Marie-Joseph Paul Yves Roch Gilbert du Motier, marquês de La Fayette (v. 1757-1834), mais conhecido nos Estados Unidos simplesmente como Lafayette, foi um aristocrata, oficial militar e político francês. Personagem importante nas revoluções americana e francesa, ele ajudou a moldar o destino destes países.
Aos 18 anos, ele deixou a França, desafiando ordens explícitas em contrário do rei, para lutar contra os britânicos na Guerra da Independência Americana (1775-1783), na qual rapidamente subiu na hierarquia para se tornar um dos generais mais confiáveis de George Washington, comandando as forças americanas durante campanhas significativas, como a de Yorktown.
Depois de retornar à França, a defesa dos ideais republicanos o levou a se tornar uma figura importante tanto na Revolução Francesa (1789-1799) quanto na Revolução de Julho de 1830. Ele foi fundamental na elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França, modelada na Declaração de Independência dos Estados Unidos e ajudou a orientar a França num de seus períodos mais difíceis. Seu envolvimento nas revoluções dos Estados Unidos e da França lhe valeu o apelido de "O Herói dos Dois Mundos" (Le Héros des Deux Mondes).
Infância e Juventude
Lafayette nasceu no dia 6 de setembro de 1757, no Castelo de Chavaniac, uma propriedade austera, semelhante a uma fortaleza, em Auvergne, aproximadamente 500 km ao sul de Paris. O projeto bastante militarista do castelo familiar refletia perfeitamente a tradição da família La Fayette, que recuava no tempo até a fundação da família por um certo Pons Motier, que recebeu o feudo de Villa Faya por volta do ano 1000. Em 1250, um La Fayette serviu sob Luís IX da França (r. 1226-1270) durante a Sexta Cruzada e, segundo se afirma, apossou-se da Coroa de Espinhos. Em 1428, Gilbert III de La Fayette, marechal da França, participou junto com Joana D'Arc do lendário Cerco de Orleans. O mais recente guerreiro anterior à época de Lafayette foi seu pai que, aos 27 anos, serviu como coronel granadeiro durante a Guerra dos Sete Anos, na qual terminou sendo morto por um canhoneio britânico na Batalha de Minden, em 1759. A morte do Lafayette sênior deixou seu filho com o título de marquês, com apenas dois anos de idade.
Ouvindo tais histórias de glória, Lafayette naturalmente começou a sonhar com suas próprias aventuras. Em sua infância, conforme descreveu mais tarde, ele se via como uma espécie de Vercingetórix, "defendendo as montanhas de Auvergne", e também escreveria que, quando criança, não se lembrava de mais nada além do seu "fervor por histórias de glória e meus planos para viajar pelo mundo em busca de fama" (Unger, 7). Ele também desenvolveu outra qualidade que se mostraria não menos importante em sua carreira: o amor pelo povo e pela liberdade. Desde muito jovem, ele cultivou a gentileza com os camponeses das cercanias de Auvergne, devotados à família por causa da tia de Lafayette, que dava permissão para que caçassem em suas florestas e também doava excedentes de alimentos da propriedade. Quando Lafayette se inscreveu no Collège du Plessis, passou a conhecer as ideias do Iluminismo, que aumentaram ainda mais sua paixão pela liberdade.
Em 1770, quando Lafayette estava em Paris, atuando como cadete nos prestigiosos Mosqueteiros Negros, sua mãe e avó morreram no espaço de poucas semanas, deixando-lhe uma renda anual de 120.000 livres. Esta recém-adquirida riqueza, bem como seu elevado status como um cadetes dos Mosqueteiros Negros, que faziam seus exercícios de montaria junto com os próprios netos do rei Luís XV da França, o tornaram um dos mais cobiçados solteiros de Paris. Graças a isso, ele caiu nas graças do duque d'Ayen, um nobre influente da famosa família Noailles. D'Ayen convenceu-se de que o adolescente de 14 anos seria um par ideal para sua filha de 12 anos, Adrienne, e iniciou os arranjos para o matrimônio, passando a se interessar pessoalmente pela continuidade da educação de Lafayette. Em 1774, eles se casaram oficialmente e o contrato de casamento foi assinado por Luís XV (r. 1715-1774) e pelo Delfim, que seria coroado rei Luís XVI da França (r. 1774-1792) menos de um mês depois. Buscando o avanço da carreira do genro, d'Ayen alistou Lafayette num corpo de elite, os Dragões Noailles.
