A Convenção Constitucional (também chamada Convenção da Filadélfia) foi realizada no Salão da Independência na Filadélfia, no estado norte-americano da Pensilvânia, de 25 de maio a 17 de setembro de 1787. Pressionados pelos problemas econômicos deixados pela Revolução Americana, agravados pelos ineficazes Artigos da Confederação, os delegados de doze estados se encontraram para rascunhar um novo modelo de governança, a Constituição dos Estados Unidos, que estabeleceu um governo federal mais forte.
Antecedentes
Em março de 1781, após a ratificação por todos os treze estados, os Artigos da Confederação entraram em vigor como um modelo de governança para os recém-formados Estados Unidos. De acordo com aquele arcabouço legal, cada estado funcionava essencialmente como uma república semi-independente, relacionando-se uns com os outros através de uma "união perpétua" sem rigidez. O governo federal - que, na época, consistia somente no Congresso unicameral - foi mantido essencialmente frágil para garantir a soberania e independência dos estados. Os únicos poderes reais do Congresso residiam nos assuntos de guerra e relações exteriores e, mesmo assim, a instituição precisava do consentimento de no mínimo nove estados antes que pudesse declarar guerra ou pedir empréstimos fora do país. Os legisladores acreditavam que precisavam manter um governo federal mais frágil para proteger os direitos e liberdades dos cidadãos americanos; sua recente experiência com o Parlamento britânico parecia sugerir que uma autoridade central poderosa não hesitaria em colocar em risco esses direitos. Mas não demorou muito para que se tornasse claro que governos frágeis resultavam em novos problemas tão perigosos quanto a perda de direitos.
O problema mais evidente estava na impossibilidade da criação de impostos federais. Em vez de arrecadar seus próprios recursos, o Congresso dependia de doações dos estados para preencher o tesouro nacional. Mas, especialmente após os estados começarem a focar em seus próprios interesses, após o fim da Guerra Revolucionária Americana, estas doações deixaram de ser feitas de maneira consistente. Isso deixou o Congresso sem recursos para pagar os soldados federais ou cumprir suas obrigações financeiras. Além disso, o Congresso não tinha poderes para obrigar os estados a enviar dinheiro ou cumprir a legislação federal.
Várias tentativas de emendar os Artigos para permitir que o Congresso arrecadasse dinheiro por meio de tarifas foram vetadas pelos estados. Além disso, a falta de uma política externa unificada deixou o Congresso despreparado para lidar com potências estrangeiras. A Grã-Bretanha, a França e a Espanha impuseram restrições ao comércio americano, contra as quais o governo federal não podia retaliar. Por fim, Congresso mostrou-se incapaz de responder adequadamente à Rebelião de Shays, que eclodiu no oeste de Massachusetts no final de 1786. Ainda que a rebelião tenha sido eventualmente suprimida por forças militares financiadas pelo setor privado, isso levou a temores de que futuras insurreições não fossem contidas tão facilmente.
Por essas e outras razões, muitos americanos se convenceram de que os Artigos da Confederação não estavam funcionando e que, a menos que este dispositivo legal fosse revisado, os Estados Unidos não tardariam a se dissolver. Essa realidade estava bem presente na mente dos delegados que se reuniram em Anápolis, Maryland, em 11 de setembro de 1786. Representando cinco estados (Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia, Delaware e Virgínia), os delegados pretendiam apenas discutir o comércio interestadual. Mas, à medida que a discussão abordava outras questões, relacionadas aos problemáticos Artigos da Confederação, os delegados perceberam que algo drástico precisava ser feito. No relatório final ao Congresso, redigido por Alexander Hamilton, delegado de Nova York, os participantes da reunião propuseram que uma convenção constitucional fosse realizada na Filadélfia, no mês de maio seguinte, para discutir a revisão dos Artigos. Em 21 de fevereiro de 1787, o Congresso endossou as sugestões da Convenção de Anápolis e declarou que elaboraria um relatório sobre as alterações necessárias. No fim das contas, doze dos treze estados decidiram enviar delegados para a Convenção Constitucional – Rhode Island, que não via nada de errado com os Artigos da Confederação, recusou-se a enviar delegados.
Começa a Convenção
Em 3 de maio de 1787, James Madison, da Virgínia, chegou à Filadélfia, várias semanas antes do início da convenção. Um homem baixo e esguio, com voz débil, Madison exerceria uma grande influência nos meses a seguir. Os demais delegados da Virgínia logo chegaram à cidade. Eles incluíam Edmund Randolph, herdeiro de uma família antiga e distinta e que, na época, governava o estado; George Mason, autor da Declaração de Direitos da Virgínia, bem como outros cidadãos proeminentes, como George Wythe, John Blair e James McClurg. Nas semanas que antecediam à convenção, esses virginianos, reunidos numa casa alugada por Madison, mantiveram-se ocupados na elaboração de uma proposta preliminar, enquanto as delegações dos demais estados chegavam aos poucos à Filadélfia.
