O filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790) foi uma figura destacada do Iluminismo. Na obra A Riqueza das Nações, ele defende o livre comércio e a interferência limitada nos mercados pelo governo, razão pela qual é considerado como o pai da teoria econômica liberal. Apesar de chamado incorretamente como um defensor da economia laissez-faire, ou mercantilismo, Smith apoiava a atuação estatal em áreas como a educação dos trabalhadores.
Vida Pregressa
Adam Smith nasceu numa família de proprietários de terras que vivia em Kirkcaldy, ao norte de Edimburgo, através do Firth of Forth, na Escócia, por volta de 5 de junho de 1723. O pai de Smith, também chamado Adam, trabalhava como funcionário da alfândega, enquanto sua mãe, Margaret Douglas, não precisava trabalhar devido a uma significativa herança em terras. Smith estudou literatura na Universidade de Glasgow e, graças a uma bolsa de estudos que conquistou, no Balliol College, Oxford, a partir de 1740. Deixou Oxford em 1746 e, a partir de 1748, proferiu palestas públicas em Edimburgo com grande sucesso. Em 1751, foi nomeado professor de Lógica na Universidade de Glasgow e, no ano seguinte, tornou-se professor de Filosofia Moral, um cargo que manteve até 1764. Smith fez amizade com outros filósofos escoceses, principalmente David Hume (1711-1776), e homens de negócios, como o comerciante Andrew Cochrane (1693-1777).
Filosofia Moral
A primeira obra de porte de Smith foi A Teoria dos Sentimentos Morais, publicada em 1759. Nela, o autor apresenta suas concepções sobre a filosofia moral, com ênfase nas:
{...} Virtudes estoicas e, em particular, o autocontrole. O homem perfeitamente virtuoso de Smith “é o que associa ao mais perfeito controle de seus sentimentos originais e egoístas a mais refinada sensibilidade para os sentimentos originais e solidários de outros.” (Blackburn, 446)
Esta noção positiva do uso individual da razão, comedimento e simpatia e empatia pelos outros era encorajada pelo que o filósofo chamou de “homem interior” ou “espectador imparcial” (o que podemos, de forma alternativa, chamar de a voz da consciência de cada um). Esta concepção influenciou muito a forma como ele encarava o melhor sistema político que pudesse garantir maiores benefícios para a economia do estado. Com o tempo, a obra atraiu ampla atenção e Smith conseguiu um emprego como tutor do Duque de Buccleuch. O cargo tinha um ótimo salário, mas o filósofo precisou se mudar para a França em 1764, primeiro para Toulouse e depois para Paris. No intervalo, permaneceu em Genebra e se encontrou com o autor e filósofo francês Voltaire (1694-1778). Smith envolveu-se em questões mais práticas, atuando por algum tempo como conselheiro do Chanceler do Tesouro da Grã-Bretanha, em 1766. Parece provável que ele tenha sido, portanto, parcialmente responsável pelas políticas fiscais aplicadas às Treze Colônias da América do Norte, que terminaram por levar à Guerra Revolucionária Americana, após os colonos considerarem que não deveriam pagar impostos sem representação política.
O apoio financeiro de Buccleuch a Smith - deu-lhe uma pensão igual ao seu salário como tutor - permitiu-o deixar seu cargo na universidade e dedicar-se inteiramente à filosofia política. Para sua maior obra, ele retornou à terra natal, em Kirkcaldy, em 1767, onde vivia com sua mãe. Em 1773, mudou-se para Londres.
A Riqueza das Nações
A filosofia política de Adam Smith está apresentada no livro Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations [Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações], com frequência chamado simplesmente A Riqueza das Nações, publicado pela primeira vez em 1776. Como o título sugere, o objetivo de Smith era investigar sistematicamente e objetivamente o melhor sistema político que pudesse dar à nação o maior sucesso econômico, muito como cientistas contemporâneos tentavam fazer nos campos da física, astronomia, medicina e matemática durante a Revolução Científica. Ele é realista, racional e otimista em sua determinação de melhorar a condição humana. Acredita no progresso e que a humanidade está atualmente no quarto estágio da existência, o que ele chama de era do comércio (as três anteriores, pela ordem, seriam as eras dos caçadores, pastores e da agricultura). Estes estágios se baseavam nos extensos estudos de Smith sobre história e sobre o comércio contemporâneo. O comércio, para o autor, é o estágio conclusivo inevitável, já que os humanos são sociais e os negócios representam uma atividade social. Além disso, uma economia florescente baseia-se numa teia complexa de interdependência entre pessoas de todos os tipos.