A Revolução na América
Após as 13 colônias americanas da Grã-Bretanha declararem sua independência, os nascentes Estados Unidos sabiam que precisavam de apoio estrangeiro para vencer a guerra contra uma das maiores potências mundiais. Como parte de seus esforços, diplomatas americanos em Paris passaram a procurar oficiais franceses para serem comissionados no Exército Continental em troca do treinamento dos soldados americanos. Lafayette apressou-se a aceitar a oferta, mas os britânicos logo descobriram o plano e ameaçaram a França com um estado de guerra caso os oficiais fossem autorizados a partir. O governo de Luís XVI lançou um decreto proibindo oficiais franceses de se aventurarem nas Américas, sob pena de prisão. Lafayette, cujo status como mosqueteiro e estreitos laços com a corte francesa, em Versalhes, o faziam alvo de um interesse especial, foi mencionado explicitamente, pelo nome, no decreto real.
Ele partiu então para Londres, onde se encontrou com importantes representantes britânicos, incluindo o rei Jorge III (r. 1760-1820). Lafayette ainda pretendia ir para a América, desejando "corrigir os erros da última guerra, lutar contra os ingleses e ajudar os americanos (Auricchio, 31) e o marquês de 19 anos escapou furtivamente da França a bordo do navio Victoire, sem avisar à família para não despertar suspeitas. Após a árdua viagem de travessia do Atlântico, desembarcou em Charleston em junho de 1777 e dirigiu-se à Filadélfia para receber sua prometida comissão. O Congresso ficou relutante, porém, já que havia um fluxo de oficiais estrangeiros além das expectativas, muitos dos quais sem experiência militar real e com pouca fluência em inglês. Embora o próprio Lafayette nunca tivesse visto uma batalha de perto, ele conseguiu convencer o Congresso com seu entusiasmo e status de maçom e recebeu o posto de major-general.
Na Filadélfia, ele se encontrou pela primeira vez com George Washington (v. 1732-1799), comandante-em-chefe do Exército Continental. Lafayette ficou imediatamente impressionado com o comportamento de Washington, vendo no aristocrata da Virgínia as mesmas virtudes dos heróis republicanos romanos que admirava. Quando apresentou o jovem ao acampamento, o general expressou constrangimento com a forma como sua própria força maltrapilha devia parecer para um oficial vindo diretamente do exército francês. Lafayette respondeu: "Vim aqui para aprender, não para ensinar" (Unger, 41). Os dois homens rapidamente formaram um vínculo e Lafayette encontrou em Washington um amigo para toda a vida e uma figura paterna.
O jovem oficial francês teve seu primeiro gosto do combate no dia 11 de setembro de 1777, na Batalha de Brandywine Creek, onde sofreu um ferimento na panturrilha esquerda quando tentava reunir soldados americanos que debandavam. Ele passou menos de dois meses se recuperando antes de retornar ao campo, liderando vitoriosamente 300 soldados contra um destacamento de hessianos [soldados alemães que serviam como auxiliares no exército britânico] superior em número, em Gloucester. Lafayette permaneceu ferozmente leal a Washington, ficando ao lado do general em Valley Forge até ser ordenado a montar uma invasão ao Canadá, uma ordem que se recusou a aceitar a menos que agisse sob a autoridade do comandante-em-chefe americano. Embora a planejada invasão nunca tenha se materializado, no inverno de 1777 Lafayette conseguiu se encontrar com representantes das Seis Nações Iroquesas, no estado de Nova York, e obteve o apoio dos oneidas para a causa americana. Os oneidas ficaram tão impressionados com o jovem francês que lhe deram o apelido de kayewla, ou "cavaleiro temível".
Com o decorrer da Guerra Revolucionária Americana, Lafayette continuou a servir em papéis cada vez mais importantes, comandando divisões em batalhas significativas, tais como as de Monmouth Court House e Newport. Ele se tornou uma figura popular nos Estados Unidos, conquistando a amizade de muitos soldados, membros do Congresso e Pais Fundadores. De volta à França, as histórias sobre seu heroísmo na América se espalharam, granjeando-lhe um status semelhante ao de uma celebridade, especialmente após o país se aliar à guerra ao lado dos americanos, em 1778.
