Galeão de Manila

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Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 29 outubro 2021
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, alemão, espanhol
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A Manila Galleon in the Ladrones Islands (by Unknown Artist, Public Domain)
Um Galeão de Manila nas Ilhas Ladrones (Ilhas Marianas)
Unknown Artist (Public Domain)

Os galeões de Manila eram navios espanhóis de tesouros que transportavam mercadorias de alto valor, como seda, especiarias e porcelana, de Manila, nas Filipinas, até Acapulco, no México, entre 1565 e 1815. As frotas de tesouros do Atlântico então transportavam uma parte desses bens – juntamente com prata, ouro e outros materiais preciosos extraídos das Américas – para a Espanha. Por sua vez, os galeões de Manila retornavam às Filipinas carregados de prata para aquisição de mais mercadorias para a próxima viagem. Esses galeões, seja em qual direção fossem, transformavam-se em verdadeiras cavernas de Aladim flutuantes e, assim, despertavam a cobiça de muitos piratas e corsários mas, devido ao armamento pesado, somente quatro deles acabaram sendo capturados em alto-mar.

O Império Espanhol

No século XVI, duas potências europeias estavam colonizando o globo. O Tratado de Saragoça de 1529, entre Portugal e Espanha, estendeu a espantosa divisão do mundo que estas duas nações haviam estabelecido anteriormente no Tratado de Tordesilhas de 1494. O segundo acordo confirmou a reivindicação de Portugal sobre as Ilhas das Especiarias (Molucas), enquanto a Espanha recebeu as Filipinas. A partir de 1565, o galeão espanhol passou a ser empregado para o transporte de mercadorias, ouro e prata provenientes de toda a Ásia e armazenados em Manila para as Américas e depois para a Espanha.

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Ao contrário de outras embarcações, como as do Império Português, que usavam a rota comercial do Cabo da Boa Esperança, contornando a extremidade da África meridional, os espanhóis preferiam enviar seus navios na direção leste, com destino às Américas. Um ou, mais raramente, dois galeões de Manila chegavam anualmente a Acapulco, na costa do Pacífico do México, que, na ocasião, fazia parte do Império Espanhol nas Américas, a região conhecida como Spanish Main ou Possessões Espanholas. Partindo da capital das Filipinas, estes navios ficaram conhecidos como galeões de Manila para os britânicos, embora os espanhóis os chamassem de naos de China, ou navios chineses. Quase todos os galeões espanhóis que operavam no Pacífico foram construídos nas Filipinas (uma exigência imposta por lei a partir de 1679), com financiamento da Coroa Espanhola, que detinha a propriedade das embarcações.

A carga preciosa armazenada nos conveses inferiores dos galões podia pesar até 2.000 toneladas.

Atravessando o Pacífico

Tratava-se de uma jornada perigosa, com os galeões geralmente partindo em junho ou julho e usando os ventos alísios para navegar numa rota em arco elevado, que muitas vezes cruzava o paralelo 40. A Corrente de Kuroshio, que tem origem em Taiwan, contribuía com outro impulso bem-vindo na direção desejada. Apesar desse apoio da natureza, não era incomum que um galeão tivesse que voltar para Manila se enfrentasse tempestades ou se estivesse muito pesado devido ao excesso de carga. O italiano Gemelli Careri, que fez a travessia no final do século XVII, descreveu a longa viagem até as Américas:

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A viagem das Ilhas Filipinas à América pode ser chamada de a mais longa e terrível do mundo, até pelo vasto oceano a ser atravessado, que perfaz quase metade do globo terrestre; pelo vento sempre à frente; pelas terríveis tempestades que se sucedem uma atrás da outra; e pelas doenças desesperadoras que tomam conta das pessoas em sete ou oito meses, permanecendo no mar algumas vezes próximo à linha, algumas vezes temperada e algumas vezes quente, que é suficiente para destruir um homem de aço, quanto mais um de carne e osso e que em alto-mar tem apenas comida indiferente. (Giraldez, 119)

Não é para menos que os galeões tivessem as letras AMGP pintadas em suas velas. Estas letras representavam as primeiras quatro letras da oração Ave Maria, em latim: Ave Maria, gratia plena [Ave Maria, cheia de graça] ...

Spanish Colonial Empire in the Age of Exploration
Império Colonial Espanhol na Era das Grandes Navegações
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

A viagem ao continente americano - que trazia a primeira visão de terra firme em todo o trajeto -, geralmente levava seis meses, variando entre quatro a oito, dependendo das condições do vento e do mar. Os galeões transportavam cerca de 40 passageiros pagantes e carga, embora nenhum estrangeiro tivesse permissão de embarcar, a menos que atuasse como oficial no navio. Com uma dieta pobre e doenças abundantes, não era incomum que 50 a 150 almas morressem durante o trajeto. Quando os galeões finalmente atingiam a terra firme, nos atuais estados norte-americanos do Oregon ou Califórnia, dirigiam-se para o sul, acompanhando a linha costeira, ainda que a uma certa distância, já que os povos indígenas repeliam de maneira extremamente hostil os intrusos em seus territórios.

