Primeira Revolução Agrícola

Definição

Raffaele Testolin
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 18 fevereiro 2025
Disponível : Inglês, francês
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Old World Native Plants (by Gnt, CC BY-NC-SA)
Plantas Nativas do Velho Mundo
Gnt (CC BY-NC-SA)

A Primeira Revolução Agrícola, iniciada por volta de 20-12.000 anos atrás, caracterizou-se pela emergência de sistemas agrícolas diversos em várias partes do mundo, cujo traço comum foi o uso de espécies nativas. Embora se acredite que a agricultura originou-se no Oriente Próximo, entre 12.000 e 8.000 anos atrás, houve na realidade um desenvolvimento independente em várias regiões, sempre com base nas suas respectivas espécies nativas.

O Surgimento da Agricultura

A mudança do estilo de vida dos caçadores-coletores para uma existência mais sedentária, apoiada pela agricultura, aconteceu ao longo de alguns milhares de anos, entre 20.000 e 12.000 anos atrás. Na época, a população total do planeta pode ter variado de quatro a oito milhões de pessoas, que habitavam todos os continentes, como consequência das migrações provocadas pelas glaciações e pela remodelagem dos continentes ao final da Era do Gelo.

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Ao que parece, a agricultura surgiu de forma independentes em várias regiões do mundo. As principais regiões incluem:

  • O Vale do Indo, na Índia
  • Dois centros na Ásia oriental: no Vale do Yangtzé e ao longo do Rio Amarelo, mais ao norte e leste
  • O planalto Andino, no México
  • O Oriente Próximo e o Oriente Médio
  • A costa leste do que mais tarde se tornou os Estados Unidos
  • A África Subsaariana
Em cada área, a agricultura desenvolveu-se em estreita conexão com as plantas e animais nativos da região.

Em cada área, a agricultura desenvolveu-se em estreita conexão com as plantas e animais nativos da região. As primeiras evidências de humanos cultivando plantas provêm da Papua Nova Guiné, uma área geográfica entre o Extremo Oriente e o continente australiano que é difícil de explorar até nos dias atuais. Nesta região remota, cerca de 20 mil anos atrás (talvez até antes), as pessoas começaram a cultivar bananas (Musa sp.), taro (Colocasia esculenta) e possivelmente inhame (Dioscorea). As bananas dificilmente seriam palatável nos dias atuais, com frutos pequenos e contendo muitas sementes envoltas num tecido fibroso. Mas não deixavam de ser bananas.

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Como as plantas nativas ofereciam oportunidades diferentes em cada região, os povos do sul da China domesticaram o arroz, enquanto os do norte da China cultivavam o painço. No Oriente Médio, o farro [um tipo de trigo], trigo, legumes, tâmaras, figos e possivelmente a alfarroba foram as primeiras plantas cultivadas. Nas Américas, a agricultura começou em áreas diferentes, com o cultivo de feijões e milho de um lado, batatas de outro e, mais tarde, girassóis e abóboras, respectivamente. Na África, o arroz vermelho, sorgo e milheto foram as primeiras espécies cultivadas. Pouco se sabe sobre a agricultura da Civilização do Vale do Indo, pois muitos dos principais sítios neolíticos ainda estão por ser escavados. No entanto, as fontes antigas sugerem que Alexandre, o Grande (r. 336-323 a.C.) pode ter se deparado com o cultivo de cana-de-açúcar pela primeira vez na Índia.

Melanésia (Papua Nova Guiné)

De acordo com as mais recentes pesquisas arqueológicas, os humanos chegaram à Papua Nova Guiné, provenientes do Sudeste Asiático, em algum momento entre 60.000 e 40.000 anos atrás, durante uma era glacial que reduziu significativamente o nível do mar, tornando mais fácil para os humanos se deslocarem entre as ilhas. Provavelmente tratavam-se de comunidades de caçadores-coletores que, no devido tempo, estabeleceram assentamentos permanentes, geralmente com habitações em palafitas. Essas pequenas comunidades viviam da caça e da pesca e, ao mesmo tempo, colhiam e possivelmente propagavam plantas silvestres.

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Bailem Valley, Papua New Guinea
Bailem Valley, Papua Nova Guiné
Helmut Jacob (Copyright)

Infelizmente, a exploração da península da Papua está longe de ser fácil, por várias razões. Coberta por densas florestas tropicais, a região apresenta um clima tropical úmido que se torna suportável apenas a 1.000 metros acima do nível do mar. Doenças como tuberculose, hepatite, febre tifoide e malária são generalizadas. Os nativos pertencem a diferentes grupos étnicos com suas próprias culturas, tradições e línguas. Existem várias centenas de idiomas nesta área, cujas características morfológicas podem ser explicadas pelo isolamento das comunidades, que não estão acostumadas a se encontrar com estrangeiros. Todas essas desvantagens impedem que exploradores e arqueólogos trabalhem no país.

