Sócrates de Atenas (c. 470/469-399 a.C.) está entre as figuras mais famosas da história mundial devido às suas contribuições para o desenvolvimento da filosofia grega antiga que, por sua vez, forneceu as bases para toda a filosofia ocidental. Por essa razão, ele é conhecido como “Pai da Filosofia Ocidental”.
Inicialmente, ele era um escultor que, ao que parece, também tinha outras ocupações - inclusive tendo sido soldado - antes de lhe ter sido dito pelo Oráculo de Delfos que ele era o homem mais sábio do mundo. Em um esforço para provar que o Oráculo estava errado, ele iniciou uma nova carreira que consistia em questionar aqueles que eram considerados sábios. Ao fazer isso, ele provou que o Oráculo estava correto: Sócrates era, de fato, o homem mais sábio do mundo porque ele não afirmava conhecer qualquer coisa de grande importância.
Seu aluno mais famoso foi Platão (c. 424/423-348/347 a.C), que honraria seu nome com o estabelecimento de uma escola em Atenas - a Academia de Platão - e, mais ainda, por meio de diálogos filosóficos que Platão escreveu apresentando Sócrates como o personagem principal. Se os diálogos escritos por Platão representam fielmente os ensinamentos de Sócrates é algo que continua a ser debatido, mas uma resposta definitiva é improvável de ser alcançada. O aluno mais famoso de Platão foi Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) que, por sua vez, seria tutor de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), e estabeleceria sua própria escola. Por essa progressão, a filosofia grega, iniciada por Sócrates, se espalhou por todo o mundo conhecido durante e depois das conquistas de Alexandre.
A historicidade de Sócrates nunca foi contestada, mas o que, precisamente, ele ensinou, é tão elusivo quanto os princípios filosóficos de Pitágoras ou os posteriores ensinamentos de Jesus, na medida em que nenhuma dessas figuras escreveu alguma coisa por si próprias. Embora Sócrates seja geralmente considerado como tendo iniciado a filosofia ocidental, a maior partes do que nós conhecemos dele tem origem nos escritos de Platão e, menos ainda, de outros de seus estudantes, como Xenofonte (430-c.354 a.C.). Tem havido esforços de reconstrução da filosofia socrática com base nas demais escolas filosóficas fundadas por seus estudantes, além da escola de Platão, mas essas escolas são muito diferentes para que possam auxiliar na configuração original dos ensinamentos de Sócrates que os inspiraram.
O “Sócrates” que chegou até os dias atuais desde a antiguidade poderia ser uma construção filosófica de Platão. De acordo com o historiador Diógenes Laércio (c. 180 - 240 d.C.), muitos contemporâneos de Platão o acusam de ter reimaginado Sócrates à sua própria imagem a fim de promover a própria interpretação que Platão dava aos ensinamentos de seu mestre. Seja como for, a influência de Sócrates fundaria as escolas que levaram à formulação da filosofia ocidental e à compreensão cultural subjacente da civilização ocidental.
Início da vida e carreira
Sócrates nasceu em c. 469/47o a.C., filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta. Ele estudou música, ginástica e gramática em sua juventude (matérias de estudo comuns para um jovem grego) e seguiu a profissão de seu pai de escultor. Segundo a tradição, ele foi um excepcional artista e sua estátua das Graças, na estrada para a Acrópole, teria sido admirada até o século 2 d.C. Sócrates serviu com distinção ao exército e, na Batalha de Potideia, salvou a vida do general Alcibíades.
Ele se casou com Xântipe (Brasil) ou Xantipa (Portugal), uma mulher da alta classe, por volta dos 50 anos, e teve três filhos com ela. De acordo com escritores contemporâneos a ele, como Xenofonte, os três filhos de Sócrates eram incrivelmente apáticos e não se pareciam nada com o pai deles. Sócrates parece ter vivido uma vida razoavelmente normal até que o Oráculo de Delfos lhe disse que ele era o mais sábio entre todos os homens. Seu desafio à afirmação do Oráculo estabeleceu o caminho que o transformaria em filósofo e fundador da filosofia ocidental.
