Creso (r. 560-546 a.C.) foi o rei da Lídia, uma região no oeste da Ásia Menor (atual Turquia), cuja impressionante riqueza originou a expressão "tão rico quanto Creso". Mais conhecido pela riqueza, ele também ficou famoso por interpretar mal uma mensagem do Oráculo de Delfos, o que levou à sua queda.
Conta-se que sua riqueza vinha do Rio Pactolo, no qual o lendário rei Midas teria lavado as mãos para se livrar do Toque de Midas (que transformava tudo o que tocava em ouro) e, ao fazê-lo, diz a lenda, tornou as areias do rio ricas em ouro. Os lídios, durante o reinado do pai de Creso, Alíates (r. c. 635-585 a.C.), foram os primeiros a cunhar moedas no mundo (o estáter lídio, inicialmente feito de electro), enquanto Creso, posteriormente, cunhou moedas de ouro e também financiou a construção do grande Templo de Ártemis em Éfeso, uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, o que o associou ainda mais ao dinheiro e à riqueza aparentemente ilimitada.
Depois de conquistar as cidades da Eólia, Dórida e Jônia, Creso não precisaria de um rio mágico de ouro para enriquecer, pois recebia tributo de todos elas, bem como da Frígia. Grande parte das informações sobre seu reinado vem do historiador Heródoto (v. c. 484-425/413 a.C.), segundo o qual o rei consultou o sábio Sólon (v. (v. c. 640 - c. 560 a.C.), que o advertiu contra o pecado do orgulho em se considerar acima dos demais, conselho que Creso ignorou, e que sua queda ocorreu devido a uma interpretação errônea da mensagem do Oráculo de Delfos sobre a guerra contra o Império Aquemênida persa. Conta-se também que teve o filósofo pré-socrático Tales de Mileto (v. c. 585 a.C.) em seu exército, atuando como engenheiro para desviar o Rio Hális durante a campanha militar contra os persas, embora sua associação com o filósofo pareça não ter tido melhores resultado para Creso do que sua consulta com Sólon.
Embora alguns historiadores tenham afirmado que Creso foi em grande parte uma figura lendária, sua assinatura na base de uma das colunas do Templo de Ártemis (agora em exibição no Museu Britânico) traz evidências de sua existência como um rei histórico, que governou a partir da cidade de Sardes. Ele continua sendo mencionado nos dias atuais em relação à vasta riqueza, mas sua história também serve como advertência (desde a Antiguidade) sobre o orgulho e os riscos inerentes à interpretação de sinais, presságios e mensagens do Divino.
Ancestralidade e Ascensão ao Poder
Creso foi o último rei da Dinastia Mermnada (c. 700-546 a.C.), iniciada com o rei Giges (r. c. 680-645 a.C.), que assumiu o trono depois de assassinar o rei Candaules (último da Dinastia Heráclide), a pedido da própria esposa deste. Giges atuava como guarda-costas e confidente de Candaules, e o rei, querendo confirmação de que sua esposa era a mais bela mulher do mundo, ordenou que se escondesse nos aposentos particulares da rainha para vê-la despida. A rainha percebeu Giges esgueirando-se pela porta depois de observá-la e, envergonhada pelo ocorrido, ofereceu-lhe a escolha de matar o marido por orquestrar a trama ou ser morto; então Giges matou Candaules, casou-se com a viúva e se tornou rei da Lídia.
Platão, no diálogo A República (Livro II, 359d-360c), oferece uma versão mais colorida que a de Heródoto no conto do Anel de Giges, no qual um humilde pastor chamado Giges encontra um anel mágico que o torna invisível e o usa para assassinar Candaules e assumir o trono de Lídia. Seja como for que tenha tomado o poder, o povo mostrou-se insatisfeito com a derrubada do monarca heráclida, já que a dinastia alegava descender do grande herói Hércules (Héracles, em grego) e, assim, Giges enviou um mensageiro ao Oráculo de Delfos para indagar se deveria ser rei. O Oráculo replicou que ele deveria e que sua dinastia iria durar cinco gerações antes da vingança pelo assassinato de Candaules. Giges ignorou a última parte, mobilizou seu exército e então conquistou Mileto e Colofon, antes de perecer em combate contra os invasores cimérios.
