O Festival da Federação (Fête de la Fédération) foi uma celebração que ocorreu no Campo de Marte, nos arredores de Paris, no dia 14 de julho de 1790, o primeiro aniversário da Queda da Bastilha (ou a Tomada da Bastilha). Com mais de 300.000 pessoas presentes, o evento homenageou as realizações da Revolução Francesa (1789-99) e a unidade do povo francês.
O festival, por si só, representava um feito monumental, já que dezenas de milhares de cidadãos franceses trabalharam como voluntários em meio à lama e debaixo de chuva para construir um anfiteatro no Campo de Marte, com um colossal Altar da Pátria no centro. O evento marcou o nascimento do patriotismo francês, ao menos no sentido em que este termo é entendido atualmente, e também a primeira celebração do 14 de Julho, feriado nacional na França que continua sendo celebrado nos dias atuais. Ao mesmo tempo, o festival representou talvez o ponto mais alto de unidade durante a própria Revolução Francesa, já que depois os revolucionários se voltaram para o faccionalismo e a política baseada no terror.
Unificando uma Nação
Em 1790, a França era uma nação intoxicada pelo fervor revolucionário, pois os franceses começavam a descobrir a fraternidade nacional. A Assembleia Nacional, o órgão representativo que desafiou rei durante os Estados Gerais de 1789, já havia declarado a abolição do feudalismo e dos privilégios fiscais da nobreza nos Decretos de Agosto e proclamado os direitos naturais dos homens na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Era uma nova época na França, na qual os cidadãos podiam ficar ao lado de seus vizinhos como iguais, pelo menos em teoria, se não exatamente na prática. As festas das federações, que surgiram em todo o país e culminaram no festival extático e maciço no Campo de Marte, celebravam não apenas a Revolução, mas também esse senso de unidade que não existia na França sob o Ancien Régime [Antigo Regime].
Antes da Revolução, a França do Ancien Régime consistia num conjunto de regiões que diferiam umas das outras em seus costumes, idiomas e conjuntos de leis. Parcialmente devido às suas origens como domínios feudais, que tinham pouco em comum além da fidelidade ao mesmo rei, alguns territórios franceses ainda valorizavam suas próprias identidades locais acima da nação como um todo. O estudioso William Doyle usa o exemplo da Bretanha onde, mesmo na véspera da Revolução, as pessoas eram mais propensas a falar bretão do que francês e vestiam-se com roupas tradicionais. Em algumas áreas, especialmente no norte, estavam em vigor mais de 300 leis consuetudinárias, baseadas nos costumes locais. Isso diferia do sul, que seguia em grande parte o direito romano. Como Doyle assinala, isso produzia muita confusão, pois "a lei relativa ao casamento, herança e posse de propriedade diferiam em aspectos importantes de um distrito para outro; e aqueles que detinham propriedades em vários deles as mantinham em termos muito diferentes" (4). Mesmo os éditos reais corriam o risco de contestação pelos parlements locais (tribunais superiores), que podiam se recusar a registrá-los em suas jurisdições. Outras barreiras à unidade sob o Ancien Régime incluíam infraestrutura precária fora de áreas metropolitanas como Paris, dificultando o fluxo de informações, bem como impostos que também variavam de um lugar para outro; toda a paisagem francesa estava marcada por barreiras alfandegárias internas, com várias taxas diferentes para uma ampla gama de itens. Mesmo a moeda corrente e as unidades de medida diferiam, o suficiente para deixar qualquer viajante estrangeiro louco de frustração.
Mas, sem contar a mera perturbação dos turistas do século XVIII, tais diferenças frustravam qualquer tipo de coesão nacional. Queixas e rixas históricas entre províncias agravavam o problema. Para alguns, a unidade de qualquer tipo parecia impossível; para emular esses sentimentos, o historiador francês Jules Michelet escreve:
Como Languedoc consentirá em deixar de ser Languedoc, um império interior governado por suas próprias leis? Como a antiga Toulouse decairá de seu status de capital, sua realeza no sul? E se você acredita que a Bretanha algum dia dará lugar à França? [...] será mais fácil ver as rochas de Saint-Malo e Penmarch mudarem de natureza e se tornarem macias. (441)
No entanto, a Revolução fez o impossível e deu esperança aos 27 milhões de franceses. Na primavera de 1790, o rei Luís XVI da França (r. 1774-1792) relutantemente consentira com as reformas radicais da Revolução e vivia como um virtual prisioneiro em Paris. Logo abaixo, na mesma rua, a Assembleia trabalhava para codificar seu progresso numa nova constituição. E em todo o país, pessoas comuns aderiam à Revolução, como ficou claro no Grande Medo de julho de 1789, quando camponeses do interior invadiram os castelos dos nobres senhoriais. Em 1790, muitos na França acreditavam que a Revolução havia terminado e olhavam uns para os outros com um novo senso de fraternidade, unidos em sua devoção à patrie [pátria].
