Mary Read

Definição

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 05 outubro 2021
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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Mary Read from Assassin's Creed IV: Black Flag (by Ubisoft, Copyright, fair use)
Mary Read no jogo Assassin's Creed IV: Black Flag
Ubisoft (Copyright, fair use)

Mary Read, algumas vezes soletrado como Reade (n. c. 1690), foi uma famosa pirata durante a Era Dourada da Pirataria (1690-1720) que agia nas Bahamas até ser capturada pelas autoridades jamaicanas em 1720. Como integrante da tripulação do pirata inglês John Rackham, apelidado de "Calico Jack" (m. 1720), Read vestia-se como um homem nas batalhas e lutou corajosamente na última resistência contra as autoridades, enquanto seus companheiros masculinos se escondiam abaixo do convés.

Ela foi uma das únicas duas piratas femininas da chamada Era Dourada a ganhar fama, junto com sua amiga e companheira de tripulação Anne Bonny. Ambos foram capturadas, julgadas e sentenciadas ao enforcamento por pirataria, mas tiveram as execuções adiadas porque estavam grávidas. O destino de Bonny é desconhecido, mas Read morreu na prisão, de febre, em 1721.

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Vida Pregressa

Não existem detalhes da vida de Mary Read antes que ela tenha se voltado para a pirataria. Porém, isso não impediu que escritores inventassem uma biografia pitoresca mas improvável. Ela está ao lado do renomado catálogo de piratas Uma História Geral dos Roubos e Assassinatos dos mais Notórios Piratas, compilado na década de 1720. A obra é creditada a um certo Capitão Charles Johnson na página de título, mas talvez se trate de um pseudônimo do escritor Daniel Defoe (estudiosos ainda debatem esta questão). O livro influenciou fortemente todos os autores posteriores que escreveram sobre a pirataria na Era Dourada, mesmo que se trate de uma óbvia, ainda que divertida, mistura de fato e ficção.

Durante a Guerra dos Nove Anos, Read estava de volta à terra firme e lutou no exército de Flanders contra os franceses.

O autor da História Geral claramente teve acesso a papéis oficiais, registros de julgamentos e relatos jornalísticos contemporâneos e muitas afirmações provaram-se factuais quando corroboradas com registros oficiais. Entretanto, há também exageros sem fim e completas invenções, tais como conversas particulares e discursos aparentemente repetidos ad verbatim (literalmente). É talvez significativo que Defoe era tanto um jornalista bem-sucedido quanto escritor; em outras palavras, ele sabia exatamente como combinar fato e ficção para o máximo efeito literário. As histórias de vida de Read e Bonny, tal como apresentadas na obra, são inacreditáveis e o autor utiliza um velho artifício literário de admitir isso e, em consequência, um leitor pode ser perdoado pelo seu ceticismo, mas não descrença total: "os estranhos incidentes de suas vidas errantes são tantos, que alguns podem ficar tentados a pensar que toda a história não passa de uma novela ou romance" (153).

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Mary Read by Debelle
Mary Read por Debelle
Alexandre Debelle (Public Domain)

De acordo com algumas fontes, Mary Read nasceu em Plymouth, por volta de 1690, embora o relato na História Geral esteja baseado numa data de nascimento anterior. Conforme Johnson/Defoe, a mãe de Mary tinha se casado com um marinheiro e eles tinham um filho. O pai então desapareceu, talvez encontrando a morte em sua perigosa ocupação. A mãe de Mary engravidou de outro homem e, por não ser casada, deixou seu lar em Londres para dar à luz a Mary em segredo. Nesse ínterim, o irmão mais velho morreu por causas naturais. Mary e sua mãe voltaram a Londres e, com o objetivo de persuadir sua sogra a sustentá-las, a menina foi vestida como um garoto para que os parentes do falecido marido pensassem que seu neto ainda estava vivo. A artimanha funcionou e a família passou a receber uma coroa por semana para seu sustento. O disfarce continuou, à medida que Mary crescia, agora com o objetivo de empregá-la como um criado. Aparentemente insatisfeita, ela buscou a seguir uma vida no mar mas, como se tratava de uma ocupação restrita aos homens, novamente ela foi obrigada a se disfarçar. Desta forma, conseguiu um emprego como servente num navio de guerra britânico.

