Príncipe D. Henrique, o Navegador (mais conhecido como Infante Dom Henrique, 1394-1460) foi um príncipe português que conquistou a cidade de Ceuta, no norte de África, patrocinou viagens de exploração com o objetivo de estabelecer colónias no Atlântico Norte e África Ocidental, e iniciou o envolvimento português no comércio esclavagista.
O Infante D. Henrique conquistou o cognome de 'o Navegador' por ter reunido desenhadores e especialistas marítimos para conceberem um novo tipo de embarcação, desenhar mapas e instrumentos de navegação. Com estes conhecimentos, o Infante D. Henrique financiou expedições de navegação em alto mar e a exploração da costa oeste africana, aumentando o conhecimento marítimo a cada expedição e supervisionando as primeiras etapas dos descobrimentos que culminaram num Império mundial.
Início de vida e Ceuta
O Infante D. Henrique, nasceu em 1394, sendo o terceiro filho de D. João I de Portugal (João I, reinado: 1385-1433) e da rainha D. Filipa de Lencastre (inglesa). De longe o estudioso iluminado e erudito que a lenda renascentista exalta, o Infante D. Henrique era um cristão devoto, vestia camisa de cilício e dedicou-se a uma vida de celibato, (não casou nem deixou descendência); contudo ficou conhecido pelas festas extravagantes, pela adoração à pompa e à cerimônia, e pela exaltação ao código cavalheiresco dos cavaleiros. Dedicou a sua vida à exploração, ao alargamento do império e à derrota dos muçulmanos onde quer que fossem encontrados.
Em 1415, os portugueses atacaram a cidade rica de Ceuta, no norte de África, renovando as hostilidades entre cristãos e muçulmanos. Apesar de a cidade de Ceuta estar bem fortificada, os muçulmanos foram apanhados de surpresa, pois os portugueses tinham dado a entender que a sua frota pretendia atacar os holandeses devido a uma disputa comercial. O exército tinha quase 20.000 homens, incluindo mais de 5.000 cavaleiros. O rei, o Infante D. Henrique, e os seus irmãos comandaram este extraordinário exército que tentava reacender a chama das antigas campanhas militares: as cruzadas. A investida não começou bem: primeiro houve uma calmaria e nevoeiro espesso e depois ventos imprevisíveis; em seguida, a armada separou-se antes de chegar ao seu destino. Devido ao elevado número de soldados e com o Infante D. Henrique no meio da ação, a 22 de agosto de 1415, quando o exército finalmente desemembarcou, conseguiu forçar a entrada na fortaleza de Ceuta (que capitulou no mesmo dia) conquistou, massacrou e saqueou desenfreadamente.
O Infante D. Henrique foi nomeado cavaleiro pelo seu papel fundamental na conquista de Ceuta e responsável pela defesa da mesma pelo Rei. Entre 1419 e 1420, o Infante D. Henrique resistiu a um forte contra-ataque à cidade. O Infante D. Henrique usou Ceuta como base para lançar ataques periódicos às povoações muçulmanas ao longo da costa - talvez tivesse sido este o verdadeiro propósito da conquista de Ceuta – e as naus inimigas foram impiedosamente afundadas no Mediterrâneo. Em 1415, o Infante D. Henrique foi feito Duque de Viseu e em 1420, por bula papal, foi nomeado administrador da Ordem de Cristo, ramificação da extinta ordem dos Cavaleiros Templários. Imensamente rico, graças às suas propriedades e alianças reais, o Infante D. Henrique angariou dinheiro de vários projetos, incluindo o monopólio régio do sabão, satisfazendo o seu zelo religioso e o desejo de empreendimento cavalheiresco, contudo ansiava por mais: queria o mundo.
A Caravela e a Vela Latina
O Infante D. Henrique, o Navegador, almejava que Portugal estivesse na dianteira da exploração territorial europeia, almejando desafiar os califados islâmicos do norte de África e do Médio Oriente, e talvez encontar o lendário reino cristão do Oriente governado por Preste João, tido ser nas terras da Etiópia, na África Oriental. Em 1419, em Sagres, o Navegador reuniu um grupo de especialistas em cartografia, navegação, astronomia, matemática e fabricantes de naus. O grupo incluía cristãos e judeus, e entre as fontes usadas, recorreram a fontes árabes para obter informações consideradas como relevantes, pois ao contrário do que se advoga, não existia neste local uma escola de navegação. Até esta data, as naus europeias dependiam de remadores, ou velas fixas ou ambas para a sua propulsão; sendo a nau de armação quadrada a mais comum, navegando somente quando o vento soprava de popa.
O Infante D. Henrique incumbiu os especialistas de conceberem um novo tipo de nau, que pudesse navegar a favor e contra o vento e que pudesse explorar as costas perigosas, rochosas e desconhecidas, as vias navegáveis interiores e o oceano aberto. A solução encontrada baseou-se num tipo de embarcação de pesca portuguesa: a caravela (termo usado tanto em português como em espanhol).
