
A Primeira Revolução Agrícola, iniciada por volta de 20-12.000 anos atrás, caracterizou-se pela emergência de sistemas agrícolas diversos em várias partes do mundo, cujo traço comum foi o uso de espécies nativas. Embora se acredite que a agricultura originou-se no Oriente Próximo, entre 12.000 e 8.000 anos atrás, houve na realidade um desenvolvimento independente em várias regiões, sempre com base nas suas respectivas espécies nativas.
O Surgimento da Agricultura
A mudança do estilo de vida dos caçadores-coletores para uma existência mais sedentária, apoiada pela agricultura, aconteceu ao longo de alguns milhares de anos, entre 20.000 e 12.000 anos atrás. Na época, a população total do planeta pode ter variado de quatro a oito milhões de pessoas, que habitavam todos os continentes, como consequência das migrações provocadas pelas glaciações e pela remodelagem dos continentes ao final da Era do Gelo.
Ao que parece, a agricultura surgiu de forma independentes em várias regiões do mundo. As principais regiões incluem:
- O Vale do Indo, na Índia
- Dois centros na Ásia oriental: no Vale do Yangtzé e ao longo do Rio Amarelo, mais ao norte e leste
- O planalto Andino, no México
- O Oriente Próximo e o Oriente Médio
- A costa leste do que mais tarde se tornou os Estados Unidos
- A África Subsaariana
Em cada área, a agricultura desenvolveu-se em estreita conexão com as plantas e animais nativos da região. As primeiras evidências de humanos cultivando plantas provêm da Papua Nova Guiné, uma área geográfica entre o Extremo Oriente e o continente australiano que é difícil de explorar até nos dias atuais. Nesta região remota, cerca de 20 mil anos atrás (talvez até antes), as pessoas começaram a cultivar bananas (Musa sp.), taro (Colocasia esculenta) e possivelmente inhame (Dioscorea). As bananas dificilmente seriam palatável nos dias atuais, com frutos pequenos e contendo muitas sementes envoltas num tecido fibroso. Mas não deixavam de ser bananas.
Como as plantas nativas ofereciam oportunidades diferentes em cada região, os povos do sul da China domesticaram o arroz, enquanto os do norte da China cultivavam o painço. No Oriente Médio, o farro [um tipo de trigo], trigo, legumes, tâmaras, figos e possivelmente a alfarroba foram as primeiras plantas cultivadas. Nas Américas, a agricultura começou em áreas diferentes, com o cultivo de feijões e milho de um lado, batatas de outro e, mais tarde, girassóis e abóboras, respectivamente. Na África, o arroz vermelho, sorgo e milheto foram as primeiras espécies cultivadas. Pouco se sabe sobre a agricultura da Civilização do Vale do Indo, pois muitos dos principais sítios neolíticos ainda estão por ser escavados. No entanto, as fontes antigas sugerem que Alexandre, o Grande (r. 336-323 a.C.) pode ter se deparado com o cultivo de cana-de-açúcar pela primeira vez na Índia.
Melanésia (Papua Nova Guiné)
De acordo com as mais recentes pesquisas arqueológicas, os humanos chegaram à Papua Nova Guiné, provenientes do Sudeste Asiático, em algum momento entre 60.000 e 40.000 anos atrás, durante uma era glacial que reduziu significativamente o nível do mar, tornando mais fácil para os humanos se deslocarem entre as ilhas. Provavelmente tratavam-se de comunidades de caçadores-coletores que, no devido tempo, estabeleceram assentamentos permanentes, geralmente com habitações em palafitas. Essas pequenas comunidades viviam da caça e da pesca e, ao mesmo tempo, colhiam e possivelmente propagavam plantas silvestres.
Infelizmente, a exploração da península da Papua está longe de ser fácil, por várias razões. Coberta por densas florestas tropicais, a região apresenta um clima tropical úmido que se torna suportável apenas a 1.000 metros acima do nível do mar. Doenças como tuberculose, hepatite, febre tifoide e malária são generalizadas. Os nativos pertencem a diferentes grupos étnicos com suas próprias culturas, tradições e línguas. Existem várias centenas de idiomas nesta área, cujas características morfológicas podem ser explicadas pelo isolamento das comunidades, que não estão acostumadas a se encontrar com estrangeiros. Todas essas desvantagens impedem que exploradores e arqueólogos trabalhem no país.
