
O Tratado de Jay, formalmente conhecido como o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, Entre sua Majestade Britânica e os Estados Unidos da América, foi um tratado controverso assinado pelos representantes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha em novembro e 1794. Ele buscava resolver questões pendentes desde a Guerra de Independência dos Estados Unidos (1765-1789) e estabelecer o comércio entre as duas nações.
No período em que o tratado foi assinado, os Estados Unidos pareciam estar à beira de uma guerra com a Grã-Bretanha. Crendo que os Estados Unidos estariam renegando os acordos feitos no Tratado de Paris, o Reino Unido se recusou a evacuar suas tropas de fortes no Território do Noroeste e atacaram frotas americanas nas Índias Ocidentais Francesas, confiscando por volta de 250 navios mercantes americanos e recrutando sua tripulação para o serviço na Marinha Real. Embora muitos americanos pedissem por uma guerra, o presidente George Washington (que serviu entre 1789 e 1797) acreditava que a jovem república ainda não estava suficientemente forte para suportar outra guerra com os britânicos. Em vez disso, ele enviou John Jay, Presidente da Suprema Corte americana, para negociar um tratado que, esperava-se, evitaria um conflito armado.
Jay foi bem-sucedido em evitar a guerra, e até mesmo conseguiu fortalecer laços comerciais com o Reino Unido. Os Estados Unidos conseguiram o status de "nação mais favorecida" em portos britânicos, e mercadores americanos receberam direitos limitados de comércio nas Índias Ocidentais Britânicas. Entretanto, o tratado deixou a desejar em diversos sentidos, já que na maior parte não protegia navegantes americanos de futuros recrutamentos. Mas o aspecto mais controverso foi que o tratado criava laços políticos e econômicos fortes entre Estados Unidos e Reino Unido, algo que muitos americanos temiam conduzir ao ressurgimento da aristocracia nos EUA. Revoltas eclodiram em várias cidades, e a imagem de Jay era frequentemente queimada em público. Mesmo o Presidente Washington foi abusado pela imprensa. Uma nova facção política, o Partido Democrata-Republicano, emergiu para combater o crescente poder do partido pró-britânicos, o Partido Federalista. A França Revolucionária, enquanto isso, interpretava o Tratado de Jay como uma aliança anglo-americana e começou a atacar barcos americanos, o que resultaria na breve Quase-Guerra (1798-1800).
Cenário: Ameaça de Guerra
O Tratado de Paris de 1783 pôs fim à Guerra de Independência dos Estados Unidos, criando um estado de frágil e difícil paz entre o estreante Estados Unidos e seu antigo país de origem, o Reino Unido. O tratado foi em geral visto como favorável aos americanos: mais do que dobrava o tamanho dos Estados Unidos, cujas fronteiras agora se estendiam longe para o oeste, até o Rio Mississipi, e os britânicos prometeram evacuar seus soldados dessas fronteiras. Em contrapartida a essas concessões, o Reino Unido esperava que toda a dívida que tomadores de empréstimos americanos tinham pegado com britânicos antes da guerra fossem pagas e que os governos dos estados cessariam o confisco a propriedades dos lealistas (americanos que permaneceram leais à Coroa Britânica durante a revolução). Esses estavam entre os principais componentes dos dez artigos do tratado, assinado pelos representantes americanos e britânicos em 3 de setembro de 1783.
No entanto, a tinta que escrevera o tratado mal havia secado quando problemas começaram a brotar. Por muito tempo em sua curta existência, os Estados Unidos foram atormentados por dificuldades econômicas. De fato, sua recente tentativa de criar uma moeda nacional, a Moeda Continental, havia falhado após uma depreciação que a levou ao ponto de não valer nada. Os governos dos estados impunham altos impostos para começar a pagar suas pesadas dívidas de guerra, enquanto o Congresso - sob os termos dos Artigos da Confederação - não podia coletar quaisquer impostos. Com a carga dos altos impostos e da inflação, muitos devedores americanos eram incapazes de pagar seus credores britânicos em tempo hábil. Além disso, muitos governos estaduais detestavam a ideia de ter piedade dos lealistas, que eram vistos como traidores. Poucos foram compensados pelas propriedades que haviam sido confiscadas durante a Guerra de Independência, com alguns estados dando continuidade à política de confisco a propriedades lealistas. O Reino Unido apresentou esses dois exemplos como evidência de que os Estados Unidos não estavam cumprindo sua parte no acordo. Em retaliação, o Reino Unido manteve guarnições de tropas em uma série de fortes na região dos Grandes Lagos, que foram cedidos aos Estados Unidos no tratado. Quando os EUA reclamaram, o Reino Unido prometeu que de fato evacuaria as tropas como prometido, mas só se os americanos pagassem todas as suas dívidas.
