Woodes Rogers (1679-1732) foi um corsário transformado em administrador, instrumental na luta contra a pirataria no Caribe ao servir como governador das Bahamas (nomeado em 1717 e novamente em 1728). Também ficou conhecido pela sua viagem de corso de três anos ao redor do mundo (1708-11) e pelo livro muito bem recebido que a descreve, A Cruising Voyage Round the World [Uma Viagem de Cruzeiro ao Redor do Mundo].
Rogers é uma das figuras centrais da assim chamada Era de Ouro da Pirataria e se tornou a nêmesis de piratas notórios, tais como Charles Vane, John Rackham (“Calico Jack”) e Anne Bonny. Antes disso, no entanto, ele ganhou fama por sua circum-navegação do globo, na qual capturou um navio de tesouro espanhol incrivelmente valioso e resgatou Alexander Selkirk, o marinheiro abandonado numa ilha que inspirou Robinson Crusoe, o famoso romance de Daniel Defoe. Mais tarde, a campanha contra a pirataria e investimentos nas Bahamas o deixaram falido, a ponto de cumprir pena numa prisão para devedores na Inglaterra. Ele retornou para servir num segundo mandato como governador e passou seus anos finais nas Bahamas.
Vida Pregressa e Carreira
Rogers nasceu em Poole, Inglaterra, em 1679. Seu pai era um capitão do mar e a família mudou-se para o movimentado porto de Bristol por volta de 1697. Em 1705, Rogers casou-se com Sarah Whetstone, a filha do almirante Sir William Whetstone, que estava baseado no Caribe. Ele continuou então o próspero negócio do pai, patrocinando corsários para atacar e pilhar embarcações francesas num período em que a Inglaterra e a França estavam em guerra.
A Circum-Navegação de Corso
Em 1708, Rogers embarcou numa viagem de corso por conta própria, que terminaria por levá-lo numa volta ao mundo. Ele talvez tenha sido estimulado a realizar a viagem porque o governo britânico havia alterado sua política em relação aos corsários. Com o propósito de encorajá-los ainda mais, o governo abriu mão do percentual de 20% sobre a pilhagem, contentando-se em vez disso com a disrupção nas rotas comerciais e as perdas econômicas provocadas aos inimigos da Inglaterra. Rogers organizou então um consórcio de mercadores de Bristol para reunir capital necessário para os navios e tripulação, em troca de uma parte dos saques feitos durante a viagem. Ele comandava o Duke [Duque], uma fragata de 310 toneladas, acompanhada por uma menor, o Dutchess [Duquesa], comandada por Stephen Courtney. O navegador chefe e piloto de Rogers era um marinheiro com enorme experiência, William Dampier (c. 1651-1715), que encerraria sua carreira tendo dado a volta ao mundo três vezes.
Rogers deixou a Irlanda em setembro de 1708, mostrando-se um comandante capaz. Era duro consigo mesmo e com seus homens, mantendo uma disciplina rígida durante a viagem (baniu os jogos de azar a bordo, por exemplo, após ter descoberto que muitos tripulantes haviam apostado até as roupas). Sua posição como líder, como costumava ocorrer em expedições, foi quase imediatamente posta à prova quando alguns membros da tripulação tentaram um motim, em protesto pela decisão do capitão de deixar um navio neutro escapar. Restaurou-se a ordem sem demora e a expedição prosseguiu. Em troca de seu trabalho árduo, as tripulações de Rogers recebiam boa alimentação, tratamento médico e um generoso suprimento de álcool.
Os corsários saquearam navios franceses e espanhóis em seu caminho, levando para bordo cargas preciosas como ouro, pedras preciosas e rolos de seda. Fizeram a primeira vítima nas Canárias, antes mesmo que a expedição tivesse cruzado o Atlântico e contornado o Cabo Horn para atingir seu alvo principal, o Pacífico Ocidental.