Essa unidade se manifestou na forma de árvores da liberdade, que brotaram nas praças das aldeias em toda a França. Essas árvores, com folhas e galhos cuidadosamente aparados, recebiam decorações com fitas de azul, branco e vermelho, as cores da Revolução e da patrie. Como elas há muito simbolizavam fertilidade e renascimento, da mesma forma essas aldeias renasciam da opressão do Ancien Régime. Eram uma maneira da aldeia mostrar solidariedade com a Revolução e dizer ao mundo que "não era mais propriedade senhorial e seu povo não mais dependente" (Schama, 492). Em todo o país empossavam-se os funcionários públicos sob as árvores da liberdade, os sacerdotes as abençoavam e os alegres cidadãos dançavam ao redor delas com as mãos entrelaçadas, inteiramente dedicados à nação. Parafraseando o historiador socialista francês Jean Jaurès (1859-1914), a liberdade francesa, que anteriormente repousava somente nas ações da Assembleia Nacional, estava sendo concentrada agora em muitos centros, como as comunas (Furet, 65). Ainda assim, o movimento federalista que logo se espalharia pela França não seria liderado pela Assembleia ou pelas aldeias, mas por destacamentos da Guarda Nacional.
A Fraternidade da Guarda
A Guarda Nacional tinha sido formada em Paris na esteira da Queda da Bastilha. Uma milícia de cidadãos burgueses, seu objetivo consistia em manter a cidade segura contra os soldados reais e outros inimigos da Revolução. Após receber o comando, Gilbert du Motier, marquês de Lafayette (1757-1834), pôs mãos à obra, mantendo a ordem nas ruas da capital e garantindo a lei. A Guarda Nacional teve papel vital na remoção da família real para Paris, em seguida à Marcha das Mulheres a Versalhes, e agora atuava como guarda-costas do rei e, na prática, como carcereira.
Ainda que fosse a maior e mais poderosa milícia de cidadãos da França, não representava em absoluto a única. Mesmo antes que a Bastilha caísse, o crescente caos e incerteza levaram outras cidades e aldeias a criar suas próprias milícias de cidadãos, sob vários nomes, como "guardas cívicas" e "voluntários do Terceiro Estado" (Furet, 66). O Grande Medo intensificou este fenômeno, pois os cidadãos correram para se armar e as aldeias impuseram rápidas conscrições para sua própria defesa. Apesar de surgirem mais ou menos na mesma época, elas apresentavam características diversas. Algumas foram criadas com apoio de governos municipais e guarnições militares locais, que as supriam com armas, e outras surgiam em oposição a estas mesmas instituições. Os homens que formavam essas guardas, em sua maioria, eram membros abastados do Terceiro Estado, que reuniam todas as qualificações necessárias para serem cidadãos ativos e votantes.
Como afirma o historiador Simon Schama, o movimento federativo liderado por essas milícias surgiu da “obsessão revolucionária pelo juramento” (502). As cerimônias teatrais eram comuns entre os revolucionários, que consideravam tais atos tão sacrossantos quanto a própria Revolução. A primeira grande cerimônia fraternal ocorreu em 29 de novembro de 1789, ao longo do Rio Ródano, onde 12.000 Guardas Nacionais das regiões de Dauphiné [Delfinado] e Vivarais juraram que nada os impediria de cumprir o objetivo de defender a constituição, nem mesmo o próprio rio. Em 20 de março de 1790, guardas da Bretanha e Anjou se abraçaram e juraram deixar de lado as rivalidades históricas. Afinal, não eram mais “bretões ou angevinos, mas franceses e cidadãos de um mesmo império” (Schama, 503).
As maiores cerimônias ocorreram em Estrasburgo e Lyon. Em Estrasburgo, 200 crianças foram ritualmente adotadas pela Guarda Nacional como o "futuro da patrie", enquanto pescadores dedicaram o Rio Reno em nome da liberdade (Shama, 503). Em Lyon, a celebração durou dois dias, com mais de 50 mil pessoas presentes. O festival de Lyon girava em torno da poderosa estátua da deusa Libertas, que segurava uma lança em uma mão e o boné frígio na outra, uma referência aos bonés que ex-escravos libertos usavam na Roma Antiga. O ar foi tomado pelos sons de canhões, música e juramentos; os participantes usavam a faixa tricolor da Revolução acima de suas roupas regionais tradicionais, atestando a devoção à França acima de tudo. Nas palavras de Michelet, o movimento federativo simbolizava a "morte da geografia" dentro da França; era a "restauração legítima das antigas relações entre lugares e populações que as instituições artificiais do despotismo e da fiscalidade mantiveram divididas" (442).