O Oráculo e Sócrates
Quando Sócrates já havia atingido a meia-idade, seu amigo Querefonte (ou Cerefão) perguntou ao Oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio que Sócrates. Àquela pergunta, o Oráculo respondeu: “não”. Aturdido pela resposta e na esperança de provar que o Oráculo estava errado, Sócrates passou a questionar pessoas que ele próprio e outras pessoas consideravam “sábias”. Ele descobriu, para seu espanto, “que os homens tidos como os mais sábios eram, na verdade, quase os que menos sabedoria possuíam, enquanto outros, desprezados como pessoas comuns, demonstravam ser bem mais inteligentes” (Platão, Apologia, 22).
A juventude de Atenas se deleitava em assistir Sócrates questionar os mais velhos no mercado e, em pouco tempo, ele tinha um grupo de jovens homens que o seguiam devido ao seu exemplo e aos seus ensinamentos. Esses jovens abandonaram suas aspirações iniciais e devotaram sua vida à filosofia (do grego filo, amor, e sophia, sabedoria - literalmente, “o amor pela sabedoria”). Dentre esses jovens estavam Antístenes de Atenas (c. 445-365 a.C.), fundador da escola cínica; Aristipo de Cirene (c. 435-356 a.C.), fundador da escola cirenaica; Xenofonte (c. 431-354 a.C.), cujos escritos influenciaram Zenão de Cítio (c. 336-265 a.C.), fundador da escola estoica; e o mais famoso de todos, Platão, considerado a maior fonte de informação sobre Sócrates em seus Diálogos, dentre muitos outros. Cada grande escola filosófica mencionada pelos escritores antigos que se seguiram à morte de Sócrates foi fundada por algum de seus seguidores.
Escolas socráticas
A diversidade dessas escolas é testemunho da grande variedade da influência de Sócrates e, mais importante, da diversidade de interpretações dos seus ensinamentos. Os conceitos filosóficos ensinados por Antístenes de Atenas e Aristipo de Cirene não poderiam ser mais diferentes: enquanto o primeiro ensinava que a boa vida era alcançada por meio do autocontrole e da autoabnegação, o segundo afirmava que uma vida de prazeres era o único caminho que valia a pena ser perseguido.
Tem-se afirmado que a maior contribuição de Sócrates para a filosofia foi ter conduzido as indagações filosóficas para longe das “ciências físicas” (como faziam Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e outros), concentrando seus esforços em indagações mais abstratas, como sobre a ética e a moralidade. Não importa a diversidade das escolas que afirmam continuar seus ensinamentos: todas elas enfatizam alguma forma de moralidade como seu princípio fundador. O fato de a “moralidade” defendida por uma escola ser frequentemente condenada por outra atesta mais uma vez as diferentes interpretações dadas à mensagem central de Sócrates.
Enquanto estudiosos têm tradicionalmente confiado nos Diálogos de Platão como uma fonte de informação sobre o Sócrates histórico, contemporâneos de Platão afirmam que ele utilizava um personagem que ele chamou de Sócrates como um porta-voz de suas próprias convicções filosóficas. Dentre esses críticos, destaca-se Fédon, um estudante colega de Platão. Os escritos de Fédon se perderam, mas seu nome se tornou famoso por ter sido dado a um dos mais influentes diálogos de Platão. Outro crítico contemporâneo a Platão foi Xenofonte de Atenas, cuja obra Memorabilia (em português muitas vezes traduzido como “Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates”) apresenta uma visão diferente de Sócrates daquela que é apresentada por Platão.
Sócrates e sua visão
Independentemente de como seus ensinamentos são interpretados, parece claro que o principal objetivo de Sócrates recai sobre como viver uma vida boa e virtuosa. A afirmação atribuída a ele por Platão de que “a vida irrefletida não merece ser vivida” (Apologia, 38b) parece historicamente correta, uma vez que é claro que ele inspirou seus seguidores a pensar por si próprios ao invés de seguir os ditames da sociedade e aceitar superstições referente aos deuses e como eles deviam se comportar.
Embora haja diferenças entre as representações de Sócrates apresentadas por Platão e Xenofonte, ambos apresentam um homem que não se importa com distinções de classe ou “comportamento apropriado”, o qual conversa tão facilmente com mulheres, servos e escravos como com os integrantes das classes mais altas.