Em fevereiro de 1709, em meio à circum-navegação, Rogers resgatou o escocês Alexander Selkirk (1676-1721), que tinha sido abandonado no arquipélago Juan Fernández (ou João Fernandes), no Pacífico, desde 1704. A história de Selkirk inspirou o romance Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Rogers observou que Selkirk estava “vestido com peles de cabra” e que ele “parecia mais selvagem do que as primeiras donas das peles” (Rogozinski, 311).
Sem se restringir apenas aos navios, Rogers também atacou portos espanhóis ao longo da costa do Pacífico, tais como Guayaquil (Equador) em maio de 1709, onde capturou dignatários locais, libertados apenas com o pagamento de resgate. Outros alvos foram embarcações francesas e Rogers adicionou o Marquis [Marquês] à sua frota de dois navios. Ele navegou para as Ilhas Galápagos e então, a partir de outubro, aguardou por um prêmio realmente significativo na costa oeste da América, onde a frota ganhou o quarto navio, um brigue.
A captura mais valiosa da expedição, de longe, foi o valioso navio Nuestra Señora de la Encarnación Disengaño [Nossa Senhora da Encarnação do Desengano], um galeão de Manila que transportava enormes quantidades de mercadorias chinesas e outros produtos de valor. Tomado no Ano Novo de 1710, foi um golpe impressionante, pois apenas quatro galeões de Manila haviam sido capturados nos últimos três séculos, tão bem defendidos e armados eram estes navios de tesouro espanhóis, que levavam cargas preciosas entre Acapulco, no México, e Manila, nas Filipinas. Alguns dias depois, Rogers também tentou capturar a embarcação que acompanhava o Disengaño, o Begoña [Begônia], mas sua frota, apesar de disparar mais de 500 tiros de canhão, não impediu que a presa escapasse. Ele não conquistou um tal butim sem custo pessoal, pois acabou atingido na mandíbula por uma bala de mosquete na primeira abordagem - o que não o impediu de participar da batalha pelo Begoña, na qual foi seriamente ferido novamente, desta vez por um estilhaço que perfurou seu pé esquerdo. O Disengaño passou a integrar a sempre crescente frota de Rogers, renomeado como Batchelor [Bacharel]. Selkirk, um acréscimo útil à tripulação, graças à experiência marítima, recebeu 800 libras como parte do butim do galeão de Manila, indo da miséria à riqueza. Ao retornar à Inglaterra, tornou-se oficial da Marinha Real.
A expedição navegou para Guam, no Pacífico Ocidental, seguindo depois pela Indonésia, Oceano Índico e em torno da extremidade sul da África, o Cabo da Boa Esperança. Os circum-navegadores voltaram à Inglaterra em outubro de 1711 e Rogers vendeu seus navios capturados e a carga por incríveis 800.000 libras. Os lucros da expedição, a maior entre os empreendimentos de corso, ficaram em torno de 170.000 libras (mais de 33 milhões de libras ou 45 milhões de dólares em valores atuais). O capitão, infelizmente, abriu falência antes que os rendimentos pudessem ser distribuídos, tais eram as enormes despesas envolvidas numa expedição na qual se antecipavam todos os custos muitos anos antes dos lucros surgirem. Rogers, pelo menos, escreveu um relato popular de sua viagem, ainda considerada como um clássico da literatura marítima, A Cruising Voyage Round the World, publicado em 1712.
Governo das Bahamas
Nos três anos seguintes, Rogers ganhou a vida como capitão de um navio de escravos que levava cativos africanos para Sumatra. Tornou-se conhecido por seu tato, habilidades diplomáticas e senso de humor. Também era um marinheiro e líder de homens durão e altamente experimentado. Em resumo, um candidato ideal para o governo colonial. Os lordes-proprietários das ilhas das Bahamas, no Caribe, concederam direitos de propriedade para Rogers por 21 anos, iniciando em 1717. Rogers foi nomeado Governador Capitão-Geral Real e Vice-Almirante das Bahamas em 1717, o primeiro a assumir esta posição. Nos curiosos arranjos políticos da época, ele não recebia um salário e seus rendimentos precisavam sair dos impostos que cobrava dos colonizadores que haviam estabelecido propriedades agrícolas nas ilhas.
