Estado da Índia (1505-1961) foi a denominação que os portugueses deram àquela parte do seu império que se estendia da Índia até à Ásia Oriental. Contudo, no seu sentido mais amplo, o nome incluia todas as colónias portuguesas a leste do Cabo da Boa Esperança e assim, no seu apogeu no século 16, o Estado da India estendia-se de África ao Japão.
O Estado da India era um aparelho administrativo criado em 1505 para governar o império e a sua rede comercial a partir da sua capital na Goa Portuguesa, na Índia, onde residia o vice-rei da Índia. O Império Português era sobretudo uma rede de portos interligados por frotas comerciais regulares. Cada governador recebia as suas ordens do vice-rei e cabia à Casa da Índia coordenar todo o comércio colonial e as comunicações. Com grande sucesso nos seus objectivos marítimos e comerciais no século 16, o Estado da Índia defrontou uma intensa concorrência por parte dos mercadores muçulmanos e hindus, governantes locais do interior e, a partir do século 17, por parte de outros poderes da Europa. Por fim, a dificuldade de manter portos dispersos por todo o globo, a preocupação com o Brasil Português, e a falta crónica de mão de obra e de investimento, levaram à decadência do Estado da Índia, ainda que algumas colónias, como Macau Português e Goa tenham permanecido sob domínio português até ao século 20.
Estabelecimento do Império Português
Os portugueses estavam empenhados em descobrir uma rota marítima directa da Europa para a Ásia, que iria permitir evitar as rotas pelo Médio Oriente e as rotas marítimas que eram controladas pelos estados islâmicos. Os portugueses conseguiriam assim ter acesso directo ao altamente lucrativo mercado asiático de especiarias. Um motivo adicional para construir um império incluía a esperança que pudessem existir estados cristãos no sul da Ásia que se poderiam tornar-se aliados úteis nas batalhas permanentes entre a cristandade e califados islâmicos. Também existia a esperança que pudessem ser encontrados novos recursos de produtos preciosos, tal como ouro, e novas terras para cultivo. Finalmente, a Coroa portuguesa poderia ganhar prestígio na Europa, e os seus nobres glória, títulos e riqueza.
O primeiro passo na construção do império foi a colonização de três arquipélagos desabitados: Madeira (1420), os Açores (1439), e Cabo Verde (1462) no Atlântico, ao largo da costa de África. As ilhas de São Tomé e Príncipe no Golfo da Guiné foram colonizadas em 1486. As ilhas atlânticas serviram de escala numa série de explorações marítimas que procuravam navegar pela costa de África e alcançar a Ásia por via marítima. Em 1497-1499, Vasco da Gama (ca. 1469-1524) navegou à volta do Cabo da Boa Esperança no sul de África, subiu a costa da África oriental e cruzou o Oceano Índico para chegar a Calicute (actual Kozhikode) na Costa do Malabar no sudoeste da Índia.
Cochim Portuguesa (actual Kochi) foi fundada em 1503 na costa ocidental da Índia. Em 1505, o Rei D. Manuel I de Portugal (r.1495-1521) estava já suficientemente seguro do controle português no Oceano Índico para nomear o primeiro vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida. Nesse mesmo ano foi oficialmente criado o Estado da Índia. Contudo, só a partir de meados do século 16 é que o termo começou a aparecer regularmente em documentos oficiais. Em sentido estrito, o termo Estado da Índia designava todas as possessões oficiais da Coroa Portuguesa, tais como portos, fortalezas e terras na África Oriental e na Ásia. Esta lista oficial de possessões era entregue num título de transferência a cada novo vice-rei quando iniciava o seu mandato. Além disso, havia numerosas possessões não oficiais, algumas das quais se tornaram, em certa altura, propriedade oficial da Coroa. A maioria destas possessões não eram propriamente territórios, apenas portos com pequenas áreas urbanas na sua dependência. Isto acontecia porque o seu objectivo era controlar o comércio regional e providenciar um porto seguro para os navios que cruzavam o império.
Os portugueses não estavam interessados em colonizar territórios ou povos no seu próprio interesse, uma ambição que, mais tarde, as nações imperialistas tiveram. Duas consequências significativas desta política foram, em primeiro lugar, as colónias portuguesas não terem terra agrícola suficiente para alimentar a população e terem que depender das importações; em segundo lugar, não existia uma zona intermédia de protecção da colónia dos governantes locais, sempre ansiosos por ganharem (e em muitos casos voltar a ganhar) o controle do território. Dito de uma maneira simples, os portugueses estavam em risco permanente de serem empurrados até ao mar donde tinham vindo. Consequentemente, o Estado da Índia era essencialmente uma linha de fronteiras militares altamente voláteis, ligadas por frotas como a carreira da Índia, que efectuava carreiras regulares entre Lisboa e Goa.