Tensões entre ambas as nações continuaram a ferver pela próxima década. Então, em fevereiro de 1793, o Reino Unido declarou guerra à França Revolucionária. Até este momento, a Revolução Francesa estava em pleno andamento. Uma República Francesa havia sido proclamada, o Rei Luís XVI da França havia perdido sua cabeça, e centenas de milhares de soldados-cidadãos franceses eram despejados pela Europa para entregar a liberdade, a igualdade e a fraternidade pela ponta de suas baionetas. Muitos americanos logo apoiaram a França Revolucionária, usando laços tricolores, cantando músicas da revolução e abrindo clubes políticos chamados de sociedades Democráticas-Republicanas, onde brindavam à Revolução Francesa e denunciavam a aristocracia. O Presidente George Washington, no entanto, era mais hesitante em oferecer apoio aos revolucionários. Um ato desse nível certamente levaria os Estados Unidos a um conflito com o Reino Unido, conflito para o qual Washington sabia que não estavam preparados. Em vez disso, ele emitiu a Proclamação de Neutralidade em 22 de abril de 1793, na qual prometia manter os Estados Unidos fora das Guerras Revolucionárias Francesas.
Não demorou muito para o Reino Unido desprezar essa neutralidade. Sem oferecer sequer um aviso, navios britânicos começaram a confiscar navios mercantes americanos nas Índias Ocidentais Francesas, considerando qualquer navio com carga francesa como um prêmio válido. No curso do ano seguinte, cerca de 250 navios americanos foram capturados e suas tripulações convocadas a servir na Marinha Real.
Ao mesmo tempo, os britânicos usaram seus fortes na região dos Grandes Lagos para apoiar a Confederação do Noroeste, uma coalizão frouxa de nações nativas que estavam em guerra com os Estados Unidos. Esses atos flagrantes de agressão não podiam ser ignorados. Muitos americanos, particularmente aqueles associados às sociedades Democráticas-Republicanas, começaram a clamar por uma guerra. Outros americanos não eram tão precipitados. O Partido Federalista, facção política nacionalista liderada por Alexandre Hamilton, estava aterrorizado pelo caos e derramamento de sangue da Revolução Francesa e não queria que os Estados Unidos entrassem debaixo da influência da Revolução Francesa. Ao contrário, os federalistas viam os britânicos como aliados naturais dos Estados Unidos. Eles criam que laços fortes com a antiga metrópole eram vitais para a sobrevivência dos Estados Unidos. Influenciado por esses federalistas, e ainda desejosos por evitar uma guerra, o Presidente Washington concordou em enviar um emissário a Londres com boas expectativas de alcançar um acordo e afastar os dois países da beira do precipício.
O Tratado
O homem escolhido por Washington foi John Jay, presidente da Suprema Corte americana. Jay era certamente um forte candidato para a tarefa. Ele tinha décadas de experiência diplomática, tendo ajudado a negociar o Tratado de Paris, e tendo servido como Ministro de Relações Exteriores dos EUA durante os anos 1780. Agora, ele havia sido instruído não apenas a evitar uma guerra com o Reino Unido, mas também estabelecer laços comerciais mais fortes. Instruções específicas lhe foram dadas por Hamilton, nas quais seus vários objetivos foram delineados. Entre elas, Jay deveria fazer o Reino Unido evacuar os fortes localizados em território americano, fazer parar os confiscos de navios americanos e os maus tratos aos marinheiros americanos, e reabrir as Índias Ocidentais Britânicas ao comércio com os EUA. Vários interesses do sul também queriam que Jay obtivesse uma recompensa financeira pelos escravos que haviam sido evacuados pelos britânicos ao final da Guerra de Independência. Era uma instrução grande, especialmente porque Jay basicamente não tinha com o que negociar.