Enquanto muitos governadores e oficiais das colônias da costa leste norte-americana e das ilhas caribenhas faziam vista grossa para a pirataria – seja porque eles próprios se envolviam no negócio ou porque os produtos provenientes dos saques piratas eram com frequência mais baratos do que adquirir mercadorias dos comerciantes legítimos - os tempos estavam mudando. Ao final da década de 1710, o governo britânico e os mercadores legítimos pressionaram os governadores coloniais para finalmente dar um fim à pirataria. Por esta razão, em 5 de setembro de 1717, o rei Jorge I da Grã-Bretanha (r. 1714-1727) decretou o perdão para todos os que desistissem de suas atividades tão enormemente disruptivas. Em novembro de 1717, um relatório enviado ao governo pelo Conselho de Comércio e Agricultura destacou que a pirataria nas Bahamas, em particular, encontrava-se tão fora de controle que os colonizadores estavam abandonando as ilhas e a Brã-Bretanha poderia perdê-las para uma nação estrangeira devido à ausência de população permanente. Rogers recebeu a missão específica de limpar as Bahamas dos piratas, com a autorização de utilizar quaisquer meios necessários para alcançar este objetivo.
Com somente três navios armados para usar como porrete, o governador, sem dúvida, apreciou receber a bela cenoura do perdão real, com a qual ele poderia seduzir os piratas a abandonar a vida de crimes. A ilha de New Providence, uma das integrantes do arquipélago, tinha sido um notório abrigo pirata desde 1716 ou até mesmo antes disso. Não somente a aceitação do perdão pelos piratas os fariam escapar da quase inevitável punição por enforcamento que a maioria de sua irmandade sofria mais cedo ou mais tarde, mas eles receberiam ainda um pequeno pedaço de terra na ilha para construir um lar. Os piratas perdoados ganhavam inclusive uma doação de madeira grátis para construir suas casas.
Alguns antigos piratas foram empregados nos projetos de construção de Rogers, que incluíam reparos em fortalezas dilapidadas, a construção de uma paliçada defensiva e a limpeza das estradas e ruas invadidas pela vegetação. Outros acabaram aliciados para a milícia de 400 homens de Rogers, que trouxe ordem para as ilhas e guarneceu a fortaleza. O governador se ocupava de outras formas para restabelecer a colônia, formando uma assembleia consultiva e nomeando um juiz e um secretário-geral. Instalaram-se canhões para proteger o porto e manter afastados quaisquer piratas que pensassem em retornar por qualquer outra razão que não fosse a de receber o perdão real.
Charles Vane
A campanha de Rogers contra a pirataria em 1718 começou bem, pois muitos piratas de fato aceitaram a oferta do perdão, mas havia ainda vários vilões duros de matar (literalmente) que não queriam abrir mão dos saques, uma condição para o perdão. Edward Teach, mais conhecido como Barbanegra (m. 1718), navegou para as Carolinas, ao norte, para prosseguir seus ataques piratas naquela região. Outro vilão à solta era o pirata inglês Charles Vane. Depois de escapar do porto de New Providence, Vane audaciosamente mandou um navio em chamas em direção ao navio do governador Rogers, quando ele chegou para assumir o cargo, em julho de 1718. O capitão pirata disparou seus canhões em direção à embarcação de Rogers, enquanto este escapava. O navio de Vane era a super-rápida chalupa Ranger e, assim, ele conseguia escapar com facilidade.
Rackham, Bonny e Read
Rogers foi astuto o suficiente para saber que os piratas reformados dispunham de conhecimento inestimável sobre os abrigos piratas e os hábitos dos capitães ainda à solta. O governador, por exemplo, empregou James Bonny, marido da pirata Anne Bonny, como um informante. Anne tinha deixado o marido e se reunido à tripulação de John Rackham (ou "Calico Jack"), que também incluía Mary Read, outra famosa pirata. O governador expediu um mandado de prisão para Rackham e sua tripulação em setembro de 1719, ainda que tenha sido um navio enviado pelo governador da Jamaica que capturou o trio e seus companheiros, em novembro de 1720.