A Preparação do Altar
Depois dessas celebrações maciças e catárticas, nada mais natural do que a realização de uma delas em Paris, mais grandiosa do que as demais. Além de apenas celebrar a fraternidade, a Assembleia Nacional considerava outra razão pela qual tal evento poderia ser atraente. A elaboração da constituição estava completando um ano sem fim à vista (não seria concluída até setembro de 1791). Era vital, portanto, que a Assembleia lembrasse as pessoas das realizações do ano passado e as mantivesse antecipando a conclusão da constituição. Com essa finalidade em vista, planejou-se a celebração no dia 14 de julho de 1790, o primeiro aniversário da Bastilha. Seria realizada no Campo de Marte que, na época, abrigava uma grande área aberta reservada para exercícios militares.
Como responsáveis pelo planejamento estavam o prefeito de Paris, Jean Sylvain Bailly, e o general Lafayette. Seus planos, além de ambiciosos, destacavam-se pela grandiosidade. De acordo com o amor da Revolução por todas as coisas romanas, o campo seria transformado num anfiteatro gigantesco, escalonado em 31 degraus, com capacidade para 400.000 pessoas. Na entrada, haveria um enorme arco do triunfo de três arcos e, no lado oposto, um grande pavilhão que acomodaria o rei e a Assembleia. No centro, estaria o imenso Altar da Pátria, onde os juramentos sagrados aconteceriam. A Assembleia só aprovou este plano em 21 de junho, o que deixou apenas três semanas para a construção.
Tratava-se de um projeto complexo. O campo estava repleto de enormes rochas que tiveram que ser removidas, e houve necessidade de escavações para acomodar o altar no centro do anfiteatro. Fortes chuvas contribuíram para interromper o andamento das obras e areia e cascalho precisaram ser trazidas para estabilizar o solo. Para completar esse trabalho hercúleo a tempo, havia necessidade de muita mão de obra. Graças ao espírito de fraternidade que os movimentos da federação trouxeram para a França, homens e mulheres acorreram em massa ao Campo de Marte, oferecendo seu tempo e trabalho para transformá-lo num santuário para a patrie.
Tais voluntários vinham de todas as esferas sociais; mulheres nobres trabalhavam ao lado de freiras, artesãos ao lado de mendigos. Até Lafayette vinha todos os dias, arregaçava as mangas e pegava uma pá para trabalhar por algumas horas. Bandas tocavam para manter os ânimos elevados e atores se apresentavam para os trabalhadores em repouso. A preparação para o festival transformou-se num verdadeiro evento por si só e, assim, o Campo de Marte tornou-se um estádio a tempo para a comemoração.
Como parte da cerimônia que se avizinhava, cada iteração da Guarda Nacional na França recebeu uma solicitação para contribuir com 150 membros para representar seus departamentos [divisão regional francesa]. No dia da celebração, havia 14.000 guardas provinciais na cidade, elevando o total de soldados cidadãos presentes para mais de 50.000 quando combinados com as forças de Lafayette. Além disso, dezenas de milhares de civis fluíram de todos os cantos da nação.
O Festival
O dia da celebração, 14 de julho de 1790, estava nublado e sombrio, afligido por chuvas fortes. Ainda assim, nada impediu o comparecimento à festa. Os guardas reuniram-se no Boulevard du Temple, junto com os membros da Comuna de Paris (o governo revolucionário da cidade). Com a honra de portar a bandeira departamental recaindo sobre o membro mais idoso de cada regimento, a Guarda Nacional pôs-se em marcha através da cidade e em direção ao campo. À medida que progrediam, eram saudados com salvas de artilharia e melodias festivas das bandas militares. Multidões de civis acompanhavam a marcha, dançando uns com os outros e cantando a canção revolucionária, Ça Ira [Tudo vai ficar bem]. Reunido, o povo da França fez o trajeto até o Campo de Marte, desafiando o aguaceiro constante.
