A Controvérsia da Investidura, também citada como Disputa da Investidura, foi um conflito surgido de 1076 a 1122 entre o Papado da Igreja Católica e a Dinastia Saliana dos monarcas alemães que governavam o Sacro Império Romano. O conflito entre o Papado e o Império teve como foco a nomeação de bispos, sacerdotes e monges por meio da prática da investidura laica, na qual estes personagens eclesiásticos eram selecionados para suas posições e nomeados pelos governantes seculares, ao invés do Papa, com a troca dos paramentos e símbolos físicos dos respectivos cargos. A disputa foi puramente ideológica entre as coalizões do Papa Gregório VII (pont. 1073-1085) e Henry IV, Sacro Imperador Romano (rein. 1084-1105) e Rei dos Alemães (rein. 1056-1105), embora o conflito persistisse para além de suas mortes e tivesse ramificações políticas nos séculos vindouros.
A disputa a respeito da investidura cresceu, gradualmente no século XI, a partir de intervenções menores dos senhores imperiais nos assuntos da Igreja e a partir de um generalizado movimento de reforma dentro da própria Igreja medieval capitaneada pelos Papas, cujo objetivo reformista era “... a completa libertação da Igreja do controle pelo Estado, a negação do caráter sacramental do reinado e o domínio do Papado sobre os governantes seculares...” (Cantor,245). Estas postulações ocorreram simultaneamente e não eram, necessariamente, antagônicas até após a morte de Henry III, Sacro Imperador Romano (rein. 1046-1056). A tensão do conflito entre as autoridades seculares e religiosas atingiu o ponto alto em 1076 quando Henry IV clamou pela abdicação de Gregório VII, excomungado por isto pelo Papa. Logo em seguida eclodiu uma guerra civil entre os leais a Henry IV e uma coalizão de anti-imperialistas e reformadores gregorianos.
Embora a disputa tenha deslizado lentamente para o final do século, o equilíbrio da política europeia havia sido rompido. O complexo conflito de autoridades religiosas, imperiais e locais persistiu até o século XII e foi resolvido pela Concordata de Worms. Este compromisso entre Henry V, Sacro Imperador Romano (rein. 1106-1125) e o Papa Calixto II (pont. 1119-1124) estabelecia os papéis dos governantes seculares e autoridades da Igreja no processo de seleção e investidura, reestruturando as relações entre a Igreja e o Império, bem como em relação aos governos seculares em geral. O conflito entre as autoridades da Igreja e do Estado não cessaram em 1122, porém a Concordata limitava a influência secular sobre o Papado, após diversos séculos, temporariamente suprimindo a ideia de um teocrático Sacro Império Romano.
Contexto
O reinado de Otto I, Sacro Imperador Romano (rein. 962-973), da Dinastia Ottoniana germânica, ficou saturado com o excesso de patrocínio religioso, com o objetivo de promover sua influência sobre a Igreja, o que ficou conhecido como Renascença Ottoniana. Logo após sua coroação, ele deu início a uma reestruturação das relações entre os reinos seculares e o Papado, pretendo seu direito para criar feudos dentro do território do império e instalar senhores ou bispos, escolhidos a dedo, para administrar estas terras. O patrocínio religioso de Otto incluía “doações aos bispados, monastérios e conventos germânicos... a fundação de escolas catedrais e a produção de novas edições de textos clássicos... bem como um grande número de literatura litúrgica,” poemas religiosos e peças teatrais, histórias regionais e culturais e uma grande variedade de outros textos (Whaley, 27-28).
Além dessas atividades, Otto I e seus sucessores imperiais consolidaram o controle intervindo nos assuntos da igreja local por intermédio da investidura secular. Ao indicar associados pessoais ou políticos para posições de autoridade religiosa, primariamente bispos e abades, os governantes seculares implantaram o controle direto sobre esses cargos eclesiásticos e às propriedades a eles ligadas, incluindo igrejas, catedrais, conventos, monastérios e quaisquer propriedades rurais associadas. O processo de seleção e indicação de investidura secular mantido pelas dinastias Ottoniana e Saliana suplantava o direito dos Papas e Arcebispos a isto, reforçando a superioridade dos governantes seculares sobre a Igreja e o Papado.