No final das contas, 55 delegados atuaram na convenção. Alguns, como Robert Morris, da Pensilvânia; John Dickinson, de Delaware; e Roger Sherman, de Connecticut, já eram figuras renomadas, que haviam feito sua reputação na política revolucionária das décadas anteriores. Em muitos casos, no entanto, tratavam-se de homens mais jovens, ainda na casa dos 30 ou 40 anos, estrelas em ascensão no cenário político de seus próprios estados e ansiosos para firmar suas reputações em nível nacional; Madison e Hamilton destacavam-se nesse grupo. Entre os delegados estava uma lenda viva, o polímata de 81 anos Benjamin Franklin, cuja participação nos debates ficou limitada pela saúde debilitada. O mais esperado de todos, porém, chegou no dia 13 de maio, saudado pelo badalar de sinos e aplausos das multidões. Tratava-se, é claro, do general George Washington, que, contra todas as probabilidades, levara o Exército Continental à vitória na Revolução. O mais reverenciado de seus compatriotas, Washington inicialmente hesitou em deixar sua casa em Mount Vernon, mas foi persuadido a comparecer por Madison, que supôs corretamente que a presença do general daria o peso necessário aos procedimentos.
A Convenção iniciou oficialmente seus trabalhos no dia 25 de maio, após alcançar o quórum necessário. Nos primeiros quatro dias, Washington foi eleito presidente e William Jackson escolhido como secretário. Os delegados concordaram em seguir um conjunto de normas estabelecido por George Wythe, Alexander Hamilton e Charles Pinckney, segundo o qual cada delegação estadual teria direito a um único voto em qualquer proposta. Por fim, a Convenção concordou em manter seus procedimentos em segredo até a conclusão dos trabalhos. Com estes parâmetros definidos, a Convenção estava pronta para iniciar os debates.
O Plano da Virgínia
Em 29 de maio, Edmund Randolph apresentou o Plano da Virgínia, composto por 15 resoluções que proporcionavam um esboço para a revisão completa do governo federal. Essas resoluções incluíam o estabelecimento de uma "legislatura nacional", composta por duas câmaras: os representantes da câmara baixa seriam eleitos diretamente pelo povo, enquanto a câmara alta seria selecionada pela câmara baixa. Esta legislatura nacional teria o poder de elaborar leis "em todos os casos em que os estados separados fossem incompetentes ou no caso em que a harmonia dos Estados Unidos pudesse ser interrompida pelo exercício de legislação individual", além de exercer o poder de veto sobre leis estaduais (Middlekauff, 649). Também seriam criados o sistema judiciário nacional e o poder executivo federal, com membros escolhidos pelos legisladores nacionais. De maneira significativa, o Plano da Virgínia também estipulava que o número de representantes de cada estado nesta poderosa legislatura nacional seria determinada pelo seu tamanho, mensurado tanto pela população de "habitantes livres" quanto pelo volume de impostos arrecadados.
O Plano da Virgínia, portanto, expandia muito o poder do governo federal e colocava mais influência nas mãos dos maiores estados. Não é de se surpreender, então, que as delegações da Virgínia, Pensilvânia e Massachusetts – estados que reuniam quase metade de toda a população de cidadãos americanos livres – apoiassem a proposta, enquanto Delaware, Nova Jersey, Connecticut e Maryland se opusessem. Em 30 de maio, formou-se um comitê para revisar o Plano da Virgínia item por item. Liderado por Gouverneur Morris, da Pensilvânia, o comitê aceitou a divisão do governo federal em poderes executivo, legislativo e judicial. Também concordou que o Congresso deveria ser dividido em um órgão legislativo bicameral e tomou o Parlamento britânico como modelo – os eleitores escolheriam pelo voto popular a câmara baixa, a House of Representatives [equivalente à Câmara dos Deputados], enquanto que a câmara alta, o Senado, seria um órgão menor e mais seletivo, composto por cavalheiros da classe alta.
