Mary Read, algumas vezes soletrado como Reade (n. c. 1690), foi uma famosa pirata durante a Era Dourada da Pirataria (1690-1720) que agia nas Bahamas até ser capturada pelas autoridades jamaicanas em 1720. Como integrante da tripulação do pirata inglês John Rackham, apelidado de "Calico Jack" (m. 1720), Read vestia-se como um homem nas batalhas e lutou corajosamente na última resistência contra as autoridades, enquanto seus companheiros masculinos se escondiam abaixo do convés.
Ela foi uma das únicas duas piratas femininas da chamada Era Dourada a ganhar fama, junto com sua amiga e companheira de tripulação Anne Bonny. Ambos foram capturadas, julgadas e sentenciadas ao enforcamento por pirataria, mas tiveram as execuções adiadas porque estavam grávidas. O destino de Bonny é desconhecido, mas Read morreu na prisão, de febre, em 1721.
Vida Pregressa
Não existem detalhes da vida de Mary Read antes que ela tenha se voltado para a pirataria. Porém, isso não impediu que escritores inventassem uma biografia pitoresca mas improvável. Ela está ao lado do renomado catálogo de piratas Uma História Geral dos Roubos e Assassinatos dos mais Notórios Piratas, compilado na década de 1720. A obra é creditada a um certo Capitão Charles Johnson na página de título, mas talvez se trate de um pseudônimo do escritor Daniel Defoe (estudiosos ainda debatem esta questão). O livro influenciou fortemente todos os autores posteriores que escreveram sobre a pirataria na Era Dourada, mesmo que se trate de uma óbvia, ainda que divertida, mistura de fato e ficção.
O autor da História Geral claramente teve acesso a papéis oficiais, registros de julgamentos e relatos jornalísticos contemporâneos e muitas afirmações provaram-se factuais quando corroboradas com registros oficiais. Entretanto, há também exageros sem fim e completas invenções, tais como conversas particulares e discursos aparentemente repetidos ad verbatim (literalmente). É talvez significativo que Defoe era tanto um jornalista bem-sucedido quanto escritor; em outras palavras, ele sabia exatamente como combinar fato e ficção para o máximo efeito literário. As histórias de vida de Read e Bonny, tal como apresentadas na obra, são inacreditáveis e o autor utiliza um velho artifício literário de admitir isso e, em consequência, um leitor pode ser perdoado pelo seu ceticismo, mas não descrença total: "os estranhos incidentes de suas vidas errantes são tantos, que alguns podem ficar tentados a pensar que toda a história não passa de uma novela ou romance" (153).
De acordo com algumas fontes, Mary Read nasceu em Plymouth, por volta de 1690, embora o relato na História Geral esteja baseado numa data de nascimento anterior. Conforme Johnson/Defoe, a mãe de Mary tinha se casado com um marinheiro e eles tinham um filho. O pai então desapareceu, talvez encontrando a morte em sua perigosa ocupação. A mãe de Mary engravidou de outro homem e, por não ser casada, deixou seu lar em Londres para dar à luz a Mary em segredo. Nesse ínterim, o irmão mais velho morreu por causas naturais. Mary e sua mãe voltaram a Londres e, com o objetivo de persuadir sua sogra a sustentá-las, a menina foi vestida como um garoto para que os parentes do falecido marido pensassem que seu neto ainda estava vivo. A artimanha funcionou e a família passou a receber uma coroa por semana para seu sustento. O disfarce continuou, à medida que Mary crescia, agora com o objetivo de empregá-la como um criado. Aparentemente insatisfeita, ela buscou a seguir uma vida no mar mas, como se tratava de uma ocupação restrita aos homens, novamente ela foi obrigada a se disfarçar. Desta forma, conseguiu um emprego como servente num navio de guerra britânico.
