Joana III de Navarra (Jeanne d'Albret, 1528-1572) foi uma rainha de Navarra, filha de Marguerite de Navarre (Margarida de Navarra (1492-1549) e sobrinha do Rei Francois I (Francisco I da França, r. 1515-1547). Ela é mais conhecida por ter liderado a batalha dos Huguenotes (Protestantes Franceses) nas Guerras Religiosas Francesas (1562-1598) e mãe do Rei Henrique IV da França.
A sua mãe, Marguerite (Margarida), e seu pai, Henry d’Albret (Henrique II de Navarra, 1503-1555), eram favoráveis a reforma religiosa, apesar de nenhum deles ter deixado a Igreja. Joana foi criada em uma atmosfera liberal e intelectual, tendo como tutor desde a infância o poeta humanista Nicolau de Bourbon, o Velho (c. de 1550). Ela era obstinada desde tenra idade e sempre seguiu seu próprio caminho, e declarou publicamente ser a favor da Reforma em 1560 e desafiando as exigências de seu segundo marido, Antônio de Bourbon (1.1518-1562), para que regressasse ao catolicismo.
Ao apoiar a Reforma e estabelecer Navarra como um refúgio para os huguenotes, Joana aumentou as tensões que eclodiram nas Guerras Religiosas Francesas. Ela inicialmente apoiou o lado protestante financeira e politicamente, mas, na terceira guerra, assumiu um papel ativo como propagandista, representante e líder e negociou a paz por duas vezes ,em 1563 e 1570. E também, relutantemente, concordou com o casamento de seu filho protestante Henrique, (mais tarde rei Henrique IV da França, 1553-1610) com a católica Margarida de Valois (1553-1615), filha do rei Henrique II da França (r. 1547-1559) e Catarina deMédici (1519-1589) pelo interesse da unificação nacional.
Assim como sua mãe erudita, Joana compôs poemas, memórias e cartas, mas foi muito mais declarada a favor de uma reforma radical em seu reino do que Margarida de Navarra. Ela morreu de causas naturais, em Paris, em 1572, provavelmente de tuberculose, e foi homenageada até mesmo por seus adversários por seus trabalhos literários e liderança. Ela é reconhecida como uma figura importante do movimento da Reforma na França e uma das líderes políticas mais importantes de seu tempo.
Educação e Primeiro Casamento
Joana nasceu em 16 de novembro de 1528 em Saint-Germain-en-Laye, na França. Seu aniversário é muitas vezes datado como sendo em 7 de janeiro de 1529, data em que seu tio, Francisco I, anunciou seu nascimento, concedendo permissão para novos mestres de guilda nas cidades. Joana foi criada principalmente por uma governanta, Aymee de Lafayette, amiga de sua mãe, e raramente via seus pais. Margarida sempre supervisionava a educação de sua filha, visitando-a sempre que possível e garantindo que ela tivesse tudo do melhor. A estudiosa Kirsi Stjerna escreveu:
Joana teve seu próprio tutor, Nicolas de Bourbon, além de assistentes para todas as necessidades – desde confeiteiros até animais exóticos e entretenimento de primeira classe. Principalmente durante seus primeiros anos, quando estudava sob a supervisão de sua mãe erudita. Ela desfrutou de uma educação de qualidade, com professores particulares, muitos deles representantes da fé reformada. Não se sabe exatamente o que ela estudou, mas para uma jovem em sua posição, eram comuns os estudos de latim, do mundo antigo e de literatura de seu país natal. (159).
Margarida de Navarra era altamente educada, fluente em vários idiomas e uma poetisa profundamente religiosa. Promoveu a causa da Reforma que se alinhava com suas filosofias humanistas. Ela permaneceu como membro da igreja Católica, mas patrocinou escritores, pregadores e teólogos reformistas, frequentemente protegendo-os da perseguição por meio da influência que exercia sobre o rei, seu irmão. Joana cresceu em uma casa com atmosfera de atividade filosófica, religiosa e política. Mesmo quando Margarida não estava presente , recebia ativistas da Reforma. Ela provavelmente presenciou várias dessas discussões e cresceu como uma pensadora de espírito livre e independente.