Na Atenas antiga, o comportamento individual era mantido por um conceito conhecido como “Eusebia”, o qual é frequentemente traduzido para o português como “piedade”, mas que melhor se assemelha a “dever” ou “lealdade a um caminho”. Recusando-se a se conformar aos protocolos sociais prescritos pela Eusebia, Sócrates provocou a fúria de muitos homens importantes que podiam acusá-lo de desrespeitar as leis por violação dos costumes.
O julgamento de Sócrates
Em 399 a.C., Sócrates foi acusado impiedosamente pelo poeta Meleto, por Ânito, o curtidor, e por Lícon, o orador, que pediram a aplicação da pena de morte. Dizia a acusação: “Sócrates é culpado, em primeiro lugar, de negar os deuses reconhecidos pelo cidade e introduzir novas divindades; em segundo lugar, ele é culpado por corromper a juventude". Tem-se sugerido que a acusação era pessoal e politicamente motivada, na medida em que Atenas estava tentando se livrar daqueles associados ao flagelo do regime da Tirania dos Trinta que apenas recentemente havia sido encerrado.
A relação de Sócrates com o regime da Tirania dos Trinta se dava através de um ex-aluno seu, Crítias, que era considerado o pior dos tiranos e que se pensava havia sido corrompido por Sócrates. Também se acreditava, parcialmente devido à interpretação dada ao diálogo de Platão na obra Mênon, que Ânito acusava Sócrates de ter corrompido seu filho. Ânito, ao que parece, havia preparado seu filho para a vida política, até que o garoto tornou-se interessado nos ensinamentos de Sócrates e abandonou seus interesses políticos. Os acusadores de Sócrates tomavam Crítias como um exemplo de como o filósofo corrompia a juventude. Ainda que eles não tenham levado essa acusação perante o tribunal, esse caso parecia ser de conhecimento prévio do júri.
Ignorando o conselho de amigos e recusando a ajuda do talentoso escritor de discursos e orador Lísia, Sócrates escolheu defender-se por conta própria no tribunal. Não havia advogados na Atenas antiga e, em vez de um procurador, o acusado contratava um escritor para elaborar sua defesa. Lísia estava entre os mais bem pagos escritores, mas, como ele era um admirador de Sócrates, ele ofereceu seus serviços gratuitamente.
O orador usualmente apresentava o acusado como um bom homem que havia sido injustiçado por uma falsa acusação, e esse era o tipo de defesa que o tribunal teria esperado de Sócrates. Ao invés de uma defesa fundada em justificativas e apelos por sua vida, Sócrates desafiou o tribunal ateniense, afirmando sua inocência e se colocando no papel da “mosca” de Atenas: o benfeitor de todos os atenienses, aquele que, por sua própria conta, manteve-os acordados e atentos. Em sua “Apologia”, Platão narra que Sócrates falou:
Se você me matar, não encontrará facilmente outro que, para usar uma figura um tanto absurda, se liga à cidade como uma mosca a um cavalo que, apesar de grande e bem criado, é preguiçoso devido ao seu tamanho e, portando, precisa ser despertado. Eu acho que deus me ligou a esta cidade como ligou a mosca ao cavalo, uma vez que eu estou constantemente pousando em vocês em todo lugar para despertá-los, persuadi-los e repreendê-los o dia todo (Apologia, 30e).
Platão deixa claro em sua obra que as acusações contra Sócrates tinham pouco peso, mas também enfatiza o desrespeito de Sócrates para com o júri e o protocolo do tribunal. Sócrates é apresentado recusando ajuda profissional, dispensando a atuação de um orador e, posteriormente, recusando-se a se comportar de acordo com o que é esperado de um acusado sendo julgado por um crime capital. Sócrates, de acordo com Platão, não tinha medo de morrer, proclamando no tribunal:
Temer a morte, meus amigos, é apenas crer-se um sábio sem sê-lo, pois é o mesmo que saber o que não se sabe. Porque ninguém conhece a morte, nem tampouco se ela não seria a melhor coisa que pode acontecer a um homem. Mas os homens a temem como se eles soubessem com certeza que é o maior de todos os males (Apologia 29a).
