O galeão espanhol (em espanhol: galeón, nao, ou navío) era um exemplar particularmente grande deste tipo de embarcação, utilizado tanto para transportar carga quanto como navio de guerra, armado com até 60 canhões. Usados desde meados do século XVI até o início do século XIX, os galeões espanhóis tinham três ou quatro mastros quadrados e triangulares (armação latina), um esporão distinto na proa e um castelo de popa elevado.
Tratava-se de uma adaptação do projeto padrão europeu voltada para o aumento da capacidade de carga, fundamental para o transporte das riquezas das Américas para a Europa nas frotas de tesouros espanholas e dos preciosos produtos asiáticos para o México, estes nos chamados galeões de Manila. Como navios de guerra, os galeões acabaram sendo substituídos por embarcações mais rápidas, como as fragatas, mas permaneceram como navios de tesouros até 1815.
O Design dos Galeões
O nome "galeão" é derivado de "galé", termo associado a navios de guerra de qualquer tipo desde a antiguidade, especialmente aqueles impulsionados por uma combinação de velas e bancos de remadores. Ainda que os galeões não tivessem remos, a generalidade do nome permaneceu, pois "galeão" era usado indiscriminadamente no início do período moderno para significar qualquer navio grande e alto, com três conveses e um castelo de popa elevado.
Os galeões evoluíram na década de 1530 (ou um pouco antes) a partir de embarcações como a caravela e a carraca, exibindo superestruturas menores para deixá-los mais manobráveis em alto-mar (apesar disso, as versões posteriores elevaram estas estruturas novamente). Outras características comuns dos galeões eram a proa com esporão, o recuo do castelo de proa, popa achatada e um casco levemente côncavo. Havia diferentes tipos de galeão, sem um projeto padrão a ser seguido. Utilizava-se também o galeão como um navio de guerra, mas o projeto evoluiu para uma embarcação voltada para a velocidade, com a remoção de um dos conveses e um casco mais afinado - características que o tornavam mais rápido e mais manobrável do que o estilo original.
O galeão espanhol, em contraste, comprometia a velocidade pelo tamanho, particularmente pela necessidade de aumentar a capacidade de carga e de armamentos. Tinham cascos mais grossos para suportar melhor os tiros de canhão. Uma embarcação típica variava entre 30 e 45 metros de comprimento e 12 a 15 metros de largura (a proporção preferida era de 3:1 ou 4:1). O casco de cada lado afinava-se em direção ao centro para criar mais estabilidade, algo particularmente útil quando estava disparando seus canhões. Os galeões do Atlântico variavam entre 500 a 1.000 toneladas, mas os de Manila, no Pacífico, podiam chegar a até 2.000 toneladas. Os maiores galeões exigiam incríveis 2.000 árvores e dois anos para serem construídos.
Os galeões espanhóis eram construídos nas costas bascas e andaluzes da Espanha; em Havana; e nas Filipinas, entre outros locais. A madeira preferida nos estaleiros europeus costumava ser o carvalho; em Havana, o mogno; e, nas Filipinas, empregavam-se várias madeiras de lei locais. Para proteger a madeira abaixo da linha d'água, revestia-se o casco com uma mistura de piche para afastar os animais marinhos. Os galões que operavam em águas tropicais ficavam ainda mais vulneráveis à degradação e, assim, cobriam-se seus cascos com placas de chumbo. A despeito destas precauções, a vida útil de um galeão em águas tropicais estava restrita a apenas dez anos.
A embarcação combinava a utilização de velas quadradas e triangulares (também chamadas de velas latinas) em seus três ou quatro mastros. Os mastros de proa dispunham de três velas quadradas cada, enquanto o mastro de mezena (traseiro) tinha duas velas quadradas e uma latina. Se houvesse um quarto mastro (o bonaventure), ficava instalado na popa, além de uma vela latina menor que a do mastro de mezena. Em acréscimo, geralmente havia uma ou duas pequenas velas quadradas no gurupés. Este conjunto de velas permitia a um galeão espanhol navegar a uma respeitável velocidade de oito nós, em ótimas condições. Os elementos decorativos incluíam enfeites dourados à popa e uma figura de proa - nos galeões reais, sempre um leão dourado portando uma coroa. As embarcações costumavam receber nomes de santos, os quais apareciam pintados na popa. Finalmente, cada mastro carregava uma bandeira, como o brasão real, e a flâmula particular do comandante da frota.