Passando o ano de 1779 na França, Lafayette ajudou a organizar as forças francesas que seriam enviadas à América, enquanto também planejava uma ousada invasão à própria Grã-Bretanha, algo que nunca chegou a acontecer. Em 1781, de volta à América, Lafayette liderou um exército na Virgínia, engajando-se num jogo de gato e rato com as forças britânicas lideradas pelo general Charles Cornwallis (v. 1738-1805). Lafayette encurralou Cornwallis no porto comercial de Yorktown e conseguiu detê-lo ali até que Washington pudesse chegar por terra, enquanto a marinha francesa bloqueava o porto. Cornwallis rendeu-se em 19 de outubro e este foi um dos últimos conflitos significativos da guerra. O Tratado de Paris de 1783 confirmou a independência dos Estados Unidos e Lafayette retornou à França.
A Revolução na França
Após se reunir com sua esposa e três crianças em Auvergne, Lafayette atuou para estabelecer laços franco-americanos mais fortes, defendeu os direitos dos protestantes franceses e a abolição da escravatura. Nesse meio tempo, o final da década de 1780 encontrou a França num crescente estado de caos, encarando uma crise financeira, desemprego em larga escala e fome disseminada. A agitação nacional continuou a piorar até 1789, quando Luís XVI foi forçado a convocar os Estados-Gerais pela primeira vez em 175 anos.
Os Estados-Gerais eram uma assembleia legislativa e consultiva, composta pelos três estados ou classes de súditos franceses: o clero, a nobreza e os plebeus. Cada estado tinha direito a apenas um voto e, assim, os primeiros dois estados, que representavam somente dez por centro da população e votavam juntos com frequência, podiam sempre derrotar o terceiro estado, que representava os demais 90 por cento. Para se contrapor a isso, Lafayette propôs a convocação de uma assembleia nacional, na qual cada indivíduo teria um voto, mas a proposta foi rejeitada de imediato.
Os Estados-Gerais se reuniram em Versalhes, no dia 5 de maio de 1789, tendo Lafayette como membro eleito do segundo estado. Embora o tópico original da discussão supostamente fosse a cobrança de impostos, a conversa rapidamente degenerou em discussões referentes à composição dos estados, especificamente sobre o desequilíbrio de poder. Após mais de um mês de deliberações, com os realistas falhando em levar os debates de volta ao tema dos impostos, o terceiro estado, com algum apoio de integrantes dos demais estados, declarou-se a Assembleia Nacional.
Eles convidaram os demais estados a participar, mas afirmaram ter a intenção de conduzir as políticas nacionais com ou sem a presença deles. Enraivecidos, os realistas responderam convocando soldados para impedir que os membros da Assembleia Nacional, incluindo Lafayette, entrassem em Versalhes, o que os levou a fazer o juramento da quadra do jogo de pela de não se dissolverem até a elaboração de uma nova constituição.
Vendo uma oportunidade de trazer seus amados ideais americanos para a terra natal, Lafayette se encontrou com seu amigo Thomas Jefferson (v. 1743-1826) e, juntos, produziram o primeiro rascunho do que se tornaria a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A declaração proclamava os direitos naturais conforme os ideais do Iluminismo, incluindo a ideia de que os homens nascem livres e iguais e que todos têm direitos inalienáveis à liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. No entanto, mesmo quando Lafayette estava terminando o rascunho, as coisas continuaram a piorar em Paris. Em 14 de julho, o mesmo dia em que a Assembleia Nacional se reuniu para considerar a declaração como um preâmbulo de sua nova constituição, aconteceu a Queda da Bastilha (ou Tomada da Bastilha).
No dia seguinte, diante do caos e a desordem nas ruas de Paris, a Assembleia Nacional nomeou Lafayette para o comando da recém-formada Guarda Nacional, encarregando-o de manter a ordem na cidade. Lafayette levou seu novo papel a sério, treinando os homens sob seu comando da melhor maneira possível. Ele os equipou com fitas que combinavam as cores vermelha e azul da revolução com o branco dos Bourbon, na esperança de demonstrar o compromisso da Guarda com o povo e com a coroa. Este símbolo mais tarde se tornaria a bandeira tricolor da França.