O ponto de partida para o império oriental foi Cochim, que se tornou a capital administrativa do Estado da Índia. Em 1509, sob o governo do novo vice-rei Afonso de Albuquerque (c.1453-1515), a colonização ganhou ímpeto. Goa Portuguesa foi criada por Albuquerque em 1510, e no espaço de 20 anos, substituiu Cochim como capital do Estado da Índia.
Os portugueses usaram uma mistura de diplomacia e canhões para fundarem estas colónias e forçarem a sua entrada na rede do comércio Asiático. Criaram uma força naval armada que patrulhava permanentemente o Oceano Índico, e construíram fortes para protecção das colónias na Índia. Avançando para leste, conquistaram Malaca, na Malásia, em 1511. A norte, Ormuz, na boca do Golfo Pérsico foi colonizada em 1515, tendo Albuquerque construido uma enorme fortaleza (usando trabalho forçado), que assegurou o controle português deste estreito durante cerca de um século. Um ataque a Aden, que ligava o Oceano Índico ao Mar Vermelho, não teve sucesso, mas os portugueses construíram um forte em Colombo, no Sri Lanka em 1518, em Coulão em 1519 e Chaul em 1521 (ambos na Índia). Em Moçambique português construiu-se uma grandiosa fortaleza na Ilha de Moçambique em 1546, quando Portugal procurou controlar os mares rodeados em três lados por África, Arábia e Índia.
A ascensão do Império Otomano , que tomou o poder dos Mameluques no Egipto e na Síria, em 1516, levou os portugueses a desistirem das suas ambições na Arábia, e, em vez disso, a olharem para leste com o objectivo de obterem mais ganhos coloniais. A fase seguinte da expansão portuguesa baseou-se em encontrar uma rota marítima da Europa para a Ásia, sem navegar à volta de África, mas na direcção oeste. Cristóvão Colombo tentou e encontrou a América que lhe bloqueou o caminho. Fernão de Magalhães (c.1480-1521), pelo contrário, navegou para sul e contornou o extremo sul do continente americano chegando ao Oceano Pacífico. Dali a sua expedição navegou para a Indonésia, contornou o Cabo da Esperança e regressou à Europa. Esta viagem em 1519-1522, foi a primeira circum-navegação do globo. O império continuou a expandir-se para Macau no sul da China, cerca de 1557, e Nagasaki Portuguesa a partir de 1571. Todos os cantos do comércio oriental foram integrados no império que, embora não fosse grandioso em termos de território, era muito impressionante em termos da fiada de pérolas comerciais costeiras que tinha lançado através de metade do globo. As naus de carga atravessavam os oceanos transportando especiarias, ouro, prata, pedras preciosas, seda e porcelana Ming.
Governo colonial
O aparelho do governo colonial foi criado com o objectivo principal de controlar o comércio. O vice-rei português, o verdadeiro governador civil e militar da Índia Portuguesa, em teoria só respondia perante o rei de Portugal. Em Lisboa, o conselho ultramarino aconselhava o rei em matéria das colónias ultramarinas enquanto a Casa da Índia era a agência da Coroa que supervisionava todas as comunicações e o comércio com a Índia.
O vice-rei do Estado da Índia residia em Goa e criou uma espécie de mística magisterial com os seus trajes vermelhos, bastão de poder, e o costume de se deslocar com um enorme séquito e sempre debaixo de um guarda-sol de brocado. O vice-rei era coadjuvado por um conselho de governantes, mas, na primeira metade do século 16, este era um corpo informal convocado sempre que o vice-rei necessitava de aconselhamento específico, e os seus membros variavam, dependendo da competência necessária. Apenas a partir de 1604 se formaria em Goa um Conselho de Estado formal. Cada colónia portuguesa tinha o seu próprio conselho local, a câmara, que era eleita pelos cidadãos europeus e eurasiáticos residentes no território. A câmara podia decidir em matéria de governo local, lançar impostos e agir como tribunal de primeira instância. Contudo, os funcionários de todas as partes do império, da Ásia oriental ao Japão, acatavam as suas ordens do vice-rei. No século 17, Goa e algumas outras colónias, foram autorizadas a enviar representantes para o parlamento português, as Cortes. Uma colocação no Estado da Índia era mais prestigiosa do que em qualquer outra parte, até meados do século 17 e com o desenvolvimento do Brasil Português.
Nas colónias, os assuntos legais eram da responsabilidade do Supremo Tribunal sendo o português a língua oficial. As leis de estilo europeu eram apenas aplicadas às populações portuguesas ou de raça mista. Excepto em Goa e Baçaim no norte da Índia, o império português não abrangeu territórios importantes onde as populações indígenas eram controladas. Na maior parte dos casos, as populações locais nos territórios portugueses estavam sujeitas às suas regras políticas e legais tradicionais. Apenas poucas colónias como Goa e Malaca tinham a sua própria moeda. A força militar permanente das colónias, que assegurava o poder continuado português nas zonas portuárias, era comandada por um comandante nomeado, que residia na fortaleza da colónia. Um feitor era responsável pelo comércio real e pela obtenção dos lucrativos impostos alfandegários sobre outros tipos de comércio.
