Matariki

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Kim Martins
por , traduzido por Filipa Oliveira
publicado em 15 junho 2021
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Matariki Star Cluster (by NASA, PJ_1004, CC BY-NC-SA)
Enxame Matariki
NASA, PJ_1004 (CC BY-NC-SA)

O povo Maoris da Aotearoa (Nova Zelândia) há muito que observa o nascer helíaco do enxame commumente conhecido por Plêiades ou Messier 45 (M45), na constelação de Touro. Este grupo de sete estrelas é designado pelo povo Maoris de Matariki e considerado como um importante elemento astronómico e fonte de sabedoria cósmica.

As Plêiades são visíveis no ceú nocturno ao longo de quase todo o ano, contudo na primeira noite de maio ficam abaixo do horizonte ocidental. O aparecimento de Matariki durante a aurora no horizonte nordeste no início dos meses de inverno (junho e julho) marcava a data de Ano Novo do povo Maoris, celebrado com canções, danças e agradecimento à profunda conexão de Matariki com as colheitas, celebrando a vida e honrando os tupuna (antepassados). Matariki coincidia com o fim da época das colheitas quando os pātaka (celeiros) se encontravam cheios e era tempo de estar com a whanau (família).

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O último nascer helíaco de Matariki durante o Pipiri (junho) era muito importante já que os Maoris acreditavam que os espíritos ou a força vital (wairua) dos que morreram seguiriam viagem ao longo de Te Ara Wairua (caminho dos espíritos), descendo ao submundo e à noite eterna. Pohutukawa, uma das estrelas do enxame Matariki, estava ligada à morte, e whanau diria adeus aos entes queridos mortos ao chamá-los enquanto que Matariki nascia com a alvorada.

Tohunga kokorangi (os peritos astronómicos) observavam a visibilidade, a forma, e a cor de cada estrela no Matariki e proferiam a sua previsão sobre o ano vindouro para a sua iwi (tribo). Por exemplo, se as estrelas estavam nubladas e juntas previa-se um inverno frio, e a plantação da kumara (batata doce - Ipomoea batatas (L.) Lam.) seria adiada para outubro. Os navegadores Maoris peritos em viagens de waka (canoa) usavam a Matariki como sistema de guia celestial nas suas viagens no Pacífico.

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Nem todas as iwi celebravam o Matariki no mesmo dia, contudo é um período de renovação e reflexão, bem como uma oportunidade para aprender com os sucessos e os erros do ano que findou. Tradicionalmente, a pūtātara (trompeta de concha de tritão) era usada para assinalar o início do Matariki e pākau (papagaios) eram lançados no ar uma vez que acreditavam que tocava no céu

Plêiades no Mundo Antigo

os japoneses designam as Plêiades por SUBARU que significa “aglomeração” ou “juntar”

As Plêiades fazem parte do imaginário humano, talvez por ser o enxame mais perto da Terra (440 anos-luz) e passível de serem vistas a olho nú. As Plêiades são consideradas estrelas irmãs, nascidas da mesma nuvem de pó há cerca de 100 milhões de anos.

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As Plêiades serviram como calendário agrícola e marítimo para muitas civilizações, bem como marcador temporal. O nome ‘Plêiades’ pensa-se que deriva do grego plein, que significa “navegar”, embora uma outra versão do nome seja Peleiades, que significa “bando de pombas”. Para os gregos as Plêiades assinalavam o regresso à navegação no Mediterrâneo. Na França, os desenhos paleolíticos com 20.000 anos na Caverna Lascaux são tidos como representação das Plêiades.

O enxame contêm 1.000 estrelas, apesar de somente seis a nove serem visíveis a olho nú, dependendo do ponto de observação. Na Antiguidade Clássica considerava-se que o número sete era místico e auspicioso, por isso as Plêiades são igualmente designadas por as Sete Irmãs ou as Sete Marias. Na Grécia Antiga eram designadas como as sete filhas de Atlas e de Pleione (protectora da navegação) enquanto que os aborígenes australianos acreditavam serem sete mulheres as serem perseguidas por homens mitológicos.

Foi encontrado na Floresta de Ziegelroda, na Alemanha, um artefacto da Idade do Bonze (datado de 1600 a.C.), desigando de Disco Celeste de Nebra, que tem representado sete pontos no lado direito em cima, interpretados como sendo a constelação Plêiades.

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Nebra Sky Disc
Disco Celeste de Nebra
Rainer Zenz (CC BY-SA)

Para os Celtas, o nascer helíaco das Plêiades assinalava a mudança da estação e estava associado com o honrar os mortos, sendo proferidas orações; e ainda hoje há ecos deste costume na noite de All Hallows Eve (Halloween – Véspera do Dia de Todos os Santos – 31 de outubro). Uma crença comum nas vésperas do inverno é que as Plêiades estão no limiar separadas por um ténue véu entre o nosso mundo e o próximo, permitindo a comunicação com os que já pereceram. Para os Maoris a noção de uma fronteira ténue era a confirmação da ligação restrita com os antepassados e whakapapa (genealogia).