Durante a Guerra dos Nove Anos (1688-97), Read voltou à terra firme e lutou no exército de Flanders contra os franceses. Ela tentou se tornar um oficial, mas não conseguiu e então deixou a infantaria e se juntou a uma unidade de cavalaria. No decorrer do conflito, no qual lutou com bravura, ela se apaixonou por um soldado de sua unidade e eles se casaram. Voltando à vida civil, o casal passou a administrar a taberna Três Ferraduras, próximo de Breda, nos Países Baixos. A felicidade de Mary sofreu então dois duros golpes. Em primeiro lugar, seu marido morreu prematuramente e, em seguida, a taberna enfrentou a falência quando o fim da guerra acarretou a volta dos soldados para seus lares, fazendo com que perdesse a maior parte de sua clientela.

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Mary decidiu voltar à vida militar, mas, já na meia-idade e em tempos de paz, não havia muita chance de promoção. Presumivelmente, também, seu talento para o disfarce estava sendo severamente testado na ocasião. Ela se reuniu então à tripulação de um navio que se dirigia ao Caribe. Mary se apaixonou por um marinheiro da embarcação que foi desafiado para um duelo. Confiante em seus talentos marciais e ansiosa para proteger seu amado, Read antecipou-se e insistiu que o desafiante a enfrentasse primeiro. Ela derrubou seu oponente com o alfanje e o atingiu com uma pistola (ou vice-versa), mas, ao final, o resultado foi o mesmo: a vitória no duelo. O navio de Mary Read foi então capturado por piratas, aos quais ela se juntou - a única escolha, com frequência, era "junte-se a nós ou seja morto". Isso teria ocorrido talvez em 1717. O destino de seu amante é desconhecido, pois Read recusou-se a identificá-lo em seu julgamento.

Anne Bonny and Mary Read
Anne Bonny e Mary Read
Benjamin Cole (Public Domain)

"Calico Jack"

O pirata inglês John Rackham, cujo apelido era "Calico Jack" devido à sua preferência a roupas de algodão simples [calico, em inglês, significa tecido comum de algodão ou morim] ao invés das pouco usuais vestes de seda que outros piratas preferiam, tinha encontrado Anne Bonny na Ilha de Providence (Nassau), nas Bahamas, durante a primavera de 1719, e eles se tornaram amantes. Em Agosto de 1719, o casal capturou a corveta William para se dedicar a uma vida de pirataria. Em 5 de Setembro, Woodes Rogers (1679-1732), governador das Bahamas, emitiu um mandado para a prisão de Rackham e sua tripulação de cerca de 20 pessoas.

Rackham era um pirata pouco importante se comparado a algumas das outras figuras da Era Dourada da Pirataria, e é conhecido nos dias atuais somente por causa de sua associação com Bonny e depois com Read. Esta última juntou-se à tripulação após a captura do navio no qual ela navegava ou pela reunião de duas tripulações diferentes, dependendo da versão da história. Em alguns relatos, Read e Bonny haviam se encontrado anteriormente na Ilha de Providence.

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Abrigar duas mulheres a bordo era algo que jamais se vira até então. Muitos capitães piratas criavam normas que proibiam estritamente a presença de mulheres e meninos jovens a bordo de seus navios para evitar disputas em torno de favores sexuais ou comportamento predatório. Como o historiador J. Rogozinski assinala, no caso de Bonny e Read, "os piratas toleravam as mulheres porque elas se mostravam disponíveis para qualquer um da pequena tripulação de Rackham" (33).

The Spanish Main and Caribbean Pirate Havens  c. 1670
As Possessões Espanholas e os Redutos de Piratas do Caribe por volta de 1670
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

Tanto Read quanto Bonny vestiam roupas masculinas no mar e são descritas como portando lenços em torno da cabeça (o que, ainda que costumeiramente associado à vestimenta típica da maioria dos piratas, era na verdade raro, ou ao menos não documentado entre homens). Testemunhos durante os julgamentos revelaram que tanto Bonny e Read somente se vestiam como homens nos combates, quando usualmente utilizavam pistolas. De fato, a romântica sugestão apresentada com frequência em histórias populares de que elas se disfarçavam como homens todo o tempo desafia a imaginação, tendo em vista as limitações da vida a bordo, ainda que haja casos históricos de mulheres que algumas vezes enganaram seus companheiros a bordo de navios mercantes na mesma época.

A tripulação pirata mista liderada por Rackham conseguiu escapar das autoridades. Eles pilharam os navios mercantes nas águas em torno das Bahamas e numa ampla área de rotas marítimas de Bermuda a Hispaniola (atual Santo Domingo), obtendo cargas pouco glamurosas, tais como tabaco e pimentas. Bonny e Rackham tiveram um filho, que acabou abandonado em Cuba, onde ela passou o período final de gravidez.