Finalmente, como capital do Estado da Índia, Goa dispunha de um arquivo de documentos oficiais. Este arquivo tem fornecido aos historiadores uma visão valiosíssima sobre os detalhes do império. Por exemplo. Os Livros das Pazes e Tratados da Índia é uma colecção de cinco livros manuscritos , com registo dos tratados acordados entre Goa e governantes da Ásia oriental, Índia, Ásia, e mesmo estados europeus. O livro abrange o período de 1571 a 1856. Um outro trabalho, em 25 volumes, regista toda a correspondência oficial trocada entre as colónias portuguesas e os estados vizinhos na Índia, de 1619 a 1842.
Monopólio comercial
Os portugueses fizeram um enorme esforço para estabelecerem um monopólio, tanto no comércio entre a Ásia e a Europa, como no próprio interior da Ásia. A Coroa promulgou todo o tipo de decretos que determinavam que qualquer comerciante particular – europeu ou não – que fosse apanhado com uma carga de especiarias sem ser detentor de uma licença ou passaporte português (cartaz) seria preso. O seu navio e respectiva carga eram confiscados; muitos comerciantes muçulmanos eram simplesmente executados. Em todos os portos portugueses eram exigidos impostos alfandegários e, para limitar o comércio ilegal, os navios eram com frequência obrigados a viajar em comboios controlados pelos portugueses (cáfilas) podendo apenas navegar para portos portugueses seleccionados. Desta forma, os direitos alfandegários constituíram cerca de 60% de todos os lucros portugueses no oriente.
O comércio no Oceano Índico ficou indubitavelmente destabilizado com estas tácticas, mas na realidade só os portugueses acreditavam que os mares já não eram livres. O comércio continuou entre outros estados, os mercadores evitavam as áreas controladas pelos portugueses, e as vastas redes de comércio local, usando embarcações pequenas, nunca pode ser controlado, nem sequer parcialmente. Os portugueses eventualmente perceberam que o monopólio era prejudicial para os lucros, especialmente sob a forma de taxas, e assim o Estado da Índia tornou-se gradualmente mais tolerante com o comércio não português.
Cristianismo
Os assuntos religiosos de cada colónia eram dirigidos por um bispo ou arcebispo. A arquidiocese do Estado da Índia foi criada por uma bula papal de 1533, e foi chefiada pelo arcebispo de Goa. Mais tarde, foram estabelecidas dioceses em Cochim, Malaca, Macau, Nagasaki, Granganore, Meliapore, Pequim, Nanquim e Moçambique. Os Franciscanos, Dominicanos, Jesuítas, Agostinhos, e outras ordens, fundaram mosteiros e conventos por toda a parte. Europeus mestiços e nativos tornaram-se membros dessas ordens, mas poucos viajaram para fora do seu país, excepto com a finalidade de receberem educação em Portugal.
Os missionários e as organizações cristãs, em especial os jesuítas e a irmandade da Misericórdia, construíram igrejas, tentaram converter as populações locais e praticavam a caridade, gerindo com frequência escolas e hospitais. Estes missionários, a partir de 1549 com o jesuíta espanhol Francisco Xavier ((1505-1552) obtiveram vários níveis de sucesso. Membros da igreja ou ordens cristãs eram com frequência utilizados pelo governo português em embaixadas de primeiro contacto com governantes estrangeiros, da Pérsia ao Japão. Movimentos religiosos como a Inquisição também se instalaram nas colónias e eram tão cruéis, impopulares e socialmente nocivos como na Europa. A tolerância pelas religiões locais variava segundo o tempo e o lugar. Por vezes as populações locais podiam agir de acordo com a sua consciência e era-lhes permitido praticar a sua religião; noutras alturas, os templos eram destruídos e as suas terras confiscadas, as práticas culturais eram restringidas ou banidas, como por exemplo os casamentos hindus, e membros das comunidades religiosas eram perseguidos impiedosamente.