Ele chegou em Londres ao final o outono de 1794 e encontrou com sua contraparte, o Secretário de Relações Exteriores William Wyndham Grenville. Os dois homens passaram um tempo elaborando os detalhes do tratado antes de finalmente pôr a tinta no papel, em 19 de novembro de 1794. Jay deve ter dado um suspiro de alívio quando o tratado foi assinado, já que ele havia cumprido sua principal tarefa, evitando a guerra. Ele teve algumas outras vitórias: o Reino Unido mais uma vez concordava em abandonar os fortes na região dos Grandes Lagos e garantia aos Estados Unidos o status de "nação mais favorecida" em portos britânicos. O Reino Unido até mesmo concordou em abrir as Índias Ocidentais Britânicas para comércio com os EUA, embora limitado a navios mercantes de 70 toneladas ou menos. Todas as outras questões pendentes - incluindo a compensação para mercadores americanos que tiveram navios tomados e a questão das dívidas pré-guerra - foram entregues a comissões de arbitragem conjuntas. Jay, ardente abolicionista, não pressionou sobre o assunto da compensação aos proprietários de escravos. Ainda mais significativo, no entanto, foi ele ter falhado em negociar uma previsão que evitasse novos confiscos de navios dos EUA ou a convocação de seus marinheiros. Essa questão voltaria a assustar os EUA e seria uma das principais causas da Guerra de 1812.
Ratificação e Controvérsia
Em vez de enfrentar o risco das tempestades de inverno no Atlântico Norte, Jay optou por permanecer em Londres vários meses a mais, mas ele enviou uma cópia do tratado antes dele. A cópia chegou à mesa do presidente em março de 1795. Imediatamente após a leitura, Washington sabia que ele seria muito divisivo, e garantiu que o conteúdo permanecesse confidencial até que o Senado pudesse votar. Em 8 de junho de 1795, um encontro especial do Senado foi convocado para examinar o tratado. Muitos senadores hesitaram com as cláusulas, que chegavam a perigosamente colocar os EUA de volta sob a esfera de influência britânica. Mesmo um federalista tão ardente quanto Hamilton aparentemente se referiu ao tratado como "execrável" e "o tratado de uma velha" em particular (Chernow, 484). Mas, no entanto, embora com detalhes indesejados, o Tratado de Jay cumpria os objetivos federalistas de fortalecer laços políticos e econômicos com o Reino Unido. O tratado também praticamente garantia que os americanos pudessem negociar em qualquer parte do mundo sob a proteção da poderosa Marinha Britânica.
Um árduo debate no Senado estourou por duas semanas antes que o Tratado de Jay fosse finalmente ratificado em 24 de junho. Ainda que seu conteúdo permanecesse um segredo ao público, isso não durou muito tempo. Um senador descontente logo vazou o tratado para um jornal da Filadélfia, que logo imprimiu o texto completo em 1 de julho. O efeito, nas palavras de James Madison, foi como "uma velocidade elétrica" que se espalhou para "toda parte da União" (ibid). Muitos americanos criam que o republicanismo logo seria minado por uma nova influência britânica e acusaram Hamilton, Jay e outros federalistas de serem traidores que estavam sacrificando as liberdades americanas para uma aristocracia pró-britânica. Revoltas eclodiram em Nova York, Boston e Filadélfia e, em Charleston, os revoltosos queimaram publicamente a bandeira do Reino Unido. Em Manhattan, Hamilton foi apedrejado ao tentar dar um discurso em defesa do tratado, enquanto outros revoltosos cercaram a residência de Washington na Filadélfia, demandando que ele declarasse guerra à Inglaterra. Os oponentes dos federalistas ficaram ainda mais livres para falar sobre seu sentimento pró-França, levando à emergência de uma nova facção política. O Partido Democrático-Republicano, liderado por Thomas Jefferson e James Madison, levantou-se para resistir às políticas aristocráticas dos federalistas e para preservar o republicanismo nos EUA.
