Encomienda

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Definição

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 15 junho 2022
Disponível noutras línguas: Inglês, holandês, francês, espanhol
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An Encomendero Abusing a Labourer (by Unknown Artist, Public Domain)
Um Encomendero Cometendo Abusos Contra um Trabalhador
Unknown Artist (Public Domain)

A encomienda era um sistema no qual os aventureiros e colonos espanhóis recebiam o direito legal de extrair trabalho forçado de chefes tribais indígenas nas colônias americanas do Império Espanhol. Em troca, esperava-se que os europeus dessem proteção militar aos trabalhadores e lhes oferecessem a oportunidade de se converterem ao cristianismo, além de custear um pároco.

O sistema de encomienda permitiu que a Coroa espanhola convertesse seu exército invasor de conquistadores em colonos, mas as falhas do sistema – maus-tratos e reduções significativas da população indígena por doenças – fizeram com que ele fosse eventualmente substituído por uma gestão baseada em mão de obra mal remunerada e grandes propriedades.

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Origens Feudais

O Império Espanhol manteve dois objetivos fundamentais nos territórios conquistados: extrair riquezas materiais e converter os povos indígenas ao cristianismo. Sob a categoria de recursos que os espanhóis consideraram adequados para exploração estava o trabalho de qualquer povo local existente. Encomienda era um termo feudal derivado do verbo encomendar, que significa, em espanhol, "confiar". Na Espanha medieval, encomienda se referia à relação entre um proprietário de terras e aqueles que trabalhavam nela. Em uma relação recíproca, o primeiro recebia trabalho enquanto o segundo ganhava direito à proteção. Este conceito foi aplicado às terras retomadas aos mouros durante a Reconquista e na colonização das Ilhas Canárias. A encomienda foi então estendida às colônias das Américas a partir de 1502 (primeiro em Hispaniola, na atual República Dominicana/Haiti) como forma de justificar o que equivalia a pouco mais do que a escravidão. Em 1503, a política recebeu aprovação real e se espalhou do Caribe para o México, América Central e América do Sul, utilizada pelos conquistadores como meio de extrair recursos e recompensar seus seguidores.

Numa justificativa bastante duvidosa para a exploração, um europeu favorecido (encomendero) poderia se beneficiar de mão de obra sem custos para qualquer finalidade, em troca de oferecer à população local certo nível de proteção física e a oportunidade de ser exposto à religião cristã e, assim, desfrutar da salvação final de suas almas.

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Spanish Colonial Empire in the Age of Exploration
Império Colonial Espanhol na Era das Grandes Navegações
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

A encomienda, portanto, não representava a escravidão dos índios americanos, que o papa havia proibido em 1537 (embora a decisão não abrangesse os negros africanos). A atitude dos europeus pode ter aliviado um pouco sua consciência mas, naturalmente, os povos originários não viam o relacionamento nestes termos e milhares sofreram com o que consistia, na prática, na escravidão em tudo, menos no nome. Além disso, "há ampla evidência de que os encomenderos ignoravam em grande parte suas responsabilidades religiosas" (Alan Covey, 372).

Em geral, a concessão da encomienda era vitalícia, mas não hereditária.

Não havia conexão com a terra como parte da encomienda, como ocorria na Espanha medieval; em vez disso, nas colônias, o sistema representava um arranjo puramente legal, que podia ser exercido inclusive pelas municipalidades. Inicialmente, o direito costumava ser concedido pelos líderes das expedições de conquista e, posteriormente, ou pelo vice-rei ou pela audiencia (câmara jurisdicional) presente na cidade de maior porte mais próxima. O tamanho da população estava ligado à variação da encomienda particular; a maioria abrangia cerca de 2.000 famílias, mas algumas podiam ser muito maiores, tal como a designada para Hernán Cortés, no México, com mais de 23.000 famílias. Certamente, mesmo uma encomienda de menor porte permitia ao colonizador construir uma residência, alimentar sua família e manter um séquito de guardas pessoais (paniaguados) para sua proteção contra as rebeliões dos nativos – os ataques aos assentamentos espanhóis, nos quais habitantes e animais acabavam massacrados, não eram incomuns. Os povos indígenas que serviam de mão de obra recebiam proteção de outros colonizadores europeus e aventureiros. Com relação às comunidades maiores, o detentor da encomienda devia enviar seus guardas armados para ajudar a defender o povoado local, caso necessário, e também custear a presença de um pároco.

