O Supermarine Spitfire, um avião de caça monomotor, foi uma das mais importantes aeronaves da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Empregado pela Força Aérea Real em combates cruciais, como a Batalha da Inglaterra, no verão de 1940, o Spitfire ganhou status lendário, graças às linhas graciosas e grande capacidade de manobra.
Projeto
Nos anos anteriores à guerra, a Força Aérea Real (RAF, na sigla em inglês) britânica dava mais ênfase aos biplanos, mas o projetista Reginald J. Mitchell sugeriu um novo conceito, o monoplano Spitfire, para um piloto, com asas elípticas diferentes das vistas até então. Armada com oito metralhadoras, a aeronave certamente podia "cuspir fogo" [spitfire, em inglês]. A companhia que construía estas máquinas, supermodernas para a época, era a Supermarine, uma empresa que já havia vencido três Troféus Schneider, a premiação anual para o hidroavião mais rápido do mundo. Parte do conglomerado armamentista Vickers Armstrong, a empresa conseguiu garantir os poderosos novos motores da Rolls Royce para seu projeto inovador.
O protótipo do Spitfire foi fabricado em janeiro de 1935 e o primeiro modelo operacional surgiu em março de 1936. O primeiro piloto de testes ficou impressionado e declarou, ao descer do avião: "Não mexa em nada" (Saunders, 15). Os primeiros exemplares operacionais saíram das linhas de produção em maio de 1938. O atraso na produção destacou a necessidade de diversificar o processo de produção e a companhia de automóveis Morris foi contatada para garantir que o novo caça pudesse ser produzido em massa com velocidade suficiente para conter a ameaça crescente da Alemanha nazista. O governo encomendou 1.000 Spitfires, o maior contrato de aviação na história britânica até então.
Não poucos melhoramentos começaram a ser feitos, tais como metralhadoras adaptadas e um canhão em cada asa. Em 1939, havia um Spitfire na Força Aérea Francesa, mas tal era sua performance e agilidade que o caça eventualmente passou a ser utilizado por muitos países, incluindo a Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos, Grécia, Turquia, Egito e a União Soviética. Um estrondoso sucesso, o Spitfire tornou-se o único caça aliado a ser continuamente fabricado por toda a Segunda Guerra Mundial, e apenas a RAF operou mais de 20.000 exemplares entre 1938 e 1947. Houve até uma versão naval, com asas dobráveis, construída para uso em porta-aviões e chamada Supermarine Seafire.
Especificações
O Spitfire tinha um comprimento total de 9,12 metros e envergadura de 11,23 metros. Constantemente atualizado em seus dias de serviço na guerra, as especificações do Spitfire variavam através de 24 modelos, com capacidades que dependiam não somente em ajustes no design, mas também na configuração de armamentos e na altitude máxima de voo. A maioria destes modelos tinha um motor Rolls-Royce Merlin V12 equipado com condensador, como o bombardeiro Lancaster, o Hawker Hurricane (o segundo caça mais utilizado pela RAF) e o P-51 Mustang dos Estados Unidos. O modelo Mark XIV recebeu o ainda mais poderoso motor Rolls-Royce Griffon V12, capaz de atingir 2.050 hp. A velocidade máxima chegava a 721 km/h, ainda que algo em torno de 563 km/h fosse mais comum. A altitude máxima operacional era de 10.668 metros, embora versões posteriores pudessem chegar a 13.105 metros. Os motores Rolls-Royce tornaram-se um fator crucial na performance: "Parecia que os Merlins podiam aguentar qualquer tipo de sobrecarga. Foi um dos poucos motores que podia tolerar força máxima por longos períodos" (Cawthorne, 140). O trem de pouso retrátil aumentava enormemente a aerodinâmica, mas esta inovação das aeronaves britânicas levou muitos pilotos a esquecer de descer os trens de pouso, de forma que, com não pouca frequência, executavam uma "aterrissagem de barriga", para grande aflição dos líderes de esquadrão.