A UNESCO incluiu os nativos entre as primeiras populações a praticar agricultura em nosso planeta e a Papua Nova Guiné foi listada como Patrimônio Mundial em 2008.

China: O Rio Amarelo e o Vale do Yangtzé

Embora a pesquisa e a atividade arqueológicas só tenham começado na China no século XX, vários milhares de locais foram explorados até agora, fornecendo evidências de assentamentos humanos significativos e generalizados. Muitos achados datam do final do Período Neolítico, com alguns anteriores a 45.000 mil anos atrás.

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Possible Agricultural Centers in Prehistoric China
Possíveis Centros Agrícolas na China Pré-Histórica
He et al. (CC BY-NC-SA)

Existiam dois principais centros de domesticação: ao norte, ao longo do curso do Rio Amarelo, numa área próxima da antiga capital Xi'an, onde o cultivo de painço, panícula [espécies caracterizadas pela inflorescência] e brássicas [gênero que inclui as couves e repolhos] desenvolveu-se lado a lado com a criação de cães, porcos e aves; e outro mais ao sul, ao longo do Vale do Yangtzé, onde o arroz era cultivado. Na verdade, os fitólitos [plantas fósseis] de arroz mais antigos encontrados ao longo do curso do Yangtzé datam de aproximadamente 13.900 anos atrás.

O Crescente Fértil

O Crescente Fértil, ou seja, a região em forma de crescente que abrange a maior parte do Oriente Médio, tem sido considerado um berço da agricultura. Essa teoria decorre da grande quantidade de achados arqueológicos na área. A domesticação de ovelhas, cabras, porcos e, possivelmente, vacas pode ter sido o primeiro passo para a vida sedentária, seguida pela domesticação de alguns cereais e leguminosas. A área se estende desde os sítios arqueológicos da antiga Jericó, na atual Palestina, até as encostas montanhosas no sul da Turquia, a sudeste até a Mesopotâmia (atual Iraque e partes do Irã), enquanto que, a nordeste, estende-se até as margens do Mar Negro e do Mar Cáspio.

Map of the Fertile Crescent
Mapa do Crescente Fértil
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

As plantas cujos restos foram encontrados nesta área incluem cereais como cevada, diferentes espécies de farro, trigo, leguminosas como ervilhas e lentilhas, além de figos, tâmaras e, possivelmente, alfarroba. Quanto aos animais, restos de porcos, cabras, ovelhas e gado foram desenterrados. Também se encontraram restos de cães que, provavelmente, teriam sido domesticados para a caça e não para alimentação.

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Mesoamérica

O Vale de Oaxaca, no sul do México, é tradicionalmente considerado o local onde ocorreu a domesticação do milho, a partir do teosinto, seu progenitor selvagem. A combinação de achados arqueológicos e dados moleculares sugere que a domesticação ocorreu há cerca de 9.000 anos. É provável que o milho tenha se espalhado do planalto, a mais de 1.800 metros acima do nível do mar, para os vales e, a partir daí, em direção à América do Sul, principalmente ao longo da costa oeste. A domesticação dos feijões parece ser muito mais recente, remontando a cerca de 4.000 anos atrás.

América do Sul: Peru e Cordilheira dos Andes

Os habitantes do Peru meridional domesticaram a batata há cerca de 7.000 anos.

Descobriram-se sítios arqueológicos relevantes ao redor do Lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, e no Arquipélago de Chiloé, no Chile. A batata, o feijão comum e o feijão-de-lima foram cultivados nessas áreas. Aparentemente, a domesticação da batata ocorreu a partir da espécie Solanum brevicaule, no sul do Peru, há cerca de 7.000 anos. Em seguida, disseminou-se para o norte e para o sul, até as costas ocidentais da Patagônia (Chile e Argentina), adaptando-se a fotoperíodos [ciclos de exposição à luz] mais longos, uma evolução fundamental que possibilitou a difusão bem-sucedida das batatas na Europa.

A domesticação do feijão comum e do feijão-de-lima pode ser datada de 6.000 anos atrás, mas os dados relevantes precisam de uma avaliação mais aprofundada, sobretudo no que diz respeito à área de domesticação destas duas espécies, que estão difundidas numa área que se estende da América Central à América do Sul.

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América do Norte: Costa Leste dos Estados Unidos

Plantas identificadas como pertencentes às famílias da abóbora, do girassol e do Chenopodium [quenopódio] têm sido descobertas em sítios arqueológicos ao longo da Costa Leste dos Estados Unidos. Há um debate duradouro a respeito da situação da Costa Leste como uma área de domesticação por conta própria ou meramente como cultivadora de plantas domesticadas em outros locais. Atualmente, parece que espécies como o quenopódio, abóbora e girassol foram cultivadas pela primeira vez na área entre 3.800 e 5.100 anos atrás, de acordo com a datação por radiocarbono.