A UNESCO incluiu os nativos entre as primeiras populações a praticar agricultura em nosso planeta e a Papua Nova Guiné foi listada como Patrimônio Mundial em 2008.
China: O Rio Amarelo e o Vale do Yangtzé
Embora a pesquisa e a atividade arqueológicas só tenham começado na China no século XX, vários milhares de locais foram explorados até agora, fornecendo evidências de assentamentos humanos significativos e generalizados. Muitos achados datam do final do Período Neolítico, com alguns anteriores a 45.000 mil anos atrás.
Existiam dois principais centros de domesticação: ao norte, ao longo do curso do Rio Amarelo, numa área próxima da antiga capital Xi'an, onde o cultivo de painço, panícula [espécies caracterizadas pela inflorescência] e brássicas [gênero que inclui as couves e repolhos] desenvolveu-se lado a lado com a criação de cães, porcos e aves; e outro mais ao sul, ao longo do Vale do Yangtzé, onde o arroz era cultivado. Na verdade, os fitólitos [plantas fósseis] de arroz mais antigos encontrados ao longo do curso do Yangtzé datam de aproximadamente 13.900 anos atrás.
O Crescente Fértil
O Crescente Fértil, ou seja, a região em forma de crescente que abrange a maior parte do Oriente Médio, tem sido considerado um berço da agricultura. Essa teoria decorre da grande quantidade de achados arqueológicos na área. A domesticação de ovelhas, cabras, porcos e, possivelmente, vacas pode ter sido o primeiro passo para a vida sedentária, seguida pela domesticação de alguns cereais e leguminosas. A área se estende desde os sítios arqueológicos da antiga Jericó, na atual Palestina, até as encostas montanhosas no sul da Turquia, a sudeste até a Mesopotâmia (atual Iraque e partes do Irã), enquanto que, a nordeste, estende-se até as margens do Mar Negro e do Mar Cáspio.
As plantas cujos restos foram encontrados nesta área incluem cereais como cevada, diferentes espécies de farro, trigo, leguminosas como ervilhas e lentilhas, além de figos, tâmaras e, possivelmente, alfarroba. Quanto aos animais, restos de porcos, cabras, ovelhas e gado foram desenterrados. Também se encontraram restos de cães que, provavelmente, teriam sido domesticados para a caça e não para alimentação.
Mesoamérica
O Vale de Oaxaca, no sul do México, é tradicionalmente considerado o local onde ocorreu a domesticação do milho, a partir do teosinto, seu progenitor selvagem. A combinação de achados arqueológicos e dados moleculares sugere que a domesticação ocorreu há cerca de 9.000 anos. É provável que o milho tenha se espalhado do planalto, a mais de 1.800 metros acima do nível do mar, para os vales e, a partir daí, em direção à América do Sul, principalmente ao longo da costa oeste. A domesticação dos feijões parece ser muito mais recente, remontando a cerca de 4.000 anos atrás.
América do Sul: Peru e Cordilheira dos Andes
Descobriram-se sítios arqueológicos relevantes ao redor do Lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, e no Arquipélago de Chiloé, no Chile. A batata, o feijão comum e o feijão-de-lima foram cultivados nessas áreas. Aparentemente, a domesticação da batata ocorreu a partir da espécie Solanum brevicaule, no sul do Peru, há cerca de 7.000 anos. Em seguida, disseminou-se para o norte e para o sul, até as costas ocidentais da Patagônia (Chile e Argentina), adaptando-se a fotoperíodos [ciclos de exposição à luz] mais longos, uma evolução fundamental que possibilitou a difusão bem-sucedida das batatas na Europa.
A domesticação do feijão comum e do feijão-de-lima pode ser datada de 6.000 anos atrás, mas os dados relevantes precisam de uma avaliação mais aprofundada, sobretudo no que diz respeito à área de domesticação destas duas espécies, que estão difundidas numa área que se estende da América Central à América do Sul.