Smith propôs a teoria do valor trabalho, baseada nesta interconectividade entre humanos no mundo dos negócios. Ou seja, ele destacou a diferença entre o valor de uso e o valor de troca de algo. Por exemplo, uma velha vitrola pode ser útil para o dono ouvir sua coleção de discos de vinil, mas, se poucas pessoas desejam um item como esse, então terá pouco valor em termos de troca por outra coisa (mais obviamente por dinheiro). O valor de troca de um item é relacionado a quantas pessoas o desejam, a dificuldade de obtenção, quanto trabalho vai economizar para o comprador quando o possuir e a quantidade e tipo de trabalho exigidos para produzi-lo. Smith acrescentou detalhes à sua teoria, declarando que o valor do trabalho de uma pessoa é baseado em vários fatores, tais como a escassez daquela habilidade, dificuldade e perigo de realizá-lo e a duração da educação requerida para executá-lo, entre muitos outros aspectos. A teoria do valor do trabalho teve desenvolvimentos posteriores por outros pensadores, principalmente Karl Marx (1818-1883).
O filósofo também estava determinado a mostrar em sua obra que o desagrado cristão com a riqueza, baseado em passagens bíblicas, tais como “é mais fácil um camelo passar através do buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus” (Mateus 19:24), não tinha fundamento na natureza e nem lugar na economia moderna. De fato, Smith argumentou que ajudar os ricos a ficarem mais ricos geralmente contribuía para todos na sociedade, pois quem não fosse rico se esforçaria para melhorar suas condições de vida, imitando os bem-sucedidos.
Um Mercado (Mais ou Menos) Livre
Smith acreditava que o estado devia interferir nos mercados econômicos somente quanto necessário para prevenir uma situação de concorrência desleal. Essencialmente, então, o estado deveria deixar a economia por conta própria, pois ela seria guiada pelo que ele chamou de “Mão Invisível” do mercado, um sistema de liberdade perfeita que se ajusta às mudanças contínuas na produção e consumo, baseando-se no interesse próprio das pessoas (tal como a gravidade dita o movimento dos planetas no espaço). Esta ideia se desenvolveu mais tarde na teoria econômica do laissez-faire (literalmente, “deixe fazer”), na qual são eliminadas qualquer e todas as barreiras e interferências que poderiam impedir os negócios e o comércio. Isso foi além do que o próprio filósofo propôs. Smith acreditava no livre comércio internacional e declarou-se contrário a políticas comuns da época, como a proteção de indústrias domésticas utilizando taxas de importação em face de produtos mais baratos do exterior (mercantilismo), pois esta proteção poderia ajudar a indústria, mas não a economia como um todo. Ele explica seu ponto de vista com o seguinte exemplo:
Utilizando vidros, viveiros e estufas pode-se cultivar excelentes uvas na Escócia, podendo-se com elas fabricar vinhos muito bons, com uma despesa aproximadamente trinta vezes superior àquela com a qual se pode importar de outros países vinhos pelo menos da mesma qualidade. Seria porventura uma lei racional proibir a importação de todos os vinhos estrangeiros, simplesmente para incentivar a fabricação de vinho clarete e borgonha na Escócia? (Yolton, 136)
Smith relaciona dois argumentos adicionais contra as políticas econômicas protecionistas. Ele afirma que tal proteção só seria útil para ajudar uma indústria na qual a nação fosse menos especializada, ao custo de retirar possíveis recursos de outras indústrias mais desenvolvidas. Em segundo lugar, políticas protecionistas criam discórdia entre nações e deveria ser um propósito promover o comércio internacional tão livre de conflitos quanto possível. Smith cita os abusos de poder perpetrados pela Companhia das Índias Orientais (EIC, na sigla em inglês) como uma demonstração do que pode acontecer quando o estado interfere no comércio e concede, por exemplo, monopólio na venda de certas mercadorias ou regiões comerciais, como ocorreu com a EIC.