O Plano da Virgínia continha vários aspectos que o comitê achava necessário debater. A natureza do cargo do executivo tornou-se o primeiro item em discussão: deveria consistir num único indivíduo ou um conselho? Randolph rejeitava a ideia de um único executivo, argumentando que se aproximava demais da monarquia. Essas preocupações foram apaziguadas por James Wilson, um delegado escocês da Pensilvânia, com o argumento de que "um magistrado único não é um rei", destacando ainda que todos os estados já tinham executivos unitários na forma de seus governadores estaduais (Middlekauff, 651). Os delegados então decidiram, por 7 votos a 3, a favor da criação de um único cargo executivo, logo chamado de Presidente. Em 4 de junho, o comitê analisou o judiciário e votou a favor da criação de um tribunal nacional que supervisionasse vários tribunais inferiores, com juízes nomeados pelo Congresso. O debate sobre o principal ponto de discórdia em relação ao Plano da Virgínia - a questão da representação estadual -, acabou sendo adiado, mas o comitê apresentou o restante de suas conclusões aos demais membros da Convenção no dia 13 de junho.
O Plano de Nova Jersey
Após ouvir a revisão do Plano da Virgínia, os delegados destacaram duas questões para debates mais aprofundados. A forma de escolha dos representantes do Legislativo entrou em pauta, já que muitos delegados expressavam preocupação com o voto popular. Roger Sherman argumentou que as eleições gerais tornariam os governos estaduais irrelevantes, enquanto Elbridge Gerry, de Massachusetts, temia o governo da multidão, alertando que "os males que experimentamos fluem do excesso de democracia" (Middlekauff, 652). Também em pauta estava, naturalmente, a questão da representação proporcional, que favorecia os interesses dos estados maiores em detrimento dos menores. No dia 14 de junho, William Paterson, de Nova Jersey, ergueu-se e solicitou o adiamento dos trabalhos para que os delegados pudessem elaborar um plano "puramente federal". Firmou-se um acordo e, no dia seguinte, 15 de junho, Paterson apresentou seu próprio esboço, que logo seria conhecido como Plano de Nova Jersey.
Escrito em conjunto com delegados de Delaware e Maryland, o Plano de Nova Jersey mantinha o Congresso como uma assembleia unicameral, na qual cada estado tinha representação igualitária, independente do tamanho. Haveria um executivo plural, em vez de unitário, que nomearia um judiciário com poderes limitados. Mas, apesar dessas alterações, o Plano de Nova Jersey ainda requeria uma ampliação dos Artigos da Confederação; a legislação do Congresso seria a "lei suprema da terra", e os executivos federais teriam o poder de obrigar os estados a obedecer (Middlekauff, 653). Durante o resto de junho, os delegados debateram calorosamente o plano de Paterson, particularmente em relação à representação igualitária; Madison ressaltou que a própria Nova Jersey poderia um dia se arrepender da representação igualitária, já que novos estados deveriam emergir do oeste ainda não colonizado. Ao conceder a esses estados a mesma autoridade enquanto ainda possuíam pequenas populações, Madison temia a ascensão de uma minoria tirânica, que "poderia criar a lei para o todo" (Middlekauff, 654). Numa votação realizada no dia 19 de junho, os delegados finalmente rejeitaram o Plano de Nova Jersey. Tendo escolhido o Plano da Virgínia, restou aos delegados trabalhar nos detalhes para que se tornasse aceitável a todos.
O Acordo de Connecticut e o Acordo de Três Quintos
Mesmo após rejeitar a proposta de Nova Jersey, os delegados permaneciam num impasse sobre a questão da representação. Os ânimos esquentaram e houve quem ameaçasse abandonar a convenção. Recaiu sobre os delegados de Connecticut – Oliver Ellsworth, Roger Sherman, and William Samuel Johnson – a tarefa de elaborar um meio termo. Ellsworth assinalou que, sob a confederação existente, cada estado parecia uma república soberana; pedir aos estados menores que abandonassem a representação igualitária seria abrir mão de sua soberania. Ao mesmo tempo, fazia sentido que a representação proporcional exercesse algum papel no governo federal. "Estamos indo de um extremo a outro", afirmou. "Estamos destruindo as fundações do prédio, quando só precisamos fazer reparos no telhado" (Middlekauff, 657).
A solução proposta pelos delegados de Connecticut – conhecida como Acordo de Connecticut ou Grande Acordo – foi a seguinte: a House of Representatives seria escolhida por representação proporcional, enquanto o Senado aderiria à igualdade estadual. A proposta agradou aos pequenos estados, mas os maiores ficaram insatisfeitos. Wilson continuou argumentando em favor da proporcionalidade total, indagando: "Para quem estamos formando um governo? É para os homens ou para os seres imaginários chamados Estados?" (Middlekauff, 658). Madison foi adiante nesse argumento, assinalando que a soberania dos estados nunca seria completa, já que deviam subserviência ao Congresso. Uma votação sobre o acordo, realizada no dia 2 de julho, resultou num empate de cinco a cinco: os representantes da Geórgia estavam divididos sobre o tema e os de Nova York tinham ido para casa.
