Marco Júnio Bruto (85-42 a.C.), mais conhecido como Bruto, foi um político romano e personagem central no assassinato de Júlio César, em 44 a.C.. Embora tenha recebido anistia após os Idos de Março, uma nova guerra civil logo estourou. Bruto cometeu suicídio após ser derrotado pelas forças de Marco Antônio e Otaviano na Batalha de Filipos, em 42 a.C..
Família
Descendente de uma proeminente família romana, cujo ancestral era aclamado por ter expulsado o último rei da cidade, Bruto nasceu por volta de 85 a.C., em Roma. Ainda que haja questões sem resposta sobre a real identidade de seu pai, acredita-se que fosse o comandante romano Marco Júnio Bruto. O Bruto sênior rendeu-se a Pompeu, o Grande, na Batalha de Mutina, em 77 a.C. e, embora tivesse recebido a promessa de salvo-conduto, foi executado. Sua mãe era a desabrida Servília, meia-irmã do destacado orador e estadista Catão, o Jovem (95-46 a.C.). Ainda que adotado por seu tio, o patrício Quinto Servílio Cipião, Bruto foi criado por Catão e educado tanto em oratória quanto em filosofia. Também acompanhou Catão a Chipre, em 58 a.C.. Em suas Vidas, o historiador Plutarco (c. 45/50 - c. 120/125 d.C.) escreveu que Bruto se destacava em todas as facetas da filosofia grega, com particular interesse pelos platônicos. Barry Strauss, na obra The Death of Caesar [A Morte de César] afirmou que seu estudo de filosofia tinha “adicionado profundidade e granjeado respeito. Permitiu-lhe conhecer de perto ideais que resistiram ao tempo” (77).
Carreira Política
Bruto começou sua ascensão no cursus honorum, a sequência de cargos governamentais romanos, em 53 a.C., quando se tornou questor e foi designado para a Cilícia com Cláudio Pulcro, cuja filha, Cláudia, ele iria desposar. Graças à influência de Júlio César (100-44 a.C.), tornou-se pretor em 44 a.C., e estava designado para o consulado em 41 a.C. - mas este último cargo, naturalmente, jamais foi alcançado. Em 54 a.C., redigiu um panfleto atacando o cônsul Pompeu que, segundo muitos acreditavam, buscava uma ditadura, mas estas alegações não tinham base e acabaram rejeitadas por Pompeu. Em 52 a.C., Bruto e Marco Túlio Cícero usaram sua habilidade oratória para defender sem sucesso Ânio Milão da acusação de assassinato, mas ele acabou sendo considerado culpado e exilado.
Há muito Bruto desprezava Pompeu por matar seu pai. Porém, de forma surpreendente, os dois se reconciliaram quando Pompeu deixou de apoiar César e juntou-se à causa republicana - que Bruto apoiava desde 49 a.C.. Quando Pompeu resolveu enfrentar César no campo de batalha, duas facções emergiram, cada uma das quais apoiando um dos generais. Muitos esperavam que Bruto ficasse junto a César, mas em vez disso ele se reuniu a Pompeu e lutou a seu lado. Referindo-se à decisão de Bruto, Plutarco escreveu que ele havia posto de lado seus sentimentos pessoais e "julgando que Pompeu tinha a melhor causa, juntou-se a ele; ainda que anteriormente não tivesse o hábito de saudar ou tomar conhecimento de Pompeu [...] mas agora, indo em busca dele como o general de seu país, colocou-se sob seu comando" (1085).
Após o resultado da Batalha de Farsália, na Grécia, em 48 a.C., na qual Pompeu sofreu uma desastrosa derrota, este viajou para o Egito, onde foi apunhalado e morto, e Bruto apelou a César para que o perdoasse. Recebeu clemência para si mesmo - provavelmente por insistência de Servília - e para seu amigo (e futuro colega conspirador) Cássio. Não era segredo que César e Servília tinham tido um caso amoroso, e este relacionamento ficava evidente na forma como César tratava Bruto. Quando César deixou Roma para enfrentar Catão e os Republicanos na África, ele mostrou sua confiança nomeando-o como governador da Gália Cisalpina. Apesar de reconhecidamente sem habilidade militar e com pouca experiência política, ele respeitava as normas constitucionais romanas. Plutarco afirma que foi bem recebido pelo povo da província. A população de Mediolanum até ergueu uma estátua em sua homenagem.