A despeito da associação moderna de Adam Smith à teoria do laissez-faire, na verdade ele não se mostrou favorável ao completo abandono dos mercados pelo estado. De fato, pensava que um mercado totalmente livre era uma impossibilidade prática, de qualquer modo. Smith considerava que o estado devia ter o papel de assistir o povo em tempos de necessidade (fome, por exemplo) e ajudar as vítimas nas ocasiões que o livre mercado falhasse em fornecer as ferramentas intelectuais necessárias para trabalhar, ganhar a vida e o aperfeiçoamento pessoal. Por exemplo, ele defendia que o estado aumentasse impostos para pagar pela educação dos pobres em certos casos, principalmente porque acreditava que isso melhoraria a capacidade geral que os trabalhadores poderiam oferecer à economia, mas também para compensar pelo trabalho tedioso daqueles que operavam máquinas diariamente. A educação poderia ajudar também na luta contra a superstição e o controle que as instituições religiosas mantinham sobre as mentes do povo, algo que ele, como um pensador do Iluminismo, gostaria de reduzir.
Críticas
As críticas à abordagem de Smith, que permite aos ricos prosperar sem restrições, apontam que se a riqueza for concentrada nas mãos de poucos, então inevitavelmente o poder político da maioria diminuirá. A “Mão Invisível”, tão insensível quanto a gravidade, também ignora fatores que deveriam ser considerados importantes para as oportunidades da obtenção de riqueza pela população, como os antecedentes políticos, ideológicos e sociais dos indivíduos. Outros críticos lamentam o enfraquecimento de instituições tradicionais na teoria do livre mercado e a ausência de quaisquer considerações morais. Smith argumentaria que se tratam de críticas válidas, mas o sistema é como é, assim como a gravidade existe, gostemos ou não. Pode-se adicionar algumas compensações, mas as leis da economia acompanham as leis naturais. Por exemplo, os preços sempre acompanham a lei da oferta e da demanda. A economia era, para Smith, também uma ciência e, assim, também, deveria seguir leis, como o historiador E. Cameron explica a seguir:
As atividades da economia, como tudo o mais, devem ser reguladas por leis científicas, que podem ser descobertas pela investigação racional. Como no caso da lei da gravidade, a compreensão destas leis não permitiria às pessoas fazer o que quisessem, mas as ensinaria como chegar aos limites do possível. Como ciência, a economia seria moralmente autovalidável; não há possibilidade de conflito entre a busca do interesse próprio dos indivíduos e o bem da comunidade. Graças à Mão Invisível, os dois são sinônimos. (277)
Smith destacou que “o grande comércio de todo país civilizado é o efetuado entre os habitantes da cidade e os habitantes do campo” (Yolton, 137). Esta opinião ilustra que as considerações de Smith sobre a economia de uma nação estão sendo aplicadas à ainda largamente pré-industrializada Grã-Bretanha do último quarto do século XVIII. Embora ele esteja consciente e bastante favorável às inovações tecnológicas, escrevia antes da Revolução Industrial Britânica alcançar seu maior ímpeto. Neste sentido, os críticos podem alegar que as concepções de Smith sobre economia tornaram-se rapidamente ultrapassadas devido à industrialização das economias nacionais.
Sobre o Interesse Próprio
As ideias de Smith sobre a filosofia moral moldaram sua filosofia política. Ele explica sua visão de que o interesse próprio e o bem comum são a mesma coisa:
Cada indivíduo empenha-se em descobrir o emprego mais vantajoso de quaisquer capitais de que disponha. O estudo de sua própria vantagem necessariamente o leva a preferir o que é mais vantajoso para a sociedade. (Cameron, 277)
Para Smith, o interesse próprio governa todas as transações econômicas. Ele declara:
Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. (Chisick, 220).
Além disso, Smith acreditava que os ricos poderiam se tornar gananciosos e rapaces na busca de seus próprios interesses mas, devido ao fato de que os indivíduos têm um limite físico para as coisas que possam consumir, os mais abastados seriam, no final das contas, obrigados a distribuir sua riqueza entre os menos favorecidos. Em outras palavras, não importa realmente se nos esforçamos por distribuir a riqueza de forma igualitária ou não, desde que a “Mão Invisível” inevitavelmente levará à distribuição real de salários, preços e lucros. O interesse próprio, argumenta ele, até guiará o rico para se esforçar em ajudar os menos favorecidos. Aqui, novamente, encontramos a crença de Smith num ser interior equilibrado que nos guia para o bem comum.