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Somente Read, Bonny e um outro homem resistiram quando seu navio foi abordado pelas autoridades da Jamaica.

Conforme a História Geral, Anne Bonny tentou seduzir Read. Defoe/Johnson deixa claro que ambas se disfarçavam como homens todo o tempo e, portanto, Bonny achou Read um rapaz realmente bonito. A certa altura, Read revelou que era uma mulher, tanto para Bonny quanto para Rackham, para evitar o ciúme da "amizade" das duas. O resto da tripulação, de forma bastante improvável, teria sido deixada no escuro quando ao gênero das duas tripulantes.

A Captura de Read

Em Outubro-Novembro de 1720, enquanto ancorados na extremidade ocidental da Jamaica, Rackham e tripulação viram-se alvos de um ataque surpresa do Tigre, enviado pelo novo governador da ilha, Sir Nicholas Lawes, e comandado por Jonathan Barnet. Os piratas, num total de 18, de acordo com o relatório de Lawes a Londres, cortaram o cabo da âncora e fizeram uma retirada ligeira, mas foram alcançados durante a noite e abordados. Rackham e o restante da tripulação se esconderam abaixo do convés - muito provavelmente estavam bêbados - e somente Read, Bonny e outro tripulante tentaram resistir aos homens de Barnet. Ainda assim, foram capturados e levados para Spanish Town (naquela época chamada St. Jago de la Vega), na Jamaica, para julgamento.

Trial Notice of John Rackham, Anne Bonny and Mary Read
Anúncio do Julgamento de John Rackham, Anne Bonny e Mary Read
Unknown Artist (Public Domain)

Julgamento e Consequências

As duas mulheres foram julgadas separadamente dos homens em 28 de Setembro, todos com a mesma acusação terrível: pirataria. Os documentos deste julgamento revelam aspectos interessantes sobre o passado das duas piratas e de suas personalidades. Read e Bonny foram descritas por uma testemunha, Thomas Dillon, como "ambas depravadas, sempre praguejando e blasfemando e muito dispostas e prontas a fazer qualquer coisa a bordo". A testemunha Dorothy Thomas fez a seguinte descrição de um ataque, confirmando sem dúvidas que Read e Bonny eram realmente integrantes da tripulação pirata:

... as duas mulheres, prisioneiras no balcão, abordaram então a dita corveta, e vestiam casacos masculinos, calças compridas e lenços em torno de suas cabeças; e cada uma delas tinha um machete e uma pistola nas mãos, e praguejavam e xingavam aos homens para matar a depoente; e que eles deveriam matá-la para prevenir que viesse contra eles; e a depoente disse ainda que o fato de saber e acreditar que eram mulheres na ocasião foi pelo tamanho de seus seios.

(Cordingly, 64)

Outra testemunha, desta vez um francês, falando por intermédio de um tradutor, confirmou o hábito de Read e Bonny de mudar suas roupas para o combate: "quando elas viam qualquer embarcação, perseguiam ou atacavam, vestiam roupas masculinas e em outras ocasiões usavam roupas femininas" (Ibid).

Todos os acusados se declararam inocentes das acusações de pirataria, a despeito das óbvias evidências contrárias e das declarações de testemunhas de não somente um, mas de vários navios que tinham saqueado. Não houve defesa e todos foram declarados culpados. Rackham foi sentenciado à forca e, como era costume, seu cadáver foi mantido numa jaula para apodrecer ao ar livre, como um alerta para quem se sentisse atraído pela pirataria.

Anne Bonny e Mary Read também foram sentenciadas ao enforcamento, mas receberam um adiamento após revelarem ao tribunal que estavam grávidas. As leis da época proibiam a execução de uma mulher grávida - a criança no útero era inocente, ainda que a mãe não fosse - e, assim, elas foram autorizadas temporariamente a permanecer vivas. Exames foram realizados nas duas para garantir que falavam a verdade. O Registro da Paróquia do distrito de Santa Catarina mostra que Read morreu na prisão jamaicana, de febre, em 1721, com o sepultamento ocorrendo no dia 28 de Abril. O destino de Bonny é desconhecido, embora uma pessoa com este nome apareça nos registros da paróquia como tendo morrido na Jamaica em Dezembro de 1733.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2021, outubro 05). Mary Read [Mary Read]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-19987/mary-read/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Mary Read." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação outubro 05, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-19987/mary-read/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Mary Read." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 05 out 2021. Web. 20 nov 2024.