O avião bombardeiro bimotor Junkers Ju 88 foi usado pela Força Aérea Alemã (Luftwaffe) durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), tendo sido o bombardeiro usado na Batalha da Grã-Bretanha e no Blitz de Londres, e pela sua versatilidade entrou em ação em muitos outros teatros de guerra, principalmente como bombardeio de voo picado e caça noturno.
Desenvolvimento do Projeto
Após acirrado debate entre o Alto Comando alemão e o líder nazista Adolf Hitler (1889-1945), o Comando de Bombardeiros da Luftwaffe (Kampfwaffe) foi obrigado a aceitar que os bombardeiros deveriam ser usados principalmente como força estratégica para auxiliar as tropas terrestres. Devido a tal decisão, a Luftwaffe concentrou-se na construção de esquadrões de bombardeiros médios mais versáteis e não em bombardeiros pesados, como era o caso dos usados pela Força Aérea Real Britânica.
Em agosto de 1935, a Força Aérea Alemã lançou o repto às empresas de aeronáutica para a construção de um bombardeiro bimotor, médio e de alta velocidade (Schnellbomber). A Junkers apresentou o Junkers 88, com vários protótipos recebendo a designação V e numerado de 1 a 5. O primeiro protótipo, o Ju 88 V1, voou em dezembro de 1936 e impressionou pela alta velocidade que alcançava. Em março, o Ju 88 V5 era capaz de atingir velocidades superiores a 480 km/h (300 mph), quebrando vários recordes.
Em 1937 decidiu-se dotar o Ju 88 com capacidade de bombardeio de voo picado, atrassando o progresso do projeto sujeito a constantes revisões. De acordo com o historiador J. Holland, " foram feitas cerca de 25.000 alterações ao projeto original" (pág. 216). De fato, as mais significativas destas mudanças foram: o reforço das asas para suportar a força resultante dos voos picados e íngremes; a adição de freios para parar o avião no ponto mais baixo do voo picado; e o alongamento da fuselagem para acomodar mais membros de tripulação. Consequentemente, o avião acabou por ficar muito mais pesado e lento do que o projetado, situação que levou o Marechal de Campo Erhard Milch (1892-1972), um dos fundadores da Luftwaffe, a descrever o Ju 88 de forma depreciativa como uma "porta de celeiro voadora" (idem). Os problemas de peso e velocidade foram parcialmente resolvidos pela adição de propulsores de foguete para descolagem quando transportavam bombas mais pesadas. As mudanças no desenho foram constantes, incluindo um aumento na envergadura da asa. Como resultado deste complexo projeto, a construção do Ju 88 foi muito mais demorada do que muitos outros tipos de aeronaves.
Coincidentemente com o início da Segunda Guerra Mundial, o Ju 88 foi colocado ao serviço pela Luftwaffe em setembro de 1939, e enfrentou a concorrência de bombardeiros médios já ultrapasados e mal armados como o Dornier Do 17, o Dornier Do 215 (vulnerável mas mais rápido) e o Heinkel He 111, tido como o melhor dos três no início da guerra. O Junkers Ju 88 era menor que os outros três bombardeiros médios, porém mais veloz que o He 111 e o Do 17, podendo, mesmo assim, transportar uma carga de bombas tão pesada quanto o He 111. Consequentemente, apesar de ambos terem servido durante toda a guerra, em termos preferenciais o Ju 88 gradualmente foi substituindo o He 111. Possuíam todos dois motores, o que limitava fundamentalmente a capacidade de carga e alcance em comparação com os bombardeiros pesados da aviação dos Aliados como o B-17 Flying Fortress e o Avro Lancaster.
As constantes versões de projeto do JU 88 resultou na versão final de 1940 num avião mais versátil do que inicialmente desenhado, tornando-o na aeronave mais versátil do que qualquer outra usada pelas forças aéreas na Segunda Guerra Mundial. O Ju 88 podia atuar como bombardeiro de nível , de voo picado e como caça noturno. Outras funções desempenhadas pelo Ju 88 incluíam reconhecimento de longo alcance (quando equipados com tanques de combustível extras, radares e câmeras), ataque a navios e lançamento de minas no mar. Por fim, uma vantagem distinta do Ju 88 era a sua estrutura, construída para suportar severos danos causados por fogo inimigo. O Ju 88 era produzido nas fábricas de Brünn (atual Brno na República Tcheca) e Graz, e em Viena na Áustria, sendo usado tanto pela Luftwaffe como pelas forças aéreas de outros países, como a Finlândia, a França, a Hungria, a Itália e a Romênia.