Em 1537, o rei transferiu Joana para Plessis-les-Tours, mais perto da corte e começou o processo de arranjar para ela um casamento politicamente vantajoso (para ele). Carlos V do Sacro Império Romano propôs um casamento que foi rejeitado por causa da inimizade de Francisco I com ele. E Francisco decidiu pelo duque Guilherme de Cleves (1516-1592) da Alemanha, irmão de Ana de Cleves (1515-1557 ), a quarta esposa de Henrique VIII da Inglaterra (r. 1509-1547). Esta união consolidaria os laços com os territórios do duque Guilherme e também com a Inglaterra e o casamento foi marcado para junho de 1541, quando Joana teria doze anos.
Seus pais se opuseram ao casamento, mas não havia nada que pudessem fazer, pois o rei já havia decidido sobre o casamento. Joana, no entanto, recusou-se a seguir discretamente os planos e apresentou suas objeções por escrito ao rei, que foi testemunhado por membros de sua família:
Eu, Joana de Navarro, persistindo nos protestos que já fiz , por meio desta, novamente afirmo e protesto, por estes presentes, que o casamento que se deseja contrair entre mim e o duque de Cleves é contra minha vontade; que nunca consenti, nem consentirei; e que tudo o que eu disser e fizer a seguir, pelo qual possa ter tentado provar que dei meu consentimento, será forçosamente extorquido contra minha vontade e desejo, por meu medo do rei , do rei do meu pai e da rainha da minha mãe , que mandou minha governanta me chicotear .( Stjerna, 160).
Não está claro se Margarida realmente ameaçou Joana com chicotadas ou, como Joana afirmou mais tarde, ela mesma a espancou, mas está confimado que Margarida interveio para mudar a opinião de seu irmão , mas sem sucesso. O casamento transcorreu conforme planejado, mas Joana se recusou a subir ao altar e teve que ser carregada até a frente da igreja pelo condestável da França, Anne de Montmorency (1493-1567). De acordo com algumas interpretações, isso foi por causa de seu vestido de noiva pesado e extravagantemente ornamentado, mas, como os relatos aludem à noiva “se contorcendo”, parece mais provável que Joana tenha resistido ao casamento até o último momento.
Margarida recusou que sua filha acompanhasse Guilherme de volta às suas terras até que ela passasse pela puberdade e começou uma campanha de cartas para seu irmão pedindo a anulação enquanto Joana escrevia para Guilherme - a princípio com cortesia - com notícias de sua vida cotidiana e desejando-lhe o melhor. Margarida e Joana mantiveram isso por dois anos, continuamente oferecendo desculpas por que Joana não podia viajar para encontrar o marido, até o momento em que Guilherme assinou um tratado com Carlos V e o casamento não era mais do interesse político de Francisco I; entáão foi anulado pelo papa em 1545, alegando que havia sido forçado a Joana e nunca consumado.
Segundo casamento e Reforma
Entre 1541-1547, Joana viveu na corte de sua mãe que sediava encontros regulares de vários intelectuais, poetas, artistas, teólogos, escritores e padres reformados. Ela já simpatizava com a Reforma devido à sua juventude entre o mesmo grupo de pessoas e a firme influência de sua mãe, mas agora, como uma jovem mulher, começou a se interessar seriamente pelo assunto. Ela foi incentivada por sua mãe e amigos de sua mãe, incluindo a reformista Marie Dentiere (c. 1495-1561), que lhe enviou livros.
Francisco I morreu em 1547 e foi sucedido por seu filho, Henrique II, que noivou Joana com Antoine de Bourbon ( Antonio de Bourbon), duque de Vendôme. Joana ficou satisfeita com o casamento e o casal se casou em outubro de 1548. Stjerna escreveu:
Os huguenotes ficaram felizes com a união, pois Antonio era conhecido como amigo dos protestantes ... O casal estava apaixonado um pelo outro, pelo menos naquele momento. Joana e Antonio juntos representavam uma combinação poderosa: seus herdeiros teriam algumas das reivindicações mais legítimas ao trono francês. Após a morte de seu primeiro filho na infância, dois dos cinco filhos que Joana deu à luz sobreviveram: seu filho Henrique (nascido em 14 de dezembro de 1553) e sua filha Catarina (7 de fevereiro de 1559) ambos se tornaram importantes na história religiosa da França, ela como protestante convicta, ele como o futuro rei Henrique IV da França. (163)
Antonio era conhecido como um “sedutor de mulheres” e pode ter tido vários casos, mas único o confirmado foi com Louise de la Beraudiere (1530-1611), uma dama de companhia na corte de Catarina de Médici (com quem ele teve um filho, Carlos III de Bourbon, futuro arcebispo de Rouen). O apoio de Antonio à Reforma era tão pouco confiável quanto sua fidelidade à esposa e ele parece ter defendido qualquer partido que servisse a seus interesses em um determinado momento.
