O Massacre da Noite de São Bartolomeu foi uma chacina em massa de protestantes franceses (huguenotes), feito por católicos, que teve início em 24 de agosto de 1572 e durou mais de dois meses, resultando na morte de cerca de 5.000 a 25.000 pessoas. Começou em Paris, onde a facção católica, temendo um levante huguenote, assassinou os líderes protestantes que estavam lá para um casamento real.
O massacre emergiu após anos de tensão religiosa na França, começando com a divulgação dos "novos ensinamentos" da Reforma Protestante, cerca do ano 1521, piorando após o Caso dos Cartazes de 1534, e tornando-se um conflito armado em 1562, desencadeando as Guerras Religiosas da França (1562-1598). A terceira guerra se encerrou em 1570 com a Paz de Saint-Germain-en-Laye, negociada pela Rainha Protestante de Navarra, Joana de Albret (1528-1572), e a Rainha Católica Mãe da França, Catarina de Médici (1519-1589). Com a esperança de restabelecer a paz, um casamento foi arranjado entre a filha católica da Rainha Catarina, Margarida de Valois (1553-1615), e o filho protestante da Rainha Joana, Henrique de Navarra (depois denominado Henrique IV da França, 1553-1610).
O casamento ocorreu em Paris, atraindo uma grande assembleia de todo o país, incluindo líderes protestantes. Paris era uma cidade católica, e o influxo de uma grande multidão de protestantes para as festividades elevou as tensões. Isso levou a uma crise poucos dias após o casamento, quando Gaspard II de Coligny, Almirante da França (1519-1572), líder protestante, foi ferido em uma tentativa de assassinato. Os protestantes manifestaram sua indignação e, temendo um levante, Catarina de Médici e seu filho Carlos IX da França (r. 1560-1574), junto com o conselho da cidade, autorizaram a execução de líderes protestantes. Coligny foi o primeiro a ser morto, em 24 de agosto, seguindo-se rapidamente à morte de outros.
Os assassinatos dos líderes encorajaram o povo de Paris a seguir o exemplo, e protestantes foram caçados e mortos casa por casa e distrito por distrito. Carlos IX clamou por paz, mas àquele momento o massacre já estava fora de qualquer controle. As notícias dos assassinatos se espalharam rapidamente para fora de Paris, inspirando o mesmo em outras cidades. O evento é visto como um dos piores massacres religiosos na história, dando início à quarta das Guerras Religiosas da França e deixando milhares mortos.
Os antecedentes e as Guerras na França
A Reforma Protestante (1517-1648), lançada por Martinho Lutero (1483-1546) nos territórios alemães do Sacro Império Romano-Germânico, alcançou a França cerca do ano de 1521, causando divisões acerca dos "novos ensinamentos" que desafiavam a autoridade tradicional a Igreja Católica. O Rei Francisco I da França (François I, r. 1515-1547), católico, tolerou bastante a presença protestante devido à influência de sua irmã Margarida de Navarra (1492-1549), que embora fosse católica, simpatizava-se com a causa protestante.
A política de Francisco I mudou dramaticamente após o Caso dos Cartazes, em 17-18 de outubro de 1534, quando ativistas protestantes pregaram cartazes denunciando a missa católica em locais públicos em cinco cidades, incluindo Paris. Francisco I reverteu sua política de tolerância e autorizou a perseguição da facção protestante. Seu filho e sucessor, Henrique II da França (r. 1547-1559), continuou essas políticas até sua morte por acidente em uma justa, em 1559. Ele foi sucedido por seu jovem filho, Francisco II da França (François II, r. 1559-1560), que embora tivesse idade suficiente para reinar sozinho, aos 15 anos, era controlado por sua mãe, Catarina de Médici, que então permitiu que dois nobres franceses, Francisco, Duque de Guise (1519-1563), e seu irmão Carlos de Lorena-Guise (1524-1574), aconselhassem o jovem rei.
Os irmãos Guise rapidamente alienaram Francisco II de seus antigos conselheiros, que incluíam dois proeminentes protestantes: Almirante Coligny e Luís de Bourbon, Príncipe de Condé (1530-1569). Em 1560, ambos se envolveram na conspiração de Amboise para sequestrar Francisco II, em um esforço para libertá-lo do controle dos Guise, mas o esquema foi descoberto, e os conspiradores, incluindo Condé, mas não Coligny, foram encarcerados, ao passo que muitos suspeitos foram sumariamente executados. Os irmãos Guise apresentaram a conspiração ao público como uma tentativa de protestantes de derrubar a monarquia, elevando ainda mais as tensões.