O Sacro Imperador Romano Henry III, o segundo imperador saliano, foi particularmente notado por sua exibição pública de religiosidade e devoção, bem como sua intervenção nos assuntos da Igreja. Especialmente em 1046, ele indicou bispos de Aquileia, Milão e Ravena na Itália e, no Sínodo de Sutri, encerrou uma disputa papal entre três pretendentes à Cátedra de São Pedro ao excluí-los da disputa e selecionando o Bispo Suidger de Bamberg para assumir o trono com o nome de Papa Clemente II (pont. 1046-1047). Os três sucessores consecutivos de Clemente – Damásio II, Leão IX e Vítor II- foram também selecionados por Henry III a partir de um conjunto de bispos alemães leais e chefiaram a Igreja até 1057. Quando Henry III morreu em 1056, a supremacia de facto do Sacro Império Romano sobre a Igreja e o Papado era inegável, devido à secular influência nos mais altos cargos da Igreja.
Reforma Papal do Século XI
No início do século XI, surgiu um movimento de reforma clerical e monástica dentro da Igreja. Liderada pelo Papado e apoiada por eminentes figuras da Igreja, incluindo Pedro Damião, Hugo de Cluny e Anselmo de Lucca, as políticas reformistas tinham por base a ideia da independência da Igreja da interferência secular e superioridade papal sobre os governantes laicos. As pretensões papais de autoridade secular sobre monarcas e senhores foram derivadas, em parte, da fraudulenta Doação de Constantino, um documento forjado que pretendia relatar a concessão de todas as terras e propriedades do Império Romano do Ocidente ao Papado pelo Imperador Romano Constantino I (rein. 306-337). A Igreja e seus partidários, de acordo com os reformadores, tornaram-se tiranizados pelos imperadores e reis germânicos desde a época de Constantino, à medida que institucionalizaram o controle sobre as propriedades e cargos eclesiásticos.
Os reformadores da Igreja visavam a investidura e as associadas interferências seculares. Em particular, a prática de simonia e o casamento do clero, já proibido pelo cânon da Igreja, eram vistos como assuntos-chave que demandavam uma solução. Tanto o casamento de clérigos como a simonia (venda de posições ou sacramentos religiosos), foram criticados como causa de imoralidade dentro da Igreja. A simonia foi uma prática comum no feudalismo da Europa medieval no qual elementos da Igreja recentemente investidos pagavam sua indicação para o cargo. A transação ia além dos procedimentos estabelecidos pela lei da Igreja. Como resultado desta subversão, a simonia foi pesadamente criticada na metade do século XI por Clemente II e Leão IX (pont. 1049-1054) como a causa central da corrupção secular da Igreja.
Os papas do século XI, incluindo os indicados por Henry III, estruturaram o movimento da reforma em torno da independência e apoiaram seus objetivos desenvolvendo o Direito Canônico da Igreja. Em adição às campanhas contra a simonia e o casamento de religiosos, o Papa Leão IX orientou ativamente a codificação do Direito Canônico, dos decretos papais e as Escrituras. Ele estabeleceu o Papado como o único juiz em relação à doutrina e ritual cristãos em direção ao universalismo e domínio de Roma a respeito da cristandade. Estas ações agravaram as tensões com o Império Bizantino e em parte levou ao Cisma Leste-Oeste da Cristandade de 1054, separando as Igrejas Romana e Bizantina como instituições independentes. Em resposta à instalação de Papas durante reinado imperial, o Papa Nicolau II (pont. 1058-1061), outro ardente reformador, editou uma Bula Papal em 1059, colocando como ilegal a interferência secular na indicação dos papas, determinando que a seleção papal fosse exclusiva de uma assembleia eleitoral de sete bispos e que mais tarde iria se tornar o Colégio de Cardeais.
Gregório VII e Henry IV
O movimento da reforma papal surgiu após a entronização de Hildebrando de Sovana como o Papa Gregório VII. Ardente defensor da autoridade da Igreja sobre os poderes seculares durante toda sua vida, Gregório continuou sua implacável busca da reforma e da superioridade papal como líder da Igreja. Suas políticas, que ficaram conhecidas com o título de Reformas Gregorianas, tiveram como base os seus predecessores adeptos da reforma e apoiado pelos membros do clero e laicidade, os quais se opunham ao “domínio da Igreja pelos laicos e o envolvimento da Igreja nas obrigações feudais” (Cantor, 244).
Gregório e seus apoiadores encontravam-se especialmente preocupados com a investidura laica e os desafios para sua implementação, elevando a tensão Papado-Império. Em 1074, Gregório VII, inflexível em suas pretensões a respeito da supremacia da Igreja sobre o mundo secular, assegurou que os cargos da Igreja seriam preenchidos somente pelo Papa e exigiu que os governantes seculares obedecessem a esta política. No ano seguinte, Gregório escreveu o seu Dictatus Papae, uma lista de 27 itens definindo os poderes do Papado. Peter Wilson resumiu concisamente as declarações de Gregório: “a alma imortal era superior ao corpo mortal do estado. O Papa era superior a ambos, com direito a rejeitar bispos e reis se fossem incapazes para o cargo” (55).
