
Primeiro monoplano da Grã-Bretanha, o Hawker Hurricane era um avião de caça que atuou da Batalha da Inglaterra, no verão de 1940. Mais lento, mas em maior número em relação ao Supermarine Spitfire, a aeronave foi empregado pela Força Aérea Real (RAF, na sigla em inglês) em vários teatros na Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Versátil, este avião conquistou renome em particular pela habilidade em destruir blindagens inimigas no solo, utilizando canhões, bombas e foguetes. Conhecido por sua confiabilidade, passou a ser empregado por várias outras forças aéreas aliadas durante o conflito, inclusive numa versão específica para a Marinha, o Hawker Sea Hurricane.
Projeto
Nos anos pré-guerra, o Ministério da Aeronáutica britânico queria um avião de combate rápido e moderno que pudesse rivalizar com o Messerschmitt Bf 109 (Me 109), que entrou em operação na Força Aérea Alemã (Luftwaffe) em 1937. O Me 109 já havia causado um rebuliço naquele verão, quebrando vários recordes de velocidade. O Hurricane, construído pela empresa Hawker, já estabelecida no mercado como a fabricante dos aviões Sopwith, foi projetado pelo talentoso projetista-chefe da empresa, Sydney Camm (1893-1966). Tratava-se de uma ruptura radical em relação aos biplanos que até então dominavam a aviação militar britânica. Primeiro caça com uma única asa, o Hurricane mostrou-se confiável, altamente manobrável e, principalmente, rápido - de fato, pelo menos 160 km/h mais veloz do que qualquer outra aeronave britânica. Inicialmente equipado com um motor Rolls-Royce Goshawk, os projetistas logo optaram pelo mais poderoso e confiável motor Rolls-Royce V12 Merlin, o mesmo motor que impulsionaria aeronaves icônicas como o Spitfire, o bombardeiro Lancaster e o P-51 Mustang. Os motores Rolls-Royce Merlin eram notavelmente confiáveis graças ao seu design e à prática de testar peças até a destruição, especialmente quando se promoviam modificações, um processo de inovação realizado de forma contínua durante toda a guerra.
O primeiro protótipo do Hurricane voou em 6 de novembro de 1935, com a aeronave passando por testes em fevereiro de 1936. O Ministério da Aeronáutica ficou satisfeito com os resultados, particularmente com as velocidades alcançadas, e encomendou 600 aviões no mês de junho seguinte. O primeiro Hurricane produzido em série voou no dia 12 de outubro de 1937. A entrada em serviço na RAF ocorreu em dezembro de 1937, com o Esquadrão N.º 111, baseado em Northolt, West London.
O historiador de aviação D. C. Dildy fez a seguinte avaliação do Hawker Hurricane:
Um monoplano robusto, estável e com trem de pouso retrátil, o Hurricane foi construído usando uma mistura de métodos de construção desatualizados, o que o tornou relativamente pesado, mas permitiu altas taxas de produção para o Comando de Caças em expansão. (30)
No final de 1938, quando a guerra pairava sobre a Europa, a RAF tinha cerca de 200 caças Hurricane operacionais. Com a possibilidade de um conflito cada vez mais próxima, outra fábrica se envolveu na produção além da Hawker, a Hucclecote, pertencente à Gloster Aircraft Company. Melhorias significativas ocorreram nos primeiros anos, como a mudança das hélices de duas para três pás (o que conferia melhores condições de manobra e de altitude operacional), o acréscimo de um para-brisas à prova de balas, a instalação de uma placa blindada para proteção das costas do piloto e a substituição da cobertura das asas de tecido por metal fino. O avião atraiu outros compradores e, portanto, os Hurricanes passaram a ser adquiridos, às vezes por meio de fábricas licenciadas, pelas forças aéreas da Austrália, Bélgica, Canadá, Índia, Irã, Polônia, Romênia, Turquia, União Soviética e a antiga Iugoslávia, entre outros.
Quando a Alemanha invadiu a Polônia, em setembro de 1939, deflagrando a guerra, a RAF dispunha de 18 esquadrões de Hurricanes. Quatro destes esquadrões foram realocados para o norte da França, em antecipação a um ataque terrestre alemão. Outros seis esquadrões se seguiram, mas tarde demais, já que o poderio da Luftwaffe e das forças blindadas terrestres alemães varriam a Europa Ocidental. As perdas totalizaram 396 Hurricanes e 80 pilotos no desastre que ficou conhecido como a Queda da França. Com isso, a disponibilidade de caças da RAF ficou reduzida a 331 aeronaves. Havia uma desesperada necessidade tanto de aviões quanto de pilotos para a defesa da Grã-Bretanha nos conflitos que se seguiriam.