Em 1560, Francisco II morreu de uma infecção na orelha e foi sucedido pelo irmão, Carlos IX. Catarina de Médici rapidamente garantiu o controle sobre o filho, barrando os Guise de seu antigo controle, e na prática governando por meio dele. Ela negociou a libertação de Condé da prisão após seu irmão, Antônio de Bourbon (1518-1562, marido católico da protestante Joana de Albret) jurar renunciar sua reivindicação legítima como regente de Carlos IX. Com os Guise deixados de lado, Catarina tentou uma aproximação moderada com os protestantes, convidando os antigos conselheiros do rei a voltarem à corte, incluindo Condé e Coligny.
No entanto, a política de tolerância da Rainha não se estendeu muito além do palácio, e as tensões emergiram em março de 1562, quando Francisco, Duque de Guise, enviou seus homens para interromper um culto protestante e acabou matando ao menos 50 congregantes no Massacre de Vassy, que iniciou as Guerras Religiosas da França. Condé retaliou, tomando a cidade de Orléans para os protestantes em abril de 1562, espalhando a guerra.
A primeiras três guerras & Coligny
Joana de Albret havia proibido o catolicismo no seu Reino de Navarra e expulsou o clero em 1561. Naquele mesmo ano, seu marido, Antônio de Bourbon, tinha sido nomeado Lugar-tenente General da França por Catarina de Médici e encarregado de manter a paz, o que essencialmente significava suprimir as iniciativas protestantes. Quando se deflagrou a guerra, Joana de Albret secretamente financiou a causa protestante enquanto Antônio lutava pela facção católica. Coligny, embora obviamente simpático aos protestantes, era relutante em liderar forças contra aqueles apoiados pela Coroa, e ficou na corte, aconselhando Carlos IX.
Catarina de Médici ressentia-se da influência de Coligny sobre o filho, mas não podia fazer nada a respeito sem comprometer a política oficial de tolerância religiosa. Coligny permaneceu na corte durante a primeira guerra (1562-1563), na qual tanto Antônio de Bourbon e Francisco, Duque de Guise, foram mortos. Esse conflito foi encerrado por Catarina de Médici com apoio de Joana de Albret, mas a segunda guerra emergiu em 1567 devido ao medo dos protestantes de represálias católicas pela primeira guerra. Nesse mesmo ano, Carlos IX foi emboscado por forças protestantes no evento conhecido como a Surpresa de Meaux, levando Catarina a abandonar sua política de tolerância e a defender a perseguição dos protestantes.
Uma trégua à segunda guerra (1567-1568) foi apenas brevemente concluída antes da terceira guerra (1568-1570) ter início. Durante essa guerra, Condé foi morto e Coligny deixou a corte para liderar forças protestantes com o apoio financeiro e político de Joana de Albret que, assim como antes, usou recursos da Rainha Protestante Isabel I da Inglaterra (r. 1558-1603). As hostilidades acabaram com a Paz de Saint-Germain-en-Laye, negociada por Joana de Albret e Catarina de Médici, o que desagradou a ambas as facções. Os protestantes acharam que não lhes fora concedida liberdade religiosa o suficiente, enquanto os católicos acharam que ela foi demasiada.
O casamento e a tentativa de assassinato
Embora ela não tivesse amor pela causa protestante, Catarina de Médici reconheceu que estava nos melhores interesses da França encerrar as guerras religiosas e sugeriu a Joana de Albret o casamento de seu filho, Henrique de Navarra, com a filha de Catarina, Margarida de Valois. Isso uniria uma católica e um protestante em casamento, e uniria o Reino de Navarra à França. Joana de Albret inicialmente rejeitou a sugestão, mas finalmente concordou quando a facção católica, com apoio do Papa, denunciou a proposta, pois uniria uma católica a um herege.