Além de reprimir o crime de rua, Lafayette simultaneamente pressionou a Assembleia para reorganizar o governo numa monarquia constitucional, o que permitiria a manutenção do trono por Luís XVI, ao mesmo tempo que introduzia os princípios republicanos na França. No entanto, esse meio-termo granjeou-lhe muitos inimigos: os monarquistas o viam como um revolucionário perigoso, que tentava derrubar a monarquia, enquanto os radicais, como os jacobinos, sentiam que ele não estava indo longe o suficiente para ajudar o povo. Para Lafayette, manter a lei e a ordem era o mais importante e, em 1790, ajudou a organizar a Fête de la Fédération [Festival da Federação], um enorme festival de férias realizado em homenagem à Revolução. No Campo de Marte, diante de 350.000 parisienses, Lafayette liderou a multidão num juramento de lealdade à nação, à lei e ao rei. Este foi talvez o auge da popularidade de Lafayette, uma época em que seu domínio sobre a cidade o levou a escrever a um amigo: "Eu reino em Paris" (Auricchio, 193).
Em 20 de junho de 1791, Luís XVI e sua família tentaram escapar de sua prisão domiciliar nas Tulherias, no episódio conhecido como a Fuga para Varennes. Embora tenham sido flagrados pela Guarda Nacional e escoltados de volta pelo próprio Lafayette, cinco dias depois, o evento despertou novas desconfianças em relação ao marquês, já que a família real havia escapado enquanto se encontrava sob a vigilância de seus homens. O líder jacobino Maximilien Robespierre (v. 1758-1794) chegou ao ponto de chamá-lo de traidor do povo. A reputação de Lafayette sofreu mais um duro golpe em 17 de julho, quando soldados sob seu comando abriram fogo em meio a uma manifestação antimonarquista - evento que ficou conhecido como o Massacre do Campo de Marte -, deixando vários cidadãos franceses mortos. Após o massacre, uma multidão atacou sua casa e tentou ferir Adrienne, que conseguiu escapar. Lafayette renunciou ao comando em outubro, depois que a constituição foi ratificada.
Em 1792, o fervor revolucionário levou a França à guerra com a Áustria e a Prússia. Lafayette recebeu o comando de um dos novos exércitos convocados, mas logo ficou receoso de seu novo cargo. O poder dos jacobinos vinha crescendo e muitos dos novos soldados da França Revolucionária eram jacobinos inexperientes, que odiavam seus oficiais superiores. A desconfiança de Lafayette em relação aos jacobinos levou Robespierre a chamá-lo novamente de traidor na frente de uma multidão, que queimou sua efígie. Lafayette fugiu para os Países Baixos austríacos, na esperança de conseguir fugir para os Estados Unidos. Porém, acabou aprisionado por soldados austríacos. Os monarcas da Áustria e da Prússia o viam como um revolucionário perigoso, que deveria ficar preso até ser julgado pelo rei restaurado da França. Assim, foi transferido para a prisão de Olmütz, onde passaria o restante da Revolução Francesa. Em setembro de 1797, após cinco anos de aprisionamento, Napoleão Bonaparte (v. 1769-1821) negociou a libertação do marquês, que finalmente retornou à terra natal.
Anos Finais
Após sua libertação, Lafayette passou as próximas décadas longe dos olhos do público, no castelo de La Grange. Embora seu filho, George Washington Lafayette, tenha servido brevemente no exército de Napoleão, o próprio Lafayette desaprovava o imperador e desempenhou pouco papel nos assuntos nacionais durante o reinado de Napoleão, bem como na Restauração Bourbon que se seguiu. Em 1824, Lafayette recebeu o convite do presidente James Monroe (v. 1758-1831) para embarcar numa grande turnê pelos Estados Unidos durante as comemorações do 50º aniversário do país. Ele aceitou e visitou todos os 24 estados, sendo recebido com grande pompa e admiração por onde passou.
Quando voltou para a França, Paris estava novamente em tumulto. O novo rei, Carlos X (r. 1824-1830), pretendia restaurar a monarquia absoluta e colocou muitas restrições às liberdades civis. Em julho de 1830, uma nova revolução varreu Paris, com Lafayette, de 73 anos, nomeado comandante de uma Guarda Nacional restaurada. Após a abdicação de Carlos, Lafayette apoiou Luís-Filipe (r. 1830-1848) como o próximo rei. Numa sacada, Lafayette presenteou o novo monarca com uma bandeira tricolor, encarregando-o de fazer valer a constituição.
Lafayette morreu aos 76 anos, em 20 de maio de 1834. Foi sepultado ao lado de sua esposa, no Cemitério Picpus, com solo de Bunker Hill [lembrança da Batalha de Bunker Hill] espalhado sobre seu túmulo.