Durante a Guerra dos Nove Anos (1688-97), Read voltou à terra firme e lutou no exército de Flanders contra os franceses. Ela tentou se tornar um oficial, mas não conseguiu e então deixou a infantaria e se juntou a uma unidade de cavalaria. No decorrer do conflito, no qual lutou com bravura, ela se apaixonou por um soldado de sua unidade e eles se casaram. Voltando à vida civil, o casal passou a administrar a taberna Três Ferraduras, próximo de Breda, nos Países Baixos. A felicidade de Mary sofreu então dois duros golpes. Em primeiro lugar, seu marido morreu prematuramente e, em seguida, a taberna enfrentou a falência quando o fim da guerra acarretou a volta dos soldados para seus lares, fazendo com que perdesse a maior parte de sua clientela.
Mary decidiu voltar à vida militar, mas, já na meia-idade e em tempos de paz, não havia muita chance de promoção. Presumivelmente, também, seu talento para o disfarce estava sendo severamente testado na ocasião. Ela se reuniu então à tripulação de um navio que se dirigia ao Caribe. Mary se apaixonou por um marinheiro da embarcação que foi desafiado para um duelo. Confiante em seus talentos marciais e ansiosa para proteger seu amado, Read antecipou-se e insistiu que o desafiante a enfrentasse primeiro. Ela derrubou seu oponente com o alfanje e o atingiu com uma pistola (ou vice-versa), mas, ao final, o resultado foi o mesmo: a vitória no duelo. O navio de Mary Read foi então capturado por piratas, aos quais ela se juntou - a única escolha, com frequência, era "junte-se a nós ou seja morto". Isso teria ocorrido talvez em 1717. O destino de seu amante é desconhecido, pois Read recusou-se a identificá-lo em seu julgamento.
"Calico Jack"
O pirata inglês John Rackham, cujo apelido era "Calico Jack" devido à sua preferência a roupas de algodão simples [calico, em inglês, significa tecido comum de algodão ou morim] ao invés das pouco usuais vestes de seda que outros piratas preferiam, tinha encontrado Anne Bonny na Ilha de Providence (Nassau), nas Bahamas, durante a primavera de 1719, e eles se tornaram amantes. Em Agosto de 1719, o casal capturou a corveta William para se dedicar a uma vida de pirataria. Em 5 de Setembro, Woodes Rogers (1679-1732), governador das Bahamas, emitiu um mandado para a prisão de Rackham e sua tripulação de cerca de 20 pessoas.
Rackham era um pirata pouco importante se comparado a algumas das outras figuras da Era Dourada da Pirataria, e é conhecido nos dias atuais somente por causa de sua associação com Bonny e depois com Read. Esta última juntou-se à tripulação após a captura do navio no qual ela navegava ou pela reunião de duas tripulações diferentes, dependendo da versão da história. Em alguns relatos, Read e Bonny haviam se encontrado anteriormente na Ilha de Providence.
Abrigar duas mulheres a bordo era algo que jamais se vira até então. Muitos capitães piratas criavam normas que proibiam estritamente a presença de mulheres e meninos jovens a bordo de seus navios para evitar disputas em torno de favores sexuais ou comportamento predatório. Como o historiador J. Rogozinski assinala, no caso de Bonny e Read, "os piratas toleravam as mulheres porque elas se mostravam disponíveis para qualquer um da pequena tripulação de Rackham" (33).
Tanto Read quanto Bonny vestiam roupas masculinas no mar e são descritas como portando lenços em torno da cabeça (o que, ainda que costumeiramente associado à vestimenta típica da maioria dos piratas, era na verdade raro, ou ao menos não documentado entre homens). Testemunhos durante os julgamentos revelaram que tanto Bonny e Read somente se vestiam como homens nos combates, quando usualmente utilizavam pistolas. De fato, a romântica sugestão apresentada com frequência em histórias populares de que elas se disfarçavam como homens todo o tempo desafia a imaginação, tendo em vista as limitações da vida a bordo, ainda que haja casos históricos de mulheres que algumas vezes enganaram seus companheiros a bordo de navios mercantes na mesma época.
A tripulação pirata mista liderada por Rackham conseguiu escapar das autoridades. Eles pilharam os navios mercantes nas águas em torno das Bahamas e numa ampla área de rotas marítimas de Bermuda a Hispaniola (atual Santo Domingo), obtendo cargas pouco glamurosas, tais como tabaco e pimentas. Bonny e Rackham tiveram um filho, que acabou abandonado em Cuba, onde ela passou o período final de gravidez.