Amizade com Inimigos de César
Enquanto César permanecia na África, combatendo Catão, Bruto desenvolveu um forte relacionamento com o orador romano Cícero. Ele divorciou-se de sua esposa, Cláudia, e casou-se com a filha de Catão, Pórcia, viúva do ex-cônsul conservador Calpúrnio Bíbulo, um arqui-inimigo de César. Tanto Cícero quanto Bruto escreveram elogios ao derrotado Catão, que preferiu cometer suicídio a se render a César – o que não agradou em absoluto ao general vitorioso. Bruto concordou com a crença de Catão de que a liberdade requeria compartilhamento de poder, algo que estava em oposição direta ao papel de César como ditador. Porém, a despeito disso, não viu contradição entre a aliança com César e a lealdade à memória e princípios de Catão. Naturalmente, esta atitude logo mudaria. Lentamente, Bruto começou a questionar seriamente sua lealdade a César.
Após derrotar o rei do Ponto, no Leste, e com o sucesso diante de Catão e Pompeu, César entrou na cidade eterna num triunfo romano. Saudado como um herói, recebeu o título de libertador e foi nomeado o pai da pátria e cônsul por dez anos. Com o avassalador apoio do povo e do Senado, iniciou várias reformas. Embora exaltado a princípio por suas habilidades militares e liderança, gradualmente César começou a despertar o temor nas mentes de muitos, tanto dentro quanto fora do Senado. Acreditava-se que ele estava se tornando mais uma figura divina do que um governante, desviando-se cada vez mais dos tradicionais valores da República romana, que deveria restaurar. Até o povo começou a acreditar que não tinha mais voz, pois sua amada Roma estava rapidamente caindo sob o controle de um candidato a tirano, e assim brotaram as sementes da conspiração. Suetônio escreveu:
Vários grupos, cada qual consistindo em dois ou três descontentes, agora se uniam numa conspiração geral. Mesmo o povo desaprovava a forma como as coisas iam e não mais escondiam seu desgosto pelo poder tirânico de César, abertamente demandando campeões para proteger suas antigas liberdades. (37)
Em seu livro Julius Caesar, Philip Freeman afirma que havia três tipos de pessoas que queriam César morto:
- Seus velhos inimigos, antigos aliados de Pompeu.
- Amigos que o respeitavam como líder militar, mas ressentiam-se de sua política de reconciliação em vez de iniciar um expurgo.
- Idealistas que acreditavam nos velhos valores tradicionais republicanos.
À medida que a ideia de uma conspiração lentamente emergia, tornou-se claro que Bruto era vital para qualquer trama contra César. Sua personalidade o fazia um candidato ideal para liderar. Barry Strauss afirma que Bruto não era somente inteligente e rigoroso, mas também “orgulhoso, talentoso, sóbrio, magnânimo e um tanto vaidoso” (15). Ou seja, de tudo um pouco para todos. Os conspiradores queriam “A reputação e a autoridade de um homem [...] para lhes dar o equivalente a uma sanção religiosa inicial, e pela sua presença [...] justificar aquela tarefa” (Plutarco, 1088).
O prazo tornou-se a principal preocupação, pois os conspiradores precisavam agir rapidamente, antes que César embarcasse numa campanha de três anos contra os Partos para vingar a morte de Marco Licínio Crasso (115-53 a.C.), que havia sido derrotado e morto na Batalha de Carras (Carrhae, 53 a.C.). César planejava partir para a Pártia em 18 de Março de 44 a.C.. Como o tempo era essencial, Bruto estava sob pressão para se juntar ao plano.