A caravela era um tipo de nau de porte médio, calado raso e velas latinas ou triangulares; era rápida, manobrável e necessitando apenas de uma pequena tripulação para navegar. As primeiras caravelas eram pequenas e não pesavam mais do que 80 toneladas, mas posteriormente aumentaram para 100-150 toneladas: tinham um leme de popa, dois ou três mastros e um distinto e elevado castelo tanto na proa como na popa, medindo de comprimento-boca 3,5:1.
A vela latina foi uma parte crucial do projeto e dos planos de exploração do Infante D. Henrique. O nome desta vela triangular deriva do 'latim', embora tenha sido inspirado nas velas das embarcações árabes, particularmente o dhow com sua única vela latina. As fléxiveis velas latinas permitiam que uma caravela navegasse a cinco pontos do vento e até mesmo bolinar (mover em zigue-zague para a frente) contra um vento contrário.
De forma a ter mais espaço para a carga, a caravela latina foi re-desenhada resultando a caravela redonda: era maior e mais larga, e podia pesar até 300 toneladas. A caravela redonda geralmente tinha mastros de cordame quadrado para maior velocidade e gurupés com vela de espicha. Uma terceira variante era uma caravela de quatro mastros projetada para uso como caravela de guerra: normalmente com três mastros com velas latinas e um mastro com vela quadrada.
A Primeira Colónia: Madeira
O Navegador financiou expedições usando o novo tipo de naus e gerando frutos, mesmo que ele passasse muito pouco tempo na água e nunca tenha feito uma viagem oceânica. Durante uma tempestade em 1418, dois capitães de naus patrocinadas pelo Infante D. Henrique, que deveriam fazer incursões na costa marroquina, desembarcaram em Porto Santo, no desabitado arquipélago da Madeira. Os exploradores acidentais rapidamente perceberam o potencial do local - um marinheiro que aportou posteriormente descreveu-o como "um grande jardim" (Cliff, pág. 71) - e relatou-o ao Infante D. Henrique. Em 1419, a Coroa portuguesa declarou formalmente a posse do arquipélago do Atlântico Norte, localizado a cerca de 800 km (500 milhas) da costa africana. A capitania da Madeira foi atribuída ao Infante D. Henrique e à Ordem de Cristo, ordem militar portuguesa cujo chefe era o próprio Infante, foi concedida direitos exclusivos nas ilhas e colonizadas a partir de 1420. O Infante D. Henrique foi o responsável pelo cultivo da cana-de-açúcar nas ilhas, criando um sistema de plantação que acabaria por ser expandido às outras colónias portuguesas, especialmente ao Brasil.
A Queda de Ceuta
Para equilibrar este sucesso, o Infante D. Henrique teve que suportar dois constantes fracassos: a primeira foi a tentativa de controlar as Ilhas Canárias, onde os exércitos de Castela e dos indígenas Guanches repeliram os portugueses por três vezes, (e O Navegador teve de se contentar com ilhas noutros lugares); a segunda foi Ceuta, pois a cidade perdeu todo o seu comércio após a ocupação. Os comerciantes muçulmanos e as naus mercantes simplesmente desviaram o curso do comércio para Tânger. Em 1473, o Infante D. Henrique conseguiu persuadir o rei a financiar outra campanha, mas Tânger era muito maior e mais bem defendida do que Ceuta e, sem os meios de cerco apropriados, a expedição foi um terrível fracasso. O Infante D. Henrique foi obrigado a entregar o seu irmão Fernando como refém para permitir uma retirada portuguesa. Parte do acordo era desistir de Ceuta, mas o Infante D. Henrique renegou o acordo e o seu irmão Fernando morreu numa prisão muçulmana. À medida que os ataques continuavam nos portos do norte de África, a atração pela África Ocidental começou a influenciar as ambições territoriais do Infante D. Henrique: Portugal passaria a centrar-se no Atlântico.
Contornando o Cabo Bojador
A África Ocidental oferecia poucas oportunidades, talvez tivesse recursos próprios, cujo acesso tinha de ser feito pelas redes comerciais muçulmanas no norte de África. Quando em 1324, o governante do Império do Mali (1312-1337), Mansa Musa I visitou o Cairo impressionou todos com a quantidade de ouro que transportou na sua comitiva e os europeus ficaram intrigados e com a cisma de que o coração de África continha minas de ouro fabulosamente ricas. Um grande obstáculo para o plano de acesso à região era de caráter geográfico: como contornar o Cabo Bojador e conseguir voltar para a Europa contra os ventos predominantes do norte e correntes desfavoráveis? Muitos marinheiros portugueses, bem como de outras nacionalidades, acreditavam que as águas além do Cabo eram assoladas por intempéries, nevoeiros terríveis e inimagináveis monstros marinhos.
Ao longo de 12 anos, com o apoio de banqueiros italianos, o Infante D. Henrique financiou 14 expedições afim de se contornar o Cabo, contudo, e apesar de, todas as naus terem velas brancas estampadas com a cruz Templária, todas as 14 frotas falharam a missão. A caravela latina foi a resposta ao problema, juntamente com uma boa dose de ousadia. Ao definir um curso ousado longe da costa africana e usar ventos, correntes e áreas de alta pressão, os portugueses descobriram que podiam navegar com segurança de volta para casa. Desta forma, em 1434, o explorador português Gil Eannes dobrou o traiçoeiro Cabo Bojador.