Especificações
O Ju 88 possuía uma envergadura de 20 metros (7.5 in) e um comprimento pouco superior a 14,4 metros (47 pés). Em condições ideais, atingia a velocidade máxima de 470 km/h (292 mph), porém quando carregado com bombas a velocidade normal era de 370 km/h (230 mph). O bombardeiro tinha alcance máximo de 2.730 km ( 1,700 milhas), embora o raio de combate típico fosse de 580 km (360 milhas). Era propulsionado por dois motores Junkers Jumo 211 de 12 cilindros, sendo que as melhores versões forneciam 1.350 cv (1,350 hp) cada. Alguns modelos posteriores, para acompanhar a evolução dos caças inimigos, foram equipados com motores radiais BMW mais potentes, contudo a Luftwaffe não dispunha de tantos quanto desejava. O teto de serviço da aeronave era de 8.200 metros (26,900 pés).
Apesar do bombardeiro Ju 88 poder transportar uma carga de bombas até 2.500 kg (5.500 lbs), habitualmente não ultrapassava os 2.000 kg (4.400 lbs). Além do compartimento interno de bombas localizado no trem de aterragem, transportava bombas de vários tipos (incluindo torpedos) fixas por suportes sob cada asa. O armamento defensivo variava, mas a melhor versão possuía seis metralhadoras MG15: uma no nariz, outra na frente do piloto (operada por ele), e voltadas para a parte de trás do avião duas atrás do piloto e duas sob a cabine. Estas metralhadoras eram tipicamente de calibre 7,92 mm (0,31 polegadas). Alguns modelos, especialmente aqueles destinados ao papel de caça noturno, eram equipados com um ou dois canhões de 20 mm (0,78 polegadas) no nariz, contudo os últimos 32 modelos possuíam um canhão de 50 mm (2 polegadas) capaz de causar sérios danos. O Ju 88 tinha uma tripulação de quatro ou cinco pessoas, embora esse número pudesse ser menor em missões de caça noturna.
Apoios à Navegação
Nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, ambos os eixos lutavam contra a falta de precisão de bombardeamento. A Luftwaffe utilizou diversos dispositivos tecnológicos para auxiliar os navegadores a alcançarem os alvos e os bombardeiros a lançarem as cargas na posição correta. Havia radiofaróis espalhados pelo continente europeu de forma a auxiliar a navegação, contudo os britânicos interceptavam-nos emitindo sinais para os distorcer, conhecidos como "Meacons".
A partir de dezembro de 1939, iniciou-se o uso dos sinais de navegação Knickebein ('Perna Torta'): emissão de dois sinais de rádio enviados através e a partir da Europa Continental (França, Países-Baixos e Noruega) e que os bombardeiros conseguiam rastrear. Um enviava sinais de ponto e o outro sinais de traço mais longos, o cruzamento dos dois marcava o local onde as bombas deveriam ser lançadas. Graças aos serviços de informação militar, os britânicos conheciam o sistema desde a primavera de 1940, e o sinal de distorção começou em agosto com um dispositivo com o código "Aspirina" (já que o Knickebein era uma verdadeira dor de cabeça para os defensores).
O Ju 88, e os outros bombardeiros, podiam ser equipados com o radar X-Gerät (dispositivo X), que rastreava vários sinais enviados pelos transmissores na Europa continental, era mais preciso que o Knickebein e permitia que os aviões, ao seguirem o sinal único que enviava sinais direcionais grosseiros (os outros enviavam sinais precisos), encontrassem os alvos durante o tempo nublado ou à noite. Nem todos os bombardeiros possuíam o sistema, mas aqueles que o tinham - identificáveis pelas antenas ao longo do dorso do avião - eram usados para marcar o alvo que os outros seguiriam. Os alemães apelidaram-no de sistema de orientação de Wotan I, em homenagem ao nome germânico de Odin, o deus de um olho da mitologia nórdica. Os britânicos descobriram a tecnologia secreta e como bloquear o sistema de orientação, que nem sempre era bem-sucedida, usando um dispositivo com o nome de código 'Bromide'.
O terceiro e o melhor sistema de radar da Luftwaffe, usado a partir de novembro de 1940, era o Y-Gerät. Enviava-se um feixe para um bombardeiro que o refletia, o tempo que demorava indicava a posição exata do avião em qualquer momento. O sistema recebeu o nome de código Wotan II. Tal como o anterior, o Y-Gerät podia ser bloqueado por sinais enviados pelos britânicos, desta vez usando um sistema com o nome de código Domino.