Bruno Adere à Conspiração
Seu velho amigo Cássio agiu ativamente para convencer outras pessoas a se juntarem à conspiração, mas, de acordo com Plutarco, ele reconhecia que eles precisavam não somente de mãos, mas de um homem com autoridade. Strauss escreveu que "se um homem com sua linhagem e princípios chamasse César de tirano, então o povo acreditaria nele" (78). O interesse próprio eventualmente afastaria Bruto de César. Segundo Plutarco, o apoio veio de uma fonte inesperada. Sua esposa, Pórcia, sem saber, contribuiu para convencê-lo a se juntar aos conspiradores. Embora sem ter conhecimento da trama, ela reconheceu que o marido enfrentava sérios dilemas. Certo dia, à noite, quando conversavam, "ele ergueu as mãos para os céus, e implorou pela assistência dos deuses naquela iniciativa" (Plutarco, 1090). Bruto sabia o que tinha de ser feito.
Os quatro principais líderes da conspiração eram Caio Trebônio, que organizara o sítio de Massília e lutara com César na Espanha; Décimo Bruto, um dos antigos comandantes do ditador; Caio Cássio Longino, que servira com Crasso e Pompeu; e, finalmente Marco Júnio Bruto. Com a liderança estabelecida, precisavam decidir onde atacar: numa estrada, num lugar público, enquanto caminhava para casa, ou talvez num espetáculo de gladiadores. Finalmente, escolheram a sessão do Senado que seria realizada no Teatro de Pompeu (o prédio do Senado estava em obras). A data seria 15 de Março de 44 a.C. - mais conhecida na história como os Idos de Março, três dias antes da partida programada para o Leste. Se saísse em campanha, César se tornaria intocável - distante de Roma e cercado pelo seu leal exército. Os atacantes já tinham até escolhido sua arma, a adaga de dois gumes ou pugio, com cerca de 20 centímetros de comprimento
O Assassinato
Na manhã do assassinato, a esposa de César, Calpúrnia, implorou que não saísse; num pesadelo, ela o vira morrer em seus braços, mas o ditador tinha pouca fé em presságios. Suetônio (69 - 130/130 d.C.) escreveu:
[...] avisos e um certo mal-estar o fizeram hesitar por algum tempo se deveria seguir adiante com seus planos ou então adiar a reunião. [...] Alguns dos seus amigos suspeitavam que, com pouca vontade de viver por mais tempo por causa de sua saúde declinante, ele não tomara precauções contra os conspiradores e negligenciara os presságios e avisos daqueles que lhe queriam bem. (41).
Logo, Décimo Bruto chegou em sua casa e o convenceu a não desapontar os senadores que o esperavam. À medida que era carregado em sua liteira ao Teatro de Pompeu, foi cercado por uma multidão. Quando estava prestes a entrar no recinto, ele ainda recebeu alertas de última hora. Artemidoro deu-lhe um pergaminho alertando-o do plano, mas César simplesmente o enfiou na sua toga, e o adivinho Espurina tentou alertá-lo, mas também foi dispensado. Marco Antônio (83-30 a.C.) encontrava-se lá, mas Trebônio o interceptou na entrada do teatro para conversar. Os conspiradores tinham planejado assassinar Antônio também, mas Bruto vetara a ideia.
Quando César se sentou, havia cerca de 200 senadores presentes naquele dia, além de dez tribunos, escravos e secretários. Cimber aproximou-se o ditador, que parecia nada suspeitar, e lhe entregou uma petição em nome de seu irmão exilado. Cimber agarrou a toga de César e puxou-a para trás. Foi um sinal para os outros atacarem. Casca desferiu o primeiro golpe com sua adaga; César imediatamente tentou defender-se, levantando as mãos para cobrir sua face. Os conspiradores remanescentes cercaram o ditador. Finalmente, Bruto aproximou-se e sacou sua adaga. Ironicamente, César morreu aos pés da estátua de Pompeu.