Após a chegada, foram saudados pela visão do magnífico Altar da Pátria, adornado com falso mármore. Num dos lados via-se a seguinte inscrição:
Todos os mortais são iguais; não é pelo nascimento, mas pela virtude que se distinguem. Em todos os seus aspectos a Lei deve ser universal e os mortais, quem quer que sejam, devem ser iguais perante a ela. (Scurr, 134)
No lado oposto viam-se as três palavras que integravam o juramento que o povo logo faria:
A Nação, a Lei e o Rei:
a Nação, que é você;
a Lei, que também é você;
o Rei, ele é o guardião da Lei. (Schama, 509)
Mais de 300.000 pessoas compareceram ao festival. Os guardas nacionais marcharam depois do rei e da rainha, que ficaram no pavilhão situado numa das extremidades do campo. Uma vez que os soldados estavam em posição, 200 padres subiram os degraus do altar, usando a faixa revolucionária. Quem os liderava era Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), o bispo de Autun, que logo seria excomungado pelo papa pela sua cumplicidade com a Revolução. Talleyrand assumiu seu lugar no altar, ao lado de Lafayette e, supostamente, sussurrou ao general: "Não me faça rir", antes de abençoar as bandeiras regimentais e realizar a missa (Unger, 266). "Cantem e derramem lágrimas de alegria", disse Talleyrand ao povo, "pois neste dia a França foi renovada" (Schama, 511).
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Após a missa, Lafayette voltou a entrar no estádio improvisado em seu famoso cavalo branco, desmontando diante do rei para pedir permissão para administrar o juramento. Após recebê-la, subiu os degraus do altar e estendeu dramaticamente os braços em direção à multidão de cidadãos. Como sua voz era inaudível devido à tempestade, soldados entre a multidão repetiam suas palavras em voz alta, de modo que, quando o general terminou de administrar o juramento de fidelidade à nação, à lei e ao rei, 350.000 vozes lhe responderam com: Je le jure [Eu juro]. Em seguida, o próprio rei Luís XVI se levantou. Referindo-se a si mesmo pelo título monarquista constitucional de 'Rei dos Franceses', jurou defender os decretos da Assembleia Nacional. A rainha Maria Antonieta ergueu então o jovem delfim, que estava vestido com o uniforme da Guarda Nacional, sob estrondosos aplausos.
Havia mais espetáculos no programa. No lado de fora da catedral de Notre Dame, atores representaram uma peça sobre a Queda da Bastilha. De volta ao Campo de Marte, uma pequena delegação de americanos entrou após os juramentos terem sido feitos. Liderados por John Paul Jones, eles carregavam a Stars and Stripes [Estrelas e Listras], a primeira aparição da bandeira norte-americana em solo europeu. Os americanos e a Guarda Nacional francesa saudaram um ao outro, numa demonstração de solidariedade de um povo libertado para outro. As celebrações do dia prosseguiram com uma festa popular que durou quatro dias. No último dia, dia 18, houve um espetáculo aquático no Sena que incluiu barcaças com músicos e justas.
Consequências e Legado
Certamente memorável, o festival foi amplamente considerado com um sucesso. Porém, nem todos estavam felizes. Honoré-Gabriel Riqueti, conde de Mirabeau (1749-1791), que detestava pessoalmente Lafayette, acreditava que o general havia marginalizado o rei e usado o evento para alimentar seu próprio ego e que logo usaria sua popularidade para se tornar um ditador. O jornalista Camille Desmoulins concordou, zombando da cerimônia e da lamentável subserviência do rei, mas a maioria das pessoas sentia apenas a euforia que vinha com exibições tão puras de fraternidade. Um observador, o escritor alemão Joachim Heinrich Campe, escreveu: "Como posso descrever todos aqueles rostos felizes, iluminados de orgulho? Eu queria acolher em seus braços as primeiras pessoas que encontrasse [...] pois todas as diferenças nacionais se dissiparam, todos os preconceitos haviam desaparecido" (Schama, 513).
O festival deveria se tornar uma celebração anual. No entanto, quando a data chegou, no ano seguinte, a fuga para Varennes de Luís XVI envolvera a Revolução em uma nuvem sombria de incerteza. A celebração chegou a ocorrer, mas muito menos espetacular e rapidamente ofuscada após o Massacre do Campo de Marte, três dias depois. O 14 de julho só se transformou em feriado oficial em 1880 e desde então é um feriado nacional da França, informalmente chamado de Dia da Bastilha. Mais importante ainda, o Festival da Federação marcou o início da unidade nacional francesa e o nascimento do patriotismo francês, além de simbolizar o ponto alto da Revolução antes dos dias tenebrosos de caos, guerra e terror.