Seu armamento inicial consistia em oito metralhadoras Browning (7.7 mm), mas isso evoluiu para o padrão de duas metralhadoras (12.7 mm) e dois canhões Hispano (20 mm) em cada asa (embora houvesse outras variações). O Spitfire carregava tambores de munição de 300 ou 350 tiros para cada metralhadora, o que significava que, na realidade, o piloto podia dispará-las por um total de 14 a 15 segundos (o Me 109 alemão podia disparar por 55 segundos). Em compensação, uma rajada de três segundos dispararia 60 tiros por arma e, portanto, as quatro despejariam 240 balas num alvo em uma rajada curta, que geralmente mirava abaixo da aeronave inimiga à medida que o caça se aproximava de baixo. Os canhões disparavam num ritmo bem mais lento e tinham 60 projéteis cada (mais tarde dobrados para 120). As balas 0.303 das metralhadoras atravessavam as áreas não-vitais de um bombardeio com relativamente poucos danos, mas um projétil de canhão deixaria um furo do tamanho de um punho, bem mais efetivo contra aeronaves de maior porte. Os pilotos dispunham de miras iluminadas e posicionadas à frente da parte inferior do para-brisa, que podiam sofrer ajustes dependendo da envergadura do avião inimigo.
Embora fosse projetado como caça, o Spitfire podia também carregar uma bomba de 227 quilos, duas de 250 quilos ou foguetes disparados de lançadores afixados abaixo das asas. Seu alcance máximo normal ficava em torno de 925 km. Um tanque extra de combustível podia ser afixado em cada asa e sob a fuselagem para missões de longa distância, adicionando 420 litros extras de combustível ou mais. Alguns modelos posteriores tinham as pontas de suas asas características cortadas numa borda reta, o que melhorava a capacidade de rotação.
O esquema de cores do avião variava dependendo da localização. Na Europa, um trem de aterrissagem de um azul suave e camuflagem marrom-esverdeada escura na parte superior era comum, enquanto que, na guerra do deserto, o esquema de camuflagem tinha as cores amarelo e marrom.
Operações
O primeiro esquadrão Spitfire - Esquadrão N° 19, baseado em Duxford - começou a atuar em julho-agosto de 1938 e outros rapidamente se seguiram. Como padrão, cada esquadrão compunha-se de 12 aeronaves. Dispostos em grupos de três, eles voavam missões sobre o continente, mas com alcance limitado. Os primeiros aviões inimigos derrubados no espaço aéreo britânico - dois bombardeiros alemães nos céus da Escócia -, foram vítimas de um ataque de Spitfires em 16 de outubro de 1939. As aeronaves estavam estacionadas na França no início da guerra, mas foram transferidas após o desastre da Retirada de Dunquerque, em maio-junho de 1940. Os caças tentaram desesperadamente proteger a frota de evacuação - perderam-se 106 aviões, dos quais 67 Spitfires. A RAF precisou se reagrupar e fazer os preparativos para a invasão alemã da Grã-Bretanha, um ataque que seria precedido por uma campanha de bombardeio.
Sandy Johnstone, na época um tenente aviador, descreve como era voar num Spitfire caçando bombardeiros inimigos sobre a Grã-Bretanha:
Após os doze Spitfires entrarem em formação e se dirigirem para o leste, eu relanceei os olhos pelo meu relógio. Abaixo de noventa segundos. Nada mau [...] Comecei a me perguntar se chegaríamos tarde de novo [...] Tive que começar a pensar em táticas, deveríamos realmente adicionar alguns milhares de metros à nossa altura determinada, melhor ser um pouco alto demais do que ser pego no fogo assassino que chovia dos [caças alemães Messerschmitt] 109 [...] Fervilhando ao sol da manhã, onda após onda de bombardeiros dirigindo-se a Londres. Acima e atrás, as filas cerradas de Messerschmitts. Cobriam quilômetros e quilômetros do céu, até o mais distante que os olhos podiam alcançar. Era ao mesmo tempo magnífico e terrível. (Cawthorne, 25)
Outro piloto, o capitão de grupo Adolph "Sailor" Malan - principal ás da RAF em 1940 - escreveu 10 regras para novos pilotos, numa lista distribuída pelo Comando de Caça e, portanto, frequentemente encontrada presa à parede dos refeitórios dos aviadores:
- Espere até ver o branco dos olhos deles. Dispare rajadas curtas de um ou dois segundos e somente quando sua mira estiver definitivamente no alvo.
- Ao atirar, não pense em nada mais, mantenha o corpo firme, tenha ambas as mãos no manche e concentre-se no seu anel de mira.
- Mantenha-se sempre em alerta máximo. "Mantenha os dedos fora" [do gatilho].
- A altura lhe dá a iniciativa.
- Sempre se vire e enfrente o ataque.
- Tome suas decisões prontamente. É melhor agir rapidamente, mesmo que sua tática não seja a melhor.
- Nunca voe em linha reta e nivelado por mais do que 30 segundos na zona de combate.