Para examinar ainda mais a questão da representação, formou-se então uma 'Grande Comissão', composta por um delegado de cada estado. Seus membros foram escolhidos por votação: Paterson e Ellsworth, campeões declarados dos estados menores, foram selecionados, enquanto Madison e Wilson, os defensores mais expressivos dos grandes, ficaram de fora. Após um recesso de três dias devido ao feriado de Quatro de Julho, a Grande Comissão concordou que os estados teriam representação igualitária no Senado, cada um dos quais com três senadores (posteriormente reduziu-se este número para dois). No que se referia à proporcionalidade, decidiu-se que um membro da House of Representatives seria escolhido para cada 40.000 habitantes e a Câmara teria autoridade exclusiva para originar projetos de lei que tratassem de arrecadação.
Quando a Grande Comissão apresentou esse plano à Convenção, no dia 5 de julho, havia uma questão gritante que não podia ser ignorada: como se considerariam os escravos em relação à população? Um dos representantes da Carolina do Sul, Charles Cotesworth Pinckney, defendeu que os escravos deveriam ser levados em conta, já que geravam grande parte da riqueza dos estados. Isso, naturalmente, garantiria mais representação aos estados do Sul, como Carolina do Sul e Geórgia, que tinham grandes populações de pessoas escravizadas. Os nortistas resistiram a essa noção, mas, para evitar alienar completamente os estados do sul, ofereceram um Acordo de Três Quintos, pelo qual três quintos da população escravizada seriam levados em conta. Com esta proposta aceita, o Acordo de Connecticut foi adotado no dia 16 de julho.
Elaborando a Constituição
No dia 26 de julho, houve um adiamento na Convenção para que um comitê escrevesse o primeiro rascunho da Constituição. Liderado por John Rutledge, o comitê apresentou seu projeto quando a Convenção se reuniu novamente, no dia 6 de agosto. Para a decepção de Madison, o comitê eliminou o dispositivo que permitia ao governo nacional vetar as leis estaduais, mas, em termos gerais, aderiu à estrutura do governo recomendada pelo Plano da Virgínia e revisada pelo Acordo de Connecticut. Houve mais debates sobre o rascunho final, porém, e os delegados sulistas defenderam uma cláusula que protegeria indefinidamente o comércio de escravos. A proposta enfrentou resistência dos nortistas e ficou decidido que o Congresso não tentaria proibir o comércio de escravos antes de 1808. Este acordo deixou um gosto amargo na boca de muitos delegados, que desejavam acabar com a escravidão de uma vez por todas. Madison resumiu a opinião de muitos ao declarar que "por maior que seja o mal [da escravidão], o desmembramento da União seria pior" (Middlekauff, 666).
Em 31 de agosto, a Convenção formou um Comitê sobre Questões Adiadas, para tratar de temas ainda em aberto. Esse comitê reduziu o mandato presidencial de sete para quatro anos e decidiu que o presidente seria escolhido por um Colégio Eleitoral, em vez de diretamente pelo voto popular. Também criou o cargo de vice-presidente, cujas únicas funções específicas consistiam em presidir o Senado e emitir votos de desempate. Importantes poderes anteriormente atribuídos ao Senado, como a elaboração de tratados e a nomeação de embaixadores, foram transferidos para o presidente. No dia 8 de setembro, outro comitê começou a redigir o esboço definitivo. Gouverneur Morris fez a maior parte do trabalho nesta revisão e, portanto, passou a ser considerado como o principal autor da Constituição.
Pouco antes de o documento ser assinado, no dia 17 de setembro, surgiu uma proposta de redução de tamanho dos distritos congressionais; numa de suas únicas contribuições para o debate, Washington expressou seu apoio e a medida foi adotada. Treze delegados recusaram-se a assinar, incluindo George Mason, Elbridge Gerry e Edmund Randolph; ainda que Randolph tenha sido um dos autores do Plano da Virgínia, ele alegou que desaprovava a concentração de poderes no governo federal, mas seus detratores afirmaram que estava apenas tentando salvar sua carreira política. Os demais 39 delegados afixaram suas assinaturas na Constituição sem contestações adicionais.
Conclusão
Após a Convenção, a Constituição foi enviada para os estados para ratificação. Isso gerou ferozes debates entre os apoiadores da ratificação, chamados Federalistas, e os opositores, os Antifederalistas; um argumento comum destes últimos era que a Constituição dava poder demais ao governo federal, sem garantia de liberdades individuais. Ainda assim, a Constituição acabou sendo ratificada pelos nove estados necessários em junho de 1788, entrando em vigor no mês de março seguinte. Para acalmar as preocupações dos antifederalistas, uma Carta de Direitos foi adicionada em 1791. A Constituição elaborada e assinada na Filadélfia em 1787 permanece em vigor atualmente, com a inclusão de 27 emendas ao longo do tempo.