América do Norte: Costa Leste dos Estados Unidos
Plantas identificadas como pertencentes às famílias da abóbora, do girassol e do Chenopodium [quenopódio] têm sido descobertas em sítios arqueológicos ao longo da Costa Leste dos Estados Unidos. Há um debate duradouro a respeito da situação da Costa Leste como uma área de domesticação por conta própria ou meramente como cultivadora de plantas domesticadas em outros locais. Atualmente, parece que espécies como o quenopódio, abóbora e girassol foram cultivadas pela primeira vez na área entre 3.800 e 5.100 anos atrás, de acordo com a datação por radiocarbono.
A África Subsaariana
Dado que o gênero Homo originou-se na África, parece provável que os humanos praticassem as primeiras formas de agricultura naquele continente. No entanto, não há evidências para apoiar esta teoria até o momento. O assentamento mais antigo conhecido na África subsaariana, Nabta Playa, no sudoeste do Egito, que remonta a 10.000-8.000 anos atrás, apresenta restos de gado, mas não há vestígios de plantas. O mesmo pode ser dito sobre Tassili n 'Ajjmer, um planalto na área montanhosa no sudeste da Argélia, cujas numerosas esculturas e pinturas rupestres mostram principalmente cenas de caça e criação de animais. No Vale do Nilo, os assentamentos sedentários e as formas de agricultura, incluindo o cultivo de plantas, desenvolveram-se por volta de 5.000 a.C. e se tornaram bem conhecidos em todo o mundo nos últimos dois séculos, graças às pinturas encontradas nas várias tumbas do Vale dos Reis.
Os sítios arqueológicos de Ganjigana e Kursakata, no nordeste da Nigéria, trazem dados interessantes, ainda que mais recentes. As plantas domesticadas encontradas nestes locais são o arroz africano (Oryza glaberrima), painço e sorgo. O arroz africano é uma das duas espécies de arroz cultivado. Costuma ser encontrado apenas na África, e, portanto, está muito menos difundido do que a outra espécie, Oryza sativa, típica da Ásia. Acredita-se que tenha sido domesticado há cerca de 2.500 anos ao longo das margens do Rio Níger, numa região do atual Mali.
Conclusão
As pesquisas adicionais e exploração de novos locais de cultivo neolíticos certamente aumentarão nosso conhecimento neste campo. Vestígios do cultivo de mandioca e abóbora, datados de 10.000 anos atrás, foram recentemente encontrados na Amazônia boliviana. Essas formas de agricultura desenvolveram o cultivo de espécies nativas dessas áreas; havia poucas inovações, principalmente devido à troca de produtos locais com áreas limítrofes de clima semelhante e à domesticação de várias novas espécies. Esta situação estendeu-se até o século XVI.
Após a colonização europeia das Américas, com o chamado Intercâmbio Colombiano, espécies como batata, milho, algodão, cana-de-açúcar, bananas, chá, café e cacau, entre outras, foram retiradas das áreas geográficas em que evoluíram e transferidas para diferentes partes do mundo, resultando na criação de uma agricultura globalmente padronizada, na qual alguns alimentos básicos e de luxo dominavam a nutrição humana e animal. A partir do século XVII, a mudança tornou-se imprevisível e até perturbadora. Os colonizadores transportaram espécies de um continente para outro - erradicando-as das áreas geográficas onde se adaptaram ao meio ambiente ao longo de um longo processo evolutivo - para transplantá-las em outras áreas, geralmente tomadas de povos originários. Os europeus estabeleceram o cultivo extensivo em enormes propriedades rurais, submetendo a vida de populações inteiras para atender às necessidades desse tipo de agricultura.
A disseminação mundial de culturas como algodão, milho, tabaco, cana-de-açúcar, banana, chá, café, cacau e borracha teve resultados positivos e negativos. Os efeitos negativos incluem o desmatamento catastrófico em vários países ao redor do mundo (Índia, Estados Unidos, América Central, Brasil, Indonésia); o comércio de escravos da África para as colônias do Novo Mundo (12,5 milhões de africanos capturados e transportados à força para as Américas); a disseminação do cultivo de ópio como forma de pagamento pelo chá da China, envolvendo mais de um milhão de pessoas; a padronização da prática agrícola; e a disseminação mundial de uma quantidade limitada de espécies alimentares.