As afirmações de Gregório a respeito da superioridade papal foram ignoradas por Henry IV, o jovem herdeiro de Henry III. Uma vez que sua regência foi dissolvida em 1065, Henry IV enfrentou constantes desafios e revoltas locais, mais notavelmente na Saxônia e Norte da Itália, contra suas tentativas de criar uma monarquia fortemente centralizada. Um praticante habitual da investidura, da simonia e do patrocínio político, Henry acendeu a tensão papal-imperial quando ele instalou novos arcebispos em Fermo, Milão e Spoleto em 1075, ao que Gregório respondeu ameaçando-o de excomunhão. Destemido e familiar com desafios ao seu reinado, Henry reuniu os bispos e clérigos apoiadores do império no Sínodo de Worms em janeiro de 1076. Ali, Henry e a assembleia renunciaram à obediência ao Papa Gregório VII e pediram sua abdicação.
Em resposta, Gregório excomungou Henry, anulando os juramentos de lealdade e fidelidade prestados a Henry por seus súditos e vassalos. Os cristãos da Europa foram proibidos de obedecerem ao rei alemão e muitos de seus apoiadores retiraram suas lealdades a ele quando receberam a proclamação. A crise política de Henry intensificou-se quando importantes lordes do território imperial deram a ele um ultimato exigindo que Henry se submetesse ao Papa ou abdicasse do trono. Nos meses seguintes, Henry enfrentou significativa oposição de dentro de seu reino. Ele manobrou seus comparecimentos públicos e políticos para retratá-lo como a força proeminente na Europa, enquanto Gregório apoiou o ultimato e a ameaçada eleição, ao invés de sucessão hereditária, de um novo rei.
Em janeiro de1077, Henry viajou até ao Norte da Itália e encontrou-se com Gregório no Castelo de Canossa, a residência ancestral de Matilda da Toscana (1046-1115), para implorar a absolvição de excomunhão. A chegada de Henry às muralhas do castelo e os eventos subsequentes no alto da invernal cordilheira Apenina ficou imortalizada como a Caminhada para Canossa. O rei germânico, de fato, recebeu sua absolvição em troca de seu arrependimento público fora do castelo e sua submissão ao Papa, porém estas ações desviaram o equilíbrio da política medieval. Ao se submeter a Gregório, Henry reconheceu o direito do Papa em depor monarcas seculares e, inadvertidamente, demonstrou a pretensão de Gregório a respeito da superioridade da Igreja sobre os poderes seculares.
Guerra Civil
Apear da submissão de Henry, a oposição anti-imperialista censurou o rei alemão e elegeu Rudolf de Rheinfelden, o Duque da Swabia, em substituição a Henry, iniciando uma guerra civil conhecida a Grande Revolta Saxônica (1077-1088). Henry gradualmente recuperou o apoio entre os nobres e bispos germânicos apesar de negar sua submissão e excomungado novamente em 1080. Logo após, Rudolf de Rheinfelden morreu e o exército de Henry iniciou um longo sítio de Roma. À medida que Roma lentamente caía em mãos alemãs, Henry depôs Gregório VII como Papa, instalando Wibert de Ravena como Papa Clemente III (pont. 1080-1100), subsequentemente confirmado como Sacro Imperador Romano por seu novo Papa. O sítio a Roma teve êxito em 1083 e Gregório VII foi mantido cativo pelo ano seguinte até que Robert Guiscard (*c.1015 +1085), o normando duque de Apúlia, Calábria e Sicília, empurrou o exército de Henry para o Norte, saqueou a cidade em 1084, libertando o Papa. Gregório permaneceu deposto e fugiu para o exílio no Sul da Itália, onde morreu em 1085.