Sociedade Colonial
Nas colónias, os europeus tinham o estatuto social mais elevado e a exibição social era habitualmente conseguida através de luxuosas residências, roupas extravagantes e pelo número de criados e soldados que tinham. Os funcionários de maior estatuto eram quase sempre membros da nobreza portuguesa e habitualmente tinham experiência militar. Para os magistrados das colónias parece ter sido requisito a educação na universidade de Coimbra onde obtinham uma licenciatura em direito canónico ou civil. Os administradores, magistrados, engenheiros militares, médicos e soldados tinham habitualmente uma vida de mobilidade visto serem colocados em diversos locais durante a sua carreira. Abaixo destes em estatuto mas não menos importantes para o funcionamento das colónias, havia outro grupo, em constante movimento, de peritos nos seus ofícios (os mesteirais) , tais como pedreiros, ferreiros, fabricantes de mosaicos e carpinteiros. Os mais procurados eram aqueles com conhecimentos de desenho e construção de navios, fortificações e canhões. Os colonos portugueses eram chamados de casados.
Os colonos europeus dividiam-se entre si em três classes: os europeus nascidos em Portugal (o reinol), os europeus nascidos nas colónias (castiço), e europeus mestiços (descendente ou mestiço). Sobre tudo isto existiam ainda quatro camadas baseadas na pertença à nobreza (escalão superior: fidalguia, escalão inferior: fidalgo), o clero, o exército e todos os outros (subdivididos entre casados e não casados). Havia também visitantes europeus como mercadores marítimos, mercadores africanos/asiáticos e agricultores. Havia ainda os indesejáveis, os degredados que eram todos aqueles que o governo português não queria em Portugal. Este grupo era constituído por cristãos-novos (judeus convertidos e os seus descendentes), judeus, ciganos, condenados e leprosos. Não tendo capacidades especiais, estas pessoas encontravam trabalho indiferenciado nas colónias. Em todos estes grupos havia muitos poucas mulheres portuguesas, o que levou a casamentos inter-raciais por toda a parte. A população local nas colónias, fossem mercadores hindus e agricultores em Goa ou malaios budistas em Malaca, constituíam pelo menos 95% da população total. Mesmo no fundo desta pirâmide de humanidade estavam os escravos , ou comprados localmente ou importados de outras partes de Ásia ou enviados das colónias de Moçambique e São Tomé.
Rivais Europeus & Declínio
Os portugueses esforçavam-se por supervisionar o seu vasto império, e muitas fortalezas sofreram com a falta de manutenção, tornando-se alvos fáceis. A Coroa portuguesa estava a desbaratar dinheiro no reino e a corrupção campeava nas colónias. Os holandeses chegaram ao sudoeste da Ásia em 1596 e sistematicamente foram conquistando muitos centros de comércio portugueses tais como Malaca (1641), Colombo (1656) e Cochim (1663). Goa foi atacada e cercada repetidamente, mas manteve-se. Decorria uma guerra dispendiosa em Espanha desde 1640 até 1668, e os recursos tinham que ser desviados para proteger o Brasil português dos ataques dos holandeses. Derrotados na América do Sul, os holandeses voltaram a sua atenção para leste. Aí houve também ataques localizados tais como o dos maratas hindus contra Goa no século 17. Em 1622 , os persas, com o apoio dos ingleses, conquistaram Ormuz.
Os britânicos chegaram em grande número a partir do meio do século 17, e tanto os britânicos como os holandeses já tinham criado, por essa altura, companhias comerciais altamente eficientes: Companhia Holandesa da Índia Oriental e a Companhia Inglesa da Índia Oriental. Eles instalaram-se e transformaram alguns portos em elementos chave na rede mundial de comércio, cidades poderosas como Madrasta (Chennai) e Bombaim (Mumbai) na Índia, Jacarta na Indonésia, Singapura na Malásia, e Hong Kong na china. Os franceses e os norte americanos avançaram à medida que a colonização ocidental mudou do mero estabelecimento de monopólios comerciais para uma forma de imperialismo mais profundo e territorial, uma táctica que os portugueses também adoptaram à medida que as perdas na navegação se tornaram mais significativas. Um exemplo desta política é a aquisição daquilo que se tornou conhecido como as Novas Conquistas à volta de Goa em meados do século 18. Enfrentando inimigos por todos os lados, o Estado da Índia adoptou uma política de neutralidade, em relação a todos os poderes ocidentais na Ásia, com diferentes graus de sucesso.
Enquanto a maior parte do delapidado Império Português tinha colapsado como um castelo de cartas, algumas colónias continuaram, em grande parte devido ao facto de o império ser agora mais fácil de gerir e à explosão de procura, na Europa, de bens da Ásia. A retirada final chegou à medida que o processo de descolonização ganhou velocidade depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Goa foi entregue à Índia depois da invasão em 1961 e o último vice-rei em funções retirou-se. Macau permaneceu sob administração portuguesa até à transferência para a China em 1999. Os portugueses podem ter deixado as suas colónias sofrendo uma falta crónica de cuidados e investimento, mas o seu legado cultural permanece até hoje com o uso continuado da língua portuguesa, a presença de uma arquitetura colonial bem preservada e a continuada importância do catolicismo em muitos locais do que foi o Estado da Índia.