Na América do Norte, a tribo Cherokee acreditava que descendia das Plêiades e que tinham vindo à Terra como descendentes da estrela, uma referência que actualmente o povo Zuni no Novo México deu ao enxame – Descendente das Estrelas. Para muitas culturas a nível mundial ‘descendente das estrelas’ é o exacto nome já que o mesmo está associado à época do plantio na primavera no hemisfério norte.

O nome japonês das Plêiades é Subaru (ajuntamento), e o logotipo automobilístico japonês incorpora as seis estrelas. Uma das referências astronómicas mais antigas das Plêiades na literatura chinesa data de 2357 a.C. sendo designada por estrelas botão ou flor.

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Apesar das Plêiades serem conhecidas por vários nomes ao longo da história, as culturas antigas e a mitologia associam-nas com o enxame que partilha: mudança das estações, renovação e morte, plantio e colheita.

Matariki no Pacífico

Na região do Pacífico pré-europeia as Plêiades são designadas nas mais diversas regiões de forma muito similar: Matali'i (na Ilha Samoa), Matari'i (no Tahiti), Makali'i (no Hawai), Mata-ariki (no arquipélago de Tuamotu), e Matariki (em Rapa Nui, em Rarotonga, e na Aotearoa).

Matariki tem sido traduzido por “olhos pequenos”, apesar dos Maoris o traduzirem por “olhos de deus”, uma abreviatura de Ngā Mata o te Ariki. De acordo com a lenda refere-se ao deus Tāwhirimātea – deus do vento e do tempo atmosférico, que angustiou-se quando os pais, Ranginui (pai céu) e Papatūānuku (mãe terra), se viram forçados a separarem-se dos seus outros filhos e Ranginui foi enviado para os céus. Tāwhirimātea arrancou os seus olhos e atirou-os para os céus em sinal de aroha (amor) filial, tendo ficado incrustados no peito do pai formando Matariki. O enxame é igualmente conhecido por Te Tautari-nui-o-Matariki – Matariki preso nos céus.

Para algumas iwi, Matariki é um aglomerado de sete estrelas com a mãe (whaea) roeada pelas suas seis filhas: Tupu-ā-nuku, Tupu-ā-rangi, Waipunarangi, as gémeas Waitī e Waitā, e Ururangi. O Dr. Rangi Mātāmua, astrónomo Maoris alvitra que no conhecimento indígena perderam-se duas estrelas - Pōhutukawa e Hiwaiterangi – prefazendo as nove estrelas de Matariki. De acordo com esta whakapapa (genealogia), e com as crenças Maori cada estrela tem um propósito e cuida do bem-estar, das colheitas abundantes, da vida e da morte:

  1. Matariki (a mãe) é a estrela Alcyone e refere-se a kai whakahaere ‘aglomeração’, e encoraja à reflexão do passado.
  2. Pōhutukawa (Sterope/Asterope) é a estrela que carrega os espíritos dos que pereceram desde o último nascer helíaco de Matariki, fazendo a ponte entre os vivos e os mortos. Pōhutukawa originou o dizer ‘kua wheturangihia koe’ (tornou-se uma estrela).
  3. Tupuānuku (Pleione) a mais velhas das filhas, encoraja o cultivo de kai, rongoā, e kākahu (alimento, medicamento e vestuário).
  4. Tupuārangi (Atlas) relacionado com as aves e a comida vinda das árvores, como as frutas e as bagas. Os Kererū (pombo do mato - Hemiphaga novaeseelandiae) eram caçados, cozinhados e preservados na sua gordura durante o nascer de Matariki. Tupuārangi aprendia as canções dos pássaros nativos e encorajava a partilha das oferendas.
  5. Waitī (Maia) relacionada com a água pótavel e o alimento advindo dos rios, riachos e lagos.
  6. Waitā (Taygeta) associado ao oceano. As gémeas Waitī e Waitā recordam-nos como apreciar os recursos hídricos e o seu meio envolvente.
  7. Waipunarangi (Electra) o nome desta estrela pode ser traduzido como “água que se junta no céu”, associando-a à chuva.
  8. Ururangi (Merope) determina a natureza dos ventos.
  9. Hiwaiterangi/Hiwa (Celaeno) a mais nova das estrelas e a estrela dos desejos. Os Maoris pediriam a Hiwa que lhes desse colheitas abundantes ou que os seus desejos e sonhos fossem realizados.

