, na recém-fundada colônia de Henricus.
John Rolfe, que havia desembarcado no mesmo navio que Gates em 1610, na época já estava cultivando lucrativas safras de tabaco em sua fazenda, próxima a Henricus, e encontrou Pocahontas no povoado. Ela se converteu ao cristianismo, adotou o nome de Rebeca e casou-se com Rolfe em Abril de 1614, com a benção do pai. A Primeira Guerra Powhatan terminou com este casamento, que iniciou a Paz de Pocahontas.
Conclusão
Rolfe, Pocahontas e seu jovem filho, Thomas, foram à Inglaterra em 1616, numa excursão promocional para gerar investimentos adicionais em Jamestown, e ela morreu antes de retornar, provavelmente de pneumonia. Thomas foi deixado aos cuidados do irmão de Rolfe. Wahunsenacah ficou de luto pela perda de sua filha favorita, mas manteve a paz em honra ao neto. Ele abdicou como chefe por volta de 1617 e seu irmão mais novo, Opitchapam, sucedeu-o por um breve período. Porém, os anciãos acabaram optando por Opchanacanough, que se tornou o novo chefe. Wahunsenacah morreu no ano seguinte e foi sepultado com todas as honras.
Opchanacanough manteve a paz a princípio, mas os elevados lucros provenientes do tabaco resultaram em mais terras sendo tomadas dos powhatans e, em 1622, ele atacou os povoados, matando mais de 300 colonos no primeiro ataque, conhecido como Massacre Indígena de 1622. A guerra continuou até 1626, quando Opchanacanough buscou a paz, mas as hostilidades prosseguiram. Opchanacanough lançou a Terceira Guerra Powhatan em 1644, numa tentativa final de expulsar os ingleses, mas foi derrotado, capturado e morto em 1646, o que encerrou o conflito. O tratado assinado por seu sucessor dissolveu a Confederação Powhatan e transferiu os nativos para reservas.
Após a Rebelião de Bacon de 1676, as terras dos nativos americanos diminuíram ainda mais e, nos dias atuais, somente as tribos Mattaponi e Pamunkey mantêm suas áreas originais do século XVII. A terra que Wahunsenacah governou é agora o altamente desenvolvido Estado da Virgínia, mas sua lembrança como antigo rei permanece em monumentos comemorativos, como a Powhatan Stone, e áreas identificadas estreitamente com ele, como Werowocomoco. Seus descendentes ainda vivem na região e tiveram recentemente o reconhecimento oficial do Governo Federal dos Estados Unidos como tribos Nativas Americanas, mas continuam a lutar pelo respeito que merecem.