Capitão Hornigold
Ao contrário de Vane, o pirata inglês Benjamin Hornigold decidiu aceitar o perdão de Rogers, e mostrou-se um aliado útil na caçada contra seus antigos companheiros. Seu primeiro alvo foi Charles Vane, que ainda causava todo tipo de problemas no Caribe e na costa da América do Norte, mas seu navio mostrava-se rápido demais para ser capturado. As autoridades conseguiram pegá-lo eventualmente após um naufrágio e, em 1721, Vane morreu enforcado em Port Royal, na Jamaica. A próxima tarefa de Hornigold foi perseguir John Augur (algumas vezes soletrado como Auger), pirata que tinha recentemente sequestrado três navios de suprimentos que partiram de New Providence. Augur recebera o perdão, mas obviamente não conseguiu resistir à tentação. Mudar de pirata para cidadão perdoado e novamente para pirata representava um pecado capital, e Rogers decidira fazer de Augur um exemplo. Hornigold comandou uma embarcação enquanto o capitão Cockram navegava outra para caçar o renegado, que acabou facilmente capturado ao também naufragar, desta vez em Long Island, na costa leste norte-americana.
Augur e vários outros piratas foram levados de volta a New Providence para julgamento por pirataria. Rogers queria usar os procedimentos legais como uma demonstração pública de sua determinação de capturar todos os piratas e trazê-los à justiça. O impressionante corpo de jurados consistia em sete comissários que se encontraram na Sala da Guarda de Sua Majestade, em Nassau, em 9 de dezembro de 1718. Tendo o próprio governador como presidente, a corte ouviu os depoimentos das testemunhas e dos dez acusados. Todos alegaram inocência, a despeito das avassaladoras evidências contra eles. Nove acabaram condenados por pirataria, enquanto um dos homens, John Hipps, recebeu uma reprimenda após convencer a corte que só participara da tripulação sob coação. A sentença para os culpados foi a morte por enforcamento.
Por volta de 1719, Rogers conseguiu eliminar a maior parte dos piratas da região, embora sua posição nunca tenha sido completamente segura, em vista da falta de assistência prática de Londres e dos efeitos fatais das doenças tropicais em sua milícia. De fato, o governador descobriu que três ilhéus planejavam seu assassinato em 1719, e o trio acabou açoitado publicamente. A posição do governador ficou ainda mais precária no ano seguinte, quando uma frota de navios espanhóis atacou as ilhas em fevereiro, mas terminou sendo repelida. Havia, também, alguns piratas perigosos à solta, principalmente Vane.
Final de Vida e Morte
Ironicamente, a política de limpeza da maioria dos piratas teve consequências danosas para as Bahamas já que, sem a pirataria e o florescente comércio dos seus saques, as ilhas tornavam-se uma área colonial esquecida, a despeito dos pesados investimentos do governador para promover o comércio até áreas distantes, como o México. Sem nenhum apoio do governo britânico, Rogers eventualmente acabou falindo. A partir de 1721, o ex-governador cumpriu pena numa prisão para devedores na Inglaterra. Ele retornou às Bahamas para um segundo mandato como Governador Real após ser renomeado em outubro de 1728 e, ao menos desta vez, foi agraciado com um salário. A colônia tinha decaído sob seu sucessor, o governador Phenney, e o retorno de Rogers recebeu o apoio de um poderoso comitê de altos funcionários, que incluía vários outros governadores das colônias norte-americanas. Ele restabeleceu a ordem, eliminou a corrupção e promoveu a criação de novos latifúndios para o cultivo de cana-de-açúcar e algodão. Uma vez mais, no entanto, sem financiamento adequado e com a resistência dos habitantes locais, as Bahamas lutavam para se libertar de seu passado difícil. Após sofrer com problemas de saúde por algum tempo, Woodes Rogers morreu em Nassau em 15 de julho de 1732.