Os Galeões Militares
Os canhões de grosso calibre ficavam dispostos abaixo do convés, em ambos os lados do navio. Quando necessário para a batalha, as bocas dos canhões eram roladas para fora através de escotilhas de armas, janelas de madeira no convés que podiam ser fechadas quando não estivessem em uso. Estas escotilhas de armas alinhavam-se em ambos os lados da embarcação, algumas vezes com vários níveis. Havia canhões adicionais na proa e na popa. Um galeão espanhol de maior porte poderia carregar pelo menos 40 canhões de vários tamanhos. Os maiores canhões tinham uma boca de 15,2 cm. Em acréscimo, canhões menores adicionais costumavam ser instalados em postes giratórios em vários pontos no convés superior. O mestre artilheiro ficava responsável pelas equipes de quatro ou cinco homens que operavam cada canhão. Um capitão militar liderava um grande contingente de fuzileiros navais (até 125, dependendo do tamanho do navio) que não participavam da tripulação do navio, sempre a postos para repelir eventuais intrusos. Outras defesas incluíam longas lâminas em forma de crescente, presas às lais de vergas para cortar o cordame e as velas de uma embarcação que navegasse ao lado, além de dois cestos de gávea ampliados, de onde besteiros podiam disparar contra os navios inimigos.
No século XVI, a Espanha utilizava os galeões militares como meio de transporte de infantaria altamente treinada e para permitir que eles abordassem embarcações inimigas. No século XVII, as táticas navais passaram a utilizar o poder de fogo dos navios para afundar os inimigos à distância. Os galeões militares também escoltavam frotas de tesouros; atuavam em comboios de navios mercantes; como frotas de patrulha; como transportadores de tropas para operações anfíbias; e em qualquer outro propósito militar no Império Espanhol, tais como abordar navios piratas e bombardear fortificações costeiras inimigas.
Os Galeões de Tesouros
Os espanhóis optaram pelos galeões para o transporte de cargas valiosas por longas distâncias. As duas frotas anuais de tesouros paravam em pontos de coleta específicos: os portos do tesouro das Possessões Espanholas. Uma frota navegava para a costa caribenha da América do Sul e a outra para o México. Os principais portos de tesouros incluíam Portobelo, Cartagena e Veracruz. Os galeões e navios mercantes então se reuniam em Havana e transportavam suas riquezas de prata, ouro, pedras preciosas, pérolas, seda, porcelana e especiarias, bem como passageiros ricos, do Império Espanhol para a Europa. O tesouro na forma de metais e pedras preciosas ficava armazenado numa sala especial do convés inferior, trancada e mantida sob constante vigilância armada.
As frotas anuais de tesouros do Atlântico começaram na década de 1520 e continuaram até a década de 1730, com uma pequena frota partindo do México entre 1754 e 1789. No seu auge, uma frota de tesouros (flota) poderia consistir em até 90 navios mercantes e pelo menos oito galeões militares. Apesar de alvos tentadores, nem os corsários do século XVII nem os piratas da Era de Ouro da Pirataria no século XVIII tiveram muito sucesso contra eles. O sistema de comboios funcionava bem e os vilões do mar conseguiam capturar apenas navios mercantes desgarrados.
No período inicial da conquista espanhola, com os espanhóis despreocupados em armar totalmente os galeões - imaginando que o Oceano Pacífico fosse um parque de diversões particular -, alguns corsários obtiveram sucesso. Uma captura notável foi feita durante a circum-navegação do globo por Francis Drake (1540-1596), que durou 33 meses. Drake tomou o Cacafuego em março de 1579, na costa do Peru. O galeão fazia a rota Peru-Panamá e sua enorme carga de ouro e prata inca tornou-se um dos maiores butins dos corsários elisabetanos. Mais tarde, frotas navais europeias, atacando com força, conseguiram um punhado de capturas entre as frotas do tesouro do Atlântico, mas, na realidade, no século XVII, os navios do tesouro espanhol estavam em risco muito maior devido aos elementos naturais.
Os Galeões de Manila
Os galeões de Manila transportavam preciosos produtos asiáticos, como seda, porcelana, tapetes e especiarias de Manila, nas Filipinas (na época uma colônia espanhola), para Acapulco, no México, uma jornada pelo Oceano Pacífico que durava de 4 a 8 meses, dependendo do mar e das condições climáticas. Construídos nas Filipinas (com poucas exceções), os galeões operaram de 1565 a 1815. Os espanhóis chamavam estas grandes arcas de tesouros flutuantes de naos de China, ou "navios chineses". Algumas mercadorias, como seda, porcelana, ouro e especiarias, após chegarem ao México, passaram a ser transportadas por terra para então serem embarcadas nos navios de tesouros do Atlântico. Uma vez esvaziados de suas cargas orientais, os navios de Manila retornavam através do Pacífico carregando vastas quantidades de prata, que seriam empregadas então para o pagamento de um novo carregamento de mercadorias. A jornada de volta levava cerca de três meses, muito mais tranquila do que o trajeto até Acapulco.
Bem armados e difíceis de localizar na vastidão do Pacífico, somente quatro galeões de Manila foram capturados em mais de 250 anos de atuação. O navegador inglês e corsário Thomas Cavedish (1560-1592), que também realizou a circum-navegação do globo, conseguiu uma famosa captura ao se apossar do Grande Santa Ana em seu caminho para o México. O navio, propriedade particular do rei Filipe II da Espanha (r. 1556-1598) estava carregado com 22.000 pesos de ouro e 600 toneladas de preciosas seda e especiarias. Como no Atlântico, porém, a ameaça mais séria não consistia na captura por inimigos, mas nos naufrágios. Pelo menos 30 galeões de Manila encontraram seu fim devido a tempestades, recifes de corais ocultos e incêndios acidentais.