Inicialmente, grande parte do ódio dos revoltosos estava direcionado a Jay. "Maldito seja John Jay", seguia o refrão popular "malditos todos que não maldizem John Jay. Malditos todos que não coloquem luz nas janelas e não passem a noite maldizendo John Jay" (ibid). Por todo aquele verão, imagens de Jay foram queimadas pelo país. De fato, Jay certa vez brincou que ele poderia caminhar por toda a estrada entre Boston e Filadélfia numa noite sem luar, guiado apenas pela luz que emanava de suas imagens queimando. Mas quando o presidente George Washington assinou o tratado em agosto de 1795, parte do amargor popular voltou-se também contra ele. O presidente era ridicularizado, chamado desde monarquista, a um militar incompetente, a um "usurpador com intenções sombrias" (Wood, 198). Charges apareciam em jornais Democrático-Republicanos zombando de Washington, sendo enviado à guilhotina, ao passo que alguns revoltosos pediam um processo de impeachment.
Washington ficou por certo surpreso e decepcionado pela virada na opinião pública, mas uma traição maior ainda estava por vir. A Câmara dos Deputados ainda tinha que votar a destinação dos fundos que cumpririam o tratado, levando a um amargo debate de dois meses que tinha o potencial de matar o tratado na fonte. A facção Democrático-Republicana era liderada por James Madison, que demandava que Washington entregasse os documentos relacionados ao tratado. O presidente se recusou e, em vez disso, disse à Câmara que ela não tinha autoridade sobre a confecção de tratados e que tais poderes restavam apenas nas mãos do presidente e do Senado. Finalmente, em 29 de abril de 1796, a Câmara dos Deputados concordou em financiar o tratado, após um empate de 48 votos a 48 ser quebrado pelo voto de minerva do então presidente da casa. Washington ficou profundamente decepcionado pela forma como foi tratado por Madison, que havia sido um amigo e aliado confiável. Ele nunca mais falaria com Madison.
Consequências
O Tratado de Jay teve muitas consequências, algumas imediatas e outras de longo prazo. A controvérsia sobre o documento contribuiu muito para aumentar o facciosismo mordaz que já tinha começado a se enraizar nos Estados Unidos. Ele abriu firmemente um abismo entre partido federalista pró-britânico contra o antiaristocrático e pró-francês partido Democrata-Republicano, o que ajudou a modelar o chamado "primeiro sistema partidário" da história política dos EUA. Além disso, a controvérsia tinha cobrado seu preço do próprio Washington, que sempre havia tido uma forte preocupação com sua reputação. A reação ao tratado, combinada com a preocupação com sua idade e com questões de saúde, levaram Washington a decidir não retornar para um terceiro mandato, uma das decisões mais importantes já tomadas por um presidente americano.
Como os Democratas-Republicanos, os franceses foram incendiados pelo Tratado de Jay, que eles interpretaram como uma aliança anglo-americana. Ao final de 1796, corsários franceses começaram a atacar navios americanos, capturando qualquer mercador suspeito de carregar material britânico. Assim como dois anos antes, cerca de 300 navios americanos foram capturados e marinheiros americanos receberam maus tratos. O novo presidente, John Adams, esperava emular o sucesso do Tratado de Jay enviando diplomatas a Paris para negociar um tratado. Mas quando lá chegaram, em outubro de 1797, esperava-se que pagassem uma grande propina antes mesmo de poderem se encontrar com os diplomatas franceses (disputa depois conhecida como o Caso XYZ). Ultrajados, os diplomatas retornaram aos EUA, e o presidente Adams começou a construir a marinha americana. Isso resultou num breve e não declarado conflito entre a França e os EUA chamado de a Quase-Guerra, que acabou em 1800, logo após Napoleão Bonaparte ter chegado ao poder.
Quanto ao Tratado de Jay, benefícios logo se mostraram aparentes. O Reino Unido evacuou os fortes do noroeste em 1795, e o tratado levou a dez lucrativos anos de comércio entre as duas nações signatárias, com os EUA se tornando um dos melhores consumidores britânicos. Entre 1794 e 1801, as exportações americanas para o Reino Unido triplicaram de valor. Agora protegido pela Marinha Real, navios mercantes dos EUA se aventuravam no Oceano Pacífico, penetrando mercados tão distantes quanto Índia e Indonésia. O valor das comodities americanas rapidamente aumentou, especialmente pelo fato de as Guerras Napoleônicas na Europa terem criado uma demanda por alimentos. Quando Thomas Jefferson se tornou presidente em 1801, ele não rejeitou o Tratado de Jay. No entanto, também não o renovou quando expirou em 1805, decisão que contribuiu para o ressurgimento das hostilidades entre Estados Unidos e Reino Unido, culminando na Guerra de 1812.