Conforme a História Geral, Anne Bonny tentou seduzir Read. Defoe/Johnson deixa claro que ambas se disfarçavam como homens todo o tempo e, portanto, Bonny achou Read um rapaz realmente bonito. A certa altura, Read revelou que era uma mulher, tanto para Bonny quanto para Rackham, para evitar o ciúme da "amizade" das duas. O resto da tripulação, de forma bastante improvável, teria sido deixada no escuro quando ao gênero das duas tripulantes.
A Captura de Read
Em Outubro-Novembro de 1720, enquanto ancorados na extremidade ocidental da Jamaica, Rackham e tripulação viram-se alvos de um ataque surpresa do Tigre, enviado pelo novo governador da ilha, Sir Nicholas Lawes, e comandado por Jonathan Barnet. Os piratas, num total de 18, de acordo com o relatório de Lawes a Londres, cortaram o cabo da âncora e fizeram uma retirada ligeira, mas foram alcançados durante a noite e abordados. Rackham e o restante da tripulação se esconderam abaixo do convés - muito provavelmente estavam bêbados - e somente Read, Bonny e outro tripulante tentaram resistir aos homens de Barnet. Ainda assim, foram capturados e levados para Spanish Town (naquela época chamada St. Jago de la Vega), na Jamaica, para julgamento.
Julgamento e Consequências
As duas mulheres foram julgadas separadamente dos homens em 28 de Setembro, todos com a mesma acusação terrível: pirataria. Os documentos deste julgamento revelam aspectos interessantes sobre o passado das duas piratas e de suas personalidades. Read e Bonny foram descritas por uma testemunha, Thomas Dillon, como "ambas depravadas, sempre praguejando e blasfemando e muito dispostas e prontas a fazer qualquer coisa a bordo". A testemunha Dorothy Thomas fez a seguinte descrição de um ataque, confirmando sem dúvidas que Read e Bonny eram realmente integrantes da tripulação pirata:
... as duas mulheres, prisioneiras no balcão, abordaram então a dita corveta, e vestiam casacos masculinos, calças compridas e lenços em torno de suas cabeças; e cada uma delas tinha um machete e uma pistola nas mãos, e praguejavam e xingavam aos homens para matar a depoente; e que eles deveriam matá-la para prevenir que viesse contra eles; e a depoente disse ainda que o fato de saber e acreditar que eram mulheres na ocasião foi pelo tamanho de seus seios.
(Cordingly, 64)
Outra testemunha, desta vez um francês, falando por intermédio de um tradutor, confirmou o hábito de Read e Bonny de mudar suas roupas para o combate: "quando elas viam qualquer embarcação, perseguiam ou atacavam, vestiam roupas masculinas e em outras ocasiões usavam roupas femininas" (Ibid).
Todos os acusados se declararam inocentes das acusações de pirataria, a despeito das óbvias evidências contrárias e das declarações de testemunhas de não somente um, mas de vários navios que tinham saqueado. Não houve defesa e todos foram declarados culpados. Rackham foi sentenciado à forca e, como era costume, seu cadáver foi mantido numa jaula para apodrecer ao ar livre, como um alerta para quem se sentisse atraído pela pirataria.
Anne Bonny e Mary Read também foram sentenciadas ao enforcamento, mas receberam um adiamento após revelarem ao tribunal que estavam grávidas. As leis da época proibiam a execução de uma mulher grávida - a criança no útero era inocente, ainda que a mãe não fosse - e, assim, elas foram autorizadas temporariamente a permanecer vivas. Exames foram realizados nas duas para garantir que falavam a verdade. O Registro da Paróquia do distrito de Santa Catarina mostra que Read morreu na prisão jamaicana, de febre, em 1721, com o sepultamento ocorrendo no dia 28 de Abril. O destino de Bonny é desconhecido, embora uma pessoa com este nome apareça nos registros da paróquia como tendo morrido na Jamaica em Dezembro de 1733.