O Concílio de Trento (1545-1563) havia declarado a Reforma Protestante uma heresia, e não poderia haver união entre um cristão, como definido pelo Concílio, e um herege, a fim de manter a ordem bíblica de II Coríntios 6:14: "Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?". Ainda assim, Catarina viu o casamento como uma maneira de prosseguir, e embora sofrendo oposição da facção católica, agora liderada por Henrique I, Duque de Guise (l1550-1588, filho de Francisco, Duque de Guise), e do Parlamento Francês, ela marcou o casamento para 18 de agosto de 1572. Embora escritores protestantes depois tenham afirmado que ela havia encenado o casamento para atrair os protestantes a Paris para o massacre, não há evidência que apoie essa alegação.
Joana de Albret chegou cedo na cidade e morreu de causas naturais, provavelmente tuberculose, em cerca de 9 de junho. Catarina de Médici também foi acusada de planejar sua morte por luvas envenenadas, mas, novamente, não há evidência para essa alegação. Catarina organizou um casamento real com toda a pompa tradicional que, à luz das pobres colheitas daquele ano e dos altos impostos, apenas elevaram as tensões entre a população em geral, que tinha dificuldades suficientes para se alimentar.
Até o momento do casamento, a Revolta Holandesa, também conhecida como Guerra dos 80 Anos (1568-1648), havia começado. Ela havia sido moldada pelos desacordos entre católicos e protestantes e ameaçava arrastar a França para o conflito. O Duque de Alba (1507-1582), governador dos Países Baixos para o Rei Católico Espanhol Filipe II, adotou uma política de linha dura contra a atividade protestante e defendeu suas prisões e execuções, política que encontrava apoio em muitos católicos franceses. A política de Alba não era nada novo, no entanto, uma vez que já circulava entre os nobres católicos da França desde 1560, se não antes. Paris era firmemente católica e se opunha ao influxo repentino de protestantes. Além de se opor às grandiosas boas-vindas que os líderes protestantes receberam quando, segundo a política de Alba, eles deveriam ter sido executados.
Todos esses fatores contribuíram para as altas tensões na cidade quando poucos dias após o casamento, em 22 de agosto, uma tentativa de assassinato foi feita contra Coligny enquanto ele retornava aos seus aposentos. Um desconhecido atirou nele de uma janela mais alta, ferindo-o no braço e na mão. Coligny foi levado à sua cama, onde recebeu cuidados e garantias de Catarina de Médici de que o quase assassino seria preso e punido, mas isso não apaziguou o sentimento dos outros líderes protestantes e, a esse ponto, as tensões chegaram ao topo. O estudioso Diarmaid MacCulloch comenta:
Nesse estágio, com a atmosfera explosiva, qualquer movimento errado desencadearia em desastre, e todos fizeram o movimento errado. Os líderes huguenotes concordaram relutantemente em ficar em Paris, aceitando as garantias reais de proteção: no entanto, o Conselho real estava tão exasperado com a fúria huguenote pelo atentado a Coligny que decidiu que um ataque preventivo contra eles seria a única coisa segura a se fazer. O jovem Rei Carlos IX e a Rainha Catarina apoiaram o plano do Conselho e, no domingo 24 de agosto, Dia de São Bartolomeu, tropas reais, seguindo ordens do Rei, assassinaram os líderes huguenotes ainda na capital. (338)
O Massacre em Paris
A chacina começou com Coligny, que foi derrubado em seu apartamento e lançado para fora da janela para a rua abaixo, onde foi decapitado, e seu corpo carregado pela rua e pendurado pelos pés. Soldados usando chapéus com o sinal da cruz costurado na frente, então, executaram os demais líderes protestantes. MacCulloch prossegue:
Quando as notícias se espalharam, extremistas católicos na cidade, que odiavam tudo que os protestantes apoiavam, alegremente adotaram o exemplo de seus superiores sociais: seguiu-se três dias da mais selvagem matança e mutilações de conhecidos protestantes, e nas semanas seguintes, elas se repetiram nas maiores cidades por todo o reino. (338)
Os católicos foram de casa em casa, rua por rua pelos distritos, matando protestantes e simpatizantes dos protestantes, pilhando suas casas. Carlos IX expediu um chamado para recolhimento e paz, mas o massacre, uma vez iniciado, tomou vida e força por si próprio, de modo que ninguém conseguia parar. Protestantes que foram avisados se esconderam em sótãos e porões. Não havia como escapar da cidade porque Carlos IX havia ordenado o fechamento dos portões na noite anterior. Paris, então, tornou-se um grande campo de matança no qual milhares foram assassinados, a menor contagem ficou em 5.000, mas um cálculo final é impossível, pois muitos corpos foram lançados no Sena e levados pela corrente.