A Vida a Bordo de um Galeão
Como observa o historiador A. Giraldez, "Seja qual fosse o trajeto, até a era do vapor as viagens intercontinentais duravam meses, eram extremamente desconfortáveis e apresentavam muitos perigos" (119). O capitão, o piloto (navegador), o capelão e os oficiais tinham a experiência mais confortável, pois ocupavam as melhores cabines, situadas no castelo de popa do galeão. Os demais integrantes da tripulação (entre 100 a 250 homens) dormiam em condições precárias no espaço abaixo do convés, onde quer que pudessem encontrar algum espaço não ocupado pela carga ou pelos canhões. Os cerca de 40 passageiros em um navio de tesouros precisavam se conformar com cabines improvisadas construídas pelo carpinteiro, que normalmente mediam apenas 1,85 m². De forma geral, limitava-se a bagagem a dois baús por passageiro, embora eles pudessem trazer sua própria cama portátil e itens alimentares, incluindo animais vivos, para atrasar o inevitável momento em que as rações do navio se tornariam a única opção disponível a todos. A falta de espaço e de um banho adequado significavam que os galeões encontravam-se repletos de todos os tipos de passageiros altamente indesejáveis: ratos no porão, baratas no convés, minhocas na sopa, insetos na cama e piolhos no corpo.
O cozinheiro do navio trabalhava no convés inferior e seu braseiro ficava instalado num poço forrado de tijolos e com um fundo de areia para maior segurança. Num navio de madeira, os incêndios representavam um grande risco e havia regulamentos sobre quem poderia usar lampiões e velas abaixo do convés e em que momentos isso podia ocorrer. Uma advertência eloquente sobre esses riscos foi a perda do galeão Nuestra Señora de la Concepción, em 1552, quando mais de 300 pessoas morreram após um incêndio na embarcação.
A comida para passageiros e tripulantes em um galeão consistia em carne salgada, peixe seco e biscoitos. No início das viagens ainda havia alimentos frescos, graças aos animais vivos e aves levados a bordo, tais como porcos e galinhas. As frutas e legumes precisavam ser consumidas nas primeiras semanas. Servia-se queijo no lugar da carne quando o mau tempo tornava o fogo do braseiro do navio muito arriscado. Peixes recém-pescados eram um acréscimo bem-vindo a uma dieta que se deteriorava com o passar dos meses e o arroz estava disponível nos galeões do Pacífico. Havia vinho, incluindo a ração diária para a tripulação de pouco mais de 1 litro ou duas canecas. Armazenava-se a água em barris e potes de barro, embora alguns galeões tivessem uma cisterna para coletar a água da chuva. As instalações sanitárias eram bastante rudimentares. A tripulação usava uma estrutura de madeira simples instalada sobre a proa. Oficiais e passageiros utilizavam instalações num corredor na popa, chamadas eufemisticamente de "jardins". O saneamento precário e a falta de espaço resultavam na rápida transmissão de doenças e uma taxa de mortalidade de 20% num galeão não era incomum.
Os passageiros não dispunham de muitas atividades durante a viagem. Às vezes, havia entretenimentos como apresentações teatrais, dança, música, leituras de livros, xadrez e jogos de cartas (embora a tripulação comum fosse proibida de jogar). Realizavam-se regularmente as cerimônias católicas e celebrações de datas específicas, como os dias santos. Ainda assim, sem dúvida o tempo movia-se tão lentamente quanto as areias nas ampulhetas do navio, viradas a cada meia hora pelos meninos da cabine para acompanhar o tempo na longa viagem. Quando os galeões finalmente chegavam ao porto, eram saudados com tambores, trombetas e o toque dos sinos da igreja e teria sido difícil julgar quem estava mais feliz: os passageiros até então confinados, que finalmente pisavam em terra firme ou os comerciantes, que esfregavam as mãos em antecipação aos lucrativos negócios que se avizinhavam.
O Declínio dos Galeões
Outras marinhas europeias usavam galeões, embora raramente os chamassem assim, tal era sua intensa rivalidade com tudo o que fosse espanhol. As marinhas britânica, holandesa e francesa, por exemplo, dispunham de grandes galeões e também os adaptaram para maior velocidade. A marinha inglesa colheu as recompensas destas embarcações mais velozes em 1588, quando derrotou a Armada Espanhola do rei Filipe II da Espanha. O maior poder de fogo e o clima tempestuoso foram fatores adicionais a favor da Inglaterra. Essa derrota fez com que os espanhóis finalmente aperfeiçoassem o projeto dos seus próprios galeões, através de uma nova versão reduzida, chamada galizabra. Embora as frotas do tesouro continuassem a usar galeões devido à sua grande capacidade de carga até o século XIX, em meados do século XVII, a tendência no design de navios de guerra favorecia embarcações muito mais elegantes, como o bergantim, a barcaça e a fragata.