- Quando mergulhando para atacar, sempre deixe uma parte de sua formação acima para agir como uma guarda elevada.
- INICIATIVA, AGRESSÃO, DISCIPLINA AÉREA e TRABALHO EM EQUIPE são palavras que SIGNIFICAM algo no combate aéreo.
- Voe rápido - Ataque com força - Escape. (Cawthorne, 35)
O avião de caça, ainda em desenvolvimento em resposta ao uso ativo, se tornaria crucial para a defesa da Grã-Bretanha, enfrentando caças inimigos e fornecendo escolta para bombardeiros da RAF indo na outra direção. Os Spitfires também foram usados como caças-bombardeiros. Quando equipados com duas câmeras verticais, podiam ser empregados como aeronaves de reconhecimento de longo alcance. Havia também uma versão com cabine pressurizada para operar em altitudes elevadas, útil para rastrear bombardeiros de alta altitude e padrões climáticos. Durante a Segunda Guerra Mundial, estas aeronaves serviram no Mediterrâneo, norte da Europa, Itália, norte da África, Oriente Médio, Malásia, Birmânia e Pacífico. De todos essas zonas de combate, uma em particular garantiria o status icônico do Spitfire: os céus da Grã-Bretanha.
A Batalha da Inglaterra
Após a queda da França, Adolf Hitler voltou suas atenções para a invasão da Grã-Bretanha (Operação Leão Marinho), mas primeiro, ele teria que proteger os céus e libertá-los dos aviões que causariam estragos consideráveis em qualquer força de invasão que cruzasse o Canal da Mancha. Assim, no verão de 1940, começou o que ficou conhecido como a Batalha da Inglaterra, oficialmente datada de 10 de julho a 31 de outubro pelo Ministério da Aeronáutica.
No início deste conflito, a RAF dispunha de apenas 19 esquadrões Spitfire. A quantidade de Spitfires e Hurricanes chegava a 331, ainda que mais aeronaves estivessem em produção. A Luftwaffe (Força Aérea Alemã) era numericamente muito superior à RAF, que precisava desesperadamente de mais pilotos e mais aviões. A vantagem doméstica tornou-se um fator importante, já que os caças alemães tinham bem menos tempo nos céus da Grã-Bretanha antes de ficar sem combustível. Outra vantagem residia no fato de que os pilotos alemães, caso fossem obrigados a ejetar e usar seus paraquedas, passavam a ser prisioneiros de guerra se sobrevivessem à queda. Tratava-se de uma batalha na qual os homens eram tão vitais quanto as máquinas e o treinamento dos pilotos e a reposição das perdas transformaram-se em sérios problemas para ambos os lados. Os britânicos também contavam com a vantagem do radar, que informava aos esquadrões de caças aproximadamente quando e onde os aviões alemães estavam voando. O Corpo de Observadores, uma unidade de voluntários, assumia o papel do radar quando os aviões passavam pelas estações de escuta eletrônica.
A Luftwaffe, por causa da ênfase na produção de bombardeiros de mergulho, carecia dos bombardeiros pesados necessários para realmente destruir alvos estratégicos, como os aeródromos. Em compensação, seus bombardeiros conseguiam suportar uma grande punição das metralhadoras de pequeno calibre dos caças. Também era verdade que, como os caças britânicos levavam até 20 minutos para se reunir e atingir a altitude necessária, os aviões de escolta alemães costumavam estar prontos e esperando por eles. A batalha seria bastante equilibrada, com os dois lados nunca totalmente seguros da quantidade de baixas que poderiam infligir ao inimigo.
Para garantir o maior número possível de aviões em ação, começou a campanha do Fundo Spitfire, que solicitava a colaboração financeira dos civis. A campanha pedia 5.000 libras para financiar cada Spitfire (na verdade, eles custavam cerca de 12.000 libras cada). O povo respondeu: os habitantes dos povoados se reuniram, escoteiros arrecadavam fundos fazendo biscates, jornais locais promoveram campanhas de assinatura e latas de coleta foram espalhadas em escritórios, bares e igrejas. Lorde Beaverbrook, titular do Ministério da Produção de Aeronaves, estava por trás do esquema e mostrou-se implacável na tarefa de produzir novas aeronaves o mais rápido possível. Reduziu-se a burocracia, os problemas de produção eram resolvidos imediatamente e as normas trabalhistas ignoradas, de forma que, em junho de 1940, 300 aeronaves estavam sendo fabricadas a cada semana e 250 danificadas passavam por reparos para retornar ao serviço (uma estatística crucial, já que cerca de 30% dos aviões sofriam danos por acidentes e não por fogo inimigo). Para evitar a destruição pelos bombardeios inimigos, as fábricas de Spitfires foram dispersadas por toda a Grã-Bretanha.