Medindo a Riqueza
Retornando ao objetivo original de A Riqueza das Nações, Smith foi específico sobre como a “riqueza” de uma nação deveria ser medida. Ele não acreditava que o montante nacional de ouro ou prata fornecesse uma avaliação precisa de sua prosperidade, pois os valores de tais commodities flutuavam com o tempo. Trata-se de uma falácia confundir dinheiro com riqueza, pois o primeiro representa apenas os meios pelo qual a segunda é distribuída ou redistribuída. Há economistas modernos que até gostam desta ideia, e esta é a razão pela qual os investidores não ficam tão preocupados se uma nação tem uma imensa dívida, desde que tenha potencial para aumentar sua riqueza. Smith acreditava que a riqueza real é medida pelo exame da “produção anual da terra e trabalho da sociedade” (Yolton, 549). Ele enfatizava que tanto a agricultura quanto a manufatura precisava ser levada em consideração, o que contrariava pensadores contemporâneos que se limitavam à agricultura (uma posição conhecida como fisiocracia).
Smith também acreditava que os trabalhadores aparentemente improdutivos precisavam ser considerados nesta avaliação da riqueza – pessoas como os mercadores – pois eles, igualmente, contribuíam para a produtividade, ao criar investimentos e a ampliação dos mercados para os que fabricavam produtos. Os únicos trabalhadores que considerava improdutivos eram os criados domésticos.
Para Smith, a riqueza real estava na terra, trabalho, habilidades e produtos físicos de uma nação. Como consequência de seus novos critérios para medir a riqueza, Smith acreditava que a especialização do mercado de trabalho aumentaria muito a eficiência e, por extensão, a riqueza da nação. Ele exemplifica citando um trabalhador especializado em operar uma máquina que faz alfinetes e como seria ridículo (e inútil) pedir-lhe para extrair o metal e realizar todas as outras tarefas necessárias do processo de fabricação. Além disso, o dinheiro precisa ser investido para aumentar a riqueza da nação e não, por exemplo, deixado em contas bancárias, onde se torna sem valor; deve-se estimular os ricos a investir seus excedentes na economia (e, assim, ganhar mais neste processo). Certamente, Smith acreditava que a maioria dos donos de negócios e mercadores é rapace e seus instintos de lucrar às custas dos demais precisavam ser tolhidos por um governo forte, preferivelmente uma monarquia. Estes últimos aspectos são em geral convenientemente ignorados por alguns comentaristas modernos, que preferem apresentar Smith como um advogado da economia de livre competição, ou seja, uma selva financeira desregulada onde apenas os mais fortes (ou mais ricos) sobrevivem.
Morte e Legado
Smith escreveu somente duas obras de maior porte e, a partir de 1778, trabalhou como comissário de alfândega em Edimburgo. Sua mãe idosa veio morar com ele – que nunca se casou –, embora tivesse que compartilhar a casa com a biblioteca do filho, que reunia cerca de 3.000 volumes. Adam Smith morreu em Edimburgo em 17 de julho de 1790. Foi sepultado no pátio da igreja na região de Canongate da capital escocesa, perto de onde tinha vivido.
Smith, uma das figuras mais destacadas do Iluminismo, tornou-se um dos pensadores mais citados pelos economistas desde então. O historiador A. Gottlieb chega ao ponto de descrever A Riqueza das Nações como "o texto fundador da moderna teoria econômica" (198). O livro levou algum tempo para conquistar um público mais amplo e começou a despertar mais a atenção durante a Revolução Industrial Britânica, no século XIX, transformando-se numa espécie de bíblia da teoria econômica, uma posição que ainda ocupa junto àqueles que defendem “menos é mais” quando se trata da regulação dos negócios e economias. É também verdade que a “bíblia” de Smith, assim como ocorre com a Bíblia cristã, é muito frequentemente vasculhada e citada para apoiar ideias preconcebidas muito específicas. No caso da obra A Riqueza das Nações, citar apenas os argumentos para a redução da intervenção estatal não permite uma visão completa do que Smith realmente acreditava. Como observa o historiador H. Chisick, "É uma pena que a maior parte dos economistas do Ocidente pareçam indiferentes a algo que Smith e seus contemporâneos sabiam muito bem, ou seja, que a teoria econômica não pode ser apropriadamente separada das políticas sociais e políticas" (221).