Especificações e Armamento
Tal como com muitas outras aeronaves de sucesso em ambos os lados, o Hurricane passou por um contínuo aperfeiçoamento durante a disputa incansável pela superioridade aérea. A aeronave tinha comprimento de 9,82 m e envergadura de 12,19 m. A maioria saía das fábricas equipada com o motor Rolls-Royce XX Merlin, com potência de 1.280 hp (954 kW). A velocidade máxima, numa altitude de 6.705 m, chegava a cerca de 550 km/h. O avião podia operar efetivamente até um teto de 11.125 m. O alcance usual variava entre 772 a 965 km, dependendo do modelo, a menos que equipado com tanques de combustível extras, o que permitia um alcance de 1.585 km.
Os primeiros Hurricanes vinham equipados com oito metralhadoras Browning de 7.7 mm, quatro em cada asa. Cada metralhadora dispunha de 332 projéteis e, assim, podiam disparar por 17 segundos antes de ficar sem munição. As aeronaves posteriores tinham 12 metralhadoras. Os armamentos alternativos incluíam substituir as metralhadoras por canhões de 20 mm. Na segunda metade da guerra, o Hurricane foi repaginado como um caça-bombardeiro para atacar alvos blindados em terra. Consequentemente, o avião podia ser equipado com uma única bomba de 227 kg ou duas bombas pesando 133 kg cada. Na mesma linha de atuação, o Hurricane foi o primeiro avião aliado a ser equipado com foguetes ar-terra, usados em ação pela primeira vez no dia 3 de setembro de 1943. Cada foguete carregava uma ogiva de 27 kg. Outra alternativa de armamento consistia em dois canhões de 40 mm, em vez dos canhões menores ou metralhadoras, embora cada um desses canhões tivesse uma metralhadora com calibre de 0,303 instalada ao lado para ajudar na mira. Os canhões de 40 mm certamente desferiam um duro golpe e, assim, o Hurricane reinventado recebeu um novo apelido, "destruidor de tanques".
Mais de 14.500 Hurricanes foram fabricados. As cores da camuflagem incluíam verde escuro e marrom ou verde escuro e cinza na Europa, marrom escuro e amarelo no norte da África ou até preto para missões noturnas.
Batalha da Inglaterra
Felizmente para a Grã-Bretanha, o líder alemão Adolf Hitler (1889-1945) inexplicavelmente atrasou o início da planejada invasão da Grã-Bretanha (Operação Leão Marinho), com o objetivo de permitir à Luftwaffe conquistar superioridade aérea sobre o Canal da Mancha. Esses preciosos meses de espaço para respirar foram freneticamente gastos na construção de aeronaves e no treinamento de pilotos para a chamada Batalha da Inglaterra, oficialmente datada de 10 de julho a 31 de outubro de 1940 pelo Ministério da Aeronáutica. A RAF conseguia colocar em ação 32 esquadrões de Hurricanes e 19 esquadrões de Spitfires. Os Spitfires eram mais rápidos e manobráveis, mas o grande número de Hurricanes tornou-se crucial para enfrentar a ameaça da Luftwaffe.
A vantagem doméstica representou um importante fator no conflito, já que os os caças alemães tinham muito menos tempo nos céus acima da Grã-Bretanha antes que seu combustível acabasse. Outra vantagem britânica residia no fato de que os pilotos alemães, caso fossem obrigados a ejetar e usar seus paraquedas, tornavam-se prisioneiros de guerra. Como se tratava de uma batalha na qual os homens eram tão vitais quanto as máquinas, o treinamento de pilotos e a reposição das perdas transformaram-se num problema para ambos os lados. Os britânicos também dispunham de outra vantagem - o radar, que informava aos esquadrões de caças aproximadamente quando e onde os aviões alemães se dirigiam. O Corpo de Observadores, um grupo de voluntários, assumia o controle da detecção quando os aviões passavam pelas estações de escuta eletrônica. A Luftwaffe podia atacar de bases ao longo do Canal e na Escandinávia. Também era verdade que, como os caças britânicos levavam até 20 minutos para se reunir e atingir a altitude necessária, os caças de escolta alemães costumavam estar preparados para eles. A batalha precisava ser cuidadosamente balanceada, com os dois lados nunca inteiramente seguros das perdas inimigas.