Foi sucedido pelo filho Ardis (r. 644-637 a.C.), que passou a maior parte de seu reinado combatendo os cimérios e, provavelmente, também morreu no campo de batalha. Seu filho e sucessor, Sadiates (r. 637-c. 635 a.C.), também pode ter sido morto por invasores da Ciméria. Sadiates foi sucedido pelo filho Alíates que, aliado aos citas, derrotou os cimérios e estabilizou o reino. Trata-se do primeiro rei na história a cunhar moedas, feitas de electro (uma liga de ouro, prata, cobre e outros metais). Ele continuou a política paterna de agressão contra as cidades-estados da Jônia e de envio de presentes luxuosos ao Oráculo de Delfos, na esperança de bençãos dos deuses. Alíates morreu em 585 a.C., após uma batalha contra os medos, e Creso se tornou o quarto - e último - rei da Dinastia Mermnada.
Após uma luta pelo poder com seu meio-irmão Pantaleão, o rei Creso deu continuidade às mesmas políticas agressivas contra os jônios, tal como seus predecessores. Heródoto escreve:
Os efésios foram os primeiros gregos que Creso atacou, mas em seguida ele atacou todas as cidades jônias e eólias, uma por uma. Ele sempre dava razões diferentes para fazê-lo; contra algumas, ele conseguia apresentar acusações mais sérias, mas em outros casos alegava questões triviais. (I.26)
Tendo subjugado a Jônia, voltou suas atenções para as ilhas vizinhas do Egeu e começou a construir uma marinha para subjugá-las mas, advertido por um conselheiro de que esta era a opção que os ilhéus esperavam - derrotar a Lídia pelo mar -, ele abandonou seus planos e, em vez disso, firmou tratados com as ilhas.
Reinado
Com a assistência de seus novos aliados, Creso continuou sua política de conquista. De acordo com Heródoto:
Depois de um tempo, quase todas as pessoas que viviam a oeste do Rio Hális tinham sido subjugadas. Com exceção dos cilícios e dos lícios, Creso dominou e tornou todos os restantes seus súditos – os lídios, frígios, mísios, mariandinos, cálibes, paflagonianos, os trácios tinianos e bitinianos, os carianos, jônicos, dórios, eólios e panfílicos. (I. 28)
Creso havia aprendido habilidades administrativas e políticas – bem como militares – desde jovem, quando seu pai o nomeou governador de Adramítio, e ele as empregou quando se tornou rei da Lídia. Reconhecendo a importância das alianças, fez as pazes com os medos, honrando o casamento, arranjado pelo pai, de sua irmã Arienis com o rei da Média, Astíages (r. 585-550 a.C). Também mantinha relações comerciais com o Egito e o Império Neobabilônico, enriquecendo ainda mais seu reino e a si mesmo.
Creso padronizou o sistema monetário da Lídia, emitindo as primeiras moedas de ouro e melhorando a cunhagem paterna. O acadêmico Jean Hatzfeld comenta:
O reino parcialmente helenizado da Lídia primeiro cunhou moedas de electro, uma vez que essa liga natural de ouro e prata existia em certos depósitos aluviais, notadamente as areias do Rio Pactolo. Mais tarde, a cunhagem de moedas de prata com valor garantido se espalhou na própria Grécia, onde o metal não era muito escasso. Finalmente, o rei lídio Creso foi o primeiro a emitir moedas de ouro. Ao mesmo tempo, de forma progressiva, a cunhagem tornou-se uma prerrogativa estatal. Os governos das cidades gregas tiraram o direito de cunhagem de indivíduos privados e, com o tempo, reservaram esse valioso privilégio para si. (44)
Creso transformou-se no monarca mais poderoso da Ásia Menor, tendo expandido seu território até o litoral do Mediterrâneo e a partir de Pérgamo, no norte, até a costa, ao sul. De acordo com Heródoto, ele se considerava o homem mais feliz do mundo, mas isso logo mudaria devido aos infortúnios pessoais e à ascensão de Ciro II (também conhecido como Ciro, o Grande, r. c. 550-530 a.C.) que destronou o próprio avô, o rei Astíages da Média, para fundar o Império Aquemênida.
A Queda de Creso
Embora os problemas de Creso tenham sido mencionados pelos escritores Xenofonte (v. 430 - c. 354 a.C.) e Ctésias (v. século V a.C.), entre outras, as duas histórias mais famosas sobre sua queda vêm das Histórias de Heródoto (1,29-46 e 1,85-91). A primeira está relacionada ao grande sábio e legislador ateniense Sólon. Sólon viajou por todo o Egito e Ásia Menor (também conhecida como Anatólia) antes de chegar ao palácio de Creso, em Sardes. Creso rejubilou-se com a presença de um visitante tão ilustre e não demorou a mostrar-lhe os seus tesouros. Depois que Sólon os inspecionou, o rei perguntou-lhe quem, de todos os homens que conhecera em suas viagens, ele chamaria de o mais feliz.
Sólon respondeu: "Telo de Atenas". Inconformado por não ter sido lembrado, Creso indagou por que Telo seria o homem mais feliz. O estadista ateniense respondeu que Telo vivera bem e satisfeito, tinha uma bela família e morrera gloriosamente em batalha por Atenas. O rei concordou que se tratava de uma boa vida e, esperando que fosse mencionado em seguida, perguntou a Sólon quem mais poderia ser considerado o mais feliz dos homens. Sólon respondeu:
"Os irmãos Cléobis e Biton, da raça dos árgios", e explicou o por quê, relatando novamente uma vida bem vivida e uma boa morte. Exasperado, Creso exclamou: "Homem de Atenas, não sou o homem mais feliz do mundo? Consideras minha felicidade como nada?" Sólon respondeu calmamente:
Na verdade, não considero nenhum homem feliz até sua morte, pois ninguém sabe o que os deuses podem ter-lhe reservado. Aquele que une o maior número de vantagens e as retém até o dia de sua morte, então morre pacificamente, esse homem sozinho, senhor, tem, em meu julgamento, o direito de usar o nome de 'feliz'. Mas em todos os assuntos, cabe a nós marcar bem o fim: pois muitas vezes os deuses dão aos homens um vislumbre de felicidade e depois os mergulham na ruína. (Heródoto, I.32)
Creso mandou Sólon embora, considerando que sua reputação de sabedoria era superestimada, mas logo descobriria a verdade das palavras do ateniense através dos eventos narrados pelo segundo relato de Heródoto. O primeiro infortúnio que sobreveio a Creso foi a morte de seu filho Átis, morto enquanto caçava um javali no Monte Olimpo (e, ironicamente, morto pelo homem que Creso enviara à caça com o propósito expresso de manter Átis seguro). Creso ficou de luto por seu filho por dois anos, até ser alertado de que os persas, comandados por Ciro, estavam ganhando poder e decidiu que deveria ver de perto a situação o mais rapidamente possível.
Ele enviou mensageiros ao Oráculo de Delfos para saber se deveria entrar em guerra contra o poderoso império persa que Ciro havia conseguido estabelecer tão rapidamente. O oráculo replicou: "Se Creso for à guerra, ele destruirá um grande reino". Satisfeito com essa resposta, o rei dos lídios firmou algumas alianças, preparou suas forças e partiu para enfrentar o exército persa no Rio Hális. Heródoto observa que, nesta ocasião, Tales de Mileto, um engenheiro militar de Creso, tornou possível a travessia do rio:
Quando chegou ao Rio Hális, Creso então, como eu disse, atravessou o rio pelas pontes existentes; mas, de acordo com o relato dos gregos, Tales de Mileto providenciou a travessia para ele. Conta-se que Creso não sabia como seu exército poderia atravessar o rio, já que não existiam pontes nesta época; e que Tales, que integrava o exército,fez o rio, que fluía do lado esquerdo do exército, fluísse do lado direito também. Ele procedeu da seguinte maneira: fez cavar um canal profundo em forma de meia-lua, atrás do acampamento, de modo a envolver a retaguarda do exército, e o rio, saindo do antigo leito, entrou pelo novo, retornando, em seguida, ao antigo, depois da passagem das tropas. Como resultado, tão logo o rio se dividiu, ficou vadeável dos dois lados. (I.75)
A Batalha de Ptéria (c. 547 a.C.) resultou num impasse e Creso retornou a Sardes, onde o exército começou a se desmobilizar para o inverno. Ele esperava que Ciro fizesse o mesmo, como era costumeiro, mas o rei persa, em vez disso, seguiu-o e preparou um ataque. Ele derrotou Creso na Batalha de Timbra (final de 547 a.C.), após neutralizar a cavalaria dos lídios equipando seus próprios cavaleiros com camelos (cujo cheiro amedrontava os cavalos) e, após um cerco de 14 dias, capturou Sardes e o rei. Após a queda de Sardes, a esposa de Creso cometeu suicídio e o rei foi levado acorrentado até Ciro.
Pela ousadia de mobilizar um exército contra o Império Persa, Ciro ordenou que Creso fosse queimado vivo, junto com outros 14 jovens nobres lídios. Quando o rei destronado viu as chamas da pira erguendo-se em direção a ele, clamou para ser resgatado por Apolo e, de acordo com Heródoto, uma chuva inesperada caiu do céu e apagou o fogo. Creso salvou-se de ser queimado até a morte, mas continuou prisioneiro do rei persa e, relembrando as palavras do sábio ateniense, exclamou “Oh, Sólon! Sólon! Sólon!” Ciro indagou ao tradutor o que esta palavra significava e Creso contou a história da visita, como nenhum homem podia ser considerado feliz até sua morte e, mais ainda, como havia sido enganado pelo Oráculo de Delfos, que lhe havia dito que, se entrasse em guerra contra Ciro, um grande reino cairia, o que, na verdade, significava a própria Lídia.
Ciro comoveu-se com a história e ordenou que Creso fosse libertado e tivesse permissão de enviar mensageiros lídios a Delfos para obter uma resposta divina sobre a razão de ter sido traído. O oráculo respondeu que dissera somente a verdade - um grande reino tinha sido, de fato, destruído por Creso - e que os deuses não tinham culpa se os humanos interpretavam incorretamente as mensagens divinas. Se Creso não tivesse sido tão confiante em sua própria sabedoria, o oráculo afirmou, ele teria feito uma segunda pergunta, ou seja, se seria o reino de Ciro ou o seu que cairia.
Conclusão
Heródoto acrescenta que a resposta do oráculo acrescentava que a queda de Creso devia-se ao pecado de Giges, ao assassinar Candaules a pedido da rainha e usurpar o poder da Dinastia Heráclide para implantar a sua própria:
Nem mesmo um deus pode escapar do seu destino decretado. Quatro gerações depois, Creso havia pago pelo crime do seu ancestral que, embora membro da guarda pessoal do heráclide, cedeu a um estratagema feminino, matou seu senhor e assumiu um posto que não era seu de direito. De fato, [os deuses] preferiam que a queda de Sardes acontecesse na época dos filhos de Creso, e não durante o reinado deste, mas não havia possibilidade de evitar as Parcas. (I. 91)
Creso, após tomar conhecimento da resposta do oráculo, reconheceu que ele e seu ancestral tinham sido responsáveis pelos seus infortúnios e se colocou à mercê da misericórdia do rei persa. Ciro sentiu pena do antigo rei lídio e, de acordo com Heródoto, manteve-o como um sábio conselheiro. Este relato positivo do fim de Creso tem sido contestado por muitos estudiosos, tanto antigos quanto modernos, bem como outras lendas, segundo as quais o deus Apolo levou o rei e sua família para longe após a queda de Sardes e que todos viveram felizes para sempre.
Não há registro da morte de Creso e, assim, os escritores posteriores parecem ter se sentido à vontade para fornecer uma conclusão positiva para a vida do rei. A maior parte dos acadêmicos e historiadores modernos acreditam que Creso morreu na pira (ou tirou a própria vida), mas que as pessoas não apreciavam que este fosse o final da história de um monarca tão rico e poderoso. Ainda assim, a história de Creso serviu como fábula moralizadora, entre os gregos, sobre o excesso de confiança (hubris) e uma advertência para não provocar a fúria dos deuses ao pensar em si mesmo como a pessoa mais feliz do mundo.