A África Subsaariana

Dado que o gênero Homo originou-se na África, parece provável que os humanos praticassem as primeiras formas de agricultura naquele continente. No entanto, não há evidências para apoiar esta teoria até o momento. O assentamento mais antigo conhecido na África subsaariana, Nabta Playa, no sudoeste do Egito, que remonta a 10.000-8.000 anos atrás, apresenta restos de gado, mas não há vestígios de plantas. O mesmo pode ser dito sobre Tassili n 'Ajjmer, um planalto na área montanhosa no sudeste da Argélia, cujas numerosas esculturas e pinturas rupestres mostram principalmente cenas de caça e criação de animais. No Vale do Nilo, os assentamentos sedentários e as formas de agricultura, incluindo o cultivo de plantas, desenvolveram-se por volta de 5.000 a.C. e se tornaram bem conhecidos em todo o mundo nos últimos dois séculos, graças às pinturas encontradas nas várias tumbas do Vale dos Reis.

Threshing of Grain in Egypt
Debulha de Grãos no Egito
The Yorck Project Gesellschaft für Bildarchivierung GmbH (GNU FDL)

Os sítios arqueológicos de Ganjigana e Kursakata, no nordeste da Nigéria, trazem dados interessantes, ainda que mais recentes. As plantas domesticadas encontradas nestes locais são o arroz africano (Oryza glaberrima), painço e sorgo. O arroz africano é uma das duas espécies de arroz cultivado. Costuma ser encontrado apenas na África, e, portanto, está muito menos difundido do que a outra espécie, Oryza sativa, típica da Ásia. Acredita-se que tenha sido domesticado há cerca de 2.500 anos ao longo das margens do Rio Níger, numa região do atual Mali.

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Conclusão

As pesquisas adicionais e exploração de novos locais de cultivo neolíticos certamente aumentarão nosso conhecimento neste campo. Vestígios do cultivo de mandioca e abóbora, datados de 10.000 anos atrás, foram recentemente encontrados na Amazônia boliviana. Essas formas de agricultura desenvolveram o cultivo de espécies nativas dessas áreas; havia poucas inovações, principalmente devido à troca de produtos locais com áreas limítrofes de clima semelhante e à domesticação de várias novas espécies. Esta situação estendeu-se até o século XVI.

Após a colonização europeia das Américas, com o chamado Intercâmbio Colombiano, espécies como batata, milho, algodão, cana-de-açúcar, bananas, chá, café e cacau, entre outras, foram retiradas das áreas geográficas em que evoluíram e transferidas para diferentes partes do mundo, resultando na criação de uma agricultura globalmente padronizada, na qual alguns alimentos básicos e de luxo dominavam a nutrição humana e animal. A partir do século XVII, a mudança tornou-se imprevisível e até perturbadora. Os colonizadores transportaram espécies de um continente para outro - erradicando-as das áreas geográficas onde se adaptaram ao meio ambiente ao longo de um longo processo evolutivo - para transplantá-las em outras áreas, geralmente tomadas de povos originários. Os europeus estabeleceram o cultivo extensivo em enormes propriedades rurais, submetendo a vida de populações inteiras para atender às necessidades desse tipo de agricultura.

The “Columbian Exchange” in the 15th century
O Intercâmbio Colombiano no século XV
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

A disseminação mundial de culturas como algodão, milho, tabaco, cana-de-açúcar, banana, chá, café, cacau e borracha teve resultados positivos e negativos. Os efeitos negativos incluem o desmatamento catastrófico em vários países ao redor do mundo (Índia, Estados Unidos, América Central, Brasil, Indonésia); o comércio de escravos da África para as colônias do Novo Mundo (12,5 milhões de africanos capturados e transportados à força para as Américas); a disseminação do cultivo de ópio como forma de pagamento pelo chá da China, envolvendo mais de um milhão de pessoas; a padronização da prática agrícola; e a disseminação mundial de uma quantidade limitada de espécies alimentares.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Raffaele Testolin
Raffaele Testolin is a former professor at the University of Udine, Italy. He is an agronomist, fruit crop geneticist and expert in plant genetic resources. Passionate of scientific divulgation, he is the author of over 200 publications .

Citar este trabalho

Estilo APA

Testolin, R. (2025, fevereiro 18). Primeira Revolução Agrícola [First Agricultural Revolution]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-23975/primeira-revolucao-agricola/

Estilo Chicago

Testolin, Raffaele. "Primeira Revolução Agrícola." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação fevereiro 18, 2025. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-23975/primeira-revolucao-agricola/.

Estilo MLA

Testolin, Raffaele. "Primeira Revolução Agrícola." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 18 fev 2025. Web. 14 mar 2025.