Em 1555, o pai de Joana faleceu e ela e Antonio viraram rei e rainha de Navarra. Margarida e Henrique já haviam tornado Navarra um paraíso dos Protestantes e o novo casal real continuou com a política de defender a tolerância religiosa. Embora ambos tenham permanecido católicos declarados, pelo menos externamente. Naquele mesmo ano, porém, o casal viajou para a corte real em Paris na companhia de um ex-monge e pregador reformado, Pierre David, que aproveitava cada parada ao longo do caminho para pregar a mensagem da reforma. Isso continuou até chegarem à corte onde David foi ameaçado pelo rei católico Henrique II, rapidamente se retratou para se salvar e foi abandonado por Joana e Antonio, que então voltaram para Navarra.
Antonio participou de cerimônias religiosas protestantes em 1558, mas foi atraído de volta ao catolicismo por sua amante (quase certamente sob influência de Catarina de Médici).Enquanto Joana, encorajada por cartas do reformador João Calvino (c. 1509-1564) abraçou completamente a Reforma, declarando-se publicamente calvinista no dia de Natal de 1560. Ela reverteu sua antiga política de tolerância religiosa em Navarra, confiscou os mosteiros e conventos, ordenou que todos os padres e freiras saíssem de seu reino e proibiu os rituais católicos. Ela então traduziu o Novo Testamento para o basco e o dialeto bearnês e incentivou programas de alfabetização para que mais pessoas pudessem ler as escrituras. Catarina de Médici rebateu isso logo depois, em 1561, quando, atuando como regente de seu filho Carlos IX, nomeou Antonio tenente-general da França, criando uma barreira entre o casal, já que se esperava que ele apoiasse o catolicismo.
Traição e Guerra
As novas políticas de Joana em Navarra aumentaram as tensões crescentes que vinham aumentando desde 1534 ,entre as facções protestantes e católicas na França. Em março de 1562, o Massacre de Vassy, no qual os católicos mataram 50 huguenotes, deu início ao conflito conhecido como as Guerras Religiosas Francesas . Mais tarde naquele mesmo mês, Joana e Antonio, juntamente com seu filho Henrique, estavam novamente na corte real em Paris quando Antonio se declarou publicamente a favor do catolicismo e exigiu que Joana fizesse o mesmo pelo interesse da segurança nacional, pois culpou os huguenotes pela explosão da violência.
Ela recusou e rapidamente deixou Paris para seus próprios territórios (embora forçada a deixar Henrique para trás com seu pai), possivelmente escoltada e protegida por seu cunhado Louis de Bourbon, Prince of Conde (Luis de Bourbon, Príncipe do Condé) (c. 1530-1569), que havia publicamente se declarado protestante antes de 1560 e já liderava as forças que tomariam Orleans dos católicos no mês seguinte. Enquanto ela estava a caminho, parando na casa ancestral dos Bourbons em Vendome, ela (e possivelmente Luis) permitiu que uma multidão protestante saqueasse as igrejas católicas e destruísse símbolos, resultando na ordem de pedido de prisão que Antonio deu para ela.
Ele enviou tropas para prendê-la e devolvê-la a Paris, onde a queria confinada em um convento, mas ela saiu rapidamente de Vendôme e chegou com segurança em suas próprias terras antes que pudesse ser capturada. Calvin, ao saber da traição de Antonio tanto à causa quanto à Joana, denunciou-o como um inimigo da verdade e encorajou Joana em uma carta a permanecer comprometida com a questão protestante. Ela apoiou financeiramente as forças huguenotes e fortificou Navarra contra uma possível invasão. Antonio foi mortalmente ferido na batalha em Rouen em outubro de 1562 e Joana buscou um salvo-conduto para cuidar dele, mas era tarde demais e ele foi assistido no final de sua vida por sua amante Louise.