Apesar dos Aliados terem descoberto os apoios tecnológicos à navegação, o Ju 88 podia contra-atacar na guerra tecnológica: equipado com um radar no nariz Lichtenstein e com uma antena de radar Flensburg em cada asa, tornava-se num dispositivo de escuta muito útil, capaz de detectar bombardeiros noturnos da Royal Air Force que estivessem a usar o radar.
Operações
Até 1940, foram construídos cerca de 1.885 Junkers Ju 88, seguidos por aproximadamente 2.000 unidades produzidas anualmente em 1941, 1942 e 1943. O Ju 88 participou tanto da Batalha da Grã-Bretanha (1940), atacando aeródromos e alvos estratégicos como estações de radar, quanto dos consecutivos bombardeios de cidades britânicas, incluindo o Blitz de Londres (1940-1941). Durante o ano de 1940, o Ju 88 operava como bombardeiro de nível, contudo ao voar de e para os alvos na Grã-Bretanha, apesar das metralhadoras incorporadas, era vulnerável a ataques dos caças inimigos consideravelmente mais rápidos e manobráveis, como o Supermarine Spitfire e o Hawker Hurricane.
Consequentemente, sempre que possível e tal como outros bombardeiros da Luftwaffe, os esquadrões de Ju 88 eram protegidos por escoltas de caça Messerschmitt Bf 109 ou, mais tarde na guerra, pelos Focke-Wulf Fw 190. Em comparação com outros bombardeiros alemães, o Ju 88 era melhor contra caças na rota de volta para a base, pois "era bastante manobrável e, especialmente em baixas altitudes e sem o peso das bombas, quase podia superar um Spitfire" (Cawthorne, pág. 189), contudo tornaram-se tão vulneráveis aos ataques dos caça que foram relegados para as atividades noturnas.
Com o desenrolar da guerra e o início do bombardeio massivo dos Aliados contra a Alemanha, o Ju 88 tornou-se um valioso caça noturno para atacar aviões bombardeiros inimigos, como explicou o historiador de aviação R. Neillands:
"Estes aviões eram lentos, mas a velocidade não é o que importa num caça noturno, desde que seja rápido o suficiente para alcançar os bombardeiros; muito mais importante é a necessidade de fornecer uma plataforma estável para o canhão e espaço para a tripulação do Funker [operador de rádio]... Eles tinham a liberdade de vagar à vontade pelos céus noturnos, voar perto do esquadrão de bombardeiros, usar os radares e controlo de solo para primeiro localizar o esquadrão e depois encontrar bombardeiros individuais. (págs. 148 & 286)"
Durante as operações noturnas, por vezes os Ju 88s voavam em pares, com um avião um pouco à frente do outro e com as luzes da cabine acesas. O segundo avião seguia sem luzes, e desta forma, enquanto as aeronaves inimigas eram atraídas para o Ju 88 que seguia à frente, o detrás poderia atacar sem ser detectado. Para torná-los mais invisíveis ao inimigo, os caças noturnos Ju 88 geralmente recebiam camuflagem escura e, frequentemente, tinham as marcações nacionais e números de esquadrão pintados.
A partir de 1941, o Ju 88 passou a ser usado mais como bombardeiro de voo picado do que como bombardeiro de nível, geralmente, descia em direção ao alvo num ângulo de 45 graus e lançava as bombas com um alto grau de precisão e alguns estavam equipados com foguetes para serem usados como caça-tanques.
Outra variação do Ju 88 como bombardeiro recebeu o nome de código "Beethoven": usavam Ju 88 inoperáveis como mísseis teleguiados, ao carregá-los com explosivos e fixando um caça na fuselagem superior usando suportes. O caça pilotava a desajeitada carga até perto do alvo pretendido e libertava-a para que a mesma continuasse a voar até ao alvo. Estas bizarras aeronaves eram chamadas de compostos Ju 88 Mistel (Mistel a palavra alemã para o visco, 'Viscum album', um arbusto verde que parasita as árvores). A primeira missão usando os Mistels ocorreu no verão de 1944, aquando do ataque a uma frota de quatro navios aliados. Todos os quatro alvos foram atingidos e danificados (embora nenhum tenha afundado). Foram construídos cerca de 250 Mistels, cujo os alvos favoritos foram as pontes.
Noutros teatros de guerra, onde a disputa pelos céus não era tão acirrada, quanto o foi sobre a Grã-Bretanha, o Ju 88 brilhou: o bombardeiro foi utilizado em várias campanhas no Mediterrâneo, como Creta e Malta; e integrou o Afrika Korps no Norte da África, voou na Itália, Romênia e na Frente Oriental contra a Rússia. Foram construídos um total de 14.676 Junkers Ju 88 ao longo da guerra.