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Um rolo de seda valia 10 vezes mais nas Américas do que em Manila.

A Carga

Os galeões de Manila transportavam cargas como rolos de seda, porcelana chinesa, tapetes persas, joias, remédios e rolos de tecido de algodão indiano. As especiarias exóticas incluíam canela, cravo, noz-moscada e pimenta, além de perfumes, como o almíscar. Sempre havia uma quantidade de pedras preciosas lapidadas e brutas, barras de ouro chinesas (que valiam muito mais nas Américas e na Europa) e também, em muitas ocasiões, vários escravos.

A carga armazenada nos conveses inferiores dos galões podia pesar até 2.000 toneladas, embora a maioria transportasse em torno de 1.000 toneladas. As mercadorias eram descarregadas nos armazéns de Acapulco. Oficialmente, só podiam ser vendidas no México, mas os comerciantes reexportavam tudo o que podiam. Os estabelecimentos obtinham 150 a 200% de lucro com seus investimentos, já que um rolo de seda, por exemplo, valia 10 vezes mais nas Américas do que em Manila. A Coroa espanhola recebia sua parcela das transações, assim como os agentes que intermediavam os negócios no porto. Os oficiais dos navios também podiam obter um lucro considerável, superior aos seus salários, vendendo mercadorias trazidas como parte de seus limites pessoais de bagagem. Os produtos não vendidos nas feiras de Acapulco eram transportados por terra para Veracruz, na costa atlântica, fundada por Hernán Cortés em 1519. Ali podiam ser vendidos ou, no caso da porcelana chinesa, seda e tecidos de algodão, transportados nas frotas de tesouros espanholas que navegavam anualmente para Havana e, dali, para a Espanha. A demanda era tanta que os fabricantes da Ásia ajustaram sua produção. A porcelana Ming tornou-se altamente colecionável e muito procurada pela aristocracia europeia, a ponto dos ceramistas chineses começarem a produzir os padrões mais populares naquele mercado.

Pieces of Eight from the Whydah
Peças de Oito Espanholas do Whydah
Theodore Scott (CC BY)

O Retorno a Manila

Após a manutenção e reparos, os galeões estavam prontos para a jornada de retorno às Filipinas, tipicamente transportando até 3 milhões de pesos de prata para adquirir mercadorias que enchessem seu compartimento de carga. A prata dos conquistadores das Américas enviada do México para Manila no século XVII, conforme estimativas conservadoras, totaliza cerca de 55 toneladas métricas. Ela tinha muito mais valor no Sudeste da Ásia do que em qualquer outro lugar no século XVI. Por exemplo, uma onça de ouro comprava 11 onças de prata em Amsterdã, enquanto a mesma quantidade de prata, na China, poderia ser trocada por duas onças de ouro. Outras cargas incluíam quantidades relativamente pequenas de cacau, cochonilha, vinho e azeite. Os galeões tipicamente deixavam Acapulco em março ou abril e utilizavam os ventos alísios para alcançar Guam e, em seguida, as Filipinas. A jornada era muito mais fácil nesta direção e levava cerca de três a quatro meses.

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Ameaças e Capturas

Os galeões da rota Manila-Acapulco eram uma tentação óbvia para as potências estrangeiras e seus corsários. Os piratas também sonhavam em tomar um navio que poderia fazer com a tripulação ganhasse o salário de uma vida inteira num único dia. Nos primeiros dias, antes que as águas do Pacífico atraíssem outros navios europeus à procura de pilhagem, as embarcações navegavam desarmadas, mas os espanhóis rapidamente remediaram esse descuido. Os galeões passaram a apresentar um conjunto formidável de até 60 canhões, abaixo e acima do convés, além de grandes lâminas em forma de crescente, fixadas ao lais de verga dos mastros e destinadas a rasgar as velas e cortar os cordames de qualquer navio que ousasse navegar ao seu lado. As superestruturas elevadas na popa e na proa forneciam aos atiradores de precisão uma excelente plataforma elevada para atingir os inimigos.

Como consequência dessas defesas e apesar de geralmente viajarem em alto-mar sem escolta, apenas quatro galeões de Manila foram capturados em mais de 250 anos de serviço. Em primeiro lugar, eram difíceis de encontrar em meio ao oceano e até as embarcações piratas, que vagueavam pela costa americana por várias semanas, geralmente falhavam em localizá-los. Mesmo que fossem descobertos, os galeões eram muito maiores e mais bem armados do que qualquer navio pirata e ou mesmo da marinha. Além disso, abrigavam grandes tripulações, com cerca de 100 homens no século XVI e até 250 no século XVIII. As tripulações eram geralmente compostas por filipinos, chineses, mexicanos e espanhóis. Havia também um contingente de soldados profissionais liderados por um capitão. Como se não bastasse, muitos dos passageiros estavam armados e dispostos a arriscar a vida e a integridade física para proteger seus objetos de valor. Finalmente, os galeões eram construídos com espécies orientais de madeira de lei, o que tornava seus cascos notavelmente resistentes às balas de canhão. Na prática, tratava-se de um castelo lento, mas formidável, singrando os mares. Corriam risco muito maior de serem afundados por tempestades, recifes ou incêndios acidentais do que por ataques inimigos. Pelo menos 30 galeões de Manila naufragaram de uma forma ou de outra ao longo dos anos.