O Spitfire era mais manobrável do que seu principal rival alemão, o Messerschmitt Bf 109 (ou Me 109e), mas este mergulhava melhor graças ao seu motor por injeção de combustível. Ambos tinham uma velocidade máxima similar. O caça alemão dispunha de maior alcance de fogo, mas o Spitfire conseguia disparar seu armamento em rajadas mais concentradas (na distância correta do alvo). Inicialmente, os dois modelos se equiparavam mas, de forma crucial, o Spitfire recebeu aperfeiçoamentos contínuos, com ajustes de projeto à medida que a intensa batalha aérea se desenrolava - como, por exemplo, um melhor sistema de resfriamento para os motores, que tendiam a superaquecer. O segundo caça da RAF era o Hawker Hurricane, mais lento do que o Spitfire e o Me 109E, mas ainda assim bastante confiável. Para o grande desgosto dos pilotos, havia muito mais Hurricanes disponíveis do que Spitfires. Nos estágios finais da Batalha da Inglaterra, os dois modelos passaram a ser utilizados como uma unidade tática única com 60 aviões, uma formação conhecida como "Grande Asa". Como ocorria com todos os caças, eles tinham ordens de priorizar os bombardeiros como alvo.
A Luftwaffe atacava a partir de bases situadas no Canal da Mancha e na Escandinávia. Os alemães mantinham os britânicos em suspense, alterando continuamente seus alvos, tais como o transporte via canais fluviais, cidades costeiras, aeródromos, estações de radar e Londres. No final, os pilotos de caça da RAF, não somente britânicos mas provenientes de várias nações do império e aliados como a Polônia e a França, afastaram a ameaça da Luftwaffe, cujas perdas se tornaram insustentáveis. A RAF tinha vencido a Batalha da Inglaterra e o Spitfire ganhou status lendário. As perdas totais da RAF ficaram em torno de 788 aeronaves, contra 1.294 da Luftwaffe (Dear, 127). Em outubro, os alemães mudaram novamente sua estratégia e se concentraram no bombardeio noturno das cidades, um duro golpe para os civis, mas estrategicamente um alvo muito menos importante. A decisão da Luftwaffe garantiu que a RAF mantivesse a superioridade aérea. A Operação Leão Marinho foi abandonada. Esta nova fase da guerra incluiu a Blitz de Londres, mas muitas outras cidades também sofreram, assim como as alemãs, já que a RAF retaliou da mesma forma. De repente, a Frente Ocidental transformou-se de um conflito envolvendo relativamente poucos especialistas militares altamente treinados para outro que afetava centenas de milhares de civis.
Na Batalha da Inglaterra, os Spitfires abateram 529 aeronaves inimigas e houve 361 perdas (Saunders, 27). De forma crucial, a RAF terminou a batalha mais forte em termos de disponibilidade de aviões e pilotos. A Luftwaffe manteve mais ou menos sua força, mas perdeu muitos de seus melhores pilotos, um resultado que teve consequências no ataque subsequente da Alemanha à Rússia - a Operação Barbarossa, deflagrada em junho de 1941.
Legado
Os Spitfires continuaram em ação, mas o alcance mais curto limitou seu papel na Europa até depois do Dia D, em junho de 1944, quando começaram a voar novamente a partir de bases na França. O motor Rolls-Royce Merlin dos Spitfires Mark IX passou a equipar o P-51 Mustang, o caça americano que, graças à maior altitude assegurada pelo motor e alcance superior, mudou a guerra aérea a partir de 1944. Os últimos Spitfires operacionais da RAF foram retirados de serviço em 1954.
O Spitfire, em grande parte por causa de seu papel crucial na Batalha da Inglaterra, ganhou status icônico. Certamente, nenhum outro modelo de avião enfeitou tantos quartos infantis. Graças à velocidade e linhas graciosas, o Spitfire continua sendo uma estrela nos shows aéreos em todo o mundo, com cerca de 50 exemplares ainda operacionais. Vários museus possuem Spitfires em exibição permanente, notadamente o Imperial War Museum e o Science Museum, ambos em Londres, a cidade que o avião fez tanto para defender.