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A encomienda geralmente era vitalícia, mas não hereditária, a despeito das reivindicações nesse sentido feitas pelos detentores do direito e algumas ordens religiosas. Alegava-se que, se as famílias de colonos tivessem um relacionamento de longo prazo com seus trabalhadores, isso levaria a um melhor tratamento. A reivindicação das encomiendas hereditárias foi rejeitada pela Coroa, que desejava manter suas opções em aberto e conservar o controle geral sobre as colônias. Em consequência, na maioria dos casos, a encomienda de um falecido revertia para a Coroa, com uma pequena provisão feita para a viúva e os filhos do casal.

Spanish Torture of American Peoples
A Tortura Espanhola dos Povos Americanos
Joos van Winghe & Theodor de Bry (Public Domain)

Trabalho x Almas

Inicialmente, o direito de encomienda era concedido por um adelantado, ou seja, o conquistador que tivesse recebido a licença para explorar e conquistar novos territórios em nome da Coroa Espanhola. O adelantado embolsava 80% de quaisquer riquezas que adquirisse nesse processo (a Coroa ficava com os 20% remanescentes) e isso incluía o direito de uso da mão de obra local. A encomienda passava a ser estendida aos colonos para que, com efeito, o exército invasor fosse transformado numa população urbana, em parte atuando como milícia, que ganhava dinheiro com as terras trabalhadas pelos povos indígenas no entorno.

Esperava-se que os monarcas, como defensores da fé e beneficiários da boa vontade dos Papas, promovessem a cristianização dos povos conquistados.

Houve intensos debates na Espanha, ao longo do século XVI, sobre qual dos objetivos - muitas vezes conflitantes - de ganho material e conversão religiosa deveria ser considerado o mais importante. As Leis de Burgos (1512) estabeleceram como os povos indígenas deviam ser tratados e as responsabilidades dos colonos como cristãos. Em seguida, o Conselho das Índias da Espanha, que supervisionava todas as questões coloniais, emitiu diretrizes para que a população local não fosse explorada a ponto de morrer de fome. A questão entrou em debate numa reunião do Conselho em 1540, na qual os membros foram instados pelo presidente, Fray García de Loaísa, a considerar as seguintes seis questões:

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  1. Como aqueles que tratavam mal os indígenas deveriam ser punidos?
  2. Como os indígenas poderiam ser melhor instruídos no cristianismo?
  3. Como garantir que os indígenas fossem bem tratados?
  4. Era necessário para um cristão levar em conta o bem-estar dos escravos?
  5. O que devia ser feito para garantir que os governadores e outros funcionários cumprissem as ordens do governo no sentido de aplicar a justiça?
  6. Como poderia a administração da justiça ser devidamente organizada? (Thomas, 474-5)

Do ponto de vista da Coroa espanhola, o arranjo da encomienda criava um conflito de interesses inerente. Esperava-se que os monarcas, como defensores da fé e beneficiários da boa vontade dos papas, promovessem a cristianização e a 'civilização' dos povos conquistados. Isso naturalmente significava que matá-los através do trabalho pesado dificilmente conduziria à educação religiosa e à conversão. Porém, para maximizar a extração de riqueza das colônias, a mão de obra era desesperadamente necessária para grandes projetos estatais, tais como a mineração de metais preciosos e a colheita de culturas cultivadas em escala industrial.

Bartolomé de las Casas
Bartolomeu de Las Casas
Unknown Artist (Public Domain)

O terceiro grupo nesse triângulo de controle eram os europeus a quem havia sido concedido o direito de encomienda. A milhares de quilômetros da monarquia e do Conselho das Índias, muitos conquistadores não se importavam com tais sutilezas e exploravam impiedosamente os recursos locais e as pessoas para seu próprio ganho pessoal. Houve protestos de líderes da comunidade indígena e de certos membros das ordens religiosas espanholas, como o frade dominicano Bartolomeu de las Casas (1484-1566), que escreveu uma descrição impactante do que estava acontecendo no Novo Mundo em sua obra Uma Brevíssima Descrição da Destruição das Índias, de 1522. Na prática, essas vozes pouco poderiam fazer para evitar que a encomienda se tornasse, em muitos casos, um sistema de trabalho forçado extremo indistinguível da escravidão, a não ser pelo fato de que os trabalhadores não podiam ser vendidos. Além disso, os povos indígenas americanos mostravam-se muitas vezes incapazes de se adaptar a um conceito, estranho para eles, de trabalhar para outrem num horário regular, e o aumento do contato com os colonizadores só levou a uma devastação ainda maior da população devido às doenças europeias. A população de Hispaniola, que alcançava talvez a 200.000 pessoas antes da chegada dos europeus, em 1522, havia sido reduzida para 90.000; a da Nova Espanha, no continente, totalizava cerca de 22 milhões em 1500, dos quais restaram apenas 3 milhões em 1550. Seja pelo trabalho pesado ou pela doença, o destino dos povos locais era sombrio.