Causa principal
Muitos fatores contribuíram para o Massacre da Noite de São Bartolomeu, mas principalmente, foi causado pela identificação religiosa das pessoas, que tinha se tornado cada vez mais divisiva, conforme a Reforma Protestante avançava. Antes de 1517, só havia uma igreja cristã, e os europeus que se identificavam como católicos estavam unidos sob seus ensinamentos. Aqueles que questionavam a autoridade da igreja medieval eram rotulados como hereges, ostracizados, presos, e geralmente executados. Lutero introduziu a possibilidade de uma outra visão do cristianismo, que poderia ser considerada igualmente válida e, após ele, Ulrico Zuínglio (1484-1531), os Anabatistas e João Calvino (1509-1564) estabeleceram suas próprias versões da fé cristã, diferindo da de Lutero, mas reivindicando a mesma autoridade que ele e a Igreja Católica tinham.
Concílios foram convocados, protestantes e católicos, assim como tentativas de compromisso ecumênico, entre 1522-1572, definindo o que significava ser cristão, mas não se chegava a nenhum acordo entre as várias facções, sendo o mais próximo a Paz de Augsburgo e 1555, que decretou que cada governante determinaria a confissão de seu próprio território. Mesmo considerando a Paz de Augsburgo como uma espécie de reconciliação (o que, na verdade, não era), cada facção insistia em sua própria confissão de fé, a qual consideravam ser a verdade irrefutável e com a qual se identificavam intimamente. MacCulloch observa:
Gradualmente, as pessoas comuns começavam a adotar rótulos religiosos que as confissões oficiais e as decisões dos concílios criavam: se achavam Protestantes, Católicos, Luteranos, Reformados. Orgulhavam-se dessas identidades, e começaram a odiar pessoas de diferentes opiniões religiosas. (338)
Uma vez que as pessoas começavam a se identificar com certa seita cristã, qualquer um que pertencesse a outra era visto negativamente. Os anabatistas foram inspirados pelos ensinamentos de Zuínglio, mas assim que formaram sua própria seita, perseguiram ele e seus seguidores. O movimento de Lutero estilhaçou-se antes de 1522, pois dois de seus apoiadores, Thomas Müntzer (c. 1489-1525) e Andreas Karlstadt (1486-1541) desenvolveram suas próprias interpretações do cristianismo. Na França, onde a Reforma nunca encontrou a recepção que teve nas regiões da Alemanha ou na Suíça, as pessoas se identificavam basicamente como católico ou huguenote e, como as diferentes seitas protestantes em outros lugares, sentiam-se autorizadas a perseguir aqueles que tinham crenças distintas.
Conclusão
Sem as aguçadas divisões religiosas, que não admitiam distinção, o Massacre da Noite de São Bartolomeu nunca teria acontecido. A unidade religiosa do período pré-Reforma havia sido substituída por um infinito e repetitivo paradigma de "nós" contra "eles", conforme os "novos ensinamentos" se espalhavam. O Massacre da Noite de São Bartolomeu não foi a primeira vez que europeus se mataram em nome da religião e não seria o último, mas foi o mais dramático e espantoso até aquele momento. MacCulloch escreve:
As ondas de choque reverberaram pela Europa: governos tentando conduzir uma diplomacia normal pela divisão religiosa notaram que, de repente, as regras das relações internacionais haviam mudado de forma tão decisiva e negativa quanto a Paz de Augsburgo havia trazido alguma estabilidade positiva e aceitação mútua. (339)
Após o Massacre da Noite de São Bartolomeu, os governos entenderam de modo mais nítido que deveriam levar em maior conta as crenças religiosas das outras nações em suas várias associações. Na França, a população protestante diminuiu significativamente não apenas pelos milhares mortos, mas pelos muitos outros que fugiram do país ou se converteram ao catolicismo. O massacre lançou o quarto conflito das Guerras Religiosas da França, e as hostilidades continuariam até 1598, quando foram encerradas pelo Edito de Nantes. Este Edito apenas concluiu um capítulo no tumulto religioso da Europa nos séculos XVI e XVII, no entanto, não resolveu o conflito, como a Guerra dos 30 Anos (1618-1648), envolta por diferenças religiosas e vista como uma das mais destrutivas guerras na história europeia, provaria de forma abundante.