O Infante D. Henrique instruiu todas as expedições seguintes a registrar cuidadosamente as suas experiências. Consequentemente, foi elaborado um inestimável registro científico de ventos, marés, correntes, linhas costeiras, e foram desenhadas cartas cada vez mais precisas de África e mantidas em Lisboa. A relutância em partilhar as descobertas fosse com quem fosse, fez com que a informação náutica fosse tratada como um segredo de Estado. Houve, igualmente, acréscimos de conhecimento zoológico: pela primeira vez, os europeus entenderam para onde voavam as aves migratórias quando deixaram a Europa, inúmeras novas espécies foram identificadas e novos povos encontrados.
Os Açores e Além
O próximo alvo na lista da colonização foi o arquipélago dos Açores mais ao lagro no Oceano Atlântico. O processo de colonização começou em 1439, com a soberania dividida entre o Infante D. Henrique e o regente D. Pedro que assume todo o arquipélago após a morte d’O Navegador em 1449. As ilhas da Madeira e dos Açores foram divididas em capitanias para o desenvolvimento agrícola e comercial, um modelo que seria copiado nas colónias portuguesas à medida que o império se espalhava das Américas à Ásia Oriental. As ilhas atlânticas tornaram-se trampolins para viagens que iam ainda mais longe, eventualmente em redor do Cabo da Boa Esperança, no sul de África, e além da Ásia. O Infante D. Henrique lucrou imensamente com os recursos e oportunidades comerciais que esta colonização trouxe para a Coroa portuguesa e para si mesmo.
Explorando a África
O Infante D. Henrique, o Navegador, continuou a enviar expedições para explorar a costa ocidental de África e extrair as riquezas encontradas: ouro, peles e alguns alimentos eram trocados por fardos de tecido. As quantidades não eram grandes, mas eram o suficiente para que, em 1475, a coroa portuguesa começasse a cunhar a sua famosa moeda de ouro maciço: o cruzado. O ano de 1444 assistiu à primeira expedição portuguesa que trouxe escravos de África - homens, mulheres, e crianças - após um ataque aos povoados da Ilha Arguin: a primeira feitoria (posto comercial fortificado) portuguesa no exterior. Os 240 escravos capturados nesta primeira incursão desfilaram nus no cais de Lisboa. Há muito que os outros estados praticavam o comércio esclavagista em África, mas este espetáculo foi um presságio sinistro da tragédia humana que se seguiria nos séculos vindouros. No ano seguinte, foi feita outra e ainda maior expedição de caça a escravos, e mais se seguiram, de tal modo que, chegaram a Lisboa ao longo de 15 anos cerca de 20.000 escravos. Rapidamente, os povos africanos começaram entender a desconcertante nova ameaça que os estranhos visitantes com a sua estranha pele branca, armadura brilhante e armas de pólvora representavam.
O comércio de escravos trouxe fortuna e glória ao Infante D. Henrique, por mais estranho que nos pareça hoje, ele não foi criticado pelo comércio esclavagista, mas sim, amplamente felicitado e aplaudido por ter encontrado uma nova fonte de riqueza, de prejudicar as redes de comércio islâmicas, e de evangelizar e dar a conhecer a fé cristã aos povos pagãos: estes foram os argumentos usados para justificar o colonialismo nas mentes daqueles que o praticaram nos próximos 400 anos. Numa bula papal, o Papa descreveu o Infante D. Henrique como o "nosso filho amado" e um "verdadeiro soldado de Cristo" (Cliff, pág. 99). O Navegador estava no auge da sua fama e poder, mas era, claro, mortal.
O Infante D. Henrique morreu em 1460 e foi seplutado num impressionante túmulo no Mosteiro da Batalha. Desta forma, não viveu para testemunhar a incrível extensão do império que havia começado a forjar. Seguiram-se mais explorações e mais colónias se juntaram às ilhas atlânticas enquanto o pequeno Portugal tecia uma rede de portos comerciais em todo o mundo, do Brasil ao Japão. A capela que o Infante D. Henrique fundou em Belém, nos arredores de Lisboa, continuou a ser o último ponto de referência a casa que os marinheiros viam antes de deixarem Portugal para alcançar as colónias distantes. Surgiu a tradição de que as tripulações fizessem as suas orações na capela na véspera de partida, pedindo a Deus uma viagem bem-sucedida e um regresso seguro a casa. O Infante D. Henrique, o Navegador, por sua vez, tornou-se uma figura lendária graças aos seus feitos e às crônicas medievais que relatam a sua vida escritas por Zurara (c. 1410 - c. 1474). No século XV, alguns críticos censuraram o príncipe ávido de riquezas e sempre pronto para uma cruzada. Contudo, ao longo dos séculos foi louvado como o fundador do império marítimo português.