Os primeiros Pākehā (europeus) tentaram registar as tradições Maoris: no século XIX o etnógrafo Elsdon Best (1856-1931) compilou um amplo registo no livro The Astronomical Knowledge of the Maori (1922), (O Saber Astronómico dos Maoris) onde demonstra que o saber do cosmo era parte integrante da vida dos Maoris. Três afamados exploradores à Nova Zelândia registaram e publicaram detalhadamente a vida e a cultura dos Maoris, mas sem referir a astronómia: Capitão James Cook (1728-1779), Jean-François-Marie de Surville (1717-1770), um capitão mercante da Companhia das Índias Orientais e o explorador francês Marion du Fresne (1724-1772), que chegou às Ilhas Bay (Ilha do Norte) em 1772 e foi morto pelos Maoris; todos tinham embarcados astrónomos que efectuavam as suas observações astronómicas. Contudo a observação celestial indígena era ensinada somente a alguns escolhidos nas whare kōkōrangi (casa de aprendizagem astronómica).

Elsdon Best
Elsdon Best
Alexander Turnbull Library, Wellington, New Zealand. (Public Domain)

Logo após o contacto inicial com os europues, há mais de cem anos, Elsdon Best escreveu “É deveras um fato que nos tempos antigos um Maoris comum sabia mais acerca das estrelas do que qualquer um de nós (actualmente)” (citado, Orchiston, pág. 42).

Nos finais do século XIX, com a colonização europeia, a guerra, a alienação de terras, bem como a disseminação de doenças, as práticas ancestrais Maoris de astronomia e a celebração de Matariki caiu no esquecimento.

Matariki e Kumara

Matariki está fortemente relacionado com o crescimento, colheitas, armazenamento, oferenda de comidas e visto pelos Maoris como o providenciador de alimento do ano vindouro. O aparecimento do enxame das Plêiades durante o mês de Pipiri (junho) era interpretado por tohunga kokorangi que iria predizer o tempo de plantio, especialmente da kumara (batata doce - Ipomoea batatas (L.) Lam.). Se houvesse uma interpretação favóravel a plantação de kumura iniciava-se em setembro e Matariki seria designada por ‘Hoko kumara'.

alguns IWI consideram PUANGA (a super gigante RíGEL na constelação de Órion) como sinal para iniciar o ano novo.

Entre 1320 e 1350, os antepassados polinésios trouxeram para a Nova Zelândia o tubérculo Kumara, sendo considerada como taonga (tesouro) pelos Maoris. A primeira colheita de kumara seria oferecida a Matariki e quando o enxame já se encontrava alto no céu nocturno, pendurava-se a comida nas árvores em redor do terreno plantado, de forma a encorajar o crescimento da kumara ao longo de koanga (primavera) e raumati (verão).

Os Maoris seguem o calendário lunar (maramataka) que tem 12 meses de 29,5 dias e um ano de 354 dias. Acreditavam que as fases da lua e de whetū (estrelas) influenciavam o crescimento dos cereias e Mawharu, que ocorre 12 dias após a lua nova, era considerado como a altura ideal para plantar kumara.

Revivalismo Moderno de Matariki

Dado que muitas práticas culturais e astronómicas do povo Maoris eram passadas por via de histórias orais, ao longo do século XX a prática das mesmas foram dimunindo, tendo mesmo desaparecido a celebração a Matariki.

Edition of Te Paki o Matariki, July 25,  1893
Publicação do Te Paki o Matariki, 25 de julho de 1893
Archives of New Zealand (CC BY-NC-SA)

Nos finais da década de 1990 houve um revivalismo de Matariki com a organização de vários festivais com a participação de centenas de pessoas que lançaram o pākau (papagaio tradicional denominado por asa de pássaro). Apesar de não haver um dia específico para celebrar o Matariki, e algums iwi considerarem Puanga (a super gigante Rígel na Constelação de Órion) como sinal para iniciar o ano novo, e dado o amplo interesse demonstrado; Matariki foi designado feriado nacional a ser celebrado no dia 24 de junho (apartir de 2022), uma ocasião para reconhecer a história indígena de Aotearoa e a identidade partilhada do país.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Filipa Oliveira
Tradutora e autora, o gosto pelas letras é infindável – da sua concepção ao jogo de palavras, da sonoridade às inumeráveis possibilidades de expressão.

Sobre o autor

Kim Martins
A Kim é uma escritora freelancer sediada na Nova Zelândia. Ela tem uma Licenciatura em História e Mestrado em Ciência do Caos & Complexidade. Os seus interesses especiais são fábulas e mitologia, bem como a exploração do mundo antigo.

Citar este trabalho

Estilo APA

Martins, K. (2021, junho 15). Matariki [Matariki]. (F. Oliveira, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-19856/matariki/

Estilo Chicago

Martins, Kim. "Matariki." Traduzido por Filipa Oliveira. World History Encyclopedia. Última modificação junho 15, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-19856/matariki/.

Estilo MLA

Martins, Kim. "Matariki." Traduzido por Filipa Oliveira. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 15 jun 2021. Web. 21 dez 2024.