Filipos
Os conspiradores tinham poucos planos, se é que havia algum, para enfrentar as consequências do assassinato. Bruto simplesmente queria devolver o poder ao Senado e ao povo mas, sem uma liderança óbvia e com a cidade à beira do caos, aquilo parecia impossível no momento. A cidade estava em choque; o povo começou a demonstrar hostilidade. Havia alguns que acreditavam erroneamente que todo o Senado tinha aderido ao assassinato. Para Bruto e os demais, não havia sido um homicídio, mas somente a morte de um tirano. Chamando-se agora de libertadores, Bruto e os demais caminharam abertamente pelas ruas de Roma até a Colina Capitolina e o Fórum Romano, com as adagas nas mãos. Tomaram algumas providências na Colina para se proteger contra todas as possibilidades.
Os dias seguintes trouxeram reuniões públicas, numa tentativa de avaliar a opinião pública, e também privadas, na casa de Antônio. Os libertadores tinham sentimentos variados a respeito de Antônio e seus objetivos. Bruto o havia salvo de ser assassinado junto com César, mas agora ele era a única chance de um acordo ou anistia. Mais tarde, ele se tornaria o pior inimigo do grupo. Em 17 de Março, um acordo foi alcançado no Senado por insistência de Marco Antônio e, surpreendentemente, de Cícero. O republicano fanático Cícero ressaltou para os senadores que o povo estava vivendo com medo e um acordo, deixando os assassinos sem punição e as leis de César em vigor, seria necessário. Cumpriu-se os termos do acordo, mas, na realidade, a paz era impossível naquela altura.
Em 20 de Março de 44 a.C., o corpo de César seria incinerado numa pira construída no Campo de Marte, próximo ao túmulo da família. O povo, porém, arrebatou o cadáver, levando-o ao Templo de Júpiter para ser consumido pelas chamas. Suetônio escreveu: “Tão logo o funeral acabou, o povo, com pedaços de madeira da pira nas mãos, correu para Bruto e Cássio, que repeliram os atacantes com dificuldade” (41). Com a chegada de velhos veteranos de César à cidade, Antônio aproveitou para assumir a liderança.
Percebendo que a anistia não era mais possível, Bruto e Cássio fugiram da cidade. Porém, surgiu um desafiante para Antônio: o filho adotado e herdeiro de Júlio César, Otaviano. Antônio e Otaviano, inicialmente, colocaram suas diferenças de lado e, junto com Marco Lépido, formaram o Segundo Triunvirato. Strauss afirma que “Sangue, dinheiro e propriedades eram a principal prioridade para os triúnviros” (213). Com poucas alternativas, Bruto e Cássio juntaram forças e, em Outubro de 42 a.C., enfrentaram Antônio na Batalha de Filipos. Reconhecendo a derrota e não querendo ser capturados, ambos cometeram suicídio.
Por ordens de Antônio, as cinzas de Bruto foram levadas para sua mãe, Servília, enquanto sua cabeça foi colocada aos pés da estátua de César. Embora a maioria dê crédito a Antônio pela vitória, Suetônio cita Otaviano, o futuro Augusto: “Augusto derrotou Bruto e Cássio em Filipos, embora doente na ocasião. [...] ele mostrou clemência aos inimigos derrotados, mas enviou a cabeça de Bruto para Roma a fim de que fosse atirada aos pés da estátua de César [...]” (48). Em relação a outros libertadores, Suetônio diz que “todos foram condenados à morte e a encontraram de diferentes formas - alguns em naufrágios, alguns em batalha, alguns usando as mesmas adagas com as quais tinham traiçoeiramente morto César para tirar suas próprias vidas” (42).
Na literatura medieval, Bruto e Cássio foram colocados no nono e mais baixo nível, o Lago Cocite do Inferno de Dante, um lugar reservado para aqueles culpados de traição e deslealdade para com o próprio país. César, pelo contrário, passava sua eternidade entre os pagãos virtuosos. De acordo com Strauss, a tragédia dos Idos de Março, em vez de iniciar o retorno da República, trouxe uma nova guerra civil com tons de vingança.