Como o Spitfire tinha melhores resultados contra o Me 109, costumava-se direcionar os Hurricanes para atacar o caça-bombardeiro Messerschmitt Bf 110 (Me 110), mais lento, e vários tipos de bombardeiros mais pesados, quando havia possibilidade de escolha. Ao menos, essa era a teoria, especificada nesta diretiva do vice-marechal do ar Keith Park:
ESQUADRÕES DE PRONTIDÃO: Despachar em pares para enfrentar a primeira onda do inimigo. Spitfires contra os caças e os Hurricanes contra bombardeiros e escolta próxima. (Saunders, 41)
No entanto, isso nem sempre ocorria na realidade e a falsa ideia de que os Spitfires sempre enfrentavam caças, enquanto os Hurricanes se encarregavam dos bombardeiros é comentada pelo Líder de Esquadrão Anthony Norman, controlador de setor na base aérea Kenley durante a Batalha da Inglaterra:
É importante enfatizar que nunca foi o caso de os Hurricanes serem especificamente despachados para lidar com os bombardeiros e os Spitfires para enfrentar os caças, embora muitas vezes se sugira que foi isso que aconteceu. Esta ideia é completamente sem sentido porque taticamente impossível, já que desconhecíamos, de qualquer modo, qual a composição do esquadrão a ser interceptado. Não tínhamos como saber se consistia em caças, bombardeiros ou ambos. Assim, em Kenley podíamos terminar enviando o Esquadrão 615 de Hurricanes contra caças e então o Esquadrão 64 de Spitfires contra um punhado de bombardeiros. Tinha que ser assim. (Saunders, 39-41)
Quando a Luftwaffe começou a usar blindagem em seus aviões, a RAF respondeu usando mais canhões nas aeronaves britânicas. Nos últimos estágios da Batalha da Inglaterra, Spitfires e Hurricanes foram usados como uma única unidade tática de 60 aeronaves, uma formação conhecida como Big Wing. Como todos os caças, sua orientação básica consistia em atingir os bombardeiros sempre que possível.
Os alemães mantinham os britânicos na expectativa ao alterar continuamente seus alvos, tais como docas no Canal, cidades costeiras, aeródromos, estações de radar e Londres. Por fim, os pilotos da RAF, que incluíam muitos das nações do Império Britânico e aliados, como a Polônia e Alemanha, derrotaram a ameaça da Luftwaffe, cujas perdas se tornaram insustentáveis. As perdas da RAF totalizaram aproximadamente 788 aviões, em comparação com 1.294 aeronaves perdidas pela Luftwaffe (Dear, 127).
Em outubro, os alemães mudaram de estratégia novamente e se concentraram no bombardeio noturno das cidades, um duro golpe para os civis, mas um alvo estratégico muito menos importante. A RAF venceu a Batalha da Inglaterra e a Operação Leão Marinho foi abandonada. O glamouroso Spitfire pode ter conquistado as manchetes, mas, na batalha, "os Hurricanes destruíram mais aeronaves inimigas do que todas as outras defesas, aéreas ou terrestres, combinadas" (Mondey, 152). Às vésperas do ano de 1941, a RAF dispunha de 32 esquadrões de Hurricanes, que podia deslocar para outros objetivos e locais.
Outros Teatros de Guerra
A Grã-Bretanha tinha muito território para defender e, assim, enviou os Hurricanes para vários outros teatros da guerra. Mesmo no auge da Batalha da Inglaterra, houve o deslocamento de três esquadrões para uso em Malta e no deserto ocidental africano. Seu emprego variava entre a escolta de bombardeiros, enfrentar caças inimigos e atacar alvos em terra. No Norte da África, os Hurricanes demonstraram em primeiro lugar sua eficácia contra unidades blindadas terrestres inimigas, destruindo tanques e veículos blindados com seus foguetes e canhões pesados.
Eventualmente, os Hurricanes passaram a ser utilizados em lugares tão distantes como Ceilão (atual Sri Lanka) e Birmânia (atual Mianmar). Havia também uma versão naval, o Hawker Sea Hurricane, empregado na defesa dos comboios do Atlântico que traziam vários suprimentos vitais da América do Norte para a Grã-Bretanha. As primeiras versões do Sea Hurricane eram lançadas por catapulta de navios navais e mercantes (mas o piloto era obrigado a ejetar da aeronave no retorno, pois não havia como pousar). As versões posteriores operavam a partir de porta-aviões convencionais. O Sea Hurricane foi empregado tanto pela Marinha Real quanto pela Marinha Real Canadense.
Fim de Carreira
Na segunda metade da guerra, o Hurricane passou a ser substituído pelo caça-bombardeiro Hawker Typhoon, mais rápido e manobrável, que se destacava ao operar em alta velocidade e baixa altitude, e, a partir de 1944, pelo Hawker Tempest. Os últimos Hurricanes da RAF foram finalmente substituídos em janeiro de 1947. Por sua atuação destacada na Batalha da Inglaterra, os Hurricanes são geralmente selecionados para liderar sobrevoos comemorativos oficiais da RAF.