Protesto e Mudança

A situação tornou-se tão séria para a estabilidade dos assuntos internos e das relações entre europeus e povos indígenas que houve até um movimento para abolir a encomienda em 1542. As chamadas Leis Novas tentaram reduzir a concessão das encomiendas, mas houve pouco progresso contra as forças poderosas e avarentas da monarquia, conquistadores e colonos que ganhavam fortunas com o sistema. Em 1573, uma tentativa mais substancial de limitar a exploração foi feita por Filipe II de Espanha (r. 1556-1598). O monarca proibiu a concessão da encomienda em novos territórios. Isso dificilmente ajudava os povos indígenas já afetados, mas pelo menos indicava a percepção das falhas do sistema e o reconhecimento de que não poderia continuar indefinidamente. As colônias americanas da Espanha transformavam-se não mais numa área de conquista, mas de pacificação.

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Philip II of Spain by Moro
Filipe II da Espanha, por Moro
Antonio Moro (Public Domain)

À medida que o processo de colonização evoluiu e a colaboração de cidadãos indígenas e mestiços se tornou essencial, o sistema de encomienda lentamente chegou ao fim nos primeiros anos do século XVIII (mas permaneceu até a década de 1780 em alguns bolsões do império, notadamente no Chile e na península de Yucatán). Um de seus maiores problemas era a falta de licenças suficientes para atender à demanda e, nas áreas mais distantes, os povos indígenas, de forma pouco surpreendente, mostravam-se relutantes em se apresentar como voluntários. O nível de produtividade do sistema, em vista da redução progressiva de trabalhadores devido às doenças, e a inadaptação das culturas nativas para abastecer os mercados urbanos europeus, levaram à busca de novos meios para garantir a produção agrícola destinada ao atendimento dos assentamentos coloniais.

A encomienda foi substituída pelo repartimiento, um sistema que também envolvia o trabalho forçado, com a diferença de que os trabalhadores recebiam um salário, ainda que baixo. Conhecido como mita no Vice-Reino do Peru, o sistema obrigava os líderes indígenas a enviar um número fixo de trabalhadores para a administração colonial (assim como os astecas e incas haviam feito em seus próprios impérios). A equipe geralmente trabalhava por várias semanas antes de ser substituída por outro grupo da mesma comunidade. O esquema permitia a operação contínua de minas e da agricultura estatal, além da construção de infraestrutura, como estradas, pontes e edifícios públicos. Os baixos salários representavam uma parca compensação para a remoção da família e da comunidade, mas tratava-se de um passo adiante em comparação com a encomienda. A segunda alternativa foi o uso de escravos trazidos da África para a América. Tanto os escravos quanto o trabalho indígena com baixos salários permitiram aos colonizadores europeus e seus descendentes estabelecer um novo sistema de gestão de terra e recursos, que consistia na instalação de grandes propriedades ou haciendas, nas quais a agricultura (trigo, cana-de-açúcar, azeitonas e vinho), criação de gado (com a importação de bovinos e ovinos) e mineração (ouro e prata) passavam a ser conduzidos em escalas ainda maiores.

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Perguntas e respostas

O que era o sistema de encomienda?

O sistema de encomienda era uma forma de trabalho forçado e não remunerado utilizada pelas autoridades espanholas e colonizadores nas colônias do Império Espanhol. Em retorno, os trabalhadores recebiam proteção militar e a oportunidade de se converterem ao Cristianismo.

Qual era o propósito do sistema de encomienda?

O propósito do sistema de encomienda era proporcionar um incentivo aos conquistadores para tomar novos territórios e fornecer mão de obra gratuita para extrair riqueza das colônias. Para a Igreja Católica, o sistema permitia que os povos indígenas fossem expostos ao cristianismo.

O sistema de encomienda era escravidão?

O sistema de encomienda consistia numa forma de trabalho forçado e não pago, mas não pode ser classificado de escravidão porque os trabalhadores não podiam ser comprados ou vendidos. Em termos práticos, porém, havia pouca diferença.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2022, junho 15). Encomienda [Encomienda]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-20877/encomienda/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Encomienda." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação junho 15, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-20877/encomienda/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Encomienda." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 15 jun 2022. Web. 24 dez 2024.