Henry continuou a praticar investidura laica e simonia por todo seu reinado, tendo recuperado o território imperial, muito embora os insurrectos governantes da Bavária, Saxônia e Toscana, entre outros, mantivessem sua oposição. Henry invadiu mais uma vez o Norte da Itália em 1090 para reprimir uma revolta por uma coalizão anti-imperialista, liderada por Matilda de Toscana, Welf IV da Bavária (*c.10335/1040 +1101) e o sucessor de Gregório, Papa Urbano II (pont. 1088-1099). Os seus exércitos expulsaram os invasores e, em 1093, auxiliaram a rebelião do filho mais velho de Henry, Conrado. O casamento de Matilda com Welf V, herdeiro da Bavária, foi dissolvido em 1095, dando a Henry a oportunidade de se reconciliar com Welf IV. A revolta de Conrad entrou em colapso em 1096 e Henry retomou sua influência nos anos seguintes, mas finalmente abdicou seu trono imperial, em 1105, após traição de seu filho mais novo e herdeiro escolhido, Henry V.
Solução e Legado
Após ascensão ao trono imperial por abdicação de seu pai, Henry V recebeu o apoio da alta nobreza e governantes reformadores dentro do Império, mas as relações do Papado com o Império ficaram virtualmente inalteradas. O Papa Pascoal II (pont. 1099 – 1118), como seus predecessores reformistas, perseguiu a independência da Igreja da interferência secular e rejeitou os direitos de investidura de Henry. Em 1111, após o fracasso de um acordo a respeito da investidura laica, Henry sequestrou Pascoal, exigindo que o Papa reconhecesse seus direitos de investidura e coroá-lo Sacro Imperador Romano. A submissão de Pascoal a Henry foi anulada após sua libertação por um Concílio da Igreja com base em sua prisão. As ações de Henry fizeram com que os bispos e clero alemães, que antes o apoiavam, ficarem contra ele e deu aos governantes seculares, principalmente na Saxônia, uma razão para se oporem ao controle imperial de Henry sobre suas terras. O desacordo a respeito da investidura e a tensão entre o Sacro Império Romano e o Papado continuaram mesmo após o Papa ter resolvido conflitos semelhantes com as monarquias francesa e inglesa.
Soluções para os conflitos da investidura propostas por décadas do conflito giraram a respeito da divisão entre os papéis secular e espiritual dos bispos. Negociações entre as duas facções ganhou terreno em 1121 e o acordo finalmente conhecido como Concordata de Worms foi finalizado em 1122. O acordo entre Henry V, seus vassalos nobres e o Papa Calisto II eliminou a Investidura Laica, assegurando que os bispos “deviam ser escolhidos de acordo com o Direito Canônico e livres de simonia” (Wilson,60) e somente poderiam ser sagrados pelo “arcebispo pertinente, acompanhado por dois outros bispos” (Whaley, 43). O Imperador manteve a autoridade para investir bispos com autoridade secular e propriedade, fazendo deles vassalos dos governantes seculares, porém a parte feudal não tinha nenhum significado religioso e deixava a seleção de bispos para as autoridades da Igreja. A investidura de bispos era puramente dentro das jurisdições seculares, enquanto a autoridade espiritual viria somente dos prelados da Igreja.
Enquanto o permaneceu poderoso após a Concordata, sua influência sobre os assuntos da Igreja ficou significativamente limitada. Os bispos tornaram-se vassalos dos reis e duques locais, ao invés de indicados diretos do Imperador. Como resultado, a propriedade eclesiástica dentro do Império ficou ligada ao sistema feudal e respectivos governantes regionais, ao invés do trono imperial. Esta mudança beneficiou muitos duques e senhores, que ficaram com as propriedades eclesiásticas dentro do domínio anteriormente pertencente ao Imperador. A nobreza imperial e os príncipes feudais também se tornaram responsáveis em manter os futuros imperadores dentro dos termos do acordo.
Os termos da investidura e governança acordados na Concordata de Worms, transformaram as relações entre a Igreja e o Estado. Historiadores contemporâneos geralmente concordam que a Controvérsia da Investidura desviou a estrutura da política europeia. Wilson observou que a resolução “foi amplamente interpretada como assinalando um desvio histórico da Baixa para a Alta Idade Média e o início da secularização” (60). Cantor considerou a Controvérsia da Investidura ser “o ponto de virada na civilização medieval”, e explicou mais:
[O conflito] foi a consumação da Baixa Idade Média, porque nela a aceitação da religião cristã pelos povos germânicos alcançou uma etapa final e decisiva. Por outro lado, o padrão do sistema religioso e político da Alta Idade Média emergiu dos eventos e ideias da Controvérsia da Investidura. (246)
Embora as responsabilidades e capacidades de todos os partidos ficassem alteradas, o conflito entre as autoridades seculares e religiosas tenha existido por séculos antes da disputa a respeito da investidura e continuou a influenciar a sociedade europeia pelos séculos vindouros.