Manila Galleon Passenger Luggage
Bagagem de Passageiro de um Galeão de Manila
Alejandro Linares Garcia (CC BY-SA)

Além de todas essas dificuldades para os atacantes, a própria Acapulco aumentou suas defesas a partir de 1617, com a construção do Forte de San Diego, uma estrutura de cinco lados com seis bastiões angulares. Em 1697, a guarnição do forte dispunha de 42 canhões. Situada do lado "errado" do continente, no que se referia ao tráfego de embarcações europeias, Acapulco permaneceu um porto relativamente seguro para os galeões. A maioria dos atacantes preferia investir sobre o destino final americano para esses ricos bens comerciais: Veracruz, na costa atlântica. Por fim, um sistema de faróis de aviso foi implantado ao longo da costa do México para avisar aos galeões que navios inimigos rondavam a área.

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Thomas Cavendish (1560-1592) foi um dos sortudos que pôs as mãos num galeão de Manila. Subindo a costa da América do Norte, o corsário inglês se deparou com a maior captura premiada da sua épica circum-navegação de 1586-8. A carraca [tipo de galeão] Grande Santa Ana seguia seu trajeto, vinda de Manila, com 22.000 pesos de ouro e 600 toneladas de sedas e especiarias preciosas. Avistada pelos homens de Cavendish no dia 14 de novembro de 1587, na costa da Califórnia, sofreu um intenso ataque por mais de seis horas. Como se tratava de propriedade particular do rei Filipe II da Espanha (r. 1556-1598), a captura do navio levou a uma nova crise nas relações anglo-espanholas.

O corsário inglês Woodes Rogers (1679-1732) apossou-se do seu galeão de Manila no dia de Ano Novo de 1710, durante sua própria viagem de circum-navegação. Ele capturou o Nuestra Señora de la Encarnación Disengaño [Nossa Senhora da Encarnação do Desengano] e sua lucrativa carga na costa da América do Norte. Rogers tentou tomar o maior navio companheiro do galeão, o Begoña [Begônia] alguns dias depois, mas seus quatro navios, disparando mais de 500 tiros de canhão, não conseguiram impedir a fuga da segunda presa.

Spanish Galleon
Galeão Espanhol
RadraS-Sardar (CC BY-NC-SA)

As outras duas capturas de galeões de Manila foram feitas pela Marinha Real durante a guerra entre a Inglaterra e a Espanha, no século XVIII. Em 1743, o galeão Covadonga foi tomado por George Anson, que comandava uma poderosa fragata, armada com 60 canhões. Proveniente de Acapulco, o galeão transportava 1,3 milhão de pesos de prata e não estava longe da segurança de Manila quando foi abordado. A quarta e última captura aconteceu em 1762, obra de uma frota britânica comandada pelo almirante Cornish, que aliviou o galeão Santísima Trinidad [Santíssima Trindade], cujos mastros se partiram numa tempestade, de sua carga destinada a Acapulco, avaliada em mais de 2 milhões de pesos de prata.

O Fim dos Galeões de Manila

Os galeões de Manila permaneceram vitais para o comércio imperial da Espanha até aproximadamente 1785, quando as Filipinas foram finalmente abertas a outros mercadores europeus. Eles continuaram a navegar regularmente para o México até 1811, quando rebeldes mexicanos assumiram o controle de Acapulco. A Coroa espanhola decretou o fim da rota em 1813, mas um último galeão de Manila, o San Fernando, navegou para Acapulco em 1815.

O comércio mundial avançou em meados do século XVIII, à medida que novos centros comerciais se desenvolviam e novas commodities usurpavam o domínio anteriormente detido pela prata, seda e especiarias. Os Estados Unidos, Brasil, Índia e China eram os novos grandes atores, fazendo negócios com mercadorias lucrativas, tais como o chá, ópio, açúcar, tabaco, café e algodão, em enormes quantidades. Os galeões de Manila do Império Espanhol certamente desempenharam seu papel no transporte de mercadorias e ideias de uma cultura para outra e até no significativo movimento de populações, fossem mercadores peruanos para o México ou fabricantes chineses até Manila. No século XIX, no entanto, tinham se tornado parte da história marítima, vítimas do processo de globalização comercial que ajudaram a iniciar.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2021, outubro 29). Galeão de Manila [Manila Galleon]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-20072/galeao-de-manila/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Galeão de Manila." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação outubro 29, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-20072/galeao-de-manila/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Galeão de Manila." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 29 out 2021. Web. 20 dez 2024.