A guerra continuou até março de 1563 quando uma trégua foi estabelecida, mediada por Catarina de Médici e apoiada por Joana, resultando no Édito de Amboise que, embora tenha interrompido o conflito, nada fez para resolver as causas. Ambos os lados permaneceram armados e antagônicos entre 1563-1567, período durante o qual Joana voltou a Paris e levou Henrique de volta a Navarra enquanto o Papa Pio IV a decretava excomungada e queria que ela fosse sequestrada e levada perante a Inquisição. O papa também ameaçou deixar que qualquer monarca católico confiscasse sua terras, o que provocou uma resposta dura de Catarina de Médici e do rei Filipe II da Espanha, ambos preocupados com a interferência papal em Navarra, o que obrigou o papa a recuar.
Liderança da Terceira Guerra
O conflito armado estourou novamente em 1567, durante o qual Anne de Montmorency, entre muitos outros, morreu, e foi encerrado por outra trégua em março de 1568. Porém, a paz foi interrompida em maio e uma terceira guerra começou. Joana teve um papel ativo no conflito organizando a logística, planejando e inspecionando fortificações e obtendo financiamento de Elizabeth I da Inglaterra (r. 1558-1603), que apoiou sua causa. Ela viajou até as tropas para inspirá-las, trazendo Henrique consigo, e fortificou a cidade de La Rochelle como uma fortaleza huguenote e base de operações. Stjerna escreveu:
Talvez ela pudesse ser chamada de “ministra da propaganda” enquanto esteve em La Rochelle, sendo que ela exerceu definitivamente as funções de rainha e escreveu manifestos e cartas de apoio financeiro à causa huguenote. Além de dar seu apoio pessoal e presença à resistência protestante, ela estava encarregada das finanças, entregando pessoalmente sua riqueza, incluindo suas joias, para garantir os empréstimos estrangeiros necessários para a reforma. (171)
Em 1570, Joana foi fundamental na negociação da paz de Saint-Germain-en-Laye com Catarina de Médici para encerrar a guerra. Naquele mesmo ano, as duas mulheres se reuniram para discutir o casamento de seus filhos, Henrique e Margarida de Valois. Um protestante e a outra católica, para encorajar a união. Joana não ficou contente com a perspectiva, mas aceitou. O casamento foi marcado para o verão de 1572. Em junho daquele mesmo ano, após uma sessão de compras, ao se sentir mal, Joana retornou para seus alojamentos em Paris. Ela ficou acamada por dias antes de falecer, provavelmente de tuberculose, por volta de 9 de junho de 1572.
Conclusão
Joana morreu dois meses antes do Massacre do Dia de São Bartolomeu, que resultou na morte de milhares de protestantes por católicos em toda a França, começando em Paris. A paz foi quebrada novamente, e as Guerras Religiosas Francesas continuaram até 1598, quando o filho de Joana, agora Henrique IV da França, que continuou a lutar pela causa protestante, concordou em se converter ao catolicismo pela paz (supostamente dizendo, “Paris vale uma missa”) depois de perceber que a França nunca apoiaria um monarca protestante.
A suas concessões à facção católica, no entanto, resultaram no Édito de Nantes (1598), que concedeu aos huguenotes direitos substanciais na França, embora também contribuísse para o assassinato de Henrique IV em 1610 por um católico zeloso que o considerava um traidor da verdadeira fé. O Edito de Nantes não acabou com as tensões religiosas no país. Em 1635, a França entrou na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), um dos piores conflitos da história europeia em que a religião voltou a desempenhar um papel significativo.
Joana III de Navarra nunca se propôs a defender uma França protestante, defendeu apenas o direito das pessoas de adorar a Deus como bem entendessem, embora, em seu zelo inicial de 1560, ela negasse esse mesmo direito aos católicos de Navarra. Sua defesa intransigente pela reforma, no entanto, explicada e justificada em suas memórias e cartas, inspirou outros a se posicionarem pela reforma religiosa na França e ela é lembrada hoje como uma das principais personagens do movimento e entre as mais importantes figuras dos primeiros anos da Reforma Protestante.