Em seguida, Platão expõe o famoso entendimento filosófico de Sócrates no qual o velho mestre desafiadoramente afirma que ele deve escolher servir ao divino do que se conformar à sociedade e às suas expectativas. Tornou-se famosa a passagem na qual Sócrates confronta seus concidadãos, dizendo:
Cidadãos de Atenas, eu vos respeito e vos amo, mas devo obedecer a deus do que obedecer a vocês, enquanto eu estiver vivo e tiver força, eu nunca deixarei de ensinar a filosofia, de exortar a quem quer que seja que venha à minha presença, ensinando-lhe o que costumo dizer: Meu bom amigo, porque você, como cidadão da maior, mais poderosa e mais sábia cidade, se preocupa tanto em acumular grandes quantidades de dinheiro, honra e reputação e tão pouca sabedoria e verdade para o maior desenvolvimento da alma, para a qual você nunca tem consideração alguma? Você não se envergonha disso? E se a pessoa com quem estou discutindo disser: Sim, mas eu me importo. Eu não vou deixá-lo ir. Eu vou lhe interrogar, examinar e acarear. E se eu concluir que ele não tem virtude, mas que apenas afirma ser virtuoso, eu vou lhe censurar por subestimar o mais importante e valorizar o de menor importância. E isso eu devo dizer a qualquer um com quem eu encontre, jovem ou velho, cidadão ou estrangeiro, mas especialmente aos cidadãos, visto que são meus irmãos. Porque essa é a ordem de deus, como vós o sabeis. E eu acredito que, até os dias de hoje, não houve bem maior nesta cidade do que meus serviços para deus. Eu não fiz nada além de ir por toda parte persuadindo a todos vocês, velhos e jovens, a não pensar em vossos corpos e vossas propriedades, mas primeiro e principalmente no maior desenvolvimento de vossas almas. Devo vos dizer que a virtude não vem da riqueza, mas é da virtude que vem a riqueza e todas as coisas boas, tanto as públicas quanto as privadas. Esse é meu ensinamento. Se essa é a doutrina que corrompe a juventude, minha influência é, de fato, prejudicial. Mas se alguém disser que meu ensinamento não é esse, ele estará mentindo. Portanto, cidadãos de Atenas, eu vos digo, acatando ou não a acusação de Ânito, absolvendo-me ou não, qualquer coisa que vocês me fizerem, saibam que eu nunca vou mudar o que penso, nem mesmo se eu tiver de morrer muitas vezes (Apologia, 29d-30c).
Quando chegou a hora de Sócrates sugeriu uma pena a ser imposta ao invés da pena de morte, ele sugeriu que deveria ser mantido com refeições livres, em sua homenagem, no Pritaneu, o lugar reservado para os heróis dos jogos olímpicos. Essa proposta foi considerada um grave insulto à honra do Pritaneu e da cidade de Atenas. Nesses casos, o tribunal esperava que os criminosos acusados em um julgamento que pode levá-los à pena de morte implorem pela misericórdia do tribunal, e não que se considerem merecedores de honrarias heroicas.
Condenação e Resultado
Sócrates foi condenado e sentenciado à morte (Xenofonte escreveu que Sócrates desejava por esse resultado, e o relato de Platão sobre o processo em sua obra Apologia parece confirmar esse desejo). Os últimos dias de Sócrates são narrados por Platão nas obras Eutífron, Apologia, Críton e Fédon, este último retratando o dia de sua morte (por ingestão de cicuta) cercado por seus amigos em sua cela na prisão em Atenas. Segundo Platão: “esse foi o fim de um amigo, um homem que, na minha opinião, foi o mais sábio e justo, o melhor homem que eu conheci” (Fédon, 118).
A influência de Sócrates foi sentida imediatamente nas ações de seus discípulos, à medida que formavam suas próprias interpretações sobre a vida, os ensinamentos e a sua morte. Seus discípulos passaram a formar suas próprias escolas filosóficas e a escrever sobre suas experiências com seu mestre. De todos os escritos, sobreviveram apenas os trabalhos de Platão, Xenofonte, uma representação cômica deixada por Aristófanes e os últimos trabalhos de Aristóteles para nos contar um pouco da vida de Sócrates. Ele, por si mesmo, não escreveu nada, mas suas palavras e ações na busca e na defesa da verdade mudaram o mundo e seu